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O último poema de O Vil Metal chama-se Réquiem para Gullar[1].
No ano passado, após mais de meio
século, Ferreira Gullar fez publicar seu segundo réquiem. Enquanto no primeiro
exercia o seu ofício, neste último a poesia sai de cena. Aquele que já se
definiu “poeta político” (Omissão, B)
agora renega a si mesmo, abandona a esperança e a luta, capitula e trai.
Para que não pensem
que exageramos, transcrevemos abaixo os principais trechos dessa fúnebre (não) poesia
de Gullar. Pretendemos, em seguida, analisar cada um desses pontos à luz,
principalmente, da própria poesia de Gullar e, assim, completar seu obituário. Nesses
dias de trocas de papas, podemos voltar ao velho latim e dizer: Requiescat in pace!
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* * *
Entrevista de
Ferreira Gullar nas páginas amarelas da Veja, em 26.09.2012, piores trechos:
“O capitalismo é
forte porque é instintivo. ... O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da
necessidade real da sociedade e dos instintos
do ser humano. Por isso ele é
invencível.
A força que
torna o capitalismo invencível vem
dessa origem natural indiscutível.
Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas
de ganhar dinheiro.”
“O capitalismo é
uma fatalidade, não tem saída. Ele
produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma
invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o
outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade
criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a
solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o
capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.”
“O que está errado é achar, como Marx diz,
que quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe
riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez
de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz
coisas novas.”
“A visão de que
só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária.”
(negritos nossos)[2]
* * *
Como pode um antigo militante
comunista dizer essas bobagens ridículas, expressões de rendição de classe?
Avancemos uma primeira hipótese, que condiz com nossa tese dessa entrevista
como um réquiem, a partir da própria poesia do ex-poeta:
“Foi-se
formando/a meu lado/um outro/que é mais Gullar do que eu/que se apossou do que
vi/do que fiz/do que era meu/e pelo país/flutua/livre da morte/e do morto”
(O Duplo, PI).
Se descartarmos essa
hipótese poética de um duplo, de um impostor que tenha tomado o lugar do velho
Gullar (e pilhérias a parte), a explicação mais plausível para sua impostura deve
estar baseada no próprio fenômeno que funda uma sociedade dividida em classes
antagônicas, que a perpassa de cima a baixo, e define os rumos da prática, da
teoria e da ideologia de cada classe nessa sociedade: a luta de classes.
O recuo e a traição
de Gullar podem ser explicados (nunca justificados!) como efeitos do próprio
recuo da classe operária na luta de classes contra a burguesia nas últimas
décadas. Efeitos das ausências de uma firme posição revolucionária entre as
massas e do seu partido comunista na sociedade brasileira atual. Efeitos do recuo
relativo da teoria marxista no país. Só que esses efeitos, para o segundo
réquiem de Gullar,já se mostram um tanto quanto defasados, pois tanto a
conjuntura mundial quanto a conjuntura nacional da luta de classes já apontam
para uma retomada da luta de massas, o que tende a levar em seu bojo a
retomadas tanto da teoria marxista quanto de sua organização revolucionária.
A própria e
necessária ligação entre luta de classes e posição política não era
desconhecida do antigo poeta:
“Meu povo e meu
poema crescem juntos” (Meu Povo, Meu Poema, DNV).
* * *
Vamos analisar
agora, brevemente, as principais teses do segundo réquiem.
Primeira tese de Ferreira Gullar: o capitalismo como tendo
“origem natural”. O capitalismo como
fruto “dos instintos do ser humano”.
Passagem de “natural” para final, “invencível”. Fim da história.
Ao abandonar a
posição proletária e revolucionária, Gullar abandona o materialismo histórico
e, com isso, regride às formulações ideológicas das classes dominantes, utilizadas
para justificar a dominação de classe da burguesia. Para esta, nada melhor do
que apresentar o capitalismo – e assim justificar sua exploração sobre a grande
maioria da população – como algo natural e espontâneo, porém de acordo com a
natureza, com uma pseudo-essência, do ser humano. Dessa forma, o capitalismo
vira o fim da história ou, nas palavras de Gullar, um sistema “invencível”.
Nada mais distante,
porém, da realidade do que essa caricatura ideológica.
O capitalismo, ao
contrário de ser de “origem natural”,
é um modo de produção historicamente determinado com o objetivo de produzir e
reproduzir não apenas as condições materiais de existência, mas também as
relações de dominação e exploração de classe que lhe são características.
Isso quer dizer que
a constituição do modo de produção capitalista, tal qual do feudalismo e do
escravismo, dependeu de uma série de fatores concretos, contingentes porém
cumulativos (políticos, sociais, tecnológicos, etc.), ocorridos em determinado
e longo período histórico. Essa transição do feudalismo ao capitalismo nada
teve de necessária, imanente, caracterização típica de quem, à “esquerda” ou à
direita, professa diversas “filosofias da história”, com sua sucessão
pré-determinada e teleológica de momentos que culminariam com a realização da
“essência” do homem.
Da mesma forma, o
capitalismo não é a realização dos “instintos
do ser humano” – supondo que tais instintos existam além da herança
evolucionária que compartilhamos com os demais seres vivos (resumidos de forma
geral nas buscas pela sobrevivência e pela reprodução) – sejam eles quais
forem. O importante é explicitar que nesta frase de Gullar se resume a
impostura ideológica do liberalismo burguês: criar um indivíduo representativo
de todos, ignorando as divisões da sociedade em classes, e associar este
indivíduo ao burguês. Porém atenção: não se trata aqui do burguês real,
egoísta, explorador e sedento de lucro, mas de um burguês ideologicamente
idealizado, um poço de virtudes.
Virtudes essas
ressaltadas e condensadas nas belas e genéricas declarações de princípios,
necessariamente ideológicas, da burguesia, tais como as dos pais do liberalismo
inglês, ou dos direitos do homem e do cidadão da grande Revolução Francesa, ou
ainda o Bill of rights da Revolução
Americana, até os mais recentes estatutos da ONU ou a “constituição cidadã”
brasileira. Trata-se, no entanto, de submetê-las ao confronto da realidade
concreta. A realidade concreta da opressão do imperialismo inglês sobre os
povos coloniais do mundo todo até meados do século passado e dos bairros
proletários denunciados por Charles Dickens e Jack London. A realidade concreta
da opressão sobre os miseráveis e os mineiros franceses, denunciadas por Victor
Hugo e Émile Zola no século XIX, das condições de vida nos banlieues da Paris atual às tropas colonizadoras que oprimem os
povos do mundo aos acordes da Marselhesa. A realidade concreta do secular
escravismo americano substituído por um apartheid em que se enforcavam negros
aos aplausos da multidão branca nas southern
trees denunciadas por Billie Holiday, da miséria espalhada pelas depressões
do século XX, retratada por John Steinbeck, e do século XXI, ainda à espera de
autor, às políticas do big stick que
se mantêm de Theodore Roosevelt a Obama. A realidade concreta dos sempre
negados direitos à autodeterminação dos povos diante das “intervenções
humanitárias” das grandes potências imperialistas. E a realidade concreta do
nosso conhecido país da jabuticaba, das Vidas Secas de Graciliano à Cidade de
Deus de Paulo Lins e aos Domingos Sem Deus de Luiz Ruffato, e uma das maiores
desigualdades sociais do mundo, para usar esse eufemismo estatístico.
Portanto, o
capitalismo não só não é algo “natural”
sendo, pelo contrário, historicamente determinado, como não realiza “instinto” humano algum, inclusive porque
não só não há esse “instinto” humano,
como não há, tampouco, esse indivíduo humano representativo de todas as classes
no capitalismo.
Mas que o
capitalismo não é uma sociedade homogênea, mas dividida em classes, isso o
velho poeta já sabia:
“a noite
ocidental obscenamente acesa/sobre meu país dividido em classes”
(Madrugada, DNV).
Tiradas, assim, suas
premissas, já cairia por terra a ridícula hipótese de um capitalismo “invencível”. Mas achamos que cabe
acrescentar, ainda, dois pontos adicionais. O primeiro é que não é possível a
quem quer que seja, nem a este outro Gullar, ignorar a dimensão da atual crise
do capitalismo, da crise da economia mundial, do imperialismo. Crises que vem
se sucedendo umas as outras de maneira crescente e generalizada. Crise que, ao
ampliar desmesuradamente o nível de exploração sobre as classes trabalhadoras, está
fazendo crescer a reação dessas mesmas classes dominadas contra o sistema de
dominação.
O segundo ponto é
que uma premissa implícita da tese da invencibilidade do capitalismo em Gullar
é que ela restaria provada pela queda das tentativas socialistas do século XX.
Mais uma vez, o ex-poeta vê tudo ao avesso. As gloriosas e bem sucedidas experiências
de derrubada revolucionária do capitalismo, bem como as primeiras tentativas de
construção do socialismo na União Soviética, na China, no Vietnã, em Cuba e
tantos outros lugares, são lições imprescindíveis, nos seus acertos e nos seus
erros, à geração atual de comunistas. Sabemos, agora, quais erros evitar e
quais lições desenvolver.
Segunda tese de Ferreira Gullar: o capitalismo como
solução para a desigualdade que ele próprio cria, amplia e reproduz. A “capacidade criativa do capitalismo é
fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade”.
A “produção da riqueza” no
capitalismo.
Mais uma vez,
defrontamo-nos com a mais simples e caricata ideologia burguesa. O capitalismo
é apresentado como o regime de produção de riqueza ao qual bastaria uma melhor
regulação, um maior controle estatal, uma legislação mais apropriada ou quem
sabe, uma maior consciência dos capitalistas, para que haja uma distribuição
menos desigual dessa riqueza. Como criticou Lênin, um capitalismo asseadinho.
E note bem: uma
distribuição menos desigual de riqueza seria tudo ao que o proletariado e as
demais classes dominadas poderiam almejar. Como diz este Gullar, essas classes
são aquelas que nascem “burras”,
nascem “aleijadas”. E a riqueza seria
criada pelas empresas, da qual dependeriam os operários. Essa matriz ideológica
burguesa é compartilhada por todos os matizes de reformismo e revisionismo,
tanto em suas infrutíferas tentativas de criar um capitalismo organizado,
asseadinho, quanto nas suas ações para paralisar a classe operária e moderar
suas reivindicações.
Mas comecemos a
desmontar essa ideologia pelo seu começo. Em que base ocorre a produção de
riqueza no capitalismo? O materialismo histórico nos apresenta de forma cabal
que é o trabalho humano que transforma os valores de uso disponíveis na
natureza, tornando-os apropriados às satisfações das necessidades humanas.
No capitalismo, no
entanto, este trabalho humano adquire uma característica bastante específica. É
o trabalho daquelas classes que não detêm nem os meios de produção nem as
condições de garantir sua própria subsistência. Sua única maneira de subsistir
é vender sua força de trabalho à classe possuidora dos meios de produção,
detentora do capital. E aqui a maravilhosa descoberta científica de Marx, desnudando
a raiz da exploração capitalista: ao produzir uma quantidade de riqueza que
supera o valor de sua força de trabalho vendida ao capitalista, essa riqueza
excedente, a mais-valia, é apropriada integralmente pelo capitalista, sem
equivalente. A riqueza capitalista resume-se, toda ela, à apropriação do
trabalho não pago das classes trabalhadoras.
E isso pode ser
traduzido em termos poéticos. Mais uma vez, nos socorramos do antigo poeta
Ferreira Gullar. E não de qualquer poema, mas de seu poema mais famoso, o Poema Sujo, escrito em meados dos anos
1970 na Argentina, onde o então poeta estava exilado.
O que ficam fazendo
os proletários, Gullar?
“trabalhando para o dono – como disse/Marx” (PS).
E o que é a vida
proletária, poeta?
“miséria dos homens/escravos de outros” (PS).
Uma década antes,
isso já lhe estava suficientemente claro:
“Trabalhava
noite e dia/nas terras do fazendeiro./Mal dormia, mal comia,/mal recebia
dinheiro;/se recebia não dava/pra acender o candeeiro./João não sabia como/fugir
desse cativeiro” (João Boa-Morte Cabra Marcado Pra Morrer, RC).
Ao invés das loas
atuais ao capitalismo e sua pseudo-capacidade de distribuir riqueza, ao invés
de se deixar festejar pela burguesia brasileira, nosso antigo poeta sabia e
enfrentava a dura realidade do país com sua poesia:
“Façam a
festa/cantem e dancem/que eu faço o poema duro/o poema-murro/sujo/como a
miséria brasileira”
“poema/que não
toca no rádio/que o povo não cantará/(mas que nasce dele)”
“Obsceno/como o
salário de um trabalhador aposentado/o poema/terá o destino dos que habitam o
lado escuro do país/ – e espreitam.” (Poema Obsceno, VD)
Terceira tese de Ferreira Gullar: no capitalismo quem
produz as riquezas são os capitalistas e os operários conjuntamente, “um depende do outro”. “O empresário é um intelectual que, em vez de
escrever poesias, monta empresas”.
“O branco açúcar
que adoçará meu café/nesta manhã de Ipanema/não foi produzido por mim/ ... /e
tampouco o fez o dono da usina/ ... /Em lugares distantes, onde não há hospital/nem
escola,/homens que não sabem ler e morrem/aos vinte e sete anos/plantaram e
colheram a cana/que viraria açúcar” (O Açúcar, DNV).
Não é necessário
nada além do soco no estômago que é essa poesia para demolir a patética tese da
“co-dependência” entre o trabalhador e o “empresário-intelectual-poeta”
(sic!).
Mas vejamos esse
ponto com um pouco mais de detalhe. Este atual duplo de Gullar, este impostor,
afirma que, ao invés do que escrevia antes, a produção de riqueza se dá por “milhões de pessoas inventando maneiras novas
de ganhar dinheiro”, pois o burguês “é
um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas”. Que a
burguesia passa todo o seu tempo se beneficiando das maneiras velhas de ganhar
dinheiro ou inventando maneiras novas para isso é sua própria definição
enquanto classe. O que Gullar não diz (pois a Veja poderia não gostar), mas que
é seu sinônimo, é que para isso, a burguesia passa todo o seu tempo se
beneficiando das maneiras velhas de explorar os trabalhadores ou inventando
maneiras novas de realizar essa exploração. Quem diz capitalismo, diz
exploração de classe.
O que o capitalista
tem é apenas o dinheiro, o capital. É esse capital que ele põe em funcionamento
contratando trabalhadores para gerarem a mais-valia que é por ele apropriada.
Ao capitalista, o que interessa é a produção de um valor maior do que o que
dispunha inicialmente, tanto faz produzindo açúcar ou cocaína, chips de
computador ou armas.
Isso é tão óbvio que
até o nosso Zé Molesta já o sabia:
“A verdade é
muito simples/e eu vou logo lhe contar./Você não quer liberdade,/você deseja é
lucrar. Você faz qualquer negócio/desde que possa ganhar:/vende canhões a
Somoza,/aviões a Salazar,/arma a Alemanha e Formosa/pro mercado assegurar”
(Peleja de Zé Molesta com Tio Sam, RC).
Esquecido de sua
vida anterior, o que o novo Gullar parece ainda acreditar é nos velhos mitos
das “robinsonadas”, do pequeno capitalista individual movido a uma ideia na
cabeça e algum dinheiro no bolso. Algo como um Steve Jobs. O que ele “esqueceu”
é que para transformar essas idéias em produtos vendáveis, mercadorias, o
capitalista cai fora e o trabalho é feito pelos operários. Esqueceu que o
sucesso do Steve Jobs é baseado em milhares de operários chineses presos em
fábricas militarizadas, nas quais se faz apenas trabalhar (muito), comer e
dormir (pouco) a troco de salários irrisórios. Lá como aqui e em qualquer
lugar, no entanto, a exploração capitalista encontra seu limite na reação
operária. Lá como aqui e em qualquer lugar, a luta dos operários limita, na
medida de sua organização e disposição de luta, um avanço maior da exploração, aumenta
os salários (ainda irrisórios) e conquista melhores condições de trabalho.
No tempo em que ele
ainda sabia dessas coisas, ele as chamava pelo nome. Não mais um “empresário-intelectual-poeta”, mas os
grandes monopólios imperialistas:
“Que o tempo é
pouco/e ai estão o Chase Bank,/a IT & T, a Bond and Share,/a Wilson, a
Hanna, a Anderson Clayton,/e sabe-se lá quantos outros/braços do polvo a nos
sugar a vida/e a bolsa” (Homem Comum, DNV).
E também a própria
classe dominante brasileira não era poupada:
“Latifúndios com
nome de gente, famílias/com nome de empresas” (Dois Poemas Chilenos, DNV).
E ainda vem esse ex-poeta
criticar suas antigas posições como “radical,
sectária, primária”! Primárias são as teses que se derivam do senso comum,
que expressam a ideologia dominante. Como vimos, não é outra coisa que Gullar faz
durante toda a entrevista-réquiem. Sectário é não se abrir ao debate, à
discussão, à crítica. O marxismo sempre foi, desde Marx, o oposto a isso. Não é
por outra razão que nosso blog chama-se Cem Flores (http://cemflores.blogspot.com.br/). Por fim, como dizia o jovem Marx, ser radical é
tomar as coisas pela raiz, o que no caso se traduz em desvendar e denunciar os
mecanismos encobertos da exploração capitalista e desnudar a ideologia burguesa
que a justifica[3].
* * *
À guisa de
conclusão, dois comentários.
Ao contrário do que
propõem tanto a entrevista-réquiem de Gullar quanto a ofensiva ideológica da
classe dominante na atual crise do imperialismo, o capitalismo não é o fim da
civilização, o fim da história. Pelo contrário, na atualidade há crescentes indícios
de aumento das lutas de massa (passeatas, greves, manifestações, ocupações,
greves gerais, etc.) e de retomada do marxismo. Por certo partindo de patamares
recuados, mas iniciando a contra ofensiva das classes dominadas.
E como nosso velho “poeta político” já sabia, quando essa
luta avança...
“Um grave
acontecimento está sendo esperado por todos/Os banqueiros os capitães de
indústria os fazendeiros/ricos dormem mal. ... Um grave acontecimento/está
sendo esperado/e nem Deus e nem a polícia/poderiam evitá-lo” (A Espera, VD)
“A poesia/quando
chega/não respeita nada./ ... /E promete incendiar o país” (Subversiva, VD)
“Onde está/a
poesia? Indaga-se/por toda parte ... /poesia/paixão/revolução” (A Poesia,
DNV).
E como último e
triste comentário, parece que enfim concretizou-se na vida do poeta a sua
própria poesia:
“é a morte que
te chama/É tua própria história/reduzida ao inventário de escombros/no avesso
do dia/e não mais esperança/de uma vida melhor?/que se passa, poeta?/adiaste o
futuro? ” (Omissão, B).
“O morto está
morto” (Glauber Morto, B).
[1] Neste texto, todas as citações da obra poética de
Ferreira Gullar foram feitas de acordo com a edição de sua Poesia Completa, Teatro e Prosa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. Dá-se o nome do poema citado e indica-se o
livro no qual foi publicado pelas suas iniciais: VM (O Vil Metal, 1954-60), RC
(Romances de Cordel, 1962-67), DNV (Dentro da Noite Veloz, 1962-75), PS (Poema
Sujo, 1975), VD (Na Vertigem do Dia, 1975-80), B (Barulhos, 1980-87) e PI
(Poemas Inéditos, 1948-2006).
[2]Veja, 26
de setembro de 2012. O texto integral está disponível no sítio do filósofo e
poeta Antonio Cícero, que o qualifica de brilhante (sic!): http://antoniocicero.blogspot.com.br/2012/10/ferreira-gullar-entevista-revista-veja.html.
[3]
Faltou-nos comentar uma afirmação de Gullar, a de que a “função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível
que ele quer levar”. Para a avaliação marxista sobre o papel do Estado no
capitalismo e para uma análise do comportamento recente do Estado brasileiro,
remetemos ao nosso artigo “O Estado brasileiro em ação. Como o Comitê
Central da Burguesia decide as medidas de política econômica e as determina aos
atuais prepostos Dilma e Mantega” (http://cemflores.blogspot.com.br/2012/07/como-o-comite-central-da-burguesia.html).
2 comentários:
Caros amigos do Cem Flores,
Há algum tempo venho visitando com bastante interesse o blog de vocês e me identificando com as matérias que vocês publicam, em defesa do marxismo, pelo comunismo, e no combate ao revisionismo e ao oportunismo. Este último aspecto é o centro da porrada (elegante, mas mesmo assim uma boa porrada. E bem dada!) que vocês deram na entrevista do Ferreira Gullar na Veja, com sua louvação ao capitalismo, característica de todo o renegado.
Não é que o (ex) poeta, como vocês dizem, volta à carga em um artigo na Folha de São Paulo de 20 de abril (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/1265597-ah-se-nao-fosse-a-realidade.shtml)? Para contribuir com a crítica que vocês lançaram, apresento a minha própria.
No artigo, cinicamente intitulado “Ah, se não fosse a realidade!”, Gullar conta que assistia TV e três artistas entrevistados reclamaram da falta de espírito transformador e revolucionário dos tempos atuais. Isso (sua indignação? Desolação?) o fez lembrar conversa com uma estudante da UFRJ, do PCdoB, que defendeu “o radicalismo como a única maneira de levar à mudança da sociedade capitalista” (faz tempo!!!).
Eis o que acho o ponto central do artigo: “Admito que fiquei realmente surpreso. Que pessoas de minha geração, por terem militado na esquerda, ainda se mantenham fiéis àquelas convicções ideológicas, dá para entender. Mas jovens, que nasceram após o fim do sistema socialista, insistirem num sonho revolucionário que há muito já se dissipou, é, no mínimo, surpreendente” (sublinhado meu).
O que o poeta esqueceu é que o capitalismo se caracteriza por uma luta de classes entre dominantes e dominados, especialmente entre burguesia e proletariado, que lhe é intrínseca, constitutiva. Essa luta de classes ocorre no próprio processo de produção capitalista, no qual o burguês se apropria do trabalho do operário. E para que isso ocorra e continue ocorrendo, desenvolve-se o controle/opressão do trabalho, o Estado burguês, a ideologia dominante, a polícia, etc. como esferas para garantir a produção e reprodução do modo de produção capitalista.
Só que esse mesmo processo de produção/exploração/reprodução capitalista e suas crises, provocam a reação da classe operária na luta de classes. Os erros das primeiras experiências históricas de construção do socialismo, principalmente na União Soviética e na China, a degeneração oportunista nos PCs, o abandono do marxismo-leninismo e o recuo do proletariado na luta de classes, com a ofensiva da burguesia, não acabaram com a luta de classes. E a crise capitalista atual pode vir a ser seu ponto de inflexão.
(continua)
Portanto, os “jovens” (em idade ou espírito) de hoje, operários, trabalhadores, camponeses, estudantes, veem renascer o “sonho revolucionário”, o “sonho” socialista, quer seja na Europa destruída pela crise, na América Latina, ou em qualquer outra parte do mundo. Que este renascer aconteça com erros, com limitações, é característica (talvez necessária) daqueles que despertam do largo sono embrutecedor a que foram submetidos.
Hoje, porém, temos condições de aprender com os erros históricos e ir descobrindo as formas de luta adequadas aos tempos atuais. Como reorganizar o Partido Comunista, revolucionário. Como construí-lo nas condições da repressão capitalista atual (não se enganem com a democracia burguesa, companheiros!). Como participar e estimular as lutas da nossa classe. Quais as corretas tática e estratégia da revolução brasileira hoje. Como retomar e desenvolver o marxismo-leninismo. Todas essas são questões do renascer desse “sonho revolucionário” que teremos que responder com nossas ações práticas e teóricas.
Como dizia Mao Zedong: “Lutar, fracassar, lutar de novo, fracassar de novo, tornar a lutar, e assim até a vitória: esta é a lógica do povo”.
Para completar, se o poeta diz que é “bastante difícil fazer uma revolução comunista, hoje” (sem dúvida! Nunca foi fácil!), é porque ele esqueceu que não é porque uma tarefa é difícil que ela é impossível ou que ela não é necessária. Décadas atrás, o falecido Gullar escreveu:
Eles eram poucos
E nem puderam cantar muito alto a Internacional
Naquela casa de Niterói
Em 1922. Mas cantaram.
E fundaram o partido.
Eles eram apenas nove:
...
Em todo o país,
Eles não eram mais de setenta.
Sabiam pouco de marxismo
Mas tinham sede de justiça
E estavam dispostos a lutar por ela.
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