“Lutar, fracassar, voltar a lutar, fracassar
de novo, voltar outra vez a lutar, e assim até a vitória: esta é a lógica do
povo” (Mao Tsé-Tung)[i].
A invasão israelense à Faixa de Gaza já dura mais
de um mês. Depois de breves cessar-fogo, os ataques continuam. Seu saldo, até
agora, é o massacre de duas mil pessoas, em sua maioria absoluta civis, dos
quais mais de 400 crianças; dez mil feridos e pouco menos de meio milhão
de pessoas refugiadas e deslocadas de suas casas. A infraestrutura do país está
em grande parte destruída, incluindo a única usina de energia elétrica,
diversas escolas, hospitais, centenas de prédios residenciais e comerciais. Faltam
luz, água, alimentos e remédios.
E
ainda assim, eles resistem.
Sob bloqueio israelense desde 2006, os palestinos resistem
como podem, com armas, com pedras, com as mãos nuas se necessário for. Os
palestinos resistem pelas mesmas razões que sempre resistiram os povos
oprimidos – resistem porque não têm outra opção, porque não têm nada a perder
senão seus grilhões, porque esta é a lógica do povo. Diante da miséria e das
carências cotidianas dos oito anos de bloqueio israelense, agravadas
periodicamente pelas invasões militares (três em menos de seis anos), diante da
alternativa de continuarem humilhados e explorados, eles resistem.
Resistem
e resistirão até terem expulsado o invasor, até terem consolidado seu próprio
Estado nacional, independente e política e economicamente viável. Estarão,
então, dadas as oportunidades para os trabalhadores palestinos, para as massas
pobres, ajustarem as contas com suas classes dominantes locais e seus xeques.
Quanto ao Estado israelense, culpado impune de
crimes de guerra e de crimes contra a humanidade nas próprias definições do
“direito internacional” burguês, sua agressiva tendência expansionista articula
as necessidades de reprodução ampliada do capital com uma potente ideologia
nacionalista e religiosa, a do “povo eleito” na “terra prometida”. Notável como
um mesmo aparelho de dominação ideológica, o religioso, pode servir de
justificativa primeira tanto para a invasão quanto para a resistência, tanto
para opressores quanto para oprimidos, apenas mudando sua articulação com as
bases materiais concretas nas quais opera... Quanto ópio para esses povos!
O discurso ideológico israelense busca construir
uma linha contínua que vai do povo judeu explorado de ontem (um ontem que se
estende por séculos!), da luta pela criação de Israel, até transmutar-se no
Estado de Israel, o explorador de hoje, o assassino serial das repetidas invasões
e dos seguidos massacres sobre o povo palestino[ii].
Discurso que crescentemente assume a forma do “Grande Israel” [iii],
ou seja, da necessidade vital de ampliar suas fronteiras para a instalação de
novas colônias, novos assentamentos, buscando ou expulsar os moradores
anteriores, os palestinos, ou integrá-los como cidadãos de segunda classe em
Israel, por isso mesmo, mão de obra barata para o capital israelense.
Não podemos deixar de citar um trecho do famoso
discurso do Comandante Che Guevara nas Nações Unidas, já lá se vão quase
cinquenta anos, a lembrar-nos de como a história das nações pode ser mutável,
com o explorado de ontem tornando-se o país explorador de hoje. A respeito das
atrocidades da invasão imperialista dos “mercadores da guerra” ao Congo, dizia
o Che:
“Quem são os autores? Paraquedistas belgas,
transportados por aviões norte-americanos, que partiram de bases inglesas. Lembremos
que praticamente ontem víamos um pequeno país da Europa, trabalhador e
civilizado, o Reino da Bélgica, ser invadido pelas hordas hitleristas; amargava
nossa consciência saber desse pequeno povo massacrado pelo imperialismo alemão
e o víamos com carinho. Mas esta outra face da moeda imperialista era a que
muitos não percebíamos.
Talvez filhos de patriotas belgas que morreram por
defender a liberdade de seu país sejam os que assassinaram impunemente a
milhares de congoleses em nome da raça branca, assim como eles sofreram a bota
alemã porque o conteúdo ariano de seu sangue não era suficientemente elevado.” (Discurso
na XIX Assembleia Geral da ONU em Nova York, em 11 de dezembro de 1964. Em:
ARIET GARCIA, María del Carmen e DEUTSCHMANN, David (Orgs.). Che Guevara Presente: una antología mínima,
2ª ed. Melborne/Nova York: Ocean Sur, 2005, pg. 344-345).
Mutatis
mutandis, talvez netos dos guerrilheiros heroicos do
Levante do Gueto de Varsóvia[iv]
e de outros episódios da dura resistência judaica ao nazismo sejam os que
assassinam impunemente a milhares de palestinos indiscriminadamente, de velhos
em casa a crianças nas escolas, inclusive as da ONU.
Organização das Nações Unidas, pomposo nome para
inútil organismo quando se trata de fazer valer sua utópica Carta contra o
interesse do imperialismo dos Estados Unidos, patrono principal do Estado de
Israel. Diante de mais uma escola sua atacada, a ONU agora se diz “ultrajada”,
com seu Secretário-Geral qualificando esse ataque de “ato criminoso”, de “outra
grave violação da lei humanitária internacional”. Já uma porta-voz do governo
dos EUA se disse “chocada” com o “vergonhoso” ataque. O Ministro de Relações
Exteriores francês chamou os eventos de “massacre”. Os governos da Inglaterra e
da Espanha também protestaram e afirmam estar analisando a suspensão da venda
de armas para Israel.
O Secretário-Geral da ONU, a porta-voz do governo
dos EUA, David Cameron e seus outros tantos iguais – ao contrário do poeta do
poema de Fernando Pessoa – fingem que é dor a dor que deveras não sentem.
Bem diferente é o sentimento de muitos funcionários
desses organismos, localizados nas frentes da guerra, fato bem ilustrado pelo
vídeo abaixo:
O que ocorre é que essas lágrimas do bom homem nada
mais são, em termos materialistas, do que as lágrimas da impotência, da
frustração de seus sonhos, de sua crença ideológica em uma harmônica ordem
internacional, em uma justiça internacional “justa”, em uma lei internacional
obedecida por todos, da qual a ONU seria o instrumento.
Só
que a “ordem” internacional político-econômica do capitalismo é todo o oposto
disso. O imperialismo é o sistema internacional do
capital, baseado na exploração dos operários e demais classes dominadas, marcado
pela divisão do mundo entre as potências imperialistas e seus cartéis
transnacionais, pela dominação dos grandes monopólios do capital financeiro.
Dessa dominação emerge um sistema internacional no qual contradições e antagonismos
são da sua própria essência. Contradições que desembocam em crises econômicas e
guerras. Contradições que não são resolvidas em mesas de negociações, mas
apenas em campos de batalha, sejam militares ou econômicos, com armas ou com o
dólar. As pomposas mesas de negociação apenas ratificam o novo (ou mesmo o
velho) poder.
Nas condições específicas da atual crise do
imperialismo, na qual as principais potências imperialistas buscam retomar suas
taxas de lucro aumentando a exploração da classe operária e demais classes
dominadas, na qual as principais potências imperialistas e seus monopólios
buscam redividir, a seu favor, as zonas de influência sobre os países
dominados, todas as contradições do capitalismo se agravam, não poucas vezes
levando à guerra. Guerras civis, com apoios imperialistas a um dos lados (ou
aos dois!), ou guerras de invasão, o “prosseguimento da política por outros
meios” se espalha pelo mundo, do Afeganistão à Líbia, passando por Iraque,
Síria e Palestina.
Como não poderia deixar de ser, essas guerras
precisam ser “justificadas” por uma ideologia. Nas condições da crise do
imperialismo, do agravamento das contradições entre burguesia e proletariado e
das contradições interimperialistas, essa ideologia é necessariamente
regressiva, abandonando as restrições e os limites causados pelas noções
ideológicas de liberdade burguesa e democracia burguesa. Crescem os “valores”
do nacionalismo, da religião, da segurança nacional como as justificativas
ideológicas para o aniquilamento do inimigo.
Não é por outra razão que afirmamos no texto “A Crise do Imperialismo ‘Globaliza’ a Luta
de Classes” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/01/a-crise-do-imperialismo-globaliza-o.html) a existência, atualmente, de uma tendência ao fascismo:
“À ofensiva em todos os níveis da burguesia [na
crise do imperialismo], se soma, (...) o reforço das posições mais extremadas da
direita capitalista, o fascismo e o nazismo”.
“Essa
tendência ao fascismo não é apenas consequência da crise, mas é inerente ao
próprio imperialismo, ao período de putrefação e apodrecimento do capitalismo.
O fascismo é a ideologia do imperialismo”.
A
essa tendência se contrapõe a maior reação da classe operária e dos povos
oprimidos. A resistência palestina é um importante marco
nessa luta. Ela vem atraindo mais e mais a solidariedade internacionalista,
transformando-se em manifestações de ativa solidariedade nas ruas ao redor do mundo,
cobrando dos seus governos o cessar do apoio ao massacre israelense. Dessa
forma, a resistência palestina
condiciona e passa a ser um elemento na luta de classes das classes dominadas
em cada país.
Dessa onda de solidariedade com a causa palestina,
de protestos contra a invasão israelense, selecionamos uma pequena e incompleta
lista de alguns vídeos de manifestações, a ilustrar a tendência que apontamos
no parágrafo anterior:
Melbourne:
https://www.youtube.com/watch?v=DOcWxo1kIYA
Los Angeles: https://www.youtube.com/watch?v=DRFDQCX8_IM
Buenos Aires: https://www.youtube.com/watch?v=EYGEUrc3Cew
Por fim, os comunistas sabemos muito bem
diferenciar os interesses da classe operária dos interesses da burguesia,
camuflados de “interesse nacional”:
“A luta nacional é, em última instância, um
problema da luta de classes. Entre os brancos nos EUA, apenas os círculos
dominantes reacionários são os que oprimem aos negros. Eles não representam de
modo algum os operários, camponeses, intelectuais revolucionários e
personalidades razoáveis que constituem a esmagadora maioria dos brancos” (Citas del Presidente Mao Tse-Tung, 2ª
ed. Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1967, pg. 11).
Portanto,
esperamos em breve constatar o crescimento da oposição à invasão israelense também
dentro de Israel, passo importante para paralisar a mão armada do
invasor. Que a classe operária, os demais trabalhadores, as massas populares,
os estudantes, os intelectuais e os soldados israelenses confirmem o nosso hino
e voltem suas balas contra os seus generais!
[i] Citas
del Presidente Mao Tse-Tung, 2ª ed. Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras,
1967, pg. 73-74.
[ii] Exemplo recente dessa rationale,
entre muitos outros, é o artigo do presidente da Confederação Israelita do
Brasil, Cláudio Lottenberg, na Folha de São Paulo de 29 de julho (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/07/1492539-claudio-lottenberg-antissionismo-e-antissemitismo.shtml). Sob o
título de “Antissionismo é
antissemitismo”, Lottenberg defende que o “sionismo foi e é apenas isto: a expressão moderna da autodeterminação
nacional judaica”. Ou seja, a situação atual, por exemplo, é a mesma de
antes de 1947. Só “esqueceu” de explicar a transformação de oprimidos em
opressores. Poucos dias depois, esse sofisma foi reforçado por Demétrio
Magnoli, no mesmo jornal (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2014/08/1494769-o-sofisma-antissemita.shtml). Nem ele,
no entanto, conseguiu escapar de definir a invasão atual como “crimes de
guerra”.
Para
uma boa resposta a essa tese, ver o artigo de Breno Altman, do Opera Mundi, na
mesma Folha, em 8 de agosto: “Judaísmo
não é sionismo” (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1497348-breno-altman-judaismo-nao-e-sionismo.shtml). Fundamental é ainda a leitura do artigo do Comandante Fidel Castro ( http://www.cubadebate.cu/opinion/2014/08/05/articulo-de-fidel-castro-holocausto-palestino-en-gaza/#.U-fPblbss7t).
[iii] Jânio de Freitas escreveu interessante artigo sobre esse tema: “Espaço vital e mortal”, Folha de São
Paulo, 31 de julho (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2014/07/1493589-espaco-vital-e-mortal.shtml).
[iv] Se não soubéssemos que se trata de trecho do
“Hino dos Partisans do Gueto de Varsóvia”,
bem que poderíamos dizer que a estrofe abaixo foi escrita por um palestino de
Gaza: “Con sangre y fuego se escribió este cantar / no es canto de ave que
libre pueda volar / entre los muros que sin miedo derribo / lo canta un pueblo
que con valor su brazo armó” (http://es.wikipedia.org/wiki/Gueto_de_Varsovia).
Um comentário:
Caros,
Li e gostaria de indicar o texto do Daniel Arão Reis sobre a questão da Palestina, publicado no Diário (http://www.odiario.info/?p=3358). Achei alguns pontos similares aos que vocês desenvolveram neste texto e no anterior.
Primeiramente, ele menciona (ainda que rapidamente) o papel da ideologia nacional-religiosa - que ele chama de racista: "ideologia racista do 'povo eleito' e do seu direito divino ao 'Grande Israel'", na coesão dos israelenses, permitindo passar por cima dos antagonismos de classe.
Por fim, a ironia (ou a farsa?) da história, de antigas vítimas do gueto agora tornarem-se seus algozes: "É trágico que sejam os próprios judeus, trucidados em guetos durante a II Guerra Mundial, os responsáveis por fazer reviver, agora, a maldita experiência".
Enfim, segue a sugestão de leitura.
Saudações comunistas.
Postar um comentário