terça-feira, 10 de novembro de 2015

Programa de Proteção ao Emprego (sic): caminho para novas formas de exploração da classe operária com o apoio da CUT e do sindicato dos metalúrgicos do ABC

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2015/09/545113.shtml

O Congresso Nacional aprovou o chamado Programa de Proteção ao Emprego – PPE, instituído pelo governo Dilma/PT.
O que vamos mostrar nesse artigo é que, apesar do nome, o PPE não constitui política para proteger o emprego, nem mesmo o dos trabalhadores das empresas que entram no programa.
O PPE representa sim a abertura para novas formas de intensificação da exploração da classe operária pela burguesia, sancionada pelo Estado burguês sob a direção do PT e com o aval do sindicalismo pelego, para fazer retroceder a posição da classe operária na luta de classes.
O PPE avança novas formas de intensificação da exploração do trabalhador pelos capitalistas que se projetam para além da situação imediata, setorial ou local. Também ensaia o Acordo Coletivo Especial – ACE, projeto do sindicato dos metalúrgicos do ABC e da CUT que faz o negociado prevalecer sobre o legislado, ou seja, flexibiliza a legislação trabalhista para cortar direitos conquistados pelos trabalhadores.


Os dirigentes desse sindicato têm se destacado em forçar os operários de sua base a aceitar o PPE, entre outras perdas salariais e de suas condições de trabalho, supostamente em troca da dita proteção do emprego ou da estabilidade prometida pelas montadoras de veículos. Esses acordos efetivam o uso simultâneo do PPE com o layoff (suspensão temporária do contrato de trabalho)[i] e o programa de demissão voluntária (PDV), ou seja, coação que mantém a demissão e o terror do desemprego sobre os trabalhadores. Em lugar de resistir o sindicato reforça a ofensiva burguesa contra a classe operária que se dá no atual cenário de grave crise econômica, com enorme aumento das demissões, reduções de salários e expansão das formas de trabalho sem carteira assinada.
A despeito da aprovação dos acordos, forçada pelas chantagens da direção sindical pelega, a luta de classes recente prova que grande parte dos operários não considera o PPE como de seu interesse. Além disso, a promessa da estabilidade se esvai com a continuidade das demissões e as novas ameaças, mesmo após os acordos que impuseram perdas salariais e rebaixaram as condições de trabalho. Põe em xeque a ilusão reiterada pelos sindicalismo burguês de conciliação de interesses entre capitalistas e trabalhadores, ou seja, de apoiar a exploração dos operários pelo patronato em troca de uma suposta garantia do emprego e outro benefícios.
Portanto, mantém aberta a possibilidade da resposta própria dos trabalhadores na resistência contra o patronato na direção da independência política da classe operária.

PPE: ensaio do Acordo Coletivo Especial, ou seja, a tese de que o negociado deve prevalecer sobre o legislado.

No dia 28 de outubro, o Senado Federal concluiu a aprovação do chamado Programa de Proteção ao Emprego - PPE, instituído pelo governo federal em 06 de julho por meio da medida provisória - MP 680/2015.
O PPE tem inspiração no modelo alemão de flexibilidade no trabalho, e resulta das discussões, desde 2012, entre governo, empresários da CNI e ANFAVEA e sindicalistas da CUT, Força Sindical e UGT.[ii]
Pelo PPE, as empresas podem cortar até 30% da jornada de trabalho e do salário do trabalhador. Com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, o Estado paga metade dessa redução, até o limite de R$ 900,84, equivalente a 65% do valor máximo do seguro-desemprego (R$ 1.385,91). E a outra metade não é coberta por ninguém: o trabalhador perde até 15% do salário e dos depósitos no FGTS, além das perdas no 13º salário, nas férias e no valor dos benefícios previdenciários, em caso de acidente ou doença, decorrente do menor salário de contribuição à previdência social.   
Nas regras aprovadas do PPE, a redução da jornada e do salário pode incluir todos os empregados da empresa ou apenas de um setor específico. Somente os empregados incluídos contam com a chamada proteção no emprego, os demais continuam ameaçados pelo desemprego. E mesmo essa chamada “proteção” é provisória, equivalente a duração do programa acrescido de um terço. Após esse período, os trabalhadores podem ser demitidos a qualquer momento.
Podem entrar no PPE empresas de todos os setores que aleguem “dificuldades econômicas e financeiras” sem, contudo, precisar “comprovar” dita dificuldade por meio de seu faturamento ou receita, lucros, ativos, remessa de lucros ao exterior ou qualquer outra informação econômica ou financeira. Basta tão somente demonstrar, “de forma inequívoca, que a empresa tem demitido trabalhadores”.[iii] Por exemplo, as montadoras de veículos no Brasil encabeçam a lista das maiores empresas em remessa de lucros ao exterior: de 2010 a 2013, remeteram às suas matrizes nada menos que US$ 15,4 bilhões. Como cortaram 12,4 mil vagas, em 2014, e seguem demitindo em 2015, podem entrar e entram no PPE, a revelia da “saúde” financeira expressa nos recordes em remessa de lucros. Quer dizer, para entrar no programa, que diz proteger o emprego, as empresas podem previamente remeter lucros ao exterior e demitir trabalhadores, o que costumeiramente fazem em tempos de crise, e assim recebem o “benefício” da redução salarial para manter ou engordar ainda mais seus lucros. Que bom negócio o Estado burguês e o sindicalismo pelego faz para os patrões!
O texto aprovado, fruto da conversão da MP 680 no Projeto de Lei de Conversão – PLV 18/2015, ampliou de 12 para 24 meses o período máximo de permanência da empresa no PPE, estendeu o prazo para adesão ao programa até 31 de dezembro de 2016 (em lugar de 2015) e de sua vigência até 31 de dezembro de 2017.
A ampliação do prazo de permanência, adesão e vigência aponta para efetivação do PPE, desde seu nascedouro, como instrumento de redução salarial de forma sistemática e permanente, isto é, não restrito a uma conjuntura recessiva, tornando letra morta o suposto “caráter experimental” indicado na Carta de apoio das Centrais Sindicais.[iv] Como que a entregar esse objetivo está o fato de que a iniciativa da medida surgiu em 2012, bem antes da crise econômica aberta, momento em que esses sindicalistas, empresários e o governo celebravam a quimera do “pleno emprego” e do “país de classe média”.
Dessa vez, a emenda que estabelecia a prevalência do negociado sobre o legislado, não foi incluída na lei do PPE. Apesar disso, o ímpeto do capital se fortaleceu anunciando uma nova onda de flexibilização da legislação trabalhista, destinada a cortar direitos conquistados pelos trabalhadores.
Tanto mais pelo apoio explícito de dirigentes da CUT como sempre submissos à possibilidade de “debater a emenda de interesse dos empresários” (Tribuna Metalúrgica n. 3792, de 08 de outubro de 2015, p.4). Sua intenção é aprovar um antigo projeto do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT, o Acordo Coletivo Especial – ACE, projeto que, assim como a emenda excluída, faz prevalecer o negociado sobre o legislado.
O PPE, portanto, ensaia a efetivação do ACE, a submissão do legislado ao negociado. Sua adoção requer o estabelecimento de acordo coletivo de trabalho específico entre empresa e sindicato dos trabalhadores que permita reduzir até 30% a jornada e o salário. Com isso, o acordo garante “segurança jurídica”, diga-se, aos patrões, para que “condições específicas de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa” prevaleçam sobre a atual legislação trabalhista.[v] Ou seja, o PPE avança para uma nova legislação do trabalho no sentido do Acordo Coletivo Especial.

PPE: proteção do patronato e não do emprego.

Na fundamentação da medida, o governo ressalta a importância do PPE para “estimular a produtividade do trabalho” e “proteger os empregos”. Igual entendimento é sustentado pelos sindicalistas pelegos da CUT e Força Sindical.[vi] Ocorre que “aumento da produtividade” significa o mesmo que aumento da exploração da classe operária e tem como resultado direto a redução de postos de trabalho.
Para esses dirigentes sindicais, é muito caro para o governo manter o trabalhador fora do emprego. Com o PPE, o governo mantém a arrecadação (embora reduzida) com a Previdência Social, FGTS e Imposto de Renda, por isso, dizem esses sindicalistas, suas vantagens em relação ao seguro-desemprego e ao layoff (suspensão temporária do contrato de trabalho). Essa justificativa coincide com a direção do “ajuste fiscal” promovido pelo governo de reduzir conquistas trabalhistas para a contenção dos gastos mediante a redução do direito ao seguro-desemprego. Segundo José Lopes Feijóo, assessor da Secretaria de Governo da Presidência da República: “se 50 mil trabalhadores [meta do PPE para 2015] acessarem o programa, o custo aos cofres públicos será da ordem de R$ 112 milhões, enquanto o custo do seguro-desemprego seria de R$ 290 milhões.”
Para dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, o PPE exclui os trabalhadores rurais em razão do alto índice de informalidade do trabalho no campo, grande número de contratos temporários e remuneração muito próxima do salário mínimo (pela medida, a redução salarial não pode acarretar pagamento abaixo do salário mínimo).
Uma crítica ao PPE vem da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra. Para eles o programa pode acarretar precarização do trabalho caso, a pretexto da crise, “instrumentos de redução temporária de direitos” sejam “utilizados de forma sistemática”. Por isso, sustenta que tais medidas não podem beneficiar empresas “mal geridas” e devem ter caráter excepcional.[vii]
A ponderação da Contag enfatiza os limites da abrangência do PPE, sem questionar seu interesse de classe, o da burguesia. Lembramos ainda que os trabalhadores rurais estão excluídos do seguro-desemprego. Embora chame atenção para os agravantes da medida, a posição da Anamatra está marcada pela ideologia jurídica (pequeno-burguesa), especialmente pela difusão da imagem do Estado “protetor” e, portanto, ocultar a dominação de classe da burguesia que age, por meio do seu Estado, no sentido de assegurar a reprodução ampliada do capital, portanto da exploração e, ao mesmo tempo, desorganizar a classe operária e os trabalhadores incutindo-lhes a ilusória expectativa da conciliação de classes pelo Estado.
O entendimento do PPE como instrumento para aumentar a exploração dos trabalhadores é denunciado em manifesto da Intersindical, que recusa sua adoção em sua base.[viii]
Além de reduzir os salários e os recolhimentos para Previdência Social e FGTS, a empresa pode utilizar o período da redução da jornada para se tornar mais produtiva, produzir mais em menor tempo, com ganhos de qualidade e menos custos, aumentando os lucros e permitindo eliminar permanentemente parcela dos trabalhadores.
Mesmo assim, as empresas não são obrigadas a entrar no PPE, entram caso avaliem que lhes é vantajoso.
Na verdade, não existe qualquer outra medida jurídica que impeça os patrões de demitir os trabalhadores. O desemprego avança. No trimestre encerrado em agosto deste ano, a taxa de desemprego passou para 8,7%, contra 6,9% no mesmo trimestre de 2014, totalizando 8.8 milhões de desempregados, 2 milhões a mais que um ano atrás. Entre setembro de 2014 e agosto de 2015, foram cortados 1 milhão e 100 mil empregos com carteira assinada.[ix]
De um lado, queda no nível de “formalização” do trabalho; de outro, aumento das formas de trabalho “informal”, registrado pelas estatísticas oficiais, em um ano, com mais 927 mil “trabalhadores por conta própria”,[x] além do crescimento dos chamados “empregadores”, em grande parte, empregador de si próprio.
O aumento do desemprego acarretou a queda no salário inicial de contratação e na remuneração média real dos trabalhadores celetistas: em agosto de 2015, reduziu 3,5%, em relação ao mesmo mês do ano passado. Cresceram os acordos coletivos com reajuste salarial inferior ao INPC (inflação) ou mesmo sem qualquer reajuste como nas montadoras da região do ABC. Para os trabalhadores sem carteira assinada, a queda é bem maior, 12,6%. Na construção civil e no comércio, setores com grande contingente de trabalhadores na informalidade, a redução dos rendimentos atinge 6,4% e 5,9%, respectivamente. A inflação e a desvalorização do real frente ao dólar rebaixam ainda mais o salário médio e viabilizam a exploração absoluta da classe trabalhadora, isto é, obriga os trabalhadores a trabalhar mais tempo para adquirir os bens essenciais à sua sobrevivência.
Na indústria, o número de empregos cai há quatro anos, desde outubro de 2011. Em agosto de 2015, a indústria de transformação fechou 47.944 vagas. Ou seja, um único mês cortou quase todos os 50 mil empregos que o governo diz manter com o PPE em um ano.
Apesar do nome, o PPE não constitui uma política de proteção do emprego. Pelo contrário. A política do governo caminha para o corte de direitos, como a recente ampliação de 6 para 12 meses de tempo de trabalho para o trabalhador ter direito ao seguro-desemprego. Como veremos a seguir, com base nos acordos coletivos nas montadoras da indústria automobilística da Região do ABC, o PPE nem mesmo protege o emprego dos trabalhadores das empresas que entram no programa. Trata-se sim da abertura para novas formas de intensificação da exploração da classe operária pela burguesia, sancionada pelo Estado burguês sob a direção do PT e com o apoio do sindicalismo pelego para ampliar os lucros e fazer retroceder a posição da classe operária na luta de classes.

PPE, Layoff, PDV: exploração operária com apoio do sindicalismo burguês

Até aqui poucas empresas aderiram ao PPE. O destaque recai nas montadoras da indústria automobilística, especialmente os acordos coletivos entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC com Mercedes Benz, Volkswagen e Ford.
Os dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC têm se destacado em forçar os operários de sua base a aceitar o PPE, além de outras perdas salariais, rebaixamento de suas condições de trabalho e aumento da exploração capitalista. Não é de hoje que esses sindicalistas pelegos estão na linha de frente do sindicalismo burguês no Brasil, ou seja, o de ativamente representar e defender os interesses dos patrões e da burguesia junto aos trabalhadores sindicalmente organizados.[xi] O eixo central que orienta essa prática sindical se baseia em alcançar aumentos salariais, outras vantagens ou a manutenção do emprego condicionados ao aumento da produtividade. Quer dizer, do sindicato apoiar o aumento da exploração operária supostamente em troca desses benefícios, geralmente, circunscritos às grandes empresas, como as montadoras da indústria automobilística. A prática sindical, cada vez mais, tenta limitar e isolar os trabalhadores ao âmbito de cada empresa, convertê-los em um grupo que se fecha em torno de si mesmo para agir em prol da maior produtividade e competividade de sua empresa. Desse modo, o sindicato reforça o interesse de cada capitalista individual e a concorrência entre os próprios operários, ou seja, atua para tornar os operários reféns da acumulação e concorrência capitalista.
Essa orientação, de apoiar o aumento da produtividade e a redução dos custos salariais das empresas como no PPE e em outros acordos, é apresentada pelos sindicalistas como “garantia do emprego”.
O detalhamento dos acordos coletivos supõe o uso de vários mecanismos como uma "estratégia" de produção com novas formas de exploração dos trabalhadores que se projeta para além da situação imediata, setorial ou local. 
Como mostra o Quadro 1, a utilização do PPE aparece combinado ao layoff ou mesmo à demissão sob a alcunha de “Programa de Demissão Voluntária” – PDV. As perdas vão muito além da redução dos salários durante o PPE, pois os acordos eliminam reajustes salariais ou estabelecem a aplicação de percentuais abaixo do INPC.

Quadro 1: PPE e cláusulas de acordos coletivos entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Mercedes Benz, Volkswagen e Ford - 2015.

Empresa
Acordo coletivo específico - PPE
Cláusulas de acordos coletivos
Redução de salários e da jornada
Quant. de trabalhadores
Duração e Período
Reajuste salarial
Outras
Mercedes Benz
20% dos salários e da jornada, 10% pagos pelo FAT.
Perda de 3% no 13º Salário em 2015, e de 5%, em 2016.
8.700.

Todos da produção e da administração, exceto os do setor de vendas.
Nove meses.

De 01/09/2015 a 31/05/2016.
2015: reajuste pelo INPC.
2016: metade do INPC + abono de R$ 3.mil.
Congelamento da progressão salarial em 2015 e 2016 e ampliação do tempo para progressão.
- Em outubro de 2015, retorno dos operários com sequelas por acidentes ou doenças e demais casos de estabilidade que estavam em layoff.
- Abertura de PDV para esse grupo.
- “Desterceirização”.
Volkswagen
20% dos salários e da jornada, 10% pagos pelo FAT.
9.300.

Excluídos os da manutenção entre outros.
Seis meses + quantas vezes necessárias até o limite de 24 meses.

Inicialmente de 01/10/2015 a 30/04/2016
2015: sem reajuste, abono de R$ 6.372,00. 2016: reajuste pelo INPC.
- layoff para 2.640 trabalhadores.
- Inclusão destes no PPE ao final do layoff em novembro e dezembro.
- Abertura de PDV para esse grupo.
- “Desterceirização”.
Ford
20% dos salários e da jornada, 10% pagos pelo FAT.

3.300
Seis meses + seis meses.

Inicialmente de 01/01/2016 a 30/06/2016
2015: sem reajuste, abono de R$ 8 mil.
2016: reajuste pelo INPC + abono de R$ 1,7 mil.
- Layoff para 150 operários em janeiro de 2016.
- Inclusão no PPE de 100 trabalhadores de layoff, iniciado em maio de 2015.
- Abertura de PDV para os dois grupos.
- “Desterceirização”.


No início de julho, os operários da Mercedes Benz disseram NÃO a implantação do PPE.[xii] Recusada por 75% dos operários, a proposta negociada e defendida pelo sindicato ainda estabelecia reajuste salarial de apenas metade do INPC, em 2016, congelamento da progressão salarial do plano de cargos em 2015 e 2016, bem como a demissão de aposentados e trabalhadores com estabilidade, empregados com limitação da capacidade de trabalho decorrente de sequelas por acidente ou doença do trabalho. Após a recusa, a empresa demitiu 1.500 trabalhadores. Os operários responderam com greve que durou uma semana, encerrada em 31 de agosto com acordo negociado pelo sindicato com a empresa que reverteu as demissões e recuperou a proposta rejeitada pelos trabalhadores.
As demissões foram utilizadas pela empresa e pelo sindicato pelego para quebrar a resistência operária. Os dirigentes do sindicato valeram-se desse expediente para converter a greve em mera mobilização de apoio ao PPE e recolocar a mesma proposta já recusada pela categoria. Quer dizer, em lugar de lutar pra valer, a direção sindical jogou a demissão dos 1.500 trabalhadores nos ombros dos próprios operários, caso a negociação fosse novamente recusada.
No entanto, o início do PPE com a redução salarial, em setembro, não significou a garantia do emprego. As ameaças e demissões continuam. Em outubro, a empresa abriu PDV para demitir 250 operários com estabilidade, justamente os empregados com sequelas de acidente ou doença do trabalho. Esse grupo é remanescente do layoff de 2014, desde então, afastados da fábrica. Os outros 760 operários que estavam no layoff foram todos demitidos, 260 em janeiro e 500 em maio de 2015.
A mesma atuação sindical foi vista nos acontecimentos da greve dos operários da Volkswagen (Anchieta) em janeiro deste ano.[xiii] O acordo que eliminou o reajuste salarial de 2015 foi saudado pelos dirigentes sindicais como “vitória” pela suspensão das 800 demissões e anúncio da “estabilidade no emprego” até 2019. Mas, o acordo anterior, de 2012, também estabelecia estabilidade (até 2016), o que não impediu a empresa de, com o apoio sindical, chantagear os operários com a demissão para impor perdas salariais.
E, mais uma vez, a miragem da “estabilidade” até 2019 logo se desfez. Entre janeiro e março, menos de três meses após a greve, mais de 800 operários foram demitidos na VW por meio de PDV (em um ano, de agosto/2014 a setembro/2015, foram mais de 1.200 operários). Logo depois, a montadora e o sindicato acertaram um novo layoff para 2.640 trabalhadores, 240 iniciaram em junho e 2.400 em julho. E, em seguida, o acordo com a entrada de 9.300 trabalhadores no PPE, a partir de 01 de outubro, aí incluídos os empregados de layoff após seu retorno em novembro e dezembro.
Essa mesma orientação pautou a negociação sindical com a Ford. Em março, o acordo eliminou o reajuste salarial de 2015, substituído por um abono de R$ 8 mil, além de prever, para 2016, reajuste pelo INPC mais abono de R$ 1,7 mil. Para aprovar o acordo, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mais uma vez, procurou desarmar os operários ao vender a ilusão da estabilidade até 2017, nas palavras de Rafael Marques, seu presidente: "A aprovação tira de cena qualquer ameaça de segurança em relação ao emprego."[xiv]
Em maio a montadora colocou 100 trabalhadores em layoff e, em setembro, anunciou a demissão de 203 operários. Os operários entraram em greve, encerrada, em 18 de setembro, após nove dias com a suspensão das demissões e a implantação do PPE. Assim como na Mercedes e na Volkswagen, os salários e a jornada serão reduzidos em 20%, na Ford, a partir de janeiro de 2016, com duração de seis meses prorrogáveis por mais seis. No entanto, o acordo estabelece a entrada de mais 150 trabalhadores em layoff a partir de janeiro de 2016, ou seja, na mesma data de início do PPE. Os 100 trabalhadores em layoff desde maio permanecerão afastados da fábrica. Ao mesmo tempo, a empresa abriu mais um PDV.
Nas três empresas, a adoção do PPE se faz combinada ao layoff e ao PDV, mantendo o terror da demissão sobre os operários. O caso da Ford deixa ainda mais visível, pois o acordo prevê um novo grupo em layoff juntamente com o início do PPE. Ou seja, a implantação do PPE acontece sem abandonar os mecanismos de exploração até então utilizados. Entrar no layoff é ficar com a faca no pescoço, mas o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC apresenta esse instrumento como caminho para evitar as demissões. E segue o mesmo caminho combinando-o com o PPE.
Geralmente, ao final do layoff, as empresas abrem PDV dirigido a esse grupo, procedimento renovado, agora, em tempos de PPE. O PDV mantém aberta a porta do inferno do desemprego. Esse instrumento quer apresentar a demissão como ato de vontade individual de cada trabalhador, quando na realidade resulta de forte coação das empresas sobre os operários, agravada ao contar com a concordância sindical. Trata-se de uma forma seletiva de demissão, utilizada para cortar os operários com sequelas decorrentes de acidente ou doença do trabalho, bem como trabalhadores com maiores salários, em geral, aposentados ou perto de completar o tempo para se aposentar. Ou ainda para demitir operários vistos como ameaça pelas empresas e pela direção sindical.
O aval sindical ao PDV anula a estabilidade para trabalhadores com sequelas decorrentes de acidente ou doença do trabalho, conquistada há mais de 20 anos na Convenção Coletiva de Trabalho. O fato é ainda mais grave, pois decisão de 30 de abril desse ano do Supremo Tribunal Federal – STF, revisando entendimento do Tribunal Superior do Trabalho – TST, validou a cláusula que dá quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas decorrentes do contrato de trabalho assinada pelo empregado, quando o item constar de acordo coletivo de plano de demissão voluntária firmado pelo sindicato.
Além do PDV, os acordos das três montadoras também efetivam demissões por meio da chamada “desterceirização”, isto é, a demissão em massa de trabalhadores terceirizados para, em seu lugar, alocar parte dos operários diretos, considerados pelas montadoras como “excedentes”. A nota da Volkswagen, emitida após o encerramento da greve de janeiro de 2015, deixa claro: "O resultado contempla a continuidade dos mecanismos de adequação de efetivo por meio de Programas Voluntários, com incentivo financeiro, e também ‘desterceirizações’ temporárias para alocação de parte do excedente de pessoal, entre outras medidas".[xv]
A “desterceirização” é, diz a nota, “temporária”, mas o mesmo não é válido para a demissão e a redução dos custos salariais totais.
A chamada “desterceirização” está articulada à redução dos custos salariais totais. Por um lado, pela diminuição do número de postos nestas áreas em função da implantação de alterações tecnológicas como, por exemplo, o uso da robótica nos setores de logística. De outro lado, pela redução salarial decorrente da rotatividade de pessoal, tanto pela demissão dos terceirizados como, tudo indica, dos operários efetivos que ocupam provisoriamente esses postos. Isso pode acontecer ou por novas terceirizações ou mesmo por nova contratação direta pelas empresas. No primeiro caso, como assinalamos antes, pela forte queda dos salários de admissão no conjunto dos setores. No segundo caso, pelo forte achatamento do piso salarial (admissão) nas montadoras, resultado dos acordos coletivos assinados pelo sindicato, desde 2012, como pode ser observado no Quadro 2.     

Quadro 2 – Piso salarial nas montadoras Mercedes, Volkswagen e Ford: acordo coletivo 2012-2015.

Empresa
2012
(A) 1
2013
2014
2015
(B) 2
Reajuste
% (B/A)
% INPC acumulado
Mercedes
1.560,00
1.688,00
1.688,00
1.688,00
8,20
18,15
Volks
1.560,00
1.560,00
1.600,00
1.650,00
5,77
18,15
Ford
1.560,00
1.560,00
1.600,00
1.600,00
2,56
18,15
1 A partir de 01 de setembro. 2 A partir de 01 de março. INPC acumulado de 01/09/2012 a 28/02/2015.

Em todas as montadoras, o piso salarial perde de longe para a inflação (INPC), sistematicamente achatado pelos acordos sindicais, desde 2012. Dessa forma, permite as condições para substituição dos operários antigos com maiores salários por novos contratados.
O uso combinado do PPE com layoff, PDV, além da “desterceirização” com o achatamento do piso salarial, é apenas a ponta do iceberg das novas formas de exploração que se projetam, lançando mão de novos ou antigos instrumentos. Por exemplo, o projeto aprovado pelo Congresso Nacional proíbe a realização de horas extras (Art. 6º, § 2º) durante o período da redução dos salários e jornada. No entanto, não menciona a utilização do banco de horas, instrumento que prolonga a carga horária dos trabalhadores, que continua aplicado nas montadoras durante o PPE.
A utilização desses diversos instrumentos e suas múltiplas formas de aplicação no dia a dia da produção também compreende o acirramento da concorrência capitalista no setor com a chegada das montadoras coreanas e chinesas. E os dirigentes sindicais, na cauda da concorrência capitalista, contribuem para viabilizar a taxa de exploração e a competitividade das montadoras no ABC. É o que indica um deles, após firmar o acordo do PPE: “A empresa precisa se tornar competitiva frente às novas fábricas que vieram para o Brasil. E é desafio para os trabalhadores participar do processo de modernização da fábrica.” (Coordenador do Comitê Sindical de Empresa da Mercedes Benz. Tribuna Metalúrgica, 02 de setembro de 2015, p. 2).
A despeito da aprovação dos acordos forçada pelas chantagens da direção sindical pelega, a luta de classes recente nessas montadoras prova que grande parte dos trabalhadores não considera o PPE como de seu interesse. Tanto mais pelo fato dessa promessa falaciosa de estabilidade no emprego ser seguidamente rasgada a cada novo “acordo” que impõe perdas salariais e amplia a exploração dos operários, que cada vez mais criticam a ilusão, insistentemente difundida pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC e outros pelegos, da identidade de interesses entre capitalistas e operários.
Os problemas enfrentados pelos operários dessas empresas são basicamente os mesmos. Como linha auxiliar do patronato, o sindicato pelego segue a tática de fracionar e limitar a ação dos trabalhadores nos limites de cada empresa, isolando-os em embates pontuais empresa por empresa.
A luta, orientada pelos reais interesses da classe operária e não pelo sindicalismo burguês, fortalecerá a união dos trabalhadores em seus locais de trabalho, como as iniciativas de contestação (aberta) experimentadas pelos operários da Volkswagen, em dezembro de 2014, e da Mercedes Benz, em julho de 2015.
Cabe aprender com esses ensinamentos, superar seus limites e irradiar a resistência para além dos horizontes de cada fábrica e, na luta, forjar a unidade da classe operária e dos trabalhadores.




[i] O layoff, suspensão temporária do contrato de trabalho, tem duração de cinco meses e durante esse período o trabalhador fica afastado da empresa com obrigação de realizar curso de qualificação. Os salários são pagos pelo FAT no valor máximo de R$ 1.385,91 mais a complementação pela empresa. Na verdade, as parcelas recebidas do FAT equivalem ao seguro-desemprego e não podem mais ser recebidas caso os trabalhadores sejam demitidos ao final do layoff.

[ii] Coletivo Centro Victor Meyer. Programa de Proteção ao Emprego ou ao Patrão? 18/07/2014. Disponível em http://centrovictormeyer.org.br/programa-protecao-emprego-patrao.

[iii] Conforme Ata da 5ª reunião da Comissão Mista do Congresso Nacional que analisou a MP 680/2015. Segundo Art. 3º Inciso VI do texto aprovado no legislativo, a comprovação é realizada com base na apuração do chamado indicador líquido de empregos – ILE igual ou inferior a 1%. O percentual do ILE é calculado pela diferença entre admissões e demissões acumulada nos doze meses anteriores à solicitação de adesão ao PPE, dividida pelo número de empregados no mês anterior ao início do programa.

[iv] Carta das Centrais Sindicais a Presidente da República, de 15/05/2015. Disponível em http://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Apoio-das-centrais-ao-ppe.pdf

[v] Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Acordo Coletivo Especial. Disponível em: http://www.smabc.org.br/interag/temp_img/%7B38809CF7-87DA-4312-A498-5398482D1DE8%7D_cartilha_ace_v4_nova.pdf. A emenda com a prevalência do negociado sobre o legislado foi incluída no relatório aprovado pela comissão mista de deputados e senadores (art. 11 do PLV 18/2015), em 01 de outubro de 2015. O relatório pode ser acessado em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1396735&filename=PLV+18/2015+MPV68015+%3D%3E+MPV+680/2015

[vi] Não é a toa que o projeto de ACE do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT também louve a pressão por maior exploração operária. Ao falar do exemplo da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, de 1992, comemora o acordo “espetacular”: “Impostos federais e estaduais foram reduzidos, as montadoras abaixaram os preços dos veículos em 22%, os trabalhadores aceitaram o desafio de melhorar os indicadores de qualidade e de produtividade” (pg. 21). Ou seja, o governo reduz os impostos para que as empresas reduzam os preços (sem redução do lucro), os trabalhadores se esfolam de tanto trabalhar (sem aumento de salários), e os burgueses se cansam de tanto contabilizar os lucros!
Veja que esses mesmos princípios foram aplicados nos últimos quatro anos, com as seguidas reduções de IPI e estímulo ao crédito, para mais uma vez engordar o lucro burguês.

[viii] Ao invés de lutar contra as demissões CUT, Força Sindical e UGT propõem a redução de salários, 25/05/2015. Disponível em: http://www.intersindical.org.br/mobilizacao/noticias2/item/730-ao-inv%C3%A9s-de-lutar-contra-as-demiss%C3%B5es-cut-for%C3%A7a-sindical-e-ugt-prop%C3%B5em-a-redu%C3%A7%C3%A3o-de-sal%C3%A1rios

[ix] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Agosto 2015. Divulgação, 29 de outubro de 2015. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201508_comentarios.pdf

[x] Leia: Coletivo Cem Flores. Crise Capitalista, Aumento do Desemprego e Arrocho Salarial: a Única Saída para a Classe Operária é a sua Luta! Blog Cem Flores, 04 de setembro de 2015. Disponível em: http://cemflores.blogspot.com.br/2015/09/crise-capitalista-aumento-do-desemprego.html

[xi] Centro de Estudos Victor Meyer. Sindicalismo burguês e as origens do sindicalismo metalúrgico do ABC. 17 de agosto de 2015. Disponível em: http://centrovictormeyer.org.br/sindicalismo-burgues-origens-sindicalismo-metalurgico-abc/

[xii] Coletivo Cem Flores. E os operários disseram: NÃO! Cem Flores, 07 de julho de 2015. Disponível em: http://cemflores.blogspot.com.br/2015/07/e-os-operarios-disseram-nao.html

[xiii] Coletivo Cem Flores. A Luta Operária Contra a Exploração Capitalista e o Sindicalismo de Parceria com o Capital e o Governo. Cem Flores, 16 de fevereiro de 2015. Disponível em http://cemflores.blogspot.com.br/2015/02/a-luta-operaria-contra-exploracao.html

[xiv] Acordo entre metalúrgicos e Ford prevê estabilidade até 2017. Rede Brasil Atual, 26 de março de 2015. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2015/03/propostas-que-beneficiam-metalurgicos-sao-aprovadas-na-ford-6808.html

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