Anti-Dimitrov – Um convite para a continuidade do debate
sobre a crise do marxismo.
Ao final do ano passado, este Blog “Cem Flores”
reproduziu o artigo denominado “Anti-Dimitrov, um livro indispensável no
combate ao revisionismo contemporâneo”, publicado originalmente na página do
Primeira Linha em Rede (http://primeiralinha.org/home/?p=13507). O texto é uma
análise do livro do dirigente comunista português Francisco Martins Rodrigues,
livro fruto de “mais de duas décadas de militância e de reflexão [...] sobre o
movimento comunista internacional e as causas de sua degeneração reformista e
revisionista”.
Combatendo as teses demasiado simplistas que
afirmam que uma viragem para o revisionismo na União Soviética teria ocorrido
somente com o XX Congresso do PCUS, em 1956, e na China teria se dado na
disputa de poder após a morte de Mao, em 1976, Francisco Martins Rodrigues vai
buscar as origens do revisionismo moderno no período anterior a esses dois
marcos, definindo como a sua principal tese o “centrismo como o embrião do
revisionismo moderno”. Como centrismo deve-se entender: “Entre o declínio da
corrente comunista fundada por Lenine e o despontar da corrente revisionista
medeou um período centrista, abrangendo os vinte anos decorridos do 7º
congresso da IC ao 20º congresso do PCUS, e cuja função foi configurar o
revisionismo e preparar o organismo comunista para o receber”.
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Neste sentido, Rodrigues faz uma análise
política e historicamente substanciada dos pormenores do relatório do 7º
congresso apresentado por G. Dimitrov, então secretário da IC, e as
decorrências políticas deste relatório, apontando as raízes reformistas
camufladas na política de frente única contra o fascismo.
Não nos interessa, neste momento, reapresentar o
livro, pois esta tarefa já foi feita no “Primeira Linha”, mas sim continuar
este debate que é de extrema importância, pois está relacionado ao que temos
chamado de uma análise da “crise do marxismo”
(http://cemflores.blogspot.com.br/p/por-que-razao-discutir-crise-do.html). Sim,
mais uma vez a “crise do marxismo”, pois fechar os olhos sobre um erro é pior
que cometê-lo.
A leitura do “Anti-Dimitrov” nos incita algumas
questões: Por que o movimento comunista internacional foi ganho pelas teses do
relatório Dimitrov? Será que mesmo antes do 7º congresso não teríamos aspectos
revisionistas presentes na posição dos partidos comunistas e da Internacional?
Estes aspectos não poderiam ser explorados por oportunistas de plantão? O que
faz aspectos revisionistas serem, em uma época, diminuídos, secundarizados, e
em outra época, amplificados, tornados hegemônicos?
Obviamente não temos condições de tratar todas
estas questões, mas em nossa opinião qualquer tentativa de abordá-las deve
passar pela consideração do marxismo como uma ciência e tirar desta assertiva algumas questões dela
decorrentes: as condições históricas do surgimento do marxismo; como ele se
desenvolve e funciona (na análise da nova divisão internacional do trabalho,
nas diferentes formações econômico-sociais); quais são seus obstáculos (no
sentido de ideologias com as quais uma ciência se desenvolve em embates/lutas);
quais as consequências políticas do seu desenvolvimento; qual a relação de seu
desenvolvimento com o movimento operário e com o desenvolvimento do movimento
comunista internacional .
Neste sentido recomendamos o texto de
apresentação ao capítulo 3 do livro de Charles Bettelheim, “A Luta de Classes
na União Soviética” (vol. II), o qual reproduzimos abaixo. O texto trata do que
Bettelheim conceitua como a formação ideológica bolchevique, contribuindo de
maneira importante para o entendimento das relações entre o desenvolvimento do
materialismo histórico (ou, como Bettelheim, do pensamento revolucionário
marxista), a prática do partido comunista, e a ideologia bolchevique.
Destacamos algumas partes como um convite à leitura, reflexão e,
principalmente, à discussão:
“Fundamentalmente, a natureza e as formas das
intervenções do partido são dominadas pelo sistema de conceitos, de noções, de
princípios, de representações etc., que constituem a cada momento – na
articulação que é então a sua – a formação ideológica bolchevique. Esta não cai
do céu. Ela é o produto histórico das lutas de classes e das lições (justas ou
falsas) tiradas destas, assim como das relações políticas existentes no seio do
partido e entre o partido e as diferentes classes sociais”.
“O marxismo-leninismo constitui o fundamento
teórico do bolchevismo, mas não se identifica com a formação ideológica
bolchevique. Esta, com efeito, é uma realidade contraditória no seio da qual se
desenvolve uma luta constante entre o pensamento revolucionário marxista, o
marxismo historicamente constituído e diversas correntes ideológicas estranhas
ao marxismo, do qual representam uma paródia, pois emprestam dele
frequentemente a sua ‘terminologia’”.
Com estes excertos, convidativos para a leitura,
queremos apontar – ainda que de maneira muito geral – um texto que pode ajudar
a responder a pergunta final de FMR em “Anti-Dimitrov”, a saber: “Atribuir
qualquer destas (...) capitulações simplesmente à cobardia e à traição dos
dirigentes deixa por responder a questão: como puderam eles fazer-se aceitar
pelos comunistas e pelo movimento operário?”.
* * *
A LUTA DE CLASSES NA URSS
Vol. II – Cap. III
A formação ideológica bolchevique e suas transformações
Charles Bettelheim
O papel dominante
desempenhado na resolução das lutas de classes pelas intervenções do partido
bolchevique na vida política, econômica e social da formação soviética se deve
à inserção do partido nestas lutas e ao lugar que ele ocupa no sistema dos
aparelhos do poder, ao papel dirigente que é o seu. Este papel significa que as
intervenções do partido contribuem para impor um curso determinado à maior
parte das lutas, não implica que este curso seja necessariamente o visado por
ele. A correspondência do curso e da resolução das lutas, com os
objetivos visados pelo partido, depende da adequação à situação real
das análises ou da representação desta situação, a partir das
quais o partido age e, antes de tudo, das forças sociais que o partido é capaz
de ligar à sua política e de mobilizar.
Fundamentalmente, a
natureza e as formas das intervenções do partido são dominadas pelo sistema de
conceitos, de noções, de princípios, de representações etc., que constituem a
cada momento — na articulação que é então a sua — a formação ideológica
bolchevique. Esta não cai do céu. Ela é o produto histórico das lutas de classes
e das lições (justas ou falsas) tiradas destas, assim como das relações
políticas existentes no seio do partido e entre o partido e as diferentes
classes sociais.
A formação ideológica
bolchevique não é “dada uma vez por todas”. É uma realidade social complexa,
objetiva, e que se transforma. Realiza-se em práticas e formas de
organização, assim como em formulações inscritas em um conjunto de textos.
Esta realidade exerce efeitos determinados sobre aqueles a quem ela
serve de instrumento de análise ou de interpretação do mundo, e de instrumento
de análise ou de interpretação do mundo, e de instrumento destinado a
transformá-lo. Estes efeitos têm um caráter diferencial em razão das contradições
internas da formação ideológica, da diversidade dos lugares ocupados
na formação social por aqueles a quem o bolchevismo serve de guia, e das práticas
sociais diferentes nas quais estão inseridas.
O marxismo-leninismo
constitui o fundamento teórico do bolchevismo, mas não se identifica com
a formação ideológica bolchevique. Esta, com efeito, é uma realidade
contraditória no seio da qual se desenvolve uma luta constante entre
o pensamento revolucionário marxista, o marxismo historicamente constituído e
diversas correntes ideológicas estranhas ao marxismo, do qual representam uma
paródia, pois emprestam dele freqüentemente a sua “terminologia”.
As distinções que acabam
de ser feitas pedem alguns esclarecimentos: implicam notadamente que não se
pode identificar a integralidade da formação ideológica bolchevique ao marxismo-leninismo.
Implicam também que não se pode identificar a todo momento o pensamento
revolucionário marxista ao marxismo tal como historicamente se constituiu em
cada época, na base de uma fusão entre o pensamento revolucionário marxista e o
movimento organizado da vanguarda do proletariado. O marxismo assim
constituído representa um conjunto sistematizado de conceitos, de
representações e de práticas, permitindo ao movimento revolucionário da classe
operária, que se identifica com o pensamento de Marx, enfrentar — nas condições
concretas nas quais se acha colocado — os seus problemas. Estas sistematizações
sucessivas, necessárias à ação, mas comportando elementos mais ou menos
improvisados — e correspondendo às exigências reais ou aparentes de uma conjuntura
dada da luta de classes — constituem o marxismo de cada época: o da
social-democracia alemã, da II Internacional no fim do século XIX e, no
início do XX o da III Internacional etc.
No coração do marxismo,
tal como está historicamente constituído, um lugar variável cabe aos princípios
e às concepções revolucionárias, frutos de análises científicas
desenvolvidas a partir das posições de classe do proletariado e fundadas sobre
um amplo balanço das lutas deste último. O balanço é o núcleo científico do
marxismo. O conhecimento científico marxista não é, portanto, “trazido de fora”
da classe operária. É produto de uma sistematização científica de suas lutas e
de suas iniciativas. Resulta de um processo de elaboração que parte das massas
para retornar às massas e que comporta uma sistematização conceitual.
O pensamento
científico marxista não é “dado” de maneira definitiva: é destinado a se
desenvolver, a se enriquecer e a se retificar na base de novas lutas
e de novas iniciativas. Retificações importantes são inevitáveis, pois o
pensamento científico marxista — que se pode chamar o marxismo
revolucionário — deve tirar as lições de lutas travadas pelas massas
laboriosas que avançam por uma via nunca antes explorada.
O marxismo
revolucionário não é um sistema, mas comporta elementos de
sistematicidade graças aos quais, na realidade contraditória que constitui,
os conhecimentos científicos que são o seu núcleo desempenham o papel
dominante, permitindo compreender a realidade objetiva e agir sobre ela
com conhecimento de causa.
O desenvolvimento mesmo
do marxismo revolucionário implica a existência de contradições em seu
próprio seio[1]
e a sua transformação através de um processo que permite ao conhecimento
científico se retificar e se completar no elemento de objetividade sobre
o qual se baseou. Daí a fórmula de Lenin:
“Não vemos absolutamente
a teoria de Marx como qualquer coisa de acabado e intangível; estamos
convencidos, ao contrário, de que ela simplesmente colocou a pedra angular da
ciência que os socialistas devem levar mais adiante em todas as
direções, se não quiserem se deixar distanciar pela vida.”[2]
Assim, como toda
ciência, o marxismo revolucionário conhece um processo de desenvolvimento. A
cada etapa deste processo, algumas das formulações teóricas ou das
representações ideológicas[3] que faziam parte do
marxismo revolucionário da época anterior são eliminadas; doravante lhe são
estranhas, o que não significa que sejam necessariamente eliminadas de maneira
imediata e “definitiva”, nem do marxismo tal como está historicamente
constituído no seio do movimento revolucionário da classe operária, nem,
ainda menos, de diferentes correntes ideológicas estranhas ao marxismo mas que
desempenham um papel no movimento revolucionário.
O processo de
transformação do marxismo revolucionário e o do marxismo historicamente
constituído a cada época não são absolutamente “paralelos”. O primeiro é
o do desenvolvimento de uma ciência, o segundo é o da transformação
de uma ideologia de base científica. Sob o efeito das dificuldades das
lutas de classe operária, o marxismo historicamente constituído a cada época
conhece não somente enriquecimentos teóricos (ligados ao desenvolvimento dos
conhecimentos científicos dependentes eles também da prática social), mas
também empobrecimentos, por retraimento, ocultação, recobrimento mais ou
menos completo de alguns dos princípios ou das idéias do marxismo
revolucionário[4].
O que precede
corresponde a distinções necessárias e esclarece uma frase de Marx, que não é
absolutamente uma boutade: “Tudo que sei, é que não sou marxista”[5].
Tal frase significa a
recusa de Marx de ver sua obra assimilada ao marxismo da social-democracia
alemã (mas também a outros “marxismos”, como mostra em particular a maneira
pela qual reage às interpretações de suas concepções por diversos autores
russos). Esta recusa é a rejeição da redução de suas descobertas científicas a
um sistema ideológico tal como o que elabora a social-democracia alemã
em sua luta necessária contra o lassallismo e, também, em seus compromissos
com este. Este sistema correspondia sem dúvida a algumas das exigências das
lutas do movimento operário alemão da época e foi o ponto de partida de
transformações sucessivas (das quais nasceu notadamente o marxismo da III
Internacional), mas exclui uma parte das aquisições do marxismo revolucionário[6] (e “utiliza” às vezes
textos de Marx que não correspondem às formas mais desenvolvidas de sua obra).
Assim, o marxismo da social-democracia alemã tende a “ignorar”[7] uma parte das análises
desenvolvidas por Marx após a Comuna de Paris, e que concernem às formas do
poder político, ao Estado, às organizações da classe operária, às formas de
propriedade e de apropriação etc.[8].
Vimos que luta Lenin
travou para transformar o marxismo de sua época, para desenvolvê-lo e para
reintroduzir nele uma série de teses fundamentais do marxismo revolucionário
(sobretudo sobre o problema do Estado), para combater o “economismo”. Vimos
também os obstáculos com os quais esta luta se chocou e as resistências que ela
encontrou no próprio seio do bolchevismo.
A presença no seio da
formação ideológica bolchevique de correntes estranhas ao marxismo[9], é um efeito necessário
das lutas de classes. Segundo os momentos, estas correntes exercem uma
influência mais ou menos considerável sobre o bolchevismo. Uma das
características da ação de Lenin é seu esforço para revelar as raízes
teóricas das concepções que ele combate. Este esforço, Lenin o emprega
também em relação aos erros que ele mesmo cometeu e reconheceu: não se limita
nem a uma retificação nem a uma autocrítica, efetua uma análise. Eis aí um aspecto
essencial da prática leninista, aspecto que tende a desaparecer da prática
bolchevista ulterior. Esta privilegia na maioria das vezes “retificações
silenciosas”, o que não contribui para um verdadeiro desenvolvimento do
marxismo, e mantém intacta a possibilidade de “recair no mesmo erro”[10].
Entretanto, as correntes
estranhas ao marxismo presentes no seio do bolchevismo não desaparecem
necessariamente porque foram criticadas. Na medida em que as bases sociais
sobre as quais repousam subsistem, continuam elas mesmas a subsistir, mas
geralmente sob formas modificadas.
E também, a história da
formação ideológica bolchevique se apresenta como a das transformações de
diversas correntes que constituem a unidade contraditória do bolchevismo, assim
como de suas relações de dominação/subordinação. Esta história não é uma
“história das idéias”. Ela é a dos efeitos sobre a formação
ideológica bolchevique da transformação das relações e das lutas de
classes, e das formas de inserção do partido nestas lutas. É marcada por
períodos de extensão da influência do marxismo revolucionário e por períodos de
recuo desta influência. Não se trata aqui de traçá-la. Isto exigiria uma série
de análises que precisam ser feitas. Entretanto, é necessário pôr em evidência
algumas das características do processo de transformação da formação ideológica
bolchevique e sublinhar que, quando se reforça em seu seio a influência das
correntes estranhas ao marxismo, a capacidade mesma do desenvolvimento deste
último se acha reduzida: tende então a se “congelar”, e fórmulas feitas
substituem as análises concretas que são “a alma do marxismo” (segundo a
fórmula de Lenin).
As transformações da
formação ideológica bolchevique correspondem quer ao desenvolvimento de
conhecimentos novos, quer ao recobrimento (recalque) de conhecimentos
antigos. Estas transformações têm por causa interna as contradições mesmas da
formação bolchevique, mas seu movimento real é comandado pelas lutas de classes
que se desenrolam na formação social soviética, e pelo impacto que estas lutas
exercem sobre as práticas e as relações sociais, notadamente sobre as condições
da experimentação científica de massa. As transformações que sofre a formação
ideológica bolchevique produzem — em razão do lugar ocupado pelo partido
bolchevique no sistema dos aparelhos ideológicos — efeitos sobre a formação
soviética, isto através das intervenções do partido.
Observemos aqui que, na
história concreta da formação ideológica bolchevique, assiste-se ao recalque
progressivo de um certo número de conceitos que permitem analisar o movimento
de reprodução das relações mercantis e capitalistas, cuja existência se
manifesta através das formas valor, preço, salário e lucro. Progressivamente,
estas formas se acham cada vez mais colocadas como “formas vazias”, como
“invólucros”, utilizados para “fins práticos” ou “técnicos” (contabilidade
monetária, “eficiência” da gestão etc.), ao passo que o conhecimento das
relações sociais que manifestam (e dissimulam) se acha recalcado pela formação
ideológica bolchevique. Este recalque corresponde ao posicionamento, pouco a
pouco dominante, das representações ideológicas da economia política burguesa:
permite, ainda, colocar o problema da grandeza do valor, mas elimina a questão
do ‘porquê’ da existência destas formas. Lembremos aqui esta observação de
Marx: “A economia política (...) jamais se colocou a questão: por que tal
conteúdo se reveste de tal forma?...”[11].
Ora, somente a
formulação de uma tal questão permite passar de conhecimentos empíricos,
baseados no encadeamento aparente das formas (na realidade tal como ela
se representa [sich darstell]),
a conhecimentos científicos verdadeiros, baseados no movimento
real. Os conhecimentos empíricos podem orientar a ação, mas apenas
os conhecimentos científicos podem guiá-la e lhe permitir atingir
efetivamente seu objetivo, isto porque eles permitem analisar, prever e agir
com conhecimento de causa.
O recalque, durante esse
ou aquele período de alguns dos conhecimentos científicos que pertencem ao
marxismo revolucionário, é um efeito da luta de classe que dá origem a diversas
correntes ideológicas. O que se produz no final da NEP tem um alcance político
decisivo: reduz a capacidade de análise do partido bolchevique, sua
capacidade de prever e de agir com conhecimento de causa.
Uma outra observação
deve ser apresentada: as contradições internas do bolchevismo, as lutas que
se dão em seu seio entre o marxismo-leninismo e as diversas correntes
ideológicas, não remetem diretamente às diferentes “tendências” cujo confronto
marca a história do partido bolchevique. Estas “tendências” são elas mesmas
combinações contraditórias de correntes ideológicas presentes no seio da
formação ideológica bolchevique.
As contradições internas
do bolchevismo são ativas tanto na ideologia da maioria do partido, como na dos
diversos movimentos oposicionistas. Estes se diferenciam por modos de
combinação particulares das idéias do marxismo revolucionário e de idéias que
lhe são estranhas. No decorrer do tempo, estes modos de combinação sofrem
variações que afetam também a ideologia da maioria do partido: esta não é
absolutamente sempre idêntica a ela mesma. Ademais, as mudanças que ela conhece
não correspondem simplesmente a um aprofundamento do marxismo revolucionário ou
a uma extensão de sua influência no seio da formação ideológica bolchevique
(como o sugere a representação de um “desenvolvimento linear” ignorando a luta
de classes e seus efeitos ideológicos). Correspondem também a recuos que dão
novamente vida e autoridade (sob formas ligeiramente transformadas) a
configurações ideológicas que tinham sido anteriormente reconhecidas como
fortemente marcadas por idéias estranhas ao marxismo revolucionário. Tal é o
caso no final da NEP, no qual a maioria do partido adere à idéia do
“desenvolvimento máximo da produção dos meios de produção”[12] a realizar ao preço de
uma acumulação máxima obtida essencialmente graças a um “tributo”
cobrado ao campesinato[13]. Ora, fundamentalmente, estas
mesmas idéias tinham sido anteriormente sustentadas por Preobrajensky e
pela oposição trotskysta, e tinham sido justamente condenadas em nome da
manutenção da aliança operário-camponesa[14].
Um exame, um pouco
atento, dos principais textos ratificados em diversos momentos pelos órgãos
diretores do partido bolchevique, assim como dos discursos, livros e artigos da
maioria de seus dirigentes, basta para mostrar que a formação ideológica
bolchevique é efetivamente um campo de lutas constantes entre o marxismo
revolucionário e as idéias e representações estranhas a ele.
No decorrer da primeira
metade dos anos de 1920, as principais formulações, enunciadas pelos dirigentes
do partido e que figuram nas resoluções então adotadas, reafirmam teses
essenciais do marxismo revolucionário ou correspondem a um certo aprofundamento
de posições marxistas fundamentais. É assim no que concerne às exigências da
aliança operário-camponesa, ao papel que deve caber à organização multiforme
das massas, à necessidade de abordar os problemas da construção do socialismo,
ao desenvolvimento indispensável da democracia soviética. Durante estes anos, a
dominação das idéias do marxismo revolucionário tende globalmente a se
consolidar. Entretanto, como se sabe, inúmeras posições de princípio ou
decisões tomadas não chegam a exercer uma influência larga e durável sobre as
práticas dos aparelhos do Estado e do partido. É em geral o caso quando se
trata do centralismo democrático, da democracia soviética, das relações
econômicas e políticas com as massas camponesas, assim como das relações entre
a República russa e as outras Repúblicas soviéticas[15].
A partir de 1925-1926,
diversas modificações afetam a formação ideológica bolchevique e contribuem
para o reforço de elementos ideológicos estranhos ao marxismo revolucionário. O
partido se empenha então em uma política industrial que agrava as contradições no
seio do setor industrial do Estado, e em práticas que prejudicam a solidez da
aliança operário-camponesa. Ao mesmo tempo, torna-se mais cego aos
efeitos negativos destas práticas, que lhe aparecem dever se impor como
“necessidades” inerentes à construção do socialismo.
A fim de explicitar o
que precede, é necessário se referir a alguns dos elementos estranhos ao
marxismo revolucionário presentes no seio das formações ideológicas
bolchevique e das indicações sobre o lugar que estes elementos ocupam em
diferentes momentos, bem como sobre alguns de seus efeitos políticos.
[1]
O problema destas contradições foi
evocado no tomo 1 desta obra
[2] Cf. Notre programme, Lenin, OC, tomo 4, p.
217-218.
[3]
A presença no seio de toda ciência
de representações ideológicas explica a necessidade de retificações. Ela
significa que o p a r ciência/ideologia não remete a dois pólos antagônicos que
se excluem necessariamente, mas a dois contrários que se confundem: um sistema
de conhecimentos científicos é tornado tal pela dominação dos elementos de
cientificidade sobre os elementos de representações ideológicas. O caráter não
exclusivo da ciência e da ideologia explica que Lenin possa dizer do marxismo
que ele é “a ideologia do proletariado revolucionário” (OC, tomo 31, p. 328), e
que Marx possa observar que a ideologia proletária é a que o proletariado é
chamado a reconhecer como verdadeira porque corresponde ao lugar da
classe operária nas relações de produção.
[4] Um problema surge aqui: o processo de empobrecimento e de
ocultação dos princípios e das idéias do marxismo revolucionário, que pode
afetar o marxismo historicamente constituído em sua fusão com o movimento
operário não poderá atingir, por uma corrente ideológica e política
determinada, um grau tal que o resultado não tenha mais senão uma relação
ilusória com o marxismo revolucionário? É inegável que possa ocorrer isso: este
processo dá então nascimento a um “revisionismo” que não é mais senão
uma paródia de marxismo. O aparecimento de um “revisionismo” tem por corolário
o nascimento de um marxismo da nova época que entra em luta com ele. A este
respeito, G. Madjarian formula uma importante observação:
“A luta contra o ‘revisionismo’ não pode se
realizar pela conservação ou antes pela simples reapropriação do marxismo tal
como existia historicamente antes. Longe de ser o sinal de um retorno à
ortodoxia presumida da época precedente, o aparecimento do ‘revisionismo’ é o
sinal de uma crítica necessária do marxismo por ele mesmo” (cf. “Marxisme, conception stalinienne, révisionnisme”, in Communisme, maio-agosto,
1976, p. 44).
[5]
Citado
por Engels, em À la rédaction du “Sozial-Demokrat”, 7 de setembro de
1890.
[6] Daí, por exemplo, a crítica por Marx e Engels aos programas
de Gotha e de Erfurt elaborados pelo movimento operário alemão.
[7]
Esta “ignorância” corresponde, às
vezes, a uma falsificação consciente. Assim, na introdução à edição alemã de
1891 de A Guerra Civil na França redigida por Engels, este último fala
sem hesitação dos “filisteus social-democratas”. Ora, nos textos impressos na
época, o termo “socialdemocratas” foi substituído por “alemães”, a fim de
dissimular aos leitores as divergências entre Engels e a social-democracia. O
manuscrito de Engels se encontra no Instituto Marx-Engels-Lenin de Moscou, a
“correção’ em questão não é de sua mão (cf. sobre este ponto, a edição francesa
de 1968 da obra citada, nota 1, p. 301).
[8]
As divergências entre a teoria
revolucionária de Marx e o marxismo da social-democracia alemã não são
geralmente “expostas em praça pública” por Marx e Engels, mas eles tampouco as
dissimulam. Falam delas não somente na Crítica dos Programas de Gotha e de
Erfurt, mas em inúmeras outras ocasiões. Para fazer o balanço destas
divergências (na maioria das vezes explicitadas), é preciso se reportar a
numerosos textos: mencionamos, entre outros: a entrevista dada por Marx ao Chicago
Tribüne, 5 de janeiro de 1879 (cf. Marx-Engels, La Social-Démocratie
allemande, Paris, coll. “ 10/18”. 1975, p. 97); as notas de Marx ao livro de
Bakunin, Êtatisme et 'Anarchie (in Marx-Bdkounine, Paris, coll. “ 10/18”, 1976, tomo 2, p. 379 s);
diversas anotações de Engels em seu texto de 1885 sobre a história da Liga dos
comunistas (cf. MEW, tomo 21, p. 206 s).
[9]
Uma destas correntes é constituída
— como o veremos — pelo bogdanovismo, sistema ideológico elaborado por Bogdanov
(Cf. infra, nota 5, p. 464). Sob formas transformadas, esta corrente
está constantemente presente no seio da formação ideológica bolchevique.
[10]
No prefácio que redigiu ao livro de
D. Lecourt, Lyssenko, L, Althusser enuncia a este respeito uma série de
observações importantes (cl op. cit., p. 13).
[11]
Cf. Das Kapital, Livro I, in
MEW, tomo 23, p. 94-95. (Na tradução francesa das Editions Sociales,
tomo 1, p. 91-92, este parágrafo não foi traduzido inteiramente).
[12]
Cf. a resolução sobre o Plano
Qüinqüenal adotada em abril de 1929 pela XVI Conferência do Partido, in KPSS,
op. cit., tomo 2, p. 453.
[13]
Stálin, W, tomo II. p. 167.
[14]
Entretanto, tratou-se, como se
sabe, de uma “condenação” essencialmente política e “organizacional”, não
acompanhada da análise aprofundada que teria permitido fazer progredir
os conhecimentos teóricos e o marxismo revolucionário. Ê o que indica um texto
do CC do PCC em que é notado que no final dos anos 20 e no início dos anos 30,
“... a União Soviética tinha alcançado a vitória sobre os trotskystas, embora, no
plano teórico, somente a escola de Deborin tenha sido derrotada” (cf. “Sur
la question de Staline”, citado segundo Promesse, inverno 1974-1975. p.
6; a “escola de Deborin” é uma corrente filosófica condenada em 1930 por Stálin
por seu “idealismo menchevique”).
[15]
No tomo I desta obra, já vimos como
algumas destas questões se colocam com Lênin ainda vivo.
2 comentários:
Reduzir papéis e linhas a indivíduos é sempre mais cômodo, e um risco ideológico constante...
Em poucas palavras: nunca nos esqueçamos da luta de classes (e suas bases materiais).
Dimitrov de maneira nenhuma é um revisionista e tão pouco a democracia popular de Dimitrov pode ser comparada a nova democracia de Mao. Diante das condições de apoio da URSS a necessidade da ditadura do proletariado não se mostrara necessária, pois não haveria grandes ataques nem internos e nem externos ao regime, assim Dimitrov decide por compor um sistema mais aberto ao multipartidarismo e as camadas pequeno-burgueses, mesmo sobe isso o dirigente da democracia popular é o proletário em aliança ao campesino e a pequena burguesia esta limitada, a democracia popular tão pouco serviu para justificar um etapismo, ja que em pouco mais de um ano a economia da Bulgaria estava completamente coletivizada e planificada, o pais tendo se convertido em um autentico socialismo leninista. Enquanto isso a nova democracia maoista é um modelo revisionista pois introduz a media burguesia e burguesia nacional não-monopolista a democracia, alem de tratar de maneira errada a questão campesina, utilizando de diversos aspectos para justificar um revisionismo etapista ao socialismo sem a minima necessidade, assim se mostrando revisionista de aspectos bukharinistas, alem disso Dimitrov foi um grande defensor da organização de partido leninista e do centralismo ideológico, ja Mao negou ao centralismo ideologico e desenvolveu sua propria linha de organização teorica de partido com elementos burgueses. Tirem as mãos do camarada Dimitrov, autentico e maior leninista do Leste Europeu.
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