Reproduzimos abaixo nossa resposta à carta que recebemos da camarada Ana Barradas.
Estimada
camarada Ana Barradas,
Recebemos
com satisfação a tua carta, esse teu chamado à tão necessária luta comunista
nos dias que correm e ao reagrupamento daqueles que defendem as posições
revolucionárias proletárias e a publicamos em nosso blog[1].
Ao ratificar que estamos de acordo com essa Iniciativa, queremos também
aproveitar para contribuir com ela, expondo brevemente os pontos iniciais que
achamos importantes para o nosso debate.
Retomar os princípios comunistas
“Construção da hegemonia do proletariado pela aliança com as massas
semiproletárias e pela sua demarcação crítica face à pequena burguesia”, “necessidade de um partido proletário para a revolução”, “expropriação da burguesia através do estabelecimento da ditadura revolucionária do proletariado”,
“é necessário ... combater o centrismo e o revisionismo, aclarar conceitos teóricos e repor o marxismo na sua pureza”,
dizes tu.
“necessidade de reconstruir o partido
revolucionário do proletariado em nosso país e para isto cumprir três tarefas
fundamentais. Primeira, retomar o
marxismo-leninismo no nível do desenvolvimento em que se encontra hoje ...
Segunda, reconstruir o partido revolucionário,
unidade indissolúvel da teoria e da prática. Terceira, aprofundar nossas ligações com as massas dentro do princípio de que só
as massas dirigidas pela classe operária e seu partido, armado da teoria
revolucionária, podem fazer a revolução”, “retomar o marxismo-leninismo
combatendo o reformismo e revisionismo”, dizemos nós[2].
Para nós, os
pontos de partida, mínimos, sobre os quais os comunistas devem se colocar de
acordo e praticar cotidianamente parecem ser exatamente esses. Nos apropriarmos
cada vez mais da teoria científica e revolucionária do proletariado, o marxismo-leninismo,
sem a qual não há prática revolucionária. Aprofundarmos nossa ligação com a
classe operária e as demais classes dominadas como guia para nossa ação
cotidiana e sua permanente retificação. Combater a ideologia burguesa e sua influência
no proletariado, em todas as suas manifestações, mas especialmente travar um
combate sem tréguas, teórico e prático, ao reformismo e ao revisionismo, contra
a prática dos ditos partidos de “esquerda”, centrais sindicais e sindicatos
pelegos, e movimentos “populares”. Nesse processo, reconstruir o partido
revolucionário do proletariado, o Partido Comunista. Dessa maneira, fazer com
que nossa ação prática atual contribua para construir a revolução proletária, a
expropriação dos expropriadores, e a (re)construção do socialismo, pelo caminho
inafastável da ditadura revolucionária do proletariado, rumo ao comunismo.
No entanto,
somos da opinião que a necessária concordância genérica sobre esses pontos
mínimos não nos basta. É necessário construir pacientemente a unidade teórica e
prática possível. Aprofundá-la persistentemente no espírito de camaradagem e
respeito que sempre pautou a relação entre os comunistas.
Ter clara a
situação atual em que nos encontramos, na qual os princípios do marxismo foram
abandonados e a posição comunista praticamente inexiste. Para isso, basear uma
Iniciativa como a que tu propões na busca de uma autocrítica, teórica e
prática, da nossa própria trajetória, dos problemas, desvios e deformações que
se acumularam ao longo de várias décadas. Autocrítica que só se pode praticar a
medida em que avançarmos no domínio da teoria marxista-leninista.
Será preciso reconstruir praticamente todo o caminho. A retomada
da teoria implica limpar todo o entulho reformista e revisionista que se acumularam
ao longo de décadas. Mas significa também aplicar o marxismo-leninismo às
condições atuais, aos ensinamentos da derrocada das primeiras experiências de
construção socialista, e à atual crise do imperialismo.
Também o
Partido Comunista, instrumento da revolução proletária, da luta de libertação
da classe operária e das demais classes dominadas, terá de ser reconstruído,
indo de encontro tanto a todas as “teorias” burguesas atuais sobre sua
desnecessidade e “superação” (sic!), quanto às experiências fossilizadas,
autoritárias, sem democracia e debates internos, burocráticas que
caracterizaram a trajetória da absoluta maioria dos partidos no mundo todo nas
últimas décadas. Reconstruir o Partido Comunista no seio da classe operária, no
fogo da luta de classes, é a expressão orgânica dessa nossa tarefa.
O predomínio das posições burguesas no seio da classe
operária no Brasil
Para exemplificar com o caso que conhecemos melhor,
podemos afirmar que há quase 40 anos (pelo menos) não temos no Brasil um Partido
proletário, marxista-leninista, revolucionário, comunista. Com isso,
a perspectiva de superação revolucionária do capitalismo foi, gradualmente,
desaparecendo do cotidiano das lutas operárias e de parcela mais avançada da
classe. A correlata perda de influência das posições e da organização
comunistas nas massas proletárias deu lugar às posições e organizações
reformistas e revisionistas, que atualmente controlam a quase totalidade do
aparelho sindical e dos movimentos “populares”. No campo da teoria, uma teoria
“marxiana” (sic!), “acadêmica”, busca apresentar-se no lugar do
marxismo-leninismo, devidamente expurgada de qualquer conteúdo científico ou
revolucionário.
Em primeiro
lugar, essa trajetória se origina das próprias debilidades históricas do Partido
Comunista. Sua base nas camadas médias urbanas gerou uma linha política
oscilante, ora um aventureirismo revolucionário sem embasamento na sua prática,
ora um explícito posicionamento a reboque da burguesia “nacional” (sic!). A
isso se combina a insuficiência teórica, que dá lugar à penetração da ideologia
burguesa no partido. Esse processo, e mais a atitude passiva diante da ditadura
burguesa a partir de 1964, deu origem a fracionamentos sucessivos dos
comunistas, em grande parte aderindo à luta armada a partir de concepções
militaristas ou foquistas. As tentativas de reorganização a partir da chamada
“abertura democrática”, a finais dos anos 1970, não geraram frutos duradouros. Desde
então, só se conhecem no país pequenas tentativas, coletivos e organizações se
reivindicando comunistas, ainda bastante limitadas.
Em segundo
lugar, a essa fragilidade dos comunistas correspondeu o crescimento das
posições burguesas no seio da classe operária e de suas organizações, assim
como nos demais movimentos populares ou de camadas médias. A hegemonia dessas
posições se consolida a partir dos anos 1990 e atinge seu ápice – ao mesmo
tempo em que perde sua máscara – com a eleição do PT para a presidência da
república com Lula, em 2002, e Dilma, em 2010.
Nesses
últimos catorze anos restou cristalina a posição burguesa do PT e seus asseclas
(PCdoB, CUT, MST, MTST, UNE, etc.), na defesa explícita de uma política de
conciliação de classes, na qual “todos ganhariam” – ou, como disse o próprio
Lula para os empresários: “Se tem uma
coisa que nenhum empresário brasileiro pode se queixar nos meus seis anos de
mandato é que nunca se ganhou tanto dinheiro como no meu governo”[3].
Mais que isso, tanto os governos petistas, quanto os partidos que o apoiaram,
as centrais e os demais, defenderam e defendem explicitamente a subordinação da
classe operária e das demais camadas populares aos interesses da burguesia[4].
Apoiaram a ruptura da própria legislação trabalhista burguesa para permitir um
programa de redução de salários, assinaram diversos manifestos conjuntos com as
entidades patronais (Coalizão Capital-Trabalho!) em defesa da produção (!),
entre muitos outros etc.
Em suma, para a absoluta maioria da classe operária e
das demais classes dominadas no Brasil atual, a luta revolucionária pela
derrubada do capitalismo não é uma perspectiva. Parecem
restar-lhes como opções políticas apenas os caminhos institucionais, a
canalização de suas reivindicações para os parlamentos, a mera escolha
periódica de qual será o próximo governante a representar os interesses da
burguesia.
A crise do imperialismo e a retomada das lutas
proletárias
Neste
momento da crise do sistema imperialista mundial, crise aberta em 2007/2008,
revela-se em toda a sua amplitude o caráter parasitário e de decomposição do
capitalismo. A exploração que o sistema burguês impõe à classe operária e
demais classes dominadas se magnifica, agravando suas já precárias condições de
vida. A tendência à guerra se confirma, tanto como instrumento de dominação
imperialista quanto como forma de queima de capital. Renascem as ideologias
latentes do racismo, da xenofobia, do fascismo.
Nessa já
quase uma década, a crise do capital expõe às claras um sistema amarrado nas
suas próprias contradições, insolúveis. A crescente superacumulação de capitais
gera uma tendência incontrolável à centralização cada vez maior da propriedade
e da produção em um número cada vez menor de gigantescas corporações
transnacionais. A anarquia da produção capitalista e a concorrência entre os
capitais impõem uma ofensiva burguesa em todas as frentes, econômica,
ideológica, política, repressiva. A Lei Geral de Acumulação Capitalista
mostra-se então em sua férrea necessidade, o desemprego e a miséria crescem
velozmente.
Os países
imperialistas mais antigos (EUA e, especialmente, os europeus e o Japão)
parecem apenas ter trocado as recessões periódicas típicas por uma estagnação
prolongada, sem nenhuma perspectiva perceptível de superação. Pelo contrário,
crescem as condições/contradições para novas recessões. Em todos eles, a crise
ensejou campo livre para os programas de “austeridade” e para as “reformas”
anti-trabalho, expressões da ofensiva econômica, jurídica e ideológica da
burguesia em busca da retomada de suas taxas de lucro. Busca reforçada pelos
vários trilhões de dólares que os estados imperialistas têm gerado em capital
fictício, até aqui com efeitos muito limitados. Os governos de direita e de
“esquerda”, ao intercambiarem-se mutuamente, apenas confirmaram ser os comitês
encarregados de administrar os negócios e os interesses da burguesia.
A China, ao
incorporar-se de pleno direito ao grupo dos países imperialistas, compartilha o
mesmo destino. As contradições da acumulação do capital e o peso da crise do
imperialismo ditam o desempenho da economia chinesa. A desaceleração de suas
taxas de crescimento expressa a superacumulação de capitais e a superprodução
latente em setores como infraestrutura, tendência que também se reflete na
enorme crise fiscal de suas províncias e municipalidades e na gestação de uma crise
bancária. Por outro lado, o aumento significativo das lutas operárias, com a
multiplicação de greves e ocupações de fábricas, aumentam os salários dos
operários chineses e potencializam movimento de migração de fábricas intensivas
em trabalho para outros países do sudeste asiático nos quais as pressões
competitivas reduzem ainda mais os miseráveis salários dos operários.
Esses
movimentos nos países imperialistas têm importantes impactos nos países
dominados do sistema imperialista mundial, reconfigurando a divisão
internacional do trabalho. Em geral, tendências para a redução dos preços das
matérias-primas e commodities produzidas
pelos países dominados, com a consequente redução das taxas de lucro e das
taxas de crescimento desses setores mais dinâmicos. Com isso, crise de
acumulação de capital, das finanças públicas, cambiais, a depender do caso. A
América Latina hoje segue o caso europeu de alguns anos: a gestão do
capitalismo é trocada. Onde a direita, assume a “esquerda” (Chile). Onde a
“esquerda”, troca-se pela direita (Brasil). Com todo o cuidado de manter as
consensuais políticas “sociais”, de “transferência de renda”, conforme as
detalhadas orientações do Banco Mundial.
Além disso,
no geral, a crise do capital reforça as tendências do imperialismo ao racismo,
à xenofobia e ao fascismo, com os Trump, Le Pen, Bolsonaro e homólogos nos
demais países recolhendo parte da insatisfação das camadas médias com a ameaça
cada vez mais palpável de sua proletarização. Ao que se soma a tragédia dos
milhões de refugiados das guerras imperialistas no Oriente Médio, morrendo aos
milhares em travessias desesperadas no Mediterrâneo e nos campos de
concentração no qual são confinados na Turquia e na Europa.
Essa
situação implora que a chamemos com seu nome próprio: o capitalismo, o imperialismo é a barbárie! Não há qualquer alternativa
para a classe operária nos marcos do regime burguês. A saída é a revolução
socialista!
Mesmo nesse
quadro, a resistência proletária na luta de classes resta bastante enfraquecida
diante da ofensiva ideológica, política e repressiva do capital e na ausência
de sua linha política própria e de seu instrumento de luta. Eppur si muove! Da crescente mobilização
operária e greves na China, às greves gerais na Grécia, às ocupações de
fábricas e escolas no Brasil, a classe operária no mundo todo resiste. Em uma
conjuntura difícil, sem contar com seu principal instrumento de luta e sua
teoria, resiste como pode. Mas, ainda assim, resiste.
São a essas
massas proletárias que os comunistas devem se ligar cada vez mais
estreitamente. Se ligar para aprender com elas na sua vida/luta cotidianas, nos
seus locais de trabalho e de moradia. Se ligar para mostrar que para além da
resistência cotidiana à exploração burguesa há outra, e única, saída. Mostrar
que os proletários não têm nada a perder a não ser seus grilhões. Que eles têm
um mundo a ganhar.
PROLETÁRIOS
DO MUNDO INTEIRO, UNI-VOS!
Cem Flores,
23/08/2016.
[1]
“O
Caminho É Para a Frente, Há que Retomá-lo”, de 02.06.2016, em http://cemflores.blogspot.com.br/2016/06/o-caminho-e-para-frente-ha-que-retoma.html.
[2] “Convocatória para a
reconstrução do partido revolucionário do proletariado. Ou para ler
o Que Fazer? Homenagem aos
100 anos de sua publicação”, de setembro de 2002, em http://cemflores.org/index.php/2002/09/08/convocatoria-para-a-reconstrucao-do-partido-revolucionario-do-proletariado/#_ftn1.
[4] Unindo o anedótico ao oportunismo e ao cretinismo
parlamentar mais deslavados, parlamentar do PCdoB acusada de receber propina de
empresas por meio do presidente da Transpetro (estatal subsidiária da
Petrobrás), defende que os recursos que recebeu foram lícitos e vinculados aos
seus “mais de 30 anos de luta em apoio e
soerguimento do setor naval” (http://vermelho.org.br/noticia/282368-1). Pois então agora os partidos oportunistas têm até
mesmo divisão do trabalho, cada parlamentar escolhe a qual fração do capital
vai servir!
Nenhum comentário:
Postar um comentário