O Comité Central do Partido Comunista reuniu-se a 17 de Julho e analisou em profundidade os últimos desenvolvimentos do país e discutiu também o estado do partido e as suas tarefas.
Comunicado:
1. A tentativa de golpe de 15 de Julho não foi um confronto entre centros de conflito ideológico, mas envolveu pelo menos duas ou mais facções com identidades e ideologias de classe idênticas. Não é possível que essas facções não soubessem dos planos e acções umas das outras assim como não é possível separar um do outro.
2. O processo que levou ao golpe tem duas dimensões. Primeiro poderia ser descrito como uma luta pelo «poder» no sentido geral entre apoiantes de Erdogan e o movimento de Gulen, que adquiriu uma nova dimensão com as recentes purgas alargadas de Gulenistas. Enquanto o peso económico e político desta luta aumenta, a luta adquire também uma dimensão internacional e centros imperialistas apoiam estas facções.
3. Que a maioria dos oficiais que participaram na tentativa de golpe é gulenista e que os movimentos Gulen têm ligações com os Estados Unidos, são factos. A ideia que não teria havido golpe na Turquia sem a aprovação dos Estados Unidos já que a Turquia é um parceiro militar próximo como membro da NATO é correcta. A principal razão por trás das altas patentes das forças armadas turcas que estão frustradas por o AKP não tentar um golpe é devida ao apoio que a administração norte-americana tem dado ao AKP.
4. Esse apoio foi recentemente reduzido por varias razões. Alguns elementos com influência nos Estados e alguns países europeus, começaram até a preparar-se para a purga de Erdogan. O levantamento do povo em 2013 com a participação de milhões, o dano nos interesses do sistema devido à tensão criada por Erdogan em largos sectores da sociedade e por fim o fiasco total da politica síria afectou profundamente as relações entre Erdogan e alguns países imperialistas. Não é possível considerar a tentativa de golpe de 15 de Julho sem levar em conta esta tensão.
5. Ainda que os golpistas tenham ligações fora, isso não faz de Erdogan um patriota ou um anti-imperialista. Como político, Erdogan serviu os interesses dos Estados Unidos e dos monopólios internacionais. Agora, como político que perdeu favores entre as forças que o apoiaram durante anos, manobra para criar novas alianças num esforço para se salvar. O facto de Erdogan estar agora a aproximar-se deste ou daquele eixo internacional não muda o seu carácter de classe e as suas preferências ideológicas. Recp Tayip Erdogan é um politico burguês, é um inimigo da classe trabalhadora, é um contra-revolucionário não é diferente dos golpistas que queriam vencê-lo.
6. A tentativa de golpe, os poderes atrás dela, os métodos utilizados e a sua base ideológica não têm a ver com os interesses do povo. A opinião de que o país teria visto melhores dias se o golpe tivesse tido êxito não tem sentido. É óbvio o que poderia significar um golpe pró-americano, anti povo.
7. É também absurdo apresentar a supressão do golpe como uma vitória para o povo e/ou celebrá-lo como o «festival da democracia» na cauda do AKP. É uma aproximação que não questiona a legitimidade do regime do AKP e que ignora os fundamentos de classe do que se está a passar no país.
8. A tese de que Erdogan conquista mais poder depois desta tentativa de golpe é certa até um certo ponto. Sem duvida Erdogan conseguiu uma oportunidade de infligir um golpe pesado à Comunidade Gulen, conseguiu a oportunidade de se fazer de vítima mais uma vez, consolidou a sua base e testou o poder de algumas organizações sob o seu controle. Mas, acabou por ter um aparelho de estado seriamente danificado e tem de enfrentar o facto que já não há burocracia segura por causa da transitoriedade das facções integrais.
9. Nessas circunstâncias, Erdogan pode tentar uma purga não só de elementos gulenistas como também de Kemalistas com quem tem mantido uma aliança nas duas instituições de estado mais críticas, as Forças Armadas Turcas (TSK) e o aparelho judicial, e manter-se apenas com os seus apoiantes. Embora seja relativamente fácil conseguir isso em vários sectores da burocracia, há grandes desafios em confiar nos seus recursos no sector militar e judicial. Sem entrar num confronto absoluto e final no plano social, Erdogan não pode fazer esta jogada, que significaria essencialmente uma tentativa de estabelecer um estado islâmico. Por outro lado, Erdogan não tem outra maneira de conseguir consolidar as suas massas sob tensão.
10. Também é possível que Erdogan faça um esforço para reparar as relações com os Estados Unidos e reduzir a tensão interna após um rápido período de terror e intimidação, e já há sinais de que ele se prepara para dar esses passos. Adicionalmente, as expectativas do CHP e HDP vão também nessa direcção. Essa opção é difícil porque não é possível a Erdogan sem políticas de tensão crescente, limpar o campo dos seus elementos radicais. Nem a oposição no Parlamento parece ser um problema para Erdogan e o seu AKP.
11. Em qualquer caso, há uma dissolução e uma crise multidimensional sobre a hegemonia do capital. Não é esta dissolução mas o estado desorganizado da classe trabalhadora, que neste momento é perigoso.
12. Outro perigo potencial é espalhar-se a ideia após o golpe que Erdogan é invencível. Esta crença é acompanhada de cenários «assustadores» que se espalham como vírus e notícias, que na sua maioria são mentiras e criam um estado de pânico. O governo AKP tem sido sempre perigoso e claro que agora é ainda mais perigoso. Mas o clima de pânico está a ajudar a legitimar a agressão do AKP. Na verdade, nem o AKP nem Erdogan são tão fortes como afirmam nem a Turquia é um país cujo futuro pode ser lançado à escuridão da noite. Por exemplo, nas chamadas «celebrações» após o golpe, apesar dos apelos, o número de apoiantes do AKP nas ruas foi limitado. A posição correcta é saber o perigo que está pendente mas não ceder ao pânico, pelo contrário, tentar utilizar a dissolução em benefício da classe trabalhadora.
13. O AKP e a ameaça fundamentalista não devem ser subestimados. É claro que o período que abriu com a asserção «O Secularismo não está ameaçado» levou o país à beira do abismo. Mas, há a tarefa de organizar um movimento popular mais poderoso e mais «pronto» a enfrentar esta ameaça considerável. Esta tarefa não será conseguida a espalhar o medo depois de longos anos de dormência. Que a oposição dentro do sistema esteja a coroar a inacção passada com a criação do pânico actual é inaceitável.
14. Nestas condições, a principal fonte de poder do AKP e Erdogan continua a ser os seus oponentes no sistema político. O estabelecimento político centrou os seus planos na normalização, transformação e organização do AKP. A atitude de alguns políticos que garantem ser representantes da «esquerda» no Parlamento é realmente espantosa e causadora de preocupação.
15. Experiências durante e após o 15 de Julho mostraram como são terríveis as facções dentro do estado. Todos vimos como os golpistas não tinham limites para a crueldade. Depois, vimos o barbarismo do governo. Tudo isso não se resolve pela ideia «deixem-nos matar-se uns aos outros». Um número desconhecido de civis foi morto e soldados de várias patentes que não sabiam o que se passava foram linchados. Talvez sejam julgados os perpetuadores desses actos horríveis, linchamentos e tortura sobre suspeitos e soldados que se renderam e os dirigentes daquelas duas facções que durante anos trabalharam juntos mas que agora se digladiam, eventualmente terão de enfrentar a justiça do povo.
16. Não é correcto explicar toda essa crueldade como um sinal de «poder». Pelo contrário é dissolução, medo e confusão do lado do governo. O medo generalizado pode apenas ser vencido por movimentos fortes, sólidos e consistentes, nunca por acções desorganizadas e loucas. E essa dissolução pode ser transformada numa oportunidade para o povo.
17. Como sempre afirmámos a Turquia só pode ser libertada pela luta unificada da classe trabalhadora contra a hegemonia de classe apresentada pelos poderes negros, não como resultado de lutas entre os poderes negros. Recusamos toda a espécie de análises e posições que ignorem esta realidade. É obvio que os Comunistas não darão crédito às atoardas de «vitória dos poderes democráticos» e ao apelo falacioso a unir todos contra Erdogan. Entre aqueles que gritam as palavras «a vitória do poder democrático» alguns estão, também, a criar o pânico com a retórica de «os seguidores da sharia vão cortar as vossas cabeças» é um testemunho do nível de confusão.
Repetimos: o nosso caminho nunca se cruzará com os representantes da classe capitalista, com golpes apoiados pelos Estados Unidos e NATO ou agentes de revoluções coloridas. Isso não nos enfraquece. Uma classe trabalhadora desorganizada deslumbrada com soluções falsas iria enfraquecer-nos.
18. A escala de vazio entre as fileiras de pessoas, criada como resultado da animosidade contra a organização vê-se claramente num país em que o movimento Gulen, gangues do governo, grupos de interesses, assassinos profissionais e mesmo a máfia têm a capacidade de agirem «organizados» Vamos ainda mais longe ao dizer que todos os que querem uma sociedade sem classes, livre de exploração tem de lutar e unir-se por um estado de organização persistente, continuo e de espírito colectivo. Negar essa tarefa, legitimando a inércia e a indiferença a este ponto equivale a ser um inimigo do povo. É importante reforçar a organização da classe, independentemente das seitas religiosas. Os movimentos Gulen, centros capitais e imperialistas, aqueles que idolatram as reacções populares apolíticas, acções de massas espontâneas não organizadas, aqueles que não têm objectivo nem interesse sob a retórica do «pluralismo Gezi» talvez tenham aprendido a lição.
19. O único objectivo do Partido Comunista é tornar-se uma organização revolucionária independente que pode mudar o equilíbrio de forças no pais, mobilizando-se durante os golpes ou campanhas reaccionárias. A fim de conseguirmos juntos esse objectivo, o nosso único apelo à nossa classe trabalhadora é mobilizar, acreditando apenas no seu poder e tomando a iniciativa em vez de assistir a este pesadelo.
Comité Central do Partido Comunista da Turquia.
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