Apresentação.
"Em nome da razão? Marxismo, racionalismo,
irracionalismo" é um texto de 1976 do filósofo e então comunista francês
Étienne Balibar.
O texto possui, a nosso ver, uma dupla atualidade. Em
primeiro lugar, por trazer uma reflexão sobre o problema teórico e político da
luta ideológica no capitalismo "em geral". Ou, mais precisamente,
entre o marxismo e a ideologia burguesa e suas diversas variantes. Essa luta é
uma das frentes e formas da luta de classes que, como mostra o autor, não pode
ser menosprezada, nem, por outro lado, isolada na prática revolucionária.
Em segundo lugar, para nossa conjuntura de crise
imperialista, é atual pelo fato do autor partir do seguinte questionamento:
como praticar essa luta ideológica, através da posição revolucionária, em períodos
de crise capitalista? Isso porque nas crises a ideologia dominante tende a
sofrer significativas modificações, apresentando inclusive algumas temáticas e
questões a primeira vista "revolucionárias" (exemplo: crítica do
"crescimento econômico" ou das "instituições burguesas").
Apesar dos exemplos dessas modificações dizerem respeito, no texto, à época e
contexto do autor, vários deles são ainda pertinentes hoje, ou mesmo se
radicalizaram na crise atual.
Nesse texto Balibar
traz especificamente a temática do racionalismo e seu aparente oposto
(irracionalismo), e sua relação com o marxismo. O racionalismo, como o autor
demonstra, foi e é a fundamentação (ideológica) do mundo burguês, desde sua
luta contra o obscurantismo feudal. Como diz Balibar, é a "filosofia
dominante" do mundo moderno. Mesmo seus avanços para o materialismo
estiveram "condicionados", em última instância, pela necessidade
prática e política da burguesia na consolidação das relações de produção
capitalista.
No entanto, os períodos de crise fazem surgir
"subprodutos" da ideologia burguesa que aparentam ser
"anti-capitalista" e possuem um caráter pessimista-irracional (de
direita, ou de “esquerda”; entre os intelectuais, ou entre as massas). Essas
"inversões mecânicas" na ideologia dominante, como diz o autor,
precisam ser compreendidas a fundo, em suas bases materiais e históricas, a fim
de travar a luta ideológica através da posição revolucionária. Caso contrário,
os marxistas tenderão a tomar essas inversões como reais rupturas, ou até
combater o irracionalismo como inimigo principal (muitas vezes identificado ao
nazi-fascismo e à burguesia em decadência) e identificando automaticamente o
marxismo com o racionalismo.
Mas o quão o irracionalismo seria útil ao sistema em crise?
O proletariado seria o paladino do racionalismo? O marxismo seria um ou o
racionalismo?
Balibar basicamente expõe e polemiza com as posições em jogo
nesse campo. Relacionando ideologia, ciência e sociedade burguesa em suas
diferentes conjunturas de luta de classes e da luta entre o materialismo e
idealismo, ele consegue recolocar e reposicionar diversas questões com
fundamento nos pilares do marxismo. Mostra um quadro complexo, muitas vezes
paradoxal e marcado por lutas de duas frentes, imperioso de ser entendido e debatido
pelos comunistas a fim de uma intervenção justa. Afinal, como diz o mesmo, é
essa intervenção que será, ao fim e ao cabo, a resolução daquilo que a
ideologia burguesa aponta como beco sem saída (exatamente por ser beco sem
saída para esse sistema e suas classes dirigentes).