quarta-feira, 9 de março de 2011

Resposta ao Camarada R. N.


Após o envio de um e-mail para o endereço de nosso blog contendo críticas e contribuições, a nosso ver, importantes, vinculadas ao nosso último "post": "O caleidoscópio da ideologia dominante", resolvemos publicá-las como comentários a essa matéria, bem como, resolvemos debatê-las. O tamanho da resposta, bem como, sua importância, criaram a necessidade de fazê-la em um novo "post".
Segue abaixo nossa resposta.
"Que cem flores desabrochem! Que cem escolas rivalizem!"

Prezado camarada R.N.,
Agradecemos sua leitura atenta do nosso último artigo e seus comentários. Quando nosso coletivo decidiu criar o Blog Cem Flores, nosso objetivo era o de criar um espaço para publicarmos nossas posições e promover o debate sobre a teoria revolucionária marxista e sobre sua prática militante. Com os comentários que temos recebido, inclusive o seu, parece que estamos no caminho correto. Convidamos você e seus companheiros a lerem e discutirem nossos textos anteriores que estão publicados no Blog.
Sua carta aborda vários temas relevantes. Sobre alguns deles, podemos dizer que estamos de firme acordo, pois são questões de princípios para os revolucionários. Em outros, temos discordâncias importantes. Vamos aos pontos.
Achamos, em primeiro lugar, que os aspectos mais relevantes de sua carta são os chamamentos que você faz
  1. para a organização de um partido revolucionário do proletariado, de estilo leninista (nas suas palavras, a "arma mais elaborada que o proletariado já construiu, a dizer, o partido leninista").
  2. Partido presente nas lutas concretas da classe operária e demais classes dominadas do país ("militância viva nas ruas, nos bairros, nos locais de trabalho, universidades" e "não nos fóruns estéreis da esquerda") e
  3. armado da ciência revolucionária do proletariado, o marxismo ("marxismo é ciência", é preciso "enraizar o marxismo como uma ferramenta para a compreensão da marcha do imperialismo, ou nossa classe continuará afogada com as ideologias nacionais, ecológicas, democráticas, racistas, elitistas, religiosas, etc.").
Ao longo de nossa trajetória de militância coletiva, temos nos batido sucessivamente em defesa desses princípios, o que você poderá constatar nos textos publicados no Blog. Esses princípios, no entanto, embora fundamentais e imprescindíveis para a construção do processo revolucionário e sua arma – o partido leninista –, não são suficientes. É preciso conjuga-los ao que Lênin chamava de alma viva do marxismo, a análise concreta de uma situação concreta. E aqui temos algumas divergências significativas.
Estamos de pleno acordo em que o Partido – partido leninista, partido revolucionário, partido proletário, enfim, o Partido Comunista – não pode seguir o que você chamou de "qualquer pauta burguesa". Temos uma história repleta, no mundo e no Brasil, desse seguidismo à "burguesia nacional" que, só para ficarmos em um exemplo, desarmou completamente o PCB para combater o golpismo de direita que desembocou no golpe militar de 1964 e nos 21 anos de ditadura militar.
No entanto, é inteiramente incorreto chamar de "pauta burguesa" o que você chama de "questão nacional", que você traduz como a "discussão entre países dominados e dominantes". Em primeiro lugar, na história do marxismo e do movimento comunista, questão nacional refere-se, por um lado, à formação de Estados Nacionais agregando dentro de si várias nacionalidades, das quais uma exerce a condição de dominante, ou, por outro lado, à dominação colonial. Essas situações colocavam aos comunistas contradições específicas que deveriam ser tratadas no curso de cada processo revolucionário, como por exemplo, na Revolução Bolchevique de 1917, na Chinesa de 1949 e na Revolução no Vietnã. Ora, nesses termos, não temos uma questão nacional no Brasil atual como uma contradição relevante no processo revolucionário.
Mesmo assim, é importante esclarecer que a posição marxista sobre esse tema – definida por Stálin em seu livro O Marxismo e a Questão Nacional (1913) – nada tinha com a subordinação a uma "pauta burguesa". Veja alguns trechos:
"A luta, para sermos exatos, começou e ascendeu-se não entre nações inteiras, mas entre as classes dirigentes das nações dominantes e das oprimidas ... A burguesia é a protagonista" (pg. 291).
"Às vezes a burguesia consegue atrair o proletariado para o movimento nacional, e então a luta nacional assume, exteriormente, um caráter 'popular', mas só exteriormente. Na sua essência, a luta permanece sempre burguesa, vantajosa e útil sobretudo para a burguesia" (pg. 294).
"O proletariado colocar-se-á ou não sob a bandeira do nacionalismo burguês, segundo o grau de desenvolvimento das contradições de classe, segundo a sua consciência e organização. Um proletariado consciente possui a própria bandeira provada, e não tem motivo para colocar-se sob a bandeira da burguesia" (pg. 293).
"Não há outro caminho: os princípios vencem, mas não 'se conciliam'. Portanto: o princípio da união internacional dos operários como elemento indispensável à solução da questão nacional" (pg. 348).
J. Stálin. O Marxismo e a Questão Nacional (1913). Obras, vol. 2 (1907-1913). Rio de Janeiro: Editorial Vitória, 1952, pg. 278-348.

Em segundo lugar, nosso artigo ao qual você dirige seus comentários não trata de países dominantes (imperialistas) e de países dominados do ponto de vista da questão nacional. Tratamos, isso sim, da economia mundial, do sistema imperialista, que efetivamente se constitui em um todo contraditório no qual há o antagonismo entre países dominantes (imperialistas) e países dominados, bem como contradições dentro do conjunto dos países imperialistas entre si, além das contradições de classe entre burguesia e proletariado em cada um desses países (e entre as distintas frações da burguesia) e, em alguns casos, questões nacionais ainda por resolver.
Estamos convictos de que não apenas essa análise da conjuntura econômica e social do sistema mundial do imperialismo é fundamental para a análise da luta de classes no Brasil – seja como "pano de fundo", seja como, mais precisamente, os determinantes primeiros da reprodução do capital no país, seus ajustamentos e reestruturações (que nós atualmente denominamos como regressiva, como "regressão a uma situação colonial de novo tipo") – mas que ela é, também, feito no espírito da análise de Lênin em O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, indispensável para a correta compreensão revolucionária da conjuntura.
Para Lênin, a passagem para a fase imperialista do capitalismo ("el imperialismo es la fase monopolista del capitalismo", pg. 405) é o traço fundamental de nossa época. Para o que nos interessa aqui, entre outras características, ressalta "el reparto del mundo entre las grandes potencias", que analisa no item 6 do livro, que agrava ainda mais, entre outros, a tendência à guerra (que você aponta corretamente). As frases abaixo resumem bem o sentido da análise de conjuntura, da avaliação da contradição entre os países dominantes (imperialistas) e o Brasil enquanto país dominado, que buscamos fazer em nosso texto:
"El capital financeiro es una fuerza tan considerable, puede afirmarse que tan decisiva, en todas las relaciones económicas e internacionales, que es capaz de subordinar, y en efecto subordina, incluso a los Estados que gozan de la independência política más completa" (pg. 398).
"las formas variadas de países dependientes que desde un punto de vista formal, político, gozan de independencia, pero que, en realidad, se hallan envueltos en las redes de la dependencia financiera y diplomática ... Modelo ... es, por ejemplo, la Argentina" (pg. 402).
V. Lênin. El Imperialismo, Fase Superior del Capitalismo (1916). Obras Completas, vol. 27 (1915-1916). Moscou: Editorial Progreso, 1985, pg. 313-449.

Substitua, por favor, Argentina por Brasil na citação acima. Veja também, no livro de Lênin, a importância que ele atribui à produção de matérias-primas, à dominação do capital financeiro, e veja se não é necessário partir daí para a análise da conjuntura atual.
Talvez o mais importante, no entanto, é que nosso artigo se dedica a negar cabalmente o que você considera como um "fato", a saber, a "ascensão do Brasil ao nível de potência imperialista". É a partir dessa sua concepção – a nosso ver completamente equivocada – que você pode afirmar, logo no início, que "Não interessa ficar discutindo os benefícios para a fração brasileira da nossa classe, o problema da ascensão do Brasil ao nível de potência imperialista. Essa ascensão é fato". É a partir desse equívoco que você conclui que "É uma pauta da esquerda, e portanto da burguesia, a discussão entre países dominados e dominantes".
Todo o nosso artigo é uma crítica radical da tese de José Luís Fiori sobre a conquista de uma suposta "autonomia" por parte do Brasil. Crítica radical da tese de José Luís Fiori de que "o Brasil já entrou no grupo dos Estados e das economias nacionais que fazem parte do 'caleidoscópio central' do sistema". Ao considerar isso como um "fato", acreditamos que você acaba por cair – de forma passiva e involuntária – na rede das teses do nacionalismo e do desenvolvimentismo burgueses, ainda quando coberta com um manto socialista.
Em relação à sua negativa de que esta crise seria uma "terceira grande depressão", achamos que a resposta final sobre isso será dada pelos fatos, pelos "datos generales de la estadística burguesa irrefutable" (pg. 317), como dizia Lênin em O Imperialismo. As estatísticas, até agora, para o conjunto do sistema imperialista, mostram que trata-se da mais severa crise desde a de 1929, sendo que para diversos países (Letônia, Estônia, Islândia, Irlanda, Grécia, e talvez Portugal e Espanha) trata-se de algo ainda mais grave. Para nos resumirmos a um número: o FMI tem, atualmente, mais de 80 países sob programas de "assistência financeira", em valores que totalizavam US$104 bilhões, em 28 de fevereiro passado (veja em http://www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred2.aspx?date1key=2011-02-%2028&reportdate=2011-02-28.
Os valores estão em Direitos Especiais de Saque e precisam ser convertidos em dólares. As taxas estão em http://www.imf.org/external/np/fin/data/rms_mth.aspx?SelectDate=2011-02-28&reportType=CVSDR). Isso sem contar os valores gastos pelos Tesouros Nacionais e pelos bancos centrais em cada país.
Agora, em relação à sua afirmação de que "crises muito mais profundas estão no horizonte de médio-longo prazo (20-30 anos)", concordamos inteiramente, pois isso nada mais é que uma expressão da tendência ao agravamento das contradições do capitalismo em sua fase imperialista. Inclusive a tendência à guerra.
Dois últimos comentários breves, para não prolongar demais esta resposta. Em relação à história das magníficas experiências de construção do socialismo, não deixe seus preconceitos prejudicarem a sua análise. Não caia no conto dos ideólogos burgueses disfarçados de historiadores, alguns até marxistas de nome e pequeno-burgueses de fato. Os acertos e erros das experiências de construção do socialismo na URSS, na China, no Vietnã, em Cuba (e antes disso, a Comuna!), são fatos inescapáveis da nossa reflexão teórica e da nossa prática política. As revoluções, a tomada do poder político, a ditadura do proletariado, a expropriação da burguesia e demais classes dominantes, a coletivização no campo, as revoluções culturais, são marcos fundamentais aos quais devemos dedicar estudo detalhado, teórico e dos fatos.
Por fim, seus comentários por diversas vezes citam os "seres humanos", seja como unidade de análise, seja como objetos de uma pauta revolucionária. Sobre isso afirmamos, como já dizia Louis Althusser, que o marxismo não é um humanismo. A análise marxista não parte dos "seres humanos", de uma "rede material de relações entre os seres humanos", mas sim das classes sociais e da sua luta, que são "o motor da história". Partir dos indivíduos – um passo para considera-los todos iguais! – é cair na ideologia jurídica, própria da burguesia; nos princípios da economia política, as "robinsonadas" que Marx tanto criticou; e ainda em uma a-historicidade, antagônica ao marxismo, pois seres humanos existem há milênios, enquanto que o proletariado surge com o capitalismo e acabará com a sua derrubada.
Portanto, dizer que o "capitalismo é desenvolvimento para o mercado, e não para os seres humanos", é um equívoco. Ninguém se beneficia tanto dos mercados quanto as classes dominantes, também compostas, salvo melhor juízo, de seres humanos...
Só para encerrar com um famoso comentário do Marx sobre o assunto, feito às vésperas da redação do Manifesto, em 1847:
"Nos novos estatutos [da Liga dos Comunistas, novo nome da anterior Liga dos Justos] o slogan anterior 'Todos os homens são irmãos' foi substituído por 'Proletários de todos os países, uni-vos' (Marx teria declarado que havia muitos homens de quem ele não desejava ser irmão de modo algum)" (pg. 188).
McLELLAN, David. Karl Marx: vida e pensamento. Petrópolis: Vozes, 1990, 525 pg.

Saudações revolucionárias,
Coletivo do Blog Cem Flores

15 comentários:

Gabriel Harceia disse...

Comentários - 1
Prezado camarada Nino, saudações.
Inicio felicitando-o pelo ótimo texto que publicaste com críticas à ideologia nacional desenvolvimentista tendo por referência o artigo do Prof. Luiz Fiori “Caleidoscópio mundial” e desculpo-me pela demora em escrever a respeito. Nem sei se os comentários que tenho a fazer são ainda pertinentes.
Tenho concordância com a maior parte da análise, e parabenizo-o pelo arguto e correto manuseio do materialismo histórico. Aproveito, contudo, para apresentar algumas sugestões para reflexões e comentários ulteriores bem como uma discordância específica.
Vou apresentar, da forma mais sucinta que consiga, as questões que me vieram à mente com a leitura do vosso texto tentando seguir a ordem com que elas foram surgindo.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 2
1º - Na primeira linha do texto vos referis a uma “enorme” “produção dos ideólogos da classe dominante” para legitimar e exaltar o governo Lula. Indago: todos os ideólogos da classe dominante como um todo? Está a burguesia unida em torno da gestão petista? Não há contradições na burguesia brasileira sobre Lula, o PT e mesmo sobre o modelo de dominação seguido? Para que façamos análises concretas de situações concretas não precisaríamos caracterizar mais minudentemente a estrutura de classes do Brasil atual [alguma coisa já foi feita em outros textos, mas ainda insuficientemente] desmembrando a totalidade da classe em suas frações e grupos? Não seria necessário compreender quais são as frações existentes, as relações que elas estabelecem com o modelo de acumulação em curso, a correlação de forças entre elas e as tendências políticas e ideológicas que esposam? René Armand Dreifuss em seu clássico: 1964: A Conquista do Estado fez uma análise das classes e frações de classes bem precisa para a época. Ele cunhou o conceito de “fração multinacional e associada” para definir tantos os gerentes e administradores, nacionais ou estrangeiros, das empresas transnacionais como os capitalistas brasileiros associados/dependentes do capital imperialista. Tal fração configurará também um grupo político e ideológico que atuará no sentido de hegemonizar a burguesia brasileira.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 3
Parece-me que o conceito de Dreifuss ainda pode ser útil, mas eu agregaria a ele, para bem entender o governo Lula, a burguesia nacional aliada ao imperialismo. A diferença dessa fração para a fração associada é que ela não é diretamente – acionaria ou profissionalmente – ligada ao capital estrangeiro, mas, mesmo sendo um capital nacional encontra-se sob a hegemonia ideológica do imperialismo e com ele alia-se politicamente. Acredito que podemos aqui dispensar aquela conversa fiada, nacional-reformista, que procurava distinguir conceitualmente burguesia nacional de burguesia brasileira, sendo a primeira a fração nacionalista, no sentido de anti-imperialista, da segunda. Essa fração da burguesia brasileira [enquanto fração de classe e não indivíduos] só existiu nos delírios revisionistas do PCB, do PC do B e, a partir dos anos de 1980, do MR8.
Não tenho dúvidas de que o esquema acima é insuficiente para explicar a composição da burguesia no Brasil. Fica a questão de haver ou não contradições intraclasse e, havendo, quais seriam essas contradições, entre quais frações, com qual sentido e direção, com qual correlação de forças? Isso para ficarmos somente na burguesia [urbana e rural, grande, média ou pequena, voltada para o mercado interno ou externo, etc.], porém uma análise rigorosa exigiria levar essa questão também para o entendimento da classe dominada. Como é essa classe no Brasil de hoje? Qual é a sua composição? Em quais frações se divide, etc.? Tarefa hercúlea camarada, hercúlea.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 4
Podemos considerar que as disputas entre PT [e comparsas] versus PSDB [e viúvas] expressam somente lutas entre as duas principais correntes das elites políticas que representam os mesmos interesses de classe? É o PSDB uma corrente política que já se tornou anacrônica – como os intelectuais tradicionais a que se referia o camarada Gramsci – a exemplo da UDN e como esta já desliza para a sepultura, ou representa uma outra fração de classe que tem diferenças com o projeto de poder representado pelo PT? Em síntese, representam somente grupos políticos lutando pela preferência dos mesmos senhores ou representam alguma divisão entre os senhores? No primeiro caso não estaríamos diante do fato das lutas políticas não refletirem em nada os interesses e disputas entre classes?

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 5
2º - A caracterização dos regimes socioeconômicos vigentes na URSS e nas chamadas democracias populares. Vosso texto refere-se a eles como “países revisionistas do Leste europeu”. Essa caracterização me parece bastante imprecisa. É uma caracterização política, mas falta o principal: definir o modo de produção lá vigente. Sei que este não era o escopo do texto, por isso apenas aponto essa questão, a da caracterização do modo de produção em vigor nesses países, como uma questão importante de ser tratada em outro momento. Em geral se diz que a regressão ao capitalismo não URSS teve seu início com o XX Congresso do PCUS em 1956 [para alguns apenas a partir de 1991]. Mas, ainda que concorde com essa datação [1956/57], pergunto-me se podemos mesmo, de maneira científica, caracterizar a URSS entre 1956/1990 como capitalista e a burocracia dirigente como uma burguesia ou outra classe dominante?

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 6
3º - Ao longo do texto vossa escrita deixa a impressão de que somente duas posições são possíveis aos diversos países: ser dominante [explorador/imperialista] OU ser dominado [explorado/subordinado]. Uma coisa ou outra, com o terceiro excluído. Pergunto se a dialética se esgota aí? Lênin ao analisar a Rússia dizia que uma das suas especificidades era a de ser SIMULTANEAMENTE dominada e imperialista, ainda que a condição dominada prevalecesse. O importante é que Lênin compreendia que a realidade não necessariamente funciona por dicotomias, mas por pares dialéticos e que algo pode ser e não ser simultaneamente porque na verdade está em movimento. Teórica e historicamente um país pode viver simultaneamente, ainda que com assimetria entre os termos, a condição de ser dominado e dominante, dominado e imperialista. Claro que a dicotomia ocupa talvez o papel predominante e muitos países não tenham nenhuma perspectiva de serem mais que dominados, mas há outros, como o Brasil, a Rússia, a China e a índia, onde talvez aquela especificidade apontada por Lênin para a Rússia do início do século XX possa se fazer presente também.
Digo isso porque me parece necessário estudar a hipótese que de no Brasil o capitalismo tenha ou esteja atingindo a condição de capitalismo monopolista. Claro que nesse caso os monopólios precisam ser de capital fundamentalmente nacional. A presença de monopólios estrangeiros, e mesmo o predomínio desses não invalida a hipótese se existirem monopólios cujo controle acionário seja de capitais nacionais, criando assim a base material para a passagem ao imperialismo, que é exatamente isso: o capitalismo em sua etapa monopolista, do domínio dos monopólios [oligopolista talvez seja a expressão mais correta].

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 7
Devemos ter em mente também que a passagem ao capitalismo monopolista e ao domínio do capital financeiro [existe essa fração no mercado brasileiro?] não é algo que se dá de supetão, de súbito, mas um processo onde o caráter imperialista da formação econômico-social se desenvolve e amadurece, conhece etapas; o importante para uma análise marxista é perceber, acompanhar, analisar e sintetizar a tendência. Lembrando que as leis do Materialismo Histórico, como as leis científicas, são leis tendenciais.
É evidente que se a hipótese da configuração de um setor monopolista com tendências imperialistas no capitalismo brasileiro e um setor que com a ascensão de Lula passou a dispor de força política no Estado, for correta, então isso tem grandes implicações na formulação da estratégia e das perspectivas táticas para a revolução socialista no Brasil. Sabemos, e Lênin o destaca, que uma das tendências do movimento operário nos países imperialistas é que parte do movimento seja corrompido, passe para o lado da burguesia monopolista, que assuma um discurso nacional se não nacional-chauvinista e amarele. Este fenômeno foi verificado em todos os países imperialistas e me parece que também se consolidou e fortaleceu no Brasil. Não coincidentemente Lula tornou-se o gestor ideal para o capitalismo brasileiro desse período.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 8
Se a hipótese estiver correta então mais que subordinado o Estado brasileiro tende a tornar-se aliado, parceiro do imperialismo na partilha do mundo, interessado em participar do clube. Claro que isso implicará em algumas rusgas, alguns conflitos e disputas, não quanto a existência do imperialismo e a sua natureza exploradora a expansionista, mas quanto ao lugar que os novos imperialismos irão ocupar no sistema e a posição/peso que os velhos imperialismo continuarão a ocupar.
Uma das teses fundamentais da teoria leninista do imperialismo é exatamente que, dado o desenvolvimento desigual do capitalismo é uma tendência geral que antigas potências declinem enquanto novas emergem levando assim a disputas interimperialistas capazes inclusive de resultar em guerras.

Gabriel Harceia disse...

Comentário - 9
Por último cabe dizer que os imperialismos não são iguais, simétricos. Os imperialismos japonês, finlandês, sueco e italiano, por exemplo, não estão no mesmo nível do imperialismo ianque e nem deixam de ser dependentes em relação a este. Retomando um ponto essencial. O que caracteriza essencialmente o imperialismo não é a passagem do modo de produção capitalista ao estágio de capitalismo monopolista? Se encontramos no capitalismo brasileiro a presença de monopólios nacionais isso seria indício de uma tendência ao imperialismo ou não teria significado algum?

Gabriel Harceia disse...

Comentário - 10
Um aspecto do vosso texto sobre o qual aproveito para manifestar discordância é quanto a classificação do atual estágio do capitalismo brasileiro como sendo de “regressão a uma situação colonial de novo tipo”. Essa conceituação não é nova, mas como ela foi enfatizada no vosso texto e questionada no blog vou aproveitar para comentá-la também. Minha divergência é com o conjunto da expressão.
Se pretendemos fazer análise científica precisamos ter rigor no uso dos conceitos para que os sentidos não sejam dúbios.
Em termos jurídicos o período colonial terminou em 1822 com a separação em relação a Portugal e o início da montagem do Estado nacional brasileiro, sob a forma de um Império escravagista. Entretanto, muitos historiadores [a meu ver de maneira imprecisa] utilizam a expressão colonial para referir-se à economia vigente no Brasil no período posterior, sobretudo no Império, mas, grosso modo, essa classificação poderia ser estendida à República, mormente à Primeira República [1889/1930].

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 11
Em termos econômicos o caráter colonial decorria: a) da dependência em relação aos mercados exteriores, tanto para venda quanto para compra bem como para obtenção de capitais [a superação do exclusivo comercial com Portugal com o fim do monopólio comercial não eliminou a dependência]; b) de uma estrutura econômica fundamentada [ainda que não exclusiva] no latifúndio e na exportação de produtos primários, com a importação dos produtos industrializados; c) na utilização extensiva da força de trabalho intensamente explorada.
Caracterizada dessa maneira a condição colonial pode parecer que não haveria problemas com a caracterização do Brasil hodierno como “colonial”, ainda mais se vier acompanhado da expressão: “de novo tipo”. Que “novo tipo”? Temos então no Brasil um capitalismo colonial de novo tipo? Ou é apenas o modelo de acumulação atual que é colonial de novo tipo? Em que consiste o “novo” em relação às características clássicas da condição colonial [em termos infraestruturais]?
Diz-nos os fundamentos do Materialismo Histórico que à base econômica deve corresponder uma superestrutura. Assim, à economia colonial correspondia uma estrutura jurídico política colonial. Temos também uma superestrutura colonial de novo tipo? E o que seria exatamente isso?

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 12
Entendo que o termo colonial diz do essencial: a dependência; que regressão não é utilizada no sentido de volta ao Brasil Colônia, que o “novo tipo” atenta para as transformações vividas na formação econômico-social do Brasil desde a “Independência”, mas “regressão a uma condição colonial de novo tipo” é uma caracterização que exige tantas explicações e gera tanta dificuldade de entendimento, tanta confusão conceitual e histórica que nunca me pareceu útil.
No essencial o que temos, desde a colonização, é um processo contraditório e complexo de inserção do Brasil no sistema capitalista mundial. Inicialmente, quando colônia, como uma das regiões que através do exclusivo colonial, do tráfico de escravos, da produção agroexportadora e do consumo dos produtos europeus contribuiu para o período da acumulação primitiva de capitais na Europa, mormente na Inglaterra. Posteriormente, na fase independente, tornamo-nos importadores de capitais e continuamos, até a industrialização, essencialmente exportadores de produtos primários.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 13
À medida que a industrialização foi sendo estabelecida a dependência não foi rompida. Se houve alguma perspectiva nesse sentido durou pouco, os poucos anos do segundo governo Vargas [e olhe lá], pois já a partir da administração Juscelino Kubitschek a industrialização tornou-se um fator fundamental no aprofundamento da dependência, pois cada vez mais centrada na presença de capitais externos, na ocupação pelo imperialismo dos espaços econômicos urbanos.
A dependência, ou se quisermos: a condição colonial, foi, deliberadamente, agravada. Esse movimento prosseguiu com a ditadura e ainda se aprofunda nos dias atuais. Tanto com Sarney, como Collor, Itamar, FHC, Lula e agora Dilma, a dinâmica essencial continua: a subordinação ao imperialismo. Talvez com a diferença que Lula e Dilma, por razões ideológicas, utilizem um discurso que tenta vender a tese de que estamos ou devemos avançar no sentido da independência, da autossuficiência, etc. Temos agora essa questão envolvendo a Vale do Rio Doce e as pressões governistas para que se mude a direção da aposta na exportação desenfreada de minérios in natura pelo investimento no beneficiamento e posterior exportação do aço. O que é isso? Uma disputa entre frações burguesas ou uma simples quizila palaciana?
Se a lógica tem sido a do agravamento da dependência ao imperialismo [e para isso não é necessária uma superestrutura de tipo colonial, ou seja, não precisa ser colônia], então “regressão” é uma expressão que não faz sentido, ainda mais se for “de novo tipo”. Em síntese camarada, penso que a forma não está ajudando a caracterizar o conteúdo. Por que não dizer simplesmente: processo de agravamento da dependência externa!

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 14
Às políticas ligadas ao mercado de trabalho, as políticas de estímulo ao consumo e ao apaziguamento dos oprimidos e tudo o mais são políticas voltas a assegurar a continuidade e o aprofundamento pacífico do objetivo central: favorecer a acumulação de capital e manter a dinâmica do capitalismo no Brasil e isso tem sido alcançado por meio de processos que têm agravado a dependência, ainda que tenham crescido as vagas nas universidades, a oferta de moradia popular, o consumo de bens produzidos pelo Departamento III, etc. Ou seja, a consequência fundamental das políticas de Lula/Dilma e que precisa ser eficazmente denunciada, porque oculta para as massas, é o agravamento da dependência ao imperialismo, a dilapidação dos recursos naturais em favor de uma camarilha de acionistas da Vale e da Petrobrás em detrimento dos interesses do povo, é mostrar que com o PT o Brasil ficou mais dependente, mais subordinado, é mais espoliado como nação e que o povo está sendo ainda mais sacrificado para viabilizar os interesses dos capitalistas monopolistas nacionais e estrangeiros. Ainda que o agravamento na exploração seja obnubilado pela alegria da TV de LED comprada em longíssimas prestações.

Gabriel Harceia disse...

Continuação - 15
Bem. Não tenho a pretensão oferecer respostas, espero apenas ter problematizado.
No mais, reitero meus parabéns pelo trabalho que os camaradas do blog estão realizando, pois pensar, analisar e compreender o Brasil e o mundo atual com os conceitos e princípios do materialismo histórico, do marxismo e do leninismo e conseguir expressar esse conhecimento de forma dialética não é tarefa simples. Fazer ciência não é simples, não é fácil. Até mesmo tentar contribuir para o trabalho não é fácil. Mas estou convencido que esse é o caminho, aquele que poderá dar os frutos bons, posto que nascidos de árvores semeadas em bom solo.
Fraternalmente,
Gabriel Harceia.