domingo, 29 de julho de 2012

Notas sobre a relação entre o materialismo histórico e o materialismo dialético.


A propósito do texto de Georges Gastaud "o renascimento do materialismo dialético no coração do antagonismo entre revolução e contra-revolução no séc. XXI"


(O texto original em francês de Gastaud e a tradução para a língua portuguesa encontram-se no sítio do encontro Marx em maio, ocorrido entre 3 e 5 de maio de 2012 na Universidade de Lisboa. Link: http://marxemmaio.wordpress.com)

Vantuir Negrão[1]

“La crítica no ha desahojado las flores imaginarias que adornaban las cadenas para que el hombre las siga llevando despojadas de todo ornato de fantasia, sino para que se sacuda las cadenas y tienda la mano hacia la flor viva”. (K. Marx, Crítica de la filosofia hegeliana del derecho)

Talvez não seja demais afirmar que, desde o surgimento do marxismo, o ‘materialismo dialético’ ou ‘dialética materialista’ tenha sido um dos assuntos mais controversos, mais debatidos e ao mesmo tempo mais acessíveis ao revisionismo.
Avançar na compreensão do papel de uma ‘filosofia marxista’ reveste assim de uma grande importância, não somente teórica, mas, sobretudo prática, com reflexos na linha política da revolução.
Os precedentes falam por si: Engels e seu ‘Anti-Duhring’ e Lenin e seu ‘Materialismo e Empiriocriticismo’, textos ‘de combate’, escritos no calor da luta política, com o objetivo de sustentar uma posição materialista em filosofia que demarcasse o marxismo dos vários ataques e, principalmente, da ideologia burguesa que ameaçava penetrar o campo do marxismo.
Segundo citação de um historiador bolchevique contemporâneo de Lenin e reproduzida noutra intervenção deste mesmo Marx em maio:
“Quando Ilitch [ou seja, Lénine] começou a disputa com Bogdánov sobre o assunto do empiriomonismo, lançámos as mãos à cabeça e concluímos que Lénine havia perdido o juízo. O momento era crítico. A revolução retrocedia. Enfrentávamos a necessidade de uma viragem radical das nossas tácticas. E, apesar disso, nesse momento Lénine submergiu-se na Biblioteca Nacional [de Paris]. Sentava-se lá dias inteiros e como resultado escreveu um livro... sobre filosofia. As piadas, as provocações, foram intermináveis. A resposta de Lénine foi Materialismo e Empiriocriticismo”. (Fagundes, J. V., Sobre Lénine e a dialéctica materialista apud. Paul LE BLANC, Lenin and the Revolucionary Party, New Jersey, Humanities Press International, 1990, p. 160.)
Do texto de Lenin surgiu o que poderíamos chamar de uma peculiar ‘epistemologia’ materialista, que enunciava não uma teoria do conhecimento, mas teses para o conhecimento.
A tese principal, todos o sabem, é a do primado da matéria sobre a consciência ou, de uma forma mais geral, a tese de que a realidade material é anterior à ideia que dela se tem. Como tese subordinada à anterior, Lenin consequentemente sustentava a possibilidade do conhecimento objetivo da realidade. Desta forma, ele se demarcava das correntes ‘empiriocriticistas’ que atacavam o marxismo sob a desculpa de ‘rejuvenescer a teoria marxista’.
Entendendo que o camarada Georges Gastaud pretende com sua intervenção contribuir para a tarefa de retomada teórica do marxismo, é com espírito camarada que tentaremos criticar alguns dos pontos de vista ali expostos.
O ponto de partida escolhido por Gastaud, a contraposição entre o dogmatismo soviético e o revisionismo teórico que se seguiu à ‘desestalinização’, não nos parece um ponto de partida adequado tendo em vista que em ambos o problema central é o mesmo, qual seja, a tentativa de substituir o marxismo pela ideologia burguesa. Se do lado do dogmatismo soviético isso foi alcançado pelo discurso dogmático de cientificidade do “marxismo oficial”, abafando correntes de pensamento dissidentes, do outro lado se tratou de revisar, alterar o marxismo, transformando-o em ideologia burguesa através da falsificação dos conceitos do materialismo histórico, o rotulando como teoria incapaz de produzir conhecimentos que pudessem servir ao proletariado. Os resultados não tardaram a surgir, como prova a ‘dispersão teórica’ em que vivemos.
Georges Gastaud acerta quando afirma a necessidade de retomar as discussões em torno do materialismo dialético e não renegar a ‘herança’ dos desenvolvimentos – dos erros e acertos – do marxismo ao longo de sua história. Porém, em nosso entendimento, ele deixa a porta aberta para o revisionismo quando afirma que Marx e Engels “...pensaram e articularam [o materialismo dialético] conscientemente” a partir de uma tradição filosófica iniciada por Heráclito, ligando esse materialismo “...à dialética hegeliana repensada de forma materialista.”[2]
Não será perda de tempo lembrar que esta ‘tese’ da dialética hegeliana “repensada de forma materialista” corresponde à tese da ‘inversão da dialética hegeliana’ que teria sido operada por Marx, e que manteve escancarada a porta para vários ataques ao marxismo.
Como alerta Althusser em seu ensaio Sobre o jovem Marx, a “inversão” da dialética hegeliana (a “colocação sobre os próprios pés” da dialética hegeliana) atribuída a Marx não corresponde à realidade histórica do surgimento ou do desenvolvimento da teoria marxista, tendo em vista que esta “inversão,” restrita ao campo da filosofia, não corresponde à mudança de problemática (ou de objeto) que de fato ocorreu com o surgimento do materialismo histórico – a ciência da história.[3]
Este não é, no entanto, em nosso entendimento, o maior dos problemas do texto de Gastaud. Ora, se é constatada a necessidade de retomada da filosofia marxista ao mesmo tempo em que é reafirmada sua importância para as lutas do proletariado, devemos entender que essa retomada deve partir de algum ponto – o ponto no qual os desenvolvimentos teóricos foram abandonados devido ao descenso na luta de classes do movimento revolucionário a partir das últimas três décadas do século XX.
Em outras palavras, em nossa opinião o que está na ordem do dia para a retomada da teoria marxista são os conceitos do materialismo histórico e a função, a relação do materialismo dialético com a ciência da história.
Portanto, em nossa opinião, não é uma questão de apresentar, como faz Gastaud em seu texto, ‘exemplos’ da “...utilidade do método materialista dialético...” em diferentes campos do pensamento e das lutas concretas, mas de questionar a ideia mesma de ‘método’ atribuída ao materialismo dialético.
Em nossa opinião, é evidente que todos os fenômenos, todas as questões, são mais bem compreendidos quando sua complexidade, suas determinações e mediações, são levadas em consideração, ao invés de usar de aporias ao gosto da chamada lógica formal. Porém, não basta afirmar que os fenômenos, os processos, as questões são ‘dialéticos’ e pensar com isso ter resolvido alguma coisa.
Então vejamos. Gastaud se propõe “...mostrar a utilidade do método materialista dialético...” no campo das lutas ideológicas, mas para isso contrapõe o que ele chama de “novilíngua”, ou seja, a manipulação do discurso usada para legitimar a posição ideológica da classe dominante, à necessidade de colocar “...o conteúdo de classe (...) em primeiro plano...”. Cabe a pergunta: o que tal exortação tem a ver com a retomada do materialismo dialético?
A resposta, talvez, esteja mais adiante no texto, quando Gastaud propõe, a respeito da relação entre patriotismo e internacionalismo, “...dialetizar...” ambos e ao mesmo tempo os “...materializar, dando-lhes um conteúdo de classe determinado.” Ou seja, para o autor, materialismo e dialética são nomes de operações distintas e não um único e mesmo conceito.
A confusão teórica aparece mais claramente na discussão sobre a “dialética do exterminismo e do anti-exterminismo”, onde o autor discute o colapso da URSS. Permitam-nos transcrever um longo trecho:
Conceber dialecticamente, na sua continuidade e no seu conteúdo de classe, as relações entre a política imperialista e as cruzadas exterministas de Reagan, teria permitido compreender a continuidade política objectiva entre o exterminismo capitalista e a contra-revolução soviética, o social-pacifismo de Gorbatchev que prolongava e interiorizava a política imperialista no próprio interior do sistema, a implosão final da URSS podendo assim ser compreendida como resultado de uma luta de classes e não, como o fizeram tantos observadores superficiais, como a simples decomposição do «modelo» bolchevique.”
Mas, perguntamos – como tal concepção seria possível sem o instrumental teórico necessário? Gastaud faz aqui abstração das condições concretas nas quais o processo de degeneração e de dissolução da URSS se desenvolveu, processo este iniciado muito tempo antes e embasado teoricamente em posições não marxistas, consolidadas no dogmatismo dos manuais soviéticos, em última análise expressões da limitação da posição proletária na luta de classes. Muito esquematicamente, podemos afirmar que na conjuntura posterior à revolução de outubro não se desenvolveram as condições para o avanço da posição proletária na luta contra a ideologia burguesa, ou em outras palavras, o estado da luta de classes não permitiu a apropriação ou o desenvolvimento suficiente da teoria marxista que permitissem ao partido comunista da URSS elaborar a linha justa para o desenvolvimento da revolução sob a ditadura do proletariado. Não cabe desenvolver aqui este ponto, mas o balanço das experiências de construção do socialismo é uma tarefa ainda inconclusa para os revolucionários, e deste necessário e inadiável balanço podem surgir as condições para o desenvolvimento do marxismo. [4]
De volta à questão levantada no texto de Gastaud, essa mesma limitação, já sob o peso do revisionismo e do consequente recuo das posições marxistas na luta de classes, norteava o movimento revolucionário internacional da década de 1980, com algumas honrosas exceções.
De nossa parte, entendemos que a compreensão do processo acima mencionado depende do desenvolvimento de conceitos no campo do materialismo histórico, e não da mera ‘concepção dialética’ dos processos, o que quer que isso signifique.
Continuando, a ideia de que o materialismo dialético possa ser um método universal aparece logo a seguir no texto de Gastaud, quando o autor faz “...um apelo ao necessário ressurgimento da dialética da natureza.” Para tal, ele parte da premissa – ainda por se comprovar – de que “estamos na véspera de uma revolução científica na física e na cosmologia.” E conclui profeticamente que esta dialética tem uma “dimensão ontológica”, a partir da qual “nasce talvez uma nova figura da cientificidade: esta não irá mais opor, mas pelo contrário unirá de um modo inédito, nem especulativo, nem estritamente científico, a ciência e a filosofia materialista (...).”
Novamente nada de concreto sobre o ‘renascimento do materialismo dialético’, mas apenas ‘exemplos’ de sua pretensa ‘superioridade’ enquanto ‘método’, independente do campo de pensamento ou de pesquisas...
Entendemos, em concordância com outros camaradas, que o materialismo dialético “não deve servir como uma “filosofia interdisciplinar” usando os métodos de uma ciência na outra, o que quase sempre significa desrespeitar as características do objeto de cada ciência. Os tipos de causalidade na biologia e na história, por exemplo, não tem nada a ver com a causalidade na física quântica”. http://rodrigosilvadoo.blogspot.com.br/2012/03/fisica-quantica-e-marxismo.html
As consequências dessa ‘interdisciplinaridade’ podem ser desastrosas, como de fato ocorre com Gastaud:
Da mesma forma que as revistas científicas repetem que a «matéria desaparece», é também repetido que «a classe operária desaparece», que «a luta de classes é um arcaísmo», que o neoliberalismo substitui o capitalismo monopolista de Estado, em suma, que a «modernidade» é inacessível às categorias de análise marxistas.”
Estranha analogia! Na tentativa de reafirmar a capacidade analítica do marxismo, Gastaud, ao defender o materialismo dialético enquanto ‘método’, desvia o foco da tarefa incontornável de retomar os conceitos do materialismo histórico. E é disso que se trata, se concordamos com Lênin, em seus Cuadernos Filosóficos, quando afirma que
En El Capital, Marx aplicó a una sola ciencia la lógica, la dialéctica y la teoria del conocimiento del materialismo [no hacen falta 3 palabras: es una y La misma cosa],(…)(Lênin, Obras Completas, v. 29, Progreso. p. 300, sublinhados nossos).
Ou alguns anos antes, no Apêndice III de Quiénes son los “amigos del Pueblo”:
“Pero Marx veía todo el valor de su teoría en que "por su misma esencia es uma teoría crítica y revolucionária”."
Para depois escrever, em nota, sobre o ‘crítica’ da frase acima:
“Obsérvese que Marx habla aqui de la crítica materialista, la única que El considera científica, es decir, la crítica que compara los hechos políticojurídicos, sociales, habituales y otros con la economia, con el sistema de lãs relaciones de producción, con los intereses de las clases que inevitablemente se forman en el terreno de todas las relaciones sociales antagônicas.” (Lenin, Obras Escogidas en doce tomos, Tomo I, Editorial Progreso, Moscú, 1975, p. 212. sublinhados nossos)
Assim, entendemos que cabe trabalharmos os conceitos do materialismo histórico, da ciência da história, nas condições concretas da luta de classes sob o imperialismo, a partir da retomada das posições do marxismo no movimento operário, indo além das ‘críticas morais’ ao capitalismo, velharias tão em moda atualmente. Essa é também a condição necessária e talvez suficiente para a crítica do materialismo dialético, e não o contrário.
O tema da relação entre o materialismo dialético e o materialismo histórico decerto precisa ser desenvolvido, e podemos partir das posições sustentadas por Althusser no seu ‘curso de filosofia para cientistas’, onde afirma que
"(...) a imensa maioria das filosofias (...) mantém com as ciências uma relação de exploração." [pg. 120]. E, consequente, agrega: "O que implica que as filosofias materialistas, (...), caiam também sob esta lei. Mesmo se não exploram as ciências para provar a existência de Deus, ou exibir os grandes valores da moral e da estética, mesmo que consagrem, como todas fizeram, à defesa materialista das ciências e à sua defesa contra a exploração idealista das ciências, não estão desligadas de uma ideologia prática, que é as mais das vezes ideologia política, mesmo se é fortemente contaminada, (...) pela ideologia jurídico-moral”.
E, continuando, exorta:
“Importa pois ir até aí. Mas é preciso ir bastante mais longe. Pois se reconhecemos esta dependência da filosofia em relação às ideologias práticas e aos seus conflitos, porque seria a filosofia votada a sofrer passivamente a dependência destas realidades (as ideologias práticas) sem recorrer ao conhecimento e à natureza do mecanismo destas realidades? Ora, acontece que os princípios deste conhecimento foram fornecidos por Marx no materialismo histórico: e que este conhecimento transformou o antigo materialismo num materialismo novo, o materialismo dialético."
E, talvez de modo mais claro, na nota da página 123: “Este conhecimento não transformou a filosofia em ciência, como se diz frequentemente: a nova filosofia permanece filosofia, mas o conhecimento científico da sua relação com as ideologias práticas faz dela uma filosofia 'justa'”. (L. Althusser, Filosofia e filosofia espontânea dos cientistas. Presença, 1976, pg. 122-123.)
Estamos, porém convencidos de que é preciso avançar ainda mais, e para tanto contamos não apenas com a ajuda dos camaradas interessados neste debate, mas também com algumas ‘pistas’ deixadas pelos fundadores do marxismo, como mostram passagens de Engels, que, em sua reconhecida modéstia, atribuindo a Marx a descoberta “(...) [d]a concepção materialista da história e a revelação do segredo da produção capitalista através da mais-valia, (...)”, afirma que graças a essas descobertas “o materialismo converte-se numa ciência (...)” a qual “só nos resta desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações.” (F. Engels, Do socialismo utópico ao socialismo científico, s.d., Moraes. p. 48)
Para nós está claro que isso não quer dizer que a filosofia materialista (mesmo na sua forma moderna de materialismo dialético) tenha sido convertida no materialismo histórico, mas sim que Marx, e o próprio Engels, tenham colocado as ‘pedras angulares’, como quer Lenin, do longo (e, por que não dizer interminável) processo de construção de uma nova ciência, a ciência da história.
Ciência que permite conhecer as leis tendenciais nos processos históricos, mas nunca dos processos históricos em abstrato, isto é, ciência que, como toda ciência, deve sempre realizar ‘a análise concreta da situação concreta’, e que deve lutar contra toda exploração filosófica, contra toda teleologia e contra todo reducionismo. Ciência da história ou materialismo histórico, iniciado por Marx e Engels e desenvolvido por Lenin, teoria revolucionária do proletariado na luta de classes rumo ao comunismo.
Desta forma, com estas notas, certamente ainda por demais esquemáticas, ambicionamos retomar este debate, tendo em vista que tradicionalmente se considera o materialismo dialético e o materialismo histórico disciplinas ligadas necessariamente “por razões teóricas e históricas” (Algumas teses para retomar o marxismo: materialismo dialético. In Luta de classes, crise do imperialismo e a nova divisão internacional do trabalho. Coletivo Cemflores, 2011), mas que, estamos convencidos, para avançar é preciso estabelecer ou pelo menos indicar a natureza dessas “razões teóricas e históricas”.

Notas
[1] Estas notas contaram com a colaboração e a leitura crítica de vários camaradas, aos quais sou grato. No entanto, as insuficiências e eventuais erros aqui expressos são de inteira responsabilidade do autor.

[2] O parágrafo, na íntegra, é: “É por isso que gostaria de sublinhar vivamente o quão necessário é um retorno ao coração da filosofia marxista, a esse materialismo dialéctico que Engels não inventou, cuja tradição remonta a Heraclito de Éfeso, mas que os fundadores do marxismo pensaram e articularam conscientemente, ligando-o ao materialismo histórico, à dialéctica hegeliana repensada de forma materialista, à crítica da economia capitalista e ao movimento geral das ciências da natureza”.

[3] Cf. Althusser, L., Sobre o Jovem Marx, in Análise Crítica da Teoria Marxista, Zahar, Rio de Janeiro, 1967, especialmente as páginas 60 e 61 e a nota de rodapé 36.

[4] Cabe mencionar que esta tarefa foi iniciada por militantes comunistas dos quais citamos apenas Charles Bettelheim, por sua contribuição exemplar para a análise da URSS. (Em português temos A luta de classes na União Soviética, Paz e Terra, 1976 (V.I) e 1983 (V.II)).


29 comentários:

Filipe disse...

Excelente essa retomada pelos camaradas do blog daquela questão que já estava no texto de abertura: a crise do marxismo, que como não poderia deixar de ser é uma crise tanto na teoria quanto na prática, a partir das experiências de construção do socialismo do século passado. Se apontamos como um dos problemas centrais dos partidos comunistas uma compreensão dogmática do marxismo e a ausência de um real debate interno, é somente colocando em ação nosso trabalho de retomar e desenvolver o materialismo histórico, seguindo o lema do "cem flores...", fora de uma compreensão dogmática, que poderemos começar a nossa tarefa. E se dizemos uma certa compreensão dogmática do marxismo, estamos falando de uma certa forma de se relacionar com as idéias que Marx lançou, com a teoria que começou a desenvolver. Aí chegamos no problema que o texto trata, de como repensar essa relação entre "materialismo histórico" e "materialismo dialético". Gostaria de chamar atenção aqui para o fato de Althusser ter se preocupado diretamente dessa questão - como o texto levanta - tanto porque entendia que os desvios políticos dos partidos comunistas estão enraizados em posições filosóficas não revolucionárias, quanto porque entendia que para que não caissemos sempre novamente nesses desvios era necessário uma outra prática do marxismo, um outra compreensão da teoria. É nesse campo que Althusser mais nos auxilia. Seja porque mostrou o corte epistemológico que separa em Marx uma filosofia da história do surgimento inicial de uma ciência da história a ser desenvolvida, seja porque pensou os efeitos que o reconhecimento desse corte deve ter para os que pretendem praticar o marxismo. Nesse ponto o texto dos camaradas acerta quando coloca o ponto de que o desenvolvimento de uma ciência da história - que se deu rompendo com uma certa filosofia idealista da história (Hegel) - muda as própria condições nas quais a investigação filosófica deve ser praticada. E isso significa que vem ao centro do problema a questão da relação entre filosofia e ciência. É esse o debate de fundo que - entre muitos outros, como o citado balanço do socialismo "real", o reconhecimento dos limites do desenvolvimento do materialismo histórico hoje, a relação dele com outras ciências - é necessário para podermos começar a retomar e desenvolver a teoria revolucionária do proletariado, sem a qual não haverá esperança de uma sociedade sem exploração.

Gabriel Harceia disse...
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Gabriel Harceia disse...
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Gabriel Harceia disse...

Camaradas, saudações.
Antes de mais nada alguns comentários talvez se façam necessários. Inicialmente quero parabenizá-los pelo lançamento do livro “Luta de Classes, Crise do Imperialismo e Nova Divisão Internacional do Trabalho”. Estou relendo os textos, que já havia lido no sítio, e que foram publicados no livro. É para comentar e dialogar com vocês sobre o texto “Algumas teses para retomar o marxismo: materialismo dialético” que vou postar alguns comentários. Minha intenção é ir comentando ponto a ponto, à medida que a leitura me for suscitando dúvidas ou questões que me pareceram interessantes abordar. Por isso peço vênia caso me alongue.
Essa primeira postagem, que chamo de Parte I, está mais voltada para dialogar sobre a gênese do materialismo histórico na produção de Marx e Engels e da relação entre sua gênese e a elaboração de O Capital. Espero conseguir no próximo final de semana postar outros comentários, dando prosseguimento à minha leitura.
Vi que o camarada Vantuir Negrão postou comentários. Para não me influenciar pelos comentários dele, nesse momento da leitura, não li o texto dele, o que farei após concluir minha própria abordagem do texto original e então analisar o dele.
Por último lembro que não esqueci da nossa conversa sobre a “regressão a uma situação colonial de novo tipo”. Li e agradeço as respostas dos camaradas às minhas considerações e pretendo voltar a esse debate em outro momento.
Fraternalmente,
Gabriel Harceia.

Gabriel Harceia disse...

Na página 23 do texto está escrito:
“Entendemos o marxismo – o materialismo dialético e o materialismo histórico – como sistema que comporta duas disciplinas (usamos aqui disciplina no sentido de ciência, ramo do conhecimento científico), correlatas e autônomas: a ciência da história ou o materialismo histórico e a filosofia marxista ou o materialismo dialético [...]”. (grifos meus. Sem essa informação significa que o grifo, na citação, já estava no original).
Mas no parágrafo seguinte, lê-se: “[...] tomamos partido da teoria de Marx e Engels, o marxismo que, como toda teoria científica [...]”. Temos então que o marxismo é um sistema teórico (científico) que é formado por duas ciências (disciplinas) distintas e correlatas: o materialismo histórico e o materialismo dialético (que é simultaneamente a “filosofia marxista”).
Obs1: Considero correto considerarmos o materialismo dialético como o um sistema filosófico científico, ou melhor, como parte essencial de uma teoria científica, isto porque: a) tem objeto de pesquisa claro: a matéria em movimento ou o movimento da matéria; b) articula a reflexão lógico-racional (abstrato) com a investigação empírica do objeto (concreto-pensado), buscando inclusive extrair do movimento do objeto os conceitos e categorias capazes de permitir a sua compreensão e reconstrução lógico-racional em nível conceitual-categorial (concreto-totalidade); c) formula as leis tendenciais do movimento da matéria (princípios do materialismo e leis tendenciais da dialética); d) permite – por seu caráter materialista e dialético e tendo como eixo central “a teoria do reflexo corretamente interpretada” – estabelecer a relação correta entre o sujeito investigador e seu objeto (epistemologia materialista dialética). Assim, o materialismo dialético permite que se formule leis tendências do desenvolvimento da matéria capazes de engendrar um sistema conceitual-categorial possível de ser utilizado (com as mediações que se fizerem necessárias) no estudo e explicação das diferentes formações materiais humanas (formações econômico-sociais) tanto em sua dimensão objetiva quando no tocante aos processos subjetivos.
Na página 24 (2º§), o texto afirma “que o marxismo é ciência”. Não discordo, mas considerando a escrita do texto pareceu-me que se está a afirmar que o marxismo é uma ciência formada por duas outras ciências. Ou seja, o marxismo é uma ciência composta pelas disciplinas (no sentido de ciências): o materialismo dialético e o materialismo histórico. Talvez fosse melhor afirmar que o marxismo é uma teoria científica que engendra uma filosofia científica e a ciência da História (em sentido bem lato, que incluiria todas as chamadas ciências sociais e humanas, inclusive a crítica da economia política).

Gabriel Harceia disse...

5) Na pág. 24 (7º§) está escrito: “[...] a ciência da história que se inicia com O Capital [...]” e na pág. 25 (4º§) afirma-se que o materialismo histórico – expressão atribuída a Plekhánov – é o termo pelo qual “[...] se passa a denominar a ciência da história iniciada por Marx e Engels a partir da elaboração de O Capital”. Aqui também me parece que temos a necessidade de precisão na escrita e na concepção.
5.1) No tocante à escrita, parece-me que uma coisa é dizer que a ciência da história teve o seu início “com O Capital” – portanto, a partir de – e outra é dizer que aquele início deu-se “a partir da elaboração de O Capital” (negrito e sublinhados meus). Dizer que teve o início com, significa dizer que principiou, começou com O Capital, ou mais precisamente, com a publicação de O Capital (ao menos essa é, a meu ver, a ideia que fica). Dizer que teve o seu início “a partir da elaboração” já confere uma maior amplitude temporal a esse início, remete ao processo de preparação e desenvolvimento de O Capital e nesse caso, pode-se conceber que o desenvolvimento do materialismo histórico foi concomitante à elaboração, ao processo de pesquisa e redação de O Capital, incluindo a escrita do material preparatório para a redação final e publicação. São, portanto, formas diferentes de situar a gênese e o desenvolvimento do materialismo histórico e sua relação epistemológica com O Capital.

Gabriel Harceia disse...

5.2a) Em relação à concepção me parece ser necessário ter em conta que a elaboração, o desenvolvimento dos princípios, das hipóteses e dos conceitos do materialismo histórico (para não falar do materialismo dialético) antecedem no tempo à fase de redação e publicação de O Capital. Para atingir as condições intelectuais necessárias para empenhar-se na tarefa de desenvolver uma nova teoria da história (uma teoria científica) foi preciso que Marx e Engels (no caso de Engels seria interessante abordar como ele, por caminho próprio, desenvolveu uma compreensão materialista dialética do processo histórico, particularmente da realidade econômico-social inglesa, que influirá diretamente no desenvolvimento teórico de Marx. Talvez possamos ver Engels como o precursor do materialismo histórico, mas isso já seria outro debate) fizessem a ruptura com as suas anteriores concepções filosóficas idealistas (hegelianismo) e com o materialismo metafísico feuerbachiano. Em Engels, assim me parece, o processo se inicia já no Esboço de uma Crítica da Economia Política (1844) e em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845). Se os conceitos ainda não estão formulados, a metodologia já é materialista e dialética e histórico-materialista. Já bastante de acordo com o que Plekhánov (1987) chamava de “materialismo econômico”. Em Marx, a necessária revisão dos referenciais teóricos se lhe apresentou à mediada que – a partir da sua experiência na Gazeta Renana – deu-se conta do limite da Filosofia como ferramenta para a compreensão do que se passa naquilo que ele (empregando a conceituação hegeliana) chamará de sociedade civil. Seu manuscrito Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843) é o primeiro momento do processo de superação do hegelianismo (que se completará em 1847 com A Ideologia Alemã), do reconhecimento da necessidade de dispor de novas ferramentas intelectuais para poder compreender os processos que se operavam na sociedade civil e no Estado, para a qual os conceitos filosóficos, e mais, o sistema filosófico hegeliano (ainda que não necessariamente seu método), mostrava-se inútil. Em A Ideologia Alemã os conceitos e as premissas fundamentais do materialismo histórico, a teoria e o método, já estão formulados.

Gabriel Harceia disse...

5.2b) Entre 1857 e 1858, Marx redigiu um conjunto de manuscritos nos quais buscou ordenar as suas pesquisas sobre a economia política e o desenvolvimento histórico das sociedades humanas já empregando a nova Teoria da História: o materialismo histórico, que ele havia desenvolvido em colaboração com Engels. Esses manuscritos foram publicados postumamente com o título de Grundrisse (Marx, 2011). Nele já encontramos não somente a teoria, o método e os conceitos do materialismo histórico, mas também as categorias de análise que serão empregadas em O Capital. Mesmo algumas das seções, títulos e subtítulos da obra magna já estão presentes nos Grundrisse. Parte dos manuscritos de 1857-1858 são as FORMEN (Formações Econômicas Pré-Capitalistas), também publicadas postumamente (Marx, 1986). Nessa parte dos manuscritos Marx analisa as determinações últimas do desenvolvimento das formações econômico-sociais anteriores ao capitalismo, e o fez servindo-se do materialismo histórico (ao contrário do que dizem alguns, o materialismo histórico não é um método para a compreensão/explicação exclusiva do capitalismo). Acredito que podemos dizer que com A Ideologia Alemã (1847) a nova Teoria da História, “o sistema e o método" do marxismo, o materialismo histórico, já estava desenvolvido e que com os Grundrisse o corpo categorial para o entendimento e explicação da ordem do capital já estava também desenvolvido. Em 1857 Marx redigiu a Introdução à Crítica de Economia Política e em 1858 publicou a Crítica da Economia Política, ambos os textos foram publicados no Brasil sob o título Contribuição à Crítica da Economia Política (Marx, 1983). Trabalhos que preparam e constituem-se em partes já bastante amadurecidas das pesquisas de Marx e da redação de O Capital.

Gabriel Harceia disse...

5.2c) Em resumo camaradas, já encontramos o materialismo histórico desenvolvido e sendo utilizado antes da publicação (stricto sensu) de O Capital. Podemos então estabelecer não somente uma relação epistemológica (teórico-metodológica) entre o materialismo histórico e O Capital – à medida que aquele constitui-se no fundamento e na orientação teórico-metodológica deste –; mas também histórica, se compreendermos que o processo de elaboração de O Capital (iniciado com os manuscritos de 1857-1858) se não foi o momento de gênese do materialismo histórico (que preferimos localizar em A Ideologia Alemã, sendo as motivações para a sua elaboração anteriores), foi também o processo de seu pleno desenvolvimento e enriquecimento categorial-conceitual como ferramenta intelectual para a compreensão da ordem do capital.

Gabriel Harceia disse...

Obs2: Para o estudo de outras formações econômico-sociais não capitalistas outras categorias podem ser necessárias e mesmo categorias úteis ao entendimento do capitalismo podem não servir. Entretanto, a teoria e o método são úteis ao estudo de qualquer fenômeno/processo social em qualquer época histórica e lugar.
Obs3: Uma observação sobre o comentário contido na nota de rodapé nº 3 (p. 24). A melhor tradução para “Il n’y a pás de route royale pour la cience...”, não é ‘Não há estrada já aberta para a ciência’ como fizeram os camaradas (p. 24). A melhor tradução nesse caso seria: Não há estrada real para a ciência. A expressão ‘route royale’ deve ser traduzida literalmente, como estrada real pois ela se refere às estradas ou caminhos reais. Trata-se de uma expressão de época que era empregada (e não só em França) para designar as estradas ou caminhos que eram construídas pela coroa e utilizadas pela carruagem real (do rei) e que por isso eram mais bem cuidadas, mais bem pavimentadas, mais seguras. Ao utilizá-las Marx quis dizer que não há caminho fácil, tranquilo, sem solavancos, sem buracos, totalmente seguros, sem sobressaltos e perigos (essas estradas eram mais bem patrulhadas) para a ciência. Esse sentido ficará bem claro se os camaradas lerem todo o parágrafo da edição brasileira da Difel, que, nesse caso, fez a melhor tradução (Marx, 1982, p. 19).
Deixarei para incluir as obras citadas na última postagem.

Paulo da Silva Gomes disse...

Animado pelo post, porque não pela postagem?, de Gabriel Harceia, volto a escrever para parabenizá-los pela publicação do texto do camarada Vantuir Negrão, “Notas sobre a relação entre o materialismo histórico e o materialismo dialético”.
Já era tempo de se reabrir a discussão sobre o materialismo dialético! Afinal, depois do texto de Lênin, “Materialismo e empiriocriticismo”, e de seu pequeno texto sobre “Dialética”, encontrado nos “Cadernos filosóficos”, e dos textos de Mao, “Sobre a Contradição” e “Sobre a Prática”, pouco se tem feito a não ser ruminar sobre a história do materialismo, os materialistas na antiguidade, repetir textos de Demócrito ou tentar acomodar o Marxismo no leito do hegelianismo.
O texto do camarada Negrão vai muito além do trabalho de Georges Gastaud que deu origem à sua intervenção. Aliás, o texto de Gastaud, "O renascimento do materialismo dialético no coração do antagonismo entre revolução e contra-revolução no séc. XXI", como aponta Negrão, não passa da velha ruminação em torno da dialética ... de Hegel, esta a meu ver uma das vertentes que conformam o marxismo vulgar no campo da ideologia burguesa.
Porém, além de parabenizá-los queria levantar algumas questões, a meu ver pertinentes, sobre o “ponto de partida” para a “retomada do marxismo”, a partir da “herança dos desenvolvimentos – erros e acertos – do marxismo ao longo de sua história”, como propõe Gastaud e com o que acertadamente concorda Negrão, para a retomada da discussão sobre o materialismo dialético, para o debate da posição de Marx sobre o materialismo e o que passou a se chamar de materialismo dialético, como alerta Negrão, “com reflexos na linha política da revolução”, diria com reflexos na linha política do partido revolucionário do proletariado que sem sua teoria, o marxismo-leninismo, não é capaz de conduzir o proletariado e demais classes exploradas à revolução, e, para não escrever um artigo, vou tentar ser breve.
Penso que para discutir a relação entre o materialismo histórico e o materialismo dialético precisamos primeiro, definir o que para nós, que assumimos o marxismo-leninismo, é o materialismo dialético. Até porque a mim parece que Marx mesmo nunca utilizou o termo “materialismo dialético” e ao falar, no posfácio à segunda edição do ”O capital”, da “fundamentação materialista” de seu método vai dizer que seu crítico: “Ao descrever de modo tão acertado... ‘meu verdadeiro método’, o que descreveu ele senão o método dialético?”, e nem Engels, que falava de uma dialética materialista.
(continua...)

Paulo da Silva Gomes disse...

(continuação)
Segundo, creio que para começar a discutir o materialismo em Marx teríamos que começar por este pequeno texto publicado por Engels, as “Teses Sobre Feuerbach”, elaborado na mesma conjuntura da “Ideologia Alemã”, textos da “margem do corte”, e a “Contribuição”, “O Capital”; para em seguida ler os textos de Engels, nos seus limites, a “Dialética da Natureza”, o “Anti-Dühring”, o “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã” e mais, ler com toda atenção esta obra extraordinária de Lênin “Materialismo e Empiriocriticismo”, e seus cadernos chamados de “filosóficos”.
Por fim, outro ponto ao qual queria chamar a atenção é de que Mao depois de seus dois trabalhos dados como filosóficos, “sobre a contradição” e “sobre a prática”, se afastou daquilo que poderíamos entender, no bom sentido da palavra, como filosofia, e em seus outros trabalhos ditos filosóficos trata da luta de classes, de suas contradições e de como resolvê-las, quando se dão no seio do povo.
Tenho que me retificar, porque estou exagerando, quando digo que além dos autores que cito nada se avançou sobre a questão do materialismo no Marxismo. Temos alguns camaradas que nos anos 1960-1970,80, pertencendo à Academia, porém como diz um deles, não como acadêmicos, mas enquanto comunistas, avançaram na discussão sobre essa questão, mas aí já seria escrever um artigo.
Mas para terminar com Marx, em 1845, com as “Teses sobre Feuerbach”, poderíamos dizer que o que nos importa não é interpretar o mundo, trabalho dos filósofos - aliás, muito importante para a classe dominante por se constituir na estrutura, por assim dizer, da ideologia dominante - porém transformá-lo.

Iara Bauer disse...

Olá,
Já conhecem este site?
http://marx21.com/
Abs

Iara Bauer disse...

Olá,
Já conhecem este site?
http://marx21.com/
Abs

Iara Bauer disse...

Olá,
Já conhecem este site?
marx21.com
Abs

Cem Flores disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cem Flores disse...

Infelizmente ainda não o conhecíamos.
Vamos acompanhá-lo atentamente a partir de agora para tecermos nossos comentários, bem como, o divulgaremos aos nossos colaboradores e leitores.
Agradecemos a informação e desejamos sucesso a esse sítio.

Gabriel Harceia disse...

Tem o sítio Marx 21 sugerido pela camarada Iara (http://marx21.com/) e o blog Marxismo 21 (http://marxismo21.org/) coordenado pelo camarada Toledo. Aproveito para lembrar que no dia 23/10 estaremos celebrando os 75 anos de nascimento do comandante Carlos Lamarca e no dia 17/09 os 41 anos do seu assassinato e do camarada Zequinha Barreto em Buritis Cristalino. Seria interessante uma homenagem aos dois heróis da luta dos comunistas brasileiros.

Gabriel Harceia disse...

Camaradas, retomo minhas considerações sobre o texto: “Algumas teses para retomar o marxismo: materialismo dialético”.
6º) Na pág. 25, §§ 5 e 6, o texto diz que também o método (dialético) teve seu “início” com O Capital. Aqui repete-se o mesmo equívoco de não se aplicar ao marxismo, e portanto ao materialismo dialético e ao materialismo histórico, o método histórico, isto é, compreendê-lo em sua historicidade, no tempo; é – ao menos considerando o “método de exposição” – como se a teoria da história não tivesse história ou que essa história se iniciasse com a publicação de O Capital. Com a devida vênia dos camaradas a meu ver a hipótese não resta provada e as citações não ajudam nesse sentido. Acredito que se possa aplicar a essa hipótese do texto a mesma contestação que apresentei nos itens acima.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
7º) Mas por que afirmar que o “início” do materialismo histórico como ciência da história encontra-se em O Capital? Talvez um indício de resposta encontre-se na citação dos Cadernos Filosóficos de Lênin presente na pág. 25. Nele Lênin afirma que Marx não nos legou uma “Lógica”, mas sim “la lógica de El Capital” que é, evidentemente, o método dialético-materialista, portando, a “lógica de El Capital” é o próprio materialismo histórico e este seria a lógica do marxismo. Parece-me que, com essa afirmação Lênin queria dizer-nos não ser a lógica dialética – entendida somente como “la lógica de El Capital” (tese que é esposada por autores lukacsianos como José Paulo Netto) – algo como a Lógica Clássica, a exemplo da lógica aristotélica, ramo presente na filosofia desde a Antiguidade. Evidentemente que não há similitude entre a Lógica (com maiúscula) dialética (ou marxista) e a Lógica Clássica, pois esta fundamenta-se nos três princípios básicos que são incompatíveis com a dialética (lei do terceiro excluído, lei da não-contradição e lei da identidade) e seu caráter limitado permanece mesmo com as suas variações ou lógicas complementares.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Nesse sentido concordo não haver uma “Lógica” em Marx. Porém, qual seria o resultado de levarmos a afirmação leniniana às suas últimas consequências e negarmos totalmente a existência de qualquer Lógica no campo teórico do marxismo? Isto resultaria em negar a validade do uso da teoria marxista e portanto do materialismo dialético e, sobretudo, do materialismo histórico, para o estudo científico de qualquer outra época histórica e de quaisquer outras formações econômico-sociais que não a época do capitalismo e as formações econômico-sociais capitalistas. Ou seja, seria teoricamente impossível para os marxistas estudar e conhecer cientificamente o mundo antes do advento do capitalismo, já que a “lógica do capital” não determinava a lógica das formações econômico-sociais que precederam ao modo de produção capitalista. Não temos condições no momento de inferir que motivos levaram o camarada Lênin a uma interpretação tão restrita do potencial heurístico e hermenêutico do materialismo dialético e do materialismo histórico.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Podemos lembrar que o camarada Lênin faleceu antes da publicação dos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844 e, sobretudo, de A Ideologia Alemã, os quais ele não leu. Também não teve acesso, por ter falecido em 1924, a maior parte dos textos que compõem os Grundrisses (não dá para ter certeza se ele teve acesso às FORMEN). Não conheço nenhum texto de Marx e Engels em que eles digam que a teoria e o método que desenvolveram era exclusivo para o estudo do capitalismo. Que a partir dele não se poderia formular novos conceitos para explicar as realidades pré-capitalistas.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Aliás, deveríamos nos perguntar: se não há uma Lógica no materialismo dialético (entendida como a metodologia geral, os princípios fundamentais da filosofia e do método que guiam o ato investigativo e o processo do pensamento, articulando os fundamentos da ontologia e a epistemologia), com qual teoria poderão os comunistas interpretar a realidade e guiar suas ações após a vitória do socialismo? A consolidação conceitual e categorial do materialismo dialético foi também a vitória da Lógica Materialista Dialética sobre a Lógica Clássica, uma superação dialética e não o fim da Lógica.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
8º) No 2º§ da pág. 27 não ficou claro para mim se os camaradas entendem a expressão ‘pedras angulares’ como sendo “os elementos internos [...] que determinam a necessidade e o sentido do desenvolvimento de uma ciência” aos quais se somariam... (elementos externos?). Ou se ‘pedras angulares’ é um termo que reúne em si tanto os “elementos internos” quanto... (elementos externos?). Ou seja, o significado da expressão, ao menos para mim, não ficou claro.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
9º) Os três primeiros § da pág. 28 são primorosos e põem em evidência uma questão que muitas vezes é apenas tangenciada, quando não ocultada, pelos marxistas: a de que o marxismo também se desenvolve a partir das suas contradições e lacunas. O que só é possível porque sua natureza teórica não é dogmática. Porém, no 5º§ encontramos afirmações que a mim deixaram dúvidas. Diz o texto “[...] que o marxismo surge das mãos de Marx e Engels, em 1848 [...]”. Mas o marxismo não é o sistema que comporta duas disciplinas: o materialismo histórico e o materialismo dialético conforme descrito nas páginas 23 e 24? E a ciência da história (o materialismo histórico que é uma das “disciplinas” constitutivas do marxismo) não se “inicia” com O Capital? Então como chegamos a data de 1848? Era um marxismo sem o materialismo histórico? Na verdade tanto uma como a outra hipótese estão equivocadas. Mas voltemos ao texto.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
A data de 1848 foi escolhida por ser o ano da publicação do Manifesto do Partido Comunista que é apontado pelos camaradas – à medida que constituiu-se no manifesto/programa do partido que Marx e Engels estavam ajudando a construir para intervir na luta de classes – como sendo o momento, digamos, forte, da fusão entre a teoria marxista (o que era exatamente a teoria marxista nesse momento?) e o movimento operário. Parece-me que a ideia é que a “fusão” deu-se com a criação do Partido. Já argumentei antes que a meu ver a teoria marxista (o materialismo dialético e o materialismo histórico) tem uma origem mais antiga que O Capital e mesmo que o Manifesto do Partido Comunista, ainda que, sendo teoria viva e não dogma morto, é, desde sempre, uma teoria em construção, como diria Pierre Villar. Por isso, sua estrutura conceitual e discursiva em seus primórdios não se igualam à alcançada na maturidade, mas nem por isso era outra coisa. Mais claramente identificamos a gênese da teoria já nos escritos marxianos e engelsianos de 1843 e 1844 e a encontramos essencialmente pronta em 1847 com A Ideologia Alemã. Nesse mesmo ano temos a Miséria da Filosofia e o Manifesto do Partido Comunista. Ou seja, a filosofia (incluindo a Lógica Materialista Dialética) e a teoria da história (Materialismo Histórico) foram construídos entre os anos de 1843 e 1847. Construída a Lógica pôde Marx avançar nos estudos iniciados por Engels em relação à Crítica da Economia Política e da ordem burguesa e, partido da Lógica e pela investigação empírica, chegar à “lógica do capital”.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Está amadureceu nos dez anos seguintes ao lançamento do Manifesto do Partido Comunista, vindo à luz com os escritos de 1857 e 1858 e finalmente com a publicação do primeiro volume de O Capital (1867). Mas ainda resta o problema da prática. Teria sido o Manifesto o momento em que o marxismo fundiu-se com o movimento operário? Entendo que a transformação da Liga dos Justos em Liga dos Comunistas e a publicação do Manifesto foi um momento especialmente importante desse processo, mas não o único nem o primeiro. Para conceder-lhe a primazia seria preciso adotar uma concepção restrita de movimento operário e de prática, onde as duas se confundem com o partido. Na verdade foi o impacto causado em Marx pelo movimento dos trabalhadores lenhadores da Renânia que lhe provocou indagações que terminam por levá-lo a romper com o democratismo burguês e abraçar o comunismo. Ou seja, antes mesmo de começar a desenvolver o materialismo dialético e o materialismo histórico Marx já estava intelectual e moralmente fundido com o movimento operário (ainda que nesse momento não estivesse vinculado de forma militante a nenhuma organização operária), mas se não tivermos em conta, com destaque, esse vínculo intelectual/moral e mesmo político (enquanto opção pelos trabalhadores na luta de classes) de Marx com o movimento operário (entendido aqui como movimentos de lutas e resistências dos trabalhadores, exercidos por diversos meios) e sem considerarmos os reflexos desse movimento em sua consciência, ficaremos impossibilitados de (em termos marxistas) entendermos a passagem do jovem e abastado advogado judeu-alemão, recém-casado com uma jovem aristocrática, para o campo do comunismo.

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Ou seja, o marxismo já nasceu ligado e dependente do movimento operário. Por sua vez, Engels irá, logo que chegou à Inglaterra, ligar-se ao movimento operário inglês e sua identificação política e moral com o operariado o levou a identificar-se intelectualmente com proletariado o que lhe permitiu escrever tanto o Esboço de uma Crítica da Economia Política (1844) quanto A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845) pela ótica do proletariado. Aqui se aplica o mesmo dito em relação a Marx, sem que existisse, ao menos, um vínculo moral e político (ainda que não organizativo) do jovem burguês alemão Friedrich Engels com o movimento operário (precisa lembrar que Engels casou-se com uma operária irlandesa – tendo em conta o olhar britânico sobre os irlandeses?) como explicar sua opção pelo comunismo?

Gabriel Harceia disse...

CONTINUAÇÃO
Mas parece-me que o problema mais grave aqui é outro. Os camaradas estão entendendo a fusão do marxismo com o movimento operário como sendo a fusão da teoria com a prática e a prática como algo, digamos, “concreto”, “prático”, não teórico. Assim, a identificação intelectual/moral de Marx e Engels e sua produção intelectual (seus escritos e suas intervenções nos debates teóricos, inclusive filosóficos) do período anterior à publicação do Manifesto (este voltado para um fim prático) não são tidos como prática. Em outras palavras, a prática teórica não é reconhecida como prática, por isso não se poderia falar na tal fusão antes do lançamento do Manifesto e criação do partido o qual fará o trabalho prático e organizativo junto ao proletariado e não somente o trabalho teórico. A mim parece uma compreensão não dialética do que seja prática e do que seja teoria. Na verdade mais correto do que se falar em unidade entre teoria e prática é compreender que não há prática que não seja teórica (e também prática) e não há teoria que não seja prática (e também abstração), isto, me parece, foi bem compreendido pelo camarada Gramsci ao enfatizar o conceito marxista de práxis. A práxis é exatamente isso: teoria e prática simultaneamente, como um mesmo processo (ainda que possam se expressar por meios e atitudes diferentes) voltadas à compreensão/transformação da realidade.