domingo, 10 de agosto de 2014

A Causa da Resistência Palestina se Fortalece!

Lutar, fracassar, voltar a lutar, fracassar de novo, voltar outra vez a lutar, e assim até a vitória: esta é a lógica do povo” (Mao Tsé-Tung)[i].

A invasão israelense à Faixa de Gaza já dura mais de um mês. Depois de breves cessar-fogo, os ataques continuam. Seu saldo, até agora, é o massacre de duas mil pessoas, em sua maioria absoluta civis, dos quais mais de 400 crianças; dez mil feridos e pouco menos de meio milhão de pessoas refugiadas e deslocadas de suas casas. A infraestrutura do país está em grande parte destruída, incluindo a única usina de energia elétrica, diversas escolas, hospitais, centenas de prédios residenciais e comerciais. Faltam luz, água, alimentos e remédios.

E ainda assim, eles resistem.



Sob bloqueio israelense desde 2006, os palestinos resistem como podem, com armas, com pedras, com as mãos nuas se necessário for. Os palestinos resistem pelas mesmas razões que sempre resistiram os povos oprimidos – resistem porque não têm outra opção, porque não têm nada a perder senão seus grilhões, porque esta é a lógica do povo. Diante da miséria e das carências cotidianas dos oito anos de bloqueio israelense, agravadas periodicamente pelas invasões militares (três em menos de seis anos), diante da alternativa de continuarem humilhados e explorados, eles resistem.

Resistem e resistirão até terem expulsado o invasor, até terem consolidado seu próprio Estado nacional, independente e política e economicamente viável. Estarão, então, dadas as oportunidades para os trabalhadores palestinos, para as massas pobres, ajustarem as contas com suas classes dominantes locais e seus xeques.

Quanto ao Estado israelense, culpado impune de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade nas próprias definições do “direito internacional” burguês, sua agressiva tendência expansionista articula as necessidades de reprodução ampliada do capital com uma potente ideologia nacionalista e religiosa, a do “povo eleito” na “terra prometida”. Notável como um mesmo aparelho de dominação ideológica, o religioso, pode servir de justificativa primeira tanto para a invasão quanto para a resistência, tanto para opressores quanto para oprimidos, apenas mudando sua articulação com as bases materiais concretas nas quais opera... Quanto ópio para esses povos!

O discurso ideológico israelense busca construir uma linha contínua que vai do povo judeu explorado de ontem (um ontem que se estende por séculos!), da luta pela criação de Israel, até transmutar-se no Estado de Israel, o explorador de hoje, o assassino serial das repetidas invasões e dos seguidos massacres sobre o povo palestino[ii]. Discurso que crescentemente assume a forma do “Grande Israel” [iii], ou seja, da necessidade vital de ampliar suas fronteiras para a instalação de novas colônias, novos assentamentos, buscando ou expulsar os moradores anteriores, os palestinos, ou integrá-los como cidadãos de segunda classe em Israel, por isso mesmo, mão de obra barata para o capital israelense.

Não podemos deixar de citar um trecho do famoso discurso do Comandante Che Guevara nas Nações Unidas, já lá se vão quase cinquenta anos, a lembrar-nos de como a história das nações pode ser mutável, com o explorado de ontem tornando-se o país explorador de hoje. A respeito das atrocidades da invasão imperialista dos “mercadores da guerra” ao Congo, dizia o Che:

Quem são os autores? Paraquedistas belgas, transportados por aviões norte-americanos, que partiram de bases inglesas. Lembremos que praticamente ontem víamos um pequeno país da Europa, trabalhador e civilizado, o Reino da Bélgica, ser invadido pelas hordas hitleristas; amargava nossa consciência saber desse pequeno povo massacrado pelo imperialismo alemão e o víamos com carinho. Mas esta outra face da moeda imperialista era a que muitos não percebíamos.
Talvez filhos de patriotas belgas que morreram por defender a liberdade de seu país sejam os que assassinaram impunemente a milhares de congoleses em nome da raça branca, assim como eles sofreram a bota alemã porque o conteúdo ariano de seu sangue não era suficientemente elevado.” (Discurso na XIX Assembleia Geral da ONU em Nova York, em 11 de dezembro de 1964. Em: ARIET GARCIA, María del Carmen e DEUTSCHMANN, David (Orgs.). Che Guevara Presente: una antología mínima, 2ª ed. Melborne/Nova York: Ocean Sur, 2005, pg. 344-345).

Mutatis mutandis, talvez netos dos guerrilheiros heroicos do Levante do Gueto de Varsóvia[iv] e de outros episódios da dura resistência judaica ao nazismo sejam os que assassinam impunemente a milhares de palestinos indiscriminadamente, de velhos em casa a crianças nas escolas, inclusive as da ONU.

Organização das Nações Unidas, pomposo nome para inútil organismo quando se trata de fazer valer sua utópica Carta contra o interesse do imperialismo dos Estados Unidos, patrono principal do Estado de Israel. Diante de mais uma escola sua atacada, a ONU agora se diz “ultrajada”, com seu Secretário-Geral qualificando esse ataque de “ato criminoso”, de “outra grave violação da lei humanitária internacional”. Já uma porta-voz do governo dos EUA se disse “chocada” com o “vergonhoso” ataque. O Ministro de Relações Exteriores francês chamou os eventos de “massacre”. Os governos da Inglaterra e da Espanha também protestaram e afirmam estar analisando a suspensão da venda de armas para Israel.

O Secretário-Geral da ONU, a porta-voz do governo dos EUA, David Cameron e seus outros tantos iguais – ao contrário do poeta do poema de Fernando Pessoa – fingem que é dor a dor que deveras não sentem.

Bem diferente é o sentimento de muitos funcionários desses organismos, localizados nas frentes da guerra, fato bem ilustrado pelo vídeo abaixo:


O que ocorre é que essas lágrimas do bom homem nada mais são, em termos materialistas, do que as lágrimas da impotência, da frustração de seus sonhos, de sua crença ideológica em uma harmônica ordem internacional, em uma justiça internacional “justa”, em uma lei internacional obedecida por todos, da qual a ONU seria o instrumento.

Só que a “ordem” internacional político-econômica do capitalismo é todo o oposto disso. O imperialismo é o sistema internacional do capital, baseado na exploração dos operários e demais classes dominadas, marcado pela divisão do mundo entre as potências imperialistas e seus cartéis transnacionais, pela dominação dos grandes monopólios do capital financeiro. Dessa dominação emerge um sistema internacional no qual contradições e antagonismos são da sua própria essência. Contradições que desembocam em crises econômicas e guerras. Contradições que não são resolvidas em mesas de negociações, mas apenas em campos de batalha, sejam militares ou econômicos, com armas ou com o dólar. As pomposas mesas de negociação apenas ratificam o novo (ou mesmo o velho) poder.

Nas condições específicas da atual crise do imperialismo, na qual as principais potências imperialistas buscam retomar suas taxas de lucro aumentando a exploração da classe operária e demais classes dominadas, na qual as principais potências imperialistas e seus monopólios buscam redividir, a seu favor, as zonas de influência sobre os países dominados, todas as contradições do capitalismo se agravam, não poucas vezes levando à guerra. Guerras civis, com apoios imperialistas a um dos lados (ou aos dois!), ou guerras de invasão, o “prosseguimento da política por outros meios” se espalha pelo mundo, do Afeganistão à Líbia, passando por Iraque, Síria e Palestina.

Como não poderia deixar de ser, essas guerras precisam ser “justificadas” por uma ideologia. Nas condições da crise do imperialismo, do agravamento das contradições entre burguesia e proletariado e das contradições interimperialistas, essa ideologia é necessariamente regressiva, abandonando as restrições e os limites causados pelas noções ideológicas de liberdade burguesa e democracia burguesa. Crescem os “valores” do nacionalismo, da religião, da segurança nacional como as justificativas ideológicas para o aniquilamento do inimigo.

Não é por outra razão que afirmamos no texto “A Crise do Imperialismo ‘Globaliza’ a Luta de Classes” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/01/a-crise-do-imperialismo-globaliza-o.htmla existência, atualmente, de uma tendência ao fascismo:

À ofensiva em todos os níveis da burguesia [na crise do imperialismo], se soma, (...) o reforço das posições mais extremadas da direita capitalista, o fascismo e o nazismo”.
Essa tendência ao fascismo não é apenas consequência da crise, mas é inerente ao próprio imperialismo, ao período de putrefação e apodrecimento do capitalismo. O fascismo é a ideologia do imperialismo”.

A essa tendência se contrapõe a maior reação da classe operária e dos povos oprimidos. A resistência palestina é um importante marco nessa luta. Ela vem atraindo mais e mais a solidariedade internacionalista, transformando-se em manifestações de ativa solidariedade nas ruas ao redor do mundo, cobrando dos seus governos o cessar do apoio ao massacre israelense. Dessa forma, a resistência palestina condiciona e passa a ser um elemento na luta de classes das classes dominadas em cada país.

Dessa onda de solidariedade com a causa palestina, de protestos contra a invasão israelense, selecionamos uma pequena e incompleta lista de alguns vídeos de manifestações, a ilustrar a tendência que apontamos no parágrafo anterior:


Por fim, os comunistas sabemos muito bem diferenciar os interesses da classe operária dos interesses da burguesia, camuflados de “interesse nacional”:

A luta nacional é, em última instância, um problema da luta de classes. Entre os brancos nos EUA, apenas os círculos dominantes reacionários são os que oprimem aos negros. Eles não representam de modo algum os operários, camponeses, intelectuais revolucionários e personalidades razoáveis que constituem a esmagadora maioria dos brancos” (Citas del Presidente Mao Tse-Tung, 2ª ed. Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1967, pg. 11).

Portanto, esperamos em breve constatar o crescimento da oposição à invasão israelense também dentro de Israel, passo importante para paralisar a mão armada do invasor. Que a classe operária, os demais trabalhadores, as massas populares, os estudantes, os intelectuais e os soldados israelenses confirmem o nosso hino e voltem suas balas contra os seus generais!



[i] Citas del Presidente Mao Tse-Tung, 2ª ed. Pequim: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1967, pg. 73-74.
[ii] Exemplo recente dessa rationale, entre muitos outros, é o artigo do presidente da Confederação Israelita do Brasil, Cláudio Lottenberg, na Folha de São Paulo de 29 de julho (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/07/1492539-claudio-lottenberg-antissionismo-e-antissemitismo.shtml). Sob o título de “Antissionismo é antissemitismo”, Lottenberg defende que o “sionismo foi e é apenas isto: a expressão moderna da autodeterminação nacional judaica”. Ou seja, a situação atual, por exemplo, é a mesma de antes de 1947. Só “esqueceu” de explicar a transformação de oprimidos em opressores. Poucos dias depois, esse sofisma foi reforçado por Demétrio Magnoli, no mesmo jornal (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2014/08/1494769-o-sofisma-antissemita.shtml). Nem ele, no entanto, conseguiu escapar de definir a invasão atual como “crimes de guerra”.
Para uma boa resposta a essa tese, ver o artigo de Breno Altman, do Opera Mundi, na mesma Folha, em 8 de agosto: “Judaísmo não é sionismo” (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1497348-breno-altman-judaismo-nao-e-sionismo.shtml). Fundamental é ainda a leitura do artigo do Comandante Fidel Castro (http://www.cubadebate.cu/opinion/2014/08/05/articulo-de-fidel-castro-holocausto-palestino-en-gaza/#.U-fPblbss7t).
[iii] Jânio de Freitas escreveu interessante artigo sobre esse tema: “Espaço vital e mortal”, Folha de São Paulo, 31 de julho (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2014/07/1493589-espaco-vital-e-mortal.shtml).
[iv] Se não soubéssemos que se trata de trecho do “Hino dos Partisans do Gueto de Varsóvia”, bem que poderíamos dizer que a estrofe abaixo foi escrita por um palestino de Gaza: “Con sangre y fuego se escribió este cantar / no es canto de ave que libre pueda volar / entre los muros que sin miedo derribo / lo canta un pueblo que con valor su brazo armó” (http://es.wikipedia.org/wiki/Gueto_de_Varsovia).

Um comentário:

Anônimo disse...

Caros,
Li e gostaria de indicar o texto do Daniel Arão Reis sobre a questão da Palestina, publicado no Diário (http://www.odiario.info/?p=3358). Achei alguns pontos similares aos que vocês desenvolveram neste texto e no anterior.
Primeiramente, ele menciona (ainda que rapidamente) o papel da ideologia nacional-religiosa - que ele chama de racista: "ideologia racista do 'povo eleito' e do seu direito divino ao 'Grande Israel'", na coesão dos israelenses, permitindo passar por cima dos antagonismos de classe.
Por fim, a ironia (ou a farsa?) da história, de antigas vítimas do gueto agora tornarem-se seus algozes: "É trágico que sejam os próprios judeus, trucidados em guetos durante a II Guerra Mundial, os responsáveis por fazer reviver, agora, a maldita experiência".
Enfim, segue a sugestão de leitura.
Saudações comunistas.