As eleições neste ano à
presidência da República expressaram a contradição no interior da classe
dominante quanto ao melhor caminho para enfrentar a crise que vive o Brasil. A
questão é se o bloco de partidos composto pelo PT – PC do B, PP e, como força
dominante, o PMDB - tem condições de manter as classes dominadas sob controle,
aplicando a política econômica imposta pelo agravamento da crise econômica
mundial e seu desenvolvimento, os novos rearranjos em curso decorrentes dessa
crise e suas consequências sobre o lugar que o Brasil ocupa nela, no sistema da
economia mundial.
A vitória de Dilma se deveu muito
mais aos votos da enorme “superpopulação relativa” criada pela forma específica
em que se deu o desenvolvimento do capitalismo aqui, no Brasil, e mantida
quieta, “em seu lugar”, pela Bolsa Família e demais programas de contenção da
luta de classes, do que ao voto da “classe média” criada pelos governos do PT e
que até Delfim Netto qualificou como “generosa miragem”[1].
Deveu-se ainda ao fato de que a fração dominante da classe dominante tenha se
decidido em dar continuidade à política iniciada no governo Lula como melhor
forma de enfrentar a conjuntura de crise.
Aqui um parêntesis, políticas do
tipo “bolsa família” implementadas para conter a revolta dos setores da
população mais atingidos nas suas condições de vida pelo processo de
desenvolvimento do capitalismo, não são uma novidade criada pelo governo Lula,
é só lembrar as bandinhas do Exército da Salvação distribuindo sopa e pão aos
miseráveis na Inglaterra.
O problema que se coloca à classe
dominante é o de saber se o PT, que foi eficiente na tarefa de destruir as
organizações sindicais e políticas do movimento operário e camponês, dos
setores de trabalhadores de camada média, professores, bancários etc., é capaz,
agora, de aplicar as políticas necessárias para enfrentar a crise, “a famosa ‘restrição
fiscal expansiva’”, que como também diz Delfim Netto, “ela mesma outra miragem”,
e, ao mesmo tempo, conter a resistência das classes dominadas.
Leve-se em conta que não somos só
nós a constatar o papel que o PT cumpriu e cumpre na luta de classes. É só ver
o artigo de Frei Betto, no jornal Brasil
de Fato[2]:
“A medida em que alçou funções de poder, o
PT deixou de valorizar o trabalho formiga e passou a entoar o canto presunçoso
da cigarra. O projeto de Brasil cedeu lugar ao projeto de poder. O caixa do
partido, antes abastecido por militantes, ‘profissionalizou-se’. Os núcleos de
base desapareceram. E os princípios éticos foram maculados pela minoria de
líderes envolvidos em maracutaias.[ ... ] Os avanços socioeconômicos
coincidiram com o retrocesso político.
Em 12 anos de governo, o PT despolitizou a nação. Preferiu assegurar governabilidade
com alianças partidárias, muitas delas espúrias, em vez de estreitar laços com
seu esteio de origem, os movimentos sociais. [ ... ] O PT, até agora,
robusteceu o mercado financeiro e deu passos tímidos na reforma agrária.
Agradou as empreiteiras e pouco fez pelos atingidos por barragens. Respaldou o
agronegócio e aprovou um Código Florestal aplaudido por quem desmata e agride o
meio ambiente.”
Qualquer um que tenha se
enfrentado com o PT na luta de classes, desde a sua fundação, sabe que este nunca
hesitou em usar qualquer dos meios ao seu alcance para conquistar sindicatos,
associações de moradores, etc., principalmente aqueles meios menos “éticos”. O
PT sempre foi convicto praticante da máxima de que os fins justificam os meios.
O PT como os demais partidos da coligação só usavam a palavra de ordem da “ética
na política” como bandeira de propaganda.
No poder, como vimos no mensalão e estamos vendo hoje, o PT e
seus aliados deram um upgrade na
experiência de quinhentos anos de corrupção que se pratica no Brasil, a
institucionalizaram, elevando-a a enésima potência. Este processo, estendendo-se
à estrutura do partido, contribuiu para reforçar a perda de liderança e
capacidade de representar as massas que deveriam estar ligadas à gigantescas
estruturas política, sindical e ideológica montadas pelo partido.
As investigações sobre as
corrupções, que se aproximam perigosamente da direção do partido e a crise econômica
que se agrava dia-a-dia, somam-se para criar uma conjuntura de crise geral ou,
para explicar melhor, crise econômica, social e política.
É nesta conjuntura de crise, com
a “nação” despolitizada pelo PT, como acusa Frei Betto, é que é necessário
reconstruir o Partido Revolucionário do Proletariado, reconstruir as
organizações de luta dos operários, dos trabalhadores rurais e camponeses, dos
trabalhadores das camadas médias, para, enfim, caminhar rumo ao socialismo,
objetivo que, diferente do que pensa Frei Betto, o PT nunca buscou.
O artigo que publicamos um
período atrás, e que reproduzimos abaixo, no qual procuramos analisar como a
corrupção é parte integrante do modo de produção capitalista e de como o PT,
assumindo o papel de administrá-lo também assume administrar a corrupção, já
prenunciava a conjuntura em que estamos vivendo e sua leitura nos ajuda a
compreendê-la.
[1] Netto Delfim. Crescer ou
crescer. Carta Capital, 11 de novembro de 2014.
[2] Betto Frei. A cigarra e a formiga: fábula petista.
Brasil de Fato, 13 a 19 de novembro de 2014.
A CRISE DO GOVERNO LULA, OU GOVERNANDO COM
O ESGOTO A CÉU ABERTO
02/07/2005.
A
necessidade de apresentar uma análise de conjuntura que nos ajude a iluminar o
caminho na atual crise do governo Lula nos leva a oferecer aos camaradas e
amigos que leem e participam deste sítio este texto redigido no calor dos
acontecimentos e que, portanto, necessita de precisões, aprofundamentos e
retificações.
Para
analisar o processo de luta de classes que está, por assim dizer, na raiz [1]
da crise com que se debate o governo Lula, PT, PCdoB, PSB e seus aliados
principais, PTB, PL, PP e PMDB [2] e que aparece à superfície como processo
generalizado de corrupção a céu aberto é necessário, antes, enfrentar algumas
questões, sem o que, a nosso ver, comprometeriam nossa análise do processo.
Primeiro,
a alegação de que a crise é uma crise ética, crise provocada pelo aliciamento
de políticos por parte de membros do governo e dirigentes do PT.
Segundo,
a alegação de que a crise é provocada pelas “elites”, daqui ou quiçá da
economia mundial, que estariam sendo prejudicadas pelo governo “de esquerda”,
“popular”, etc., etc., do PT.
Terceiro,
por outro lado, a questão de que para analisar a conjuntura brasileira é
necessário integrá-la na análise da conjuntura da crise estrutural do imperialismo.
Para além dos choques entre personalidades, disputas eleitorais e por cargos,
buscamos entender quais interesses de classe estão em jogo.
Corrupção é inerente ao capitalismo
A
primeira questão que temos de resolver é a de que a ideologia dominante faz ver
a crise do governo Lula como uma crise ética. Faz crer que o problema consiste
em que membros do governo e do PT empregam métodos “pouco louváveis” para
manter uma “base de apoio” parlamentar que permita assegurar a
“governabilidade”.
Ora,
sabemos desde Marx e Engels que o capitalismo não se caracteriza pela “elevação
moral e pelos bons costumes”, que a corrupção e o aliciamento são inerentes ao
capitalismo e mais, sabemos desde Lênin que, ao entrar em sua etapa
imperialista, o sistema capitalista aprofunda ao extremo a degradação “moral”
que o caracteriza. São maneiras de praticar a “saudável” “livre concorrência”
no “mercado”, práticas econômico-políticas inerentes ao sistema capitalista.
Práticas que, com o surgimento do imperialismo, assumem formas muito mais
radicais.
Os
fatos que se tornam públicos agora não representam nada de extraordinário ou
diferente se comparados, por exemplo, à corrupção que grassa nos governos Bush
ou Berlusconi, para ficar só em poucos exemplos dos países imperialistas, ou
com a corrupção e fraudes praticadas ultimamente por empresas nos Estados
Unidos, na Europa e no Japão.
A
corrupção representa uma das manifestações de como vai se desenvolvendo a luta
de classes. Porém, o fato de que a corrupção é inerente ao capitalismo não é,
de maneira nenhuma, razão para não denunciá-la. É nossa tarefa denunciar a
corrupção, denunciando o capitalismo e sua podridão.
"Elites" contra o governo Lula?
Em
segundo lugar, José Dirceu e setores da “nomenklatura” petista passaram a acusar
a "elite" de estar por trás das denúncias de corrupção e aliciamento
- pelo PT e pelo governo - de parlamentares dos partidos que apoiam o governo,
com o objetivo de desestabilizá-lo. Que "elites"?
A
Folha de S. Paulo noticiou no dia 04 de junho: “O lucro dos Bancos cresce 52%
no primeiro trimestre”; e, no subtítulo, “Exuberância nacional. Ganhos com
juros e tarifas puxam resultado de R$ 6,3 bilhões dos 106 bancos que atuam no
país”. Mas não é o capital financeiro a fração dominante do capital no imperialismo?
A "elite das elites"? Nunca, como agora, desde o governo Collor, um
governo serviu tanto às "elites". Nunca, como agora, pôs-se em
prática políticas tão favoráveis ao capital financeiro e ao setor exportador.
Políticas e medidas que foram articuladas, envolvendo o aliciamento de
parlamentares e que beneficiam principalmente o capital financeiro e o setor
exportador.
Como
aponta Armando Boito em seu artigo O
governo Lula e a reforma do neoliberalismo, o que fez o governo Lula foi
radicalizar a política posta em prática no segundo mandato de Fernando
Henrique, política que atende as exigências do imperialismo e da fração
financeira e exportadora das classes dominantes.
As
entidades signatárias da nova versão da carta ao povo brasileiro, em apoio ao
governo Lula e contra o “golpismo”, reconhecem que, de um lado, “o governo
seguiu uma política neoliberal resultado de suas alianças conservadoras e, de
outro, adotou o discurso da prioridade social...”
Em
nosso modo de ver, identifica-se a posição política e ideológica de um governo
ou de um partido político verificando objetivamente que interesses de classe
defendem, e não pelo discurso que professam, por mais "preocupado” com o
“social” que ele se apresente.
Nesse
sentido, as "elites", o grande capital financeiro e o setor
exportador não têm interesse nenhum em enfraquecer ou derrubar um governo que
atende justamente os seus interesses, de uma forma ainda mais radicalizada que
o governo anterior. E, ainda, com o luxo de ser este um governo que se
apresenta como de “esquerda” e ser dirigido por um presidente de origem
operária.
De
fato, ao radicalizar as políticas que atendiam frações restritas das classes
dominantes, o governo Lula foi perdendo o apoio da média e pequena burguesia
voltada para o mercado interno e, portanto, o apoio orgânico de alguns dos
partidos políticos e de parlamentares que as representam.
Para
governar, garantir maioria no Congresso, e aprovar políticas de favorecimento
ao capital financeiro e exportador, o governo teve, então, de comprar este
apoio operando com o esgoto a céu aberto. Vale lembrar, e este não é um
“detalhe” de menor importância, que este apoio foi para aprovar justamente
medidas como a Reforma da Previdência, Reforma Tributária, Lei das Falências,
Parceria Público-Privada (PPP), Lei da biossegurança.
Mas,
sem entrar no mérito do grau de corrupção dos partidos burgueses, o que
queremos ressaltar é que os partidos políticos, mesmo os pequenos e médios,
representam em última instância interesses de classes ou de frações de classe.
Sistema imperialista
Terceiro,
como sempre chamava a atenção o Grande Timoneiro, não podemos esquecer nunca a
luta de classes, daí porque não podemos esquecer nunca o imperialismo. Afinal,
a contradição principal da conjuntura brasileira não é aquela que opõe o povo
brasileiro ao imperialismo?
Para
analisar a conjuntura dos países dominados temos de situá-la na conjuntura do
sistema imperialista, na economia mundial constituída pelo capitalismo ao
ingressar em sua fase imperialista, sem o que seremos levados a cometer erros
importantes.
Conformando
a economia mundial, o sistema imperialista sobredetermina as formações
econômico-sociais dominadas. Tratamos desta questão, ainda que se necessite
desenvolvê-la, no artigo “E agora?” que escrevemos para este sítio.
Então,
para analisar a presente crise do governo Lula, devemos “partir” do estado
atual da crise do imperialismo, crise que vem se desenvolvendo sob novas formas
desde o final da década de 60, início da década de 70.
Sem
levar em conta as determinações do sistema imperialista nos é difícil
compreender movimentos que se dão no conjunto dos países dominados. Por
exemplo, como um conjunto de países da América Latina passou da política de
endividamento externo na década de 70 e início da década de 80, para a
“política neoliberal” dos fins da década de 80 até hoje; como se processa a
reconversão dos países de média industrialização da América Latina para uma
situação colonial de novo tipo.
Aprofunda-se a dominação imperialista
Ao
iniciar essa análise, o primeiro ponto a reter é que diante da crise da
economia mundial, da crise do sistema imperialista, a primeira contradição que
se agrava é a contradição do imperialismo com os povos dos países dominados.
Diante
da necessidade de contrarrestar sua crise o imperialismo tende, primeiro, a
aumentar a exploração e opressão sobre os países dominados, seja ao
intensificar as formas de exploração já existentes, seja criando novas formas
que agravam, portanto, a opressão sobre os povos desses países.
Partidos políticos e dominação de classe
Sabemos
que as classes dominantes no capitalismo não “governam” o Estado por si, e sim
por meio de partidos políticos que fazem parte do Aparelho Ideológico de Estado
Político [3]. Partidos que vão se constituindo para atender as necessidades das
diferentes conjunturas da luta de classes.
Partidos
que podem representar - e representam - os interesses de frações das classes
dominantes, que podem ser contraditórios, em meio aos interesses comuns destas
classes e que podem atender - e atendem - a necessidades específicas, isto é,
exercem funções específicas em determinadas conjunturas da luta de classes.
É o
caso, por exemplo, dos partidos reformistas, trabalhistas e social-democratas
na Europa, os leais administradores do regime capitalista e, no Brasil, o caso
do PT.
Que interesses o PT representa?
O
aumento da exploração do imperialismo, durante os oito anos de governo FHC,
levou a uma conjuntura em que, para exercer o governo, as classes dominantes se
viram diante da alternativa de utilizar o PT, partido do Aparelho Ideológico de
Estado Político que haviam produzido para regular a luta de classes.
O
PT, neófito na tarefa de governar e, portanto, sem a experiência de um PSDB e
um PFL em mediar os interesses conflitantes das diversas frações do capital,
pressionado pelo capital financeiro através de seus representantes
institucionais, FMI et caterva (cujos interesses havia optado por atender
principalmente), levou à prática, radicalizando-as, as políticas que serviam à
fração dominante do capital no imperialismo, o capital financeiro, e dos
setores exportadores envolvidos na reorganização da economia mundial.
Reorganização,
rearranjo, resultante da crise do imperialismo que busca retomar as taxas de
lucro e impõe a um conjunto de países dominados a tarefa de valorizar o capital
financeiro e reconverter suas economias à condição de colônia de novo tipo:
exportadoras de “commodities” e produtos de média tecnologia, produzidos na
plataforma de exportação montada pelo imperialismo.
Governo Lula radicaliza a política do
imperialismo
A
tese que queremos propor é a de que – ao optar por radicalizar a aplicação da
política do imperialismo, beneficiando principalmente o capital financeiro e o
setor exportador – o governo Lula acabou por anular para o setor da burguesia
voltado ao mercado interno (setor que “possui base de acumulação no território
nacional”) as vantagens das políticas que beneficiavam o conjunto das classes
dominantes. Políticas como, por exemplo, as que resultaram no barateamento da força
de trabalho.
Com
isso, por outro lado, o governo Lula angariou o apoio entusiasmado do capital
financeiro nacional e internacional através de seus representantes. Por
exemplo, o apoio explícito do governo Bush, os aplausos do FMI, Banco Mundial,
Itaús e Bradescos da vida, etc. e dos setores exportadores: o agronegócio, o
setor exportador de minérios e matérias-primas e de bens de média tecnologia
montados na “plataforma de exportação”, constituída pelo imperialismo no
Brasil, que envolve automóveis, telefones celulares, etc.
O
que queremos dizer é que o efeito combinado da elevação da taxa de juros para
beneficiar o capital financeiro, do aumento da carga fiscal e do superávit
primário a fim de garantir a manutenção desse benefício ao setor do capital voltado
à exportação, anulou para os demais setores das classes dominantes as vantagens
da redução do valor da força de trabalho. O que fez com que o governo Lula
perdesse progressivamente o apoio político que vinha recebendo desses setores
e, portanto, dos partidos políticos que lhes são orgânicos.
Da
mesma forma, a radicalização na aplicação da política do imperialismo levou a
uma deterioração rápida nas condições de vida das camadas médias, uma das
principais bases de apoio político do PT, exatamente no momento em que estas,
com a eleição de Lula alimentavam forte expectativa de uma rápida melhora em
suas condições de vida.
Governando com o esgoto a céu aberto
Portanto,
ao optar por atender as pressões do imperialismo, o governo Lula viu-se diante
da alternativa de aliciar apoio entre os partidos políticos que expressavam
essas frações das classes dominantes que, mesmo secundárias, têm enorme
importância para a sustentação do governo pelo número de seus representantes no
Congresso Nacional e pela influência que exercem. Evidentemente, essa opção
levou seu governo a descartar o apoio das massas, das camadas médias e dos
setores das classes dominantes voltados para o mercado interno [4], a chamada
“burguesia nacional”.
Ao
colocar em prática a política do imperialismo de modo a que só beneficiasse as
frações mais “elevadas” das classes dominantes, frações por isso mesmo muito
restritas numericamente, e ao perder o apoio das camadas médias e da massa de
milhares de grandes, médios e pequenos empresários voltados para o mercado
interno, o governo Lula não pôde contar com o apoio “orgânico” dos partidos
políticos ligados a estas frações de classe, lançando mão da alternativa de
comprar-lhes este apoio, o que nesta conjuntura tendia a ser feito com o esgoto
a céu aberto.
Como
dissemos, era necessário radicalizar as práticas de corrupção e de aliciamento
para comprar o apoio dos partidos políticos às medidas econômico-sociais
praticadas pelo governo que contrariavam os interesses das frações de classe
que estes partidos representavam.
A
diferença não é a de que haja, ou não, corrupção. No capitalismo sempre há
corrupção e a burguesia tenta realizar seus negócios encobrindo o esgoto com o
manto da "moral e dos bons costumes". E aqui a conjuntura tendia a
fazer com que o PT, ao assumir praticar a política do imperialismo com tal
radicalidade, aumentasse não só a exploração das classes dominadas, mas
atingisse também a taxa de lucro de frações das classes dominantes, o fizesse
trabalhando com o esgoto a céu aberto.
Aumenta a exploração do povo brasileiro
Portanto,
o que leva à atual crise não é o fato de que se tenha posto em prática uma
política de corrupção nova, maior, inusitada. Ou que o governo petista tenha
sobre qualquer aspecto procurado atender aos interesses das classes dominadas
e, por isto, assustado as classes dominantes, as tais "elites". Muito
pelo contrário, o que está na raiz da atual crise é o fato de que o PT, ao
radicalizar a política do imperialismo, vem submetendo o povo brasileiro a
níveis de exploração, aí sim inusitados, atingindo com isso as camadas médias e
setores das classes dominantes, que passaram a travar a luta sem trégua para
garantir a manutenção de suas taxas de lucro.
O
que quer dizer que a crise expressa, no fundamental, a luta entre frações das
classes dominantes por manter e garantir seus lucros. Luta que pode se dar a
céu aberto diante da defensiva na qual as classes dominadas vêm travando a luta
de classes.
E
esta é uma questão decisiva. O estágio atual da luta das classes fundamentais na
sociedade, entre as classes dominantes e as classes dominadas, no qual o
proletariado e seus aliados resistem à opressão e à exploração sem seu partido
de vanguarda, o partido revolucionário, caracteriza um quadro de defensiva, de
baixo nível de consciência e organização das massas populares, do ponto de
vista dos seus interesses estratégicos, de uma perspectiva revolucionária.
E
esta conjuntura, esta correlação de forças, permite às classes dominantes
disputarem abertamente, dentro dos seus interesses comuns, os seus interesses
contraditórios, secundários, sem colocar em risco seu poder de Estado.
Receita ortodoxa
Basta
para isso ver o noticiário recente de um dos jornais que expressam os
interesses desses setores das classes dominantes. Para ficar só em um exemplo,
vejamos algumas manchetes do Caderno Dinheiro, da Folha de S. Paulo: “Receita
ortodoxa. Arrecadação em alta leva a economia do governo para pagar juros a R$
16,3 bi, mas taxas complicam quadro. Arrocho fiscal volta a bater recorde em
abril” (31 de maio de 2005); “Receita ortodoxa. Para analistas, índice do 1º
trimestre divulgado hoje pelo IBGE deve mostrar desânimo empresarial com alta
de juro. PIB deve revelar investimento em queda” (31 de maio de 2005); “Marcha
Lenta. Levantamento do Ciesp mostra ritmo reduzido da produção em abril e maio;
caem vendas de embalagem. Alta nos estoques aponta o freio na indústria” (1° de
junho de 2005); “Marcha lenta. Política de juros altos do governo surte efeito
e faz economia crescer só 0,3% no primeiro trimestre do ano. Investimento e
consumo caem e seguram PIB” (1° de junho de 2005); “Comércio exterior. Dólar
caiu 20% desde julho de 2004, o que favorece compras; superávit mensal é menor
pela 1ª vez no ano. Saldo da balança cai e importação dispara” (02 de junho de
2005); “Venda para a China recua no mês” (02 de junho de 2005).
Quem ganha com a crise política?
Instalada
a recente crise, como as classes dominantes e os partidos que as representam se
posicionaram?
Ainda
que seja um aspecto secundário, nesta crise, presenciamos os dois partidos que
representam, objetivamente e no fundamental, os interesses do imperialismo e do
capital financeiro disputarem quem vai representar no Estado esses interesses.
Nesse quadro, o PSDB aproveita-se das denúncias de corrupção para desgastar o
PT com vistas às eleições de 2006.
Por
outro lado, o imperialismo, o capital financeiro e o capital exportador
brasileiros também se valeram das denúncias de corrupção, do esgoto a céu
aberto, ou melhor, da crise aberta a partir delas, para continuar a fortalecer
suas posições dentro da máquina de Estado. Isso se deu com o fortalecimento de
Palocci, com o apoio à política econômica imperialista do governo federal,
poupando de maior desgaste o presidente Lula e com o lançamento de proposições
mais ortodoxas para a área econômica, por meio principalmente de Delfim Netto.
Investimento no ano não paga um dia de
juros
Não
há melhor prova de que a política do governo Lula serve à "elite" das
"elites" que o fato de que, no mesmo período em que o lucro dos
bancos cresceu 52%, todo o investimento do governo até 20 de maio represente
menos que o valor do pagamento de um dia de juros ao capital financeiro.
Sob
o título de “Investimento no ano não paga um dia de juros”, diz o jornalista
Gustavo Patu, na Folha de S. Paulo, em 31 de maio de 2005: “Apesar de proclamar
que 2005 será o ‘ano dos investimentos’ o governo Luis Inácio Lula da Silva
destinou a eles, até o momento, um montante inferior ao do gasto de um dia com
o pagamento de juros da dívida. De um total de R$ 21,624 bilhões autorizados no
Orçamento o maior valor estipulado na administração petista, nada além de R$
271 milhões foi investido até o último dia 20, o que ajuda a explicar os
números recordes do superávit primário”. O jornalista mostra ainda que setores
como integração nacional, transporte e cidades, setores nos quais os
investimentos poderiam ter reflexos mais rápidos na economia, investiram até o
dia 20 de maio, respectivamente, 0,13%, 0,39%, 0,81% de seus orçamentos para
2005.
Agronegócio e a exportação de novas
especiarias
Outra
farsa do governo é a tal ênfase na política externa. Na verdade, uma ênfase na
política de reconverter o Brasil em colônia de novo tipo, exportadora de
“commodities”. Ou, traduzindo a linguagem dos novos tempos para o bom e velho
português, exportador de novas especiarias.
Basta
entrar no sítio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ver a
Balança comercial do Agronegócio (Notas à Imprensa - Dezembro de 2004) O
documento começa dizendo: “Em 2004, as exportações do agronegócio totalizaram a
cifra recorde de US$ 39,016 bilhões. O superávit comercial do agronegócio foi
de US$ 34,135 bilhões”.
Ora,
se o superávit da balança comercial brasileira foi de US$ 33,969 bilhões isto
quer dizer que o “espetáculo do crescimento”, o novo “milagre econômico” do
governo petista, o "fantástico" saldo da balança comercial foi, na
verdade, conseguido pela exportação de carnes, madeira e suas obras, soja,
açúcar e álcool, couros, peles e calçados, café, chá mate e especiarias,
etc.etc.etc. Quer dizer, voltamos à situação de colônia. Tudo bem, uma colônia
de novo tipo.
Lula, Palocci e Delfim
Mas,
para quem pensa que ainda é possível mudar os rumos do governo, (sempre existe
uma velhinha de Taubaté), lamentamos informar que o ministro Palocci declarou
em alto e bom som que nada muda, que a política econômica vai ser mantida, e a
novidade é que ressuscitaram o Delfim Netto.
Lembram?
Aquele da ditadura militar, voltou para ajudar na implementação de novas formas
de exploração e arrocho. É só ler o Caderno Dinheiro, da Folha de S. Paulo, de
19 de junho, onde o guru da ditadura militar, reabilitado pelo governo “popular
e democrático" de Lula, concedeu entrevista propondo mais arrocho, através
de medidas como a redução das vinculações orçamentárias.
Ao
que parece, Delfim, Lula e Palocci estão “trocando impressões” sobre os rumos
da política econômica. “Foi uma conversa amena, num jantar, eu disse que não
havia condição de continuar com a atual política monetária”, confirmou Delfim
Netto em entrevista ao Jornal do Comércio, de19-20 de junho de 2005, sobre os
assuntos tratados em um jantar com Lula. Para ele, é preciso um “choque de
gestão”: um programa de déficit nominal zero, através da redução drástica das
vinculações orçamentárias. “A vinculação orçamentária é um desastre porque
torna mais difícil administrar as finanças...”, afirmou Delfim Netto. “A idéia
é aumentar a DRU (Desvinculação das Receitas da União) lentamente, durante 5 ou
6 anos, até chegar a 30% ou 40%” (Hoje a DRU é um mecanismo que desvincula 20%
de todas as receitas da União). E “o que falta na verdade é explicar para a
sociedade que o desenvolvimento tem um custo, o combate à inflação tem um
custo”.
Trocando
em miúdos: as verbas que obrigatoriamente iam para educação, saúde e
previdência social, serviriam agora para pagar juros. Mais exploração e
opressão contra o povo, para benefício do setor exportador e, principalmente,
do capital financeiro.
Luta de classes
A
nosso ver, é fundamental aprofundar essa análise de conjuntura e os
apontamentos acima colocados, fazendo as retificações e desenvolvimentos
necessários, para detectar de forma mais precisa os interesses de classe em
jogo, quais as contradições principais colocadas na conjuntura, como se
articulam, interferem e sofrem a interferência das contradições secundárias.
E, a
partir desse ponto de vista, compreender as manifestações de uma prática
recorrente, em particular na América Latina nos últimos anos, de se
circunscrever os problemas em jogo a simples questões de ética e de corrupção,
e apresentar como solução a troca de pessoas, personalidades, até de
presidentes, por substitutos “honestos”, buscando aplacar a insatisfação
popular e desviar a atenção do que é principal. Ou seja, que as classes
dominantes permaneçam no poder do Estado, deixando intocado o sistema
econômico, que garante e eleva a remuneração e privilégios do capital
imperialista e da grande burguesia brasileira a ele associada, que aumenta a
miséria e exploração das classes dominadas.
Vale
relembrar os casos do Brasil, com a queda de Collor; do Peru, com Fujimori; da
Argentina, com Menem, e, recentemente, com Lucio Gutiérrez no Equador.
Já
afirmamos em artigos anteriores que, além da luta e do heroísmo das massas, é
decisiva a reconstrução do partido de vanguarda da classe operária. Partido que
represente os interesses objetivos do conjunto das classes dominadas, a fim de
dirigir a luta conseqüente com o objetivo estratégico de derrotar o
imperialismo e as classes dominantes a ele associadas e construir um poder
popular, edificando uma nova sociedade.
É
mais do que chegada a hora da esquerda se organizar sem conciliação e sem
sectarismo para construir uma alternativa das classes dominadas.
Notas:
[1]
A tópica raiz e superfície não exprime de forma suficiente as manifestações da
luta de classes na superestrutura.
[2]
Daqui para frente só nos referiremos ao bloco de partidos que compõe o governo
simplesmente como governo Lula.
[3]
Ver no texto Algumas teses para retomar o marxismo. Materialismo histórico,
onde tratamos dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
[4]
Referimo-nos a setores da burguesia brasileira, das classes dominantes,
voltados para o mercado interno, que têm alguns de seus interesses contrariados
pela política econômica do governo Lula. Na verdade, estes interesses
contrariados se caracterizam como contradições secundárias com o imperialismo.
Na formação social brasileira, a contradição fundamental entre burguesia /
proletariado, contradição antagônica, não pode ser substituída pela contradição
entre país imperialista / país dominado, que signifique oposição da nação como
um todo – dominantes e dominados – ao imperialismo. Nesse sentido, afirmamos
que a contradição principal da conjuntura brasileira é aquela que opõe o povo
brasileiro, as classes dominadas, ao imperialismo. Leia mais no artigo “E
agora?”.
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