Capa original do livro Imperialismo. |
No centenário da publicação de
“Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”, o blog Cem Flores reproduz, a
seguir, os prefácios e dois capítulos do livro como nossa forma de homenagear
Lênin: discutindo a atualidade de seu pensamento e ação militante e sua
importância para a luta comunista neste início de século XXI.
Muito embora Lênin tenha chamado seu
livro de um “esboço popular”, e não obstante os mares de tinta que se
escreveram a respeito do imperialismo nesse século, avaliamos que a análise de Lênin permanece insuperável.
Temos plena consciência do que essa avaliação implica em termos da fragilidade
teórica dos comunistas de avançarem e desenvolverem o legado de Marx, Engels e
Lênin.
Nos prefácios que reproduzimos abaixo,
Lenin afirmava que acalentava a esperança de que a publicação d`O Imperialismo
ajudaria na “compreensão de um problema econômico fundamental, sem cujo estudo é impossível
compreender seja o que for e formar um juízo sobre a guerra e a política
atuais: refiro-me ao problema da essência econômica do imperialismo”.
Já os dois capítulos que transcrevemos
abaixo buscam resumir a definição leninista de imperialismo (capítulo 7) e
abordam as tendências ao parasitismo e à decomposição do imperialismo, assim
como do seu papel para o fortalecimento de tendências oportunistas no movimento
operário e comunista (capítulo 8).
Quanto à formulação econômica do
conceito de imperialismo, a conjuntura atual parece reforçar as principais
tendências apontadas por Lênin em 1916. O nível de centralização do capital nos
grandes monopólios, o fortalecimento do capital financeiro e o montante das
exportações de capital atingem patamares inéditos. A crise do imperialismo,
agravada em 2007/2008 e sem qualquer sinal de saída à vista, tem acentuado
ainda mais todas essas tendências.
Ao mesmo tempo, a atuação desses
monopólios nas últimas décadas efetivamente
criou espaços transnacionais de montagem e produção de mercadorias, com as
diversas etapas de seu beneficiamento podendo ocorrer em diversos países e
continentes. O resultado óbvio desse processo é uma forte tendência à equalização e ao rebaixamento das condições de
produção, do ponto de vista do proletariado e das demais classes dominadas, ao
redor do mundo.
Com base na atuação dos capitais monopolistas,
os Estados imperialistas buscam manter e expandir suas áreas de influência,
garantir o pleno funcionamento dessas cadeias produtivas e o fornecimento
ininterrupto e a preços baixos de matérias-primas. Razões de segurança dos
Estados imperialistas se imbricam com a rentabilidade do capital e ambas se
reforçam. A tendência à guerra sempre que se coloca em causa a repartição existente
do mundo é o que mais se tem visto nesse século transcorrido desde a publicação
do Imperialismo.
Em
suma, o sistema imperialista domina integralmente o mundo atual, cria uma
economia mundial englobando todos os países. Sem exceções. Em sua configuração,
o sistema parqueia cada país e seus capitais em posições distintas, que
tentamos resumir na dualidade dominante/dominado, a partir de uma divisão
internacional do trabalho em constante definição e repactuação.
Esses traços muito gerais e abstratos –
e que ainda devem ser mais bem precisados – podem servir de ponto de partida
para uma análise mais detalhada e concreta do sistema imperialista e sua crise.
Dentre os temas que avaliamos importantes para esse aprofundamento do estudo e
da discussão encontram-se:
·
as perspectivas para o agravamento da
atual crise do imperialismo;
·
o possível reforço da ala fascista da
burguesia nos países imperialistas;
·
o caráter imperialista da China e sua
posição no sistema imperialista;
·
as tendências de reconfiguração da
divisão internacional do trabalho;
·
o papel das contradições interimperialistas
e das relações entre a burguesia dos países dominantes e dos dominados;
·
a contradição burguesia e
proletariado, especialmente nos países dominados.
Em relação aos países dominados,
especialmente no caso brasileiro – o qual temos a obrigação de conhecer melhor
–, avaliamos que a análise de sua formação econômico-social não pode deixar de
considerar a posição que o país e seus capitais ocupam no sistema imperialista.
A inter-relação entre esse “fator
externo” e as contradições internas a uma formação econômico-social – iniciando
pela contradição burguesia/proletariado, mas também passando pela sua evolução
histórica, condições geográficas e naturais, etc. – é outro tema para ser
aprofundado em termos teóricos.
Nos capítulos abaixo transcritos,
Lênin preocupa-se, repetidamente, em demolir as falsas concepções de Kautsky
sobre o imperialismo. Esclareça-se: falsas do ponto de vista do marxismo e da
luta de classes da classe operária. Kautsky então defendia que o imperialismo
era, tão somente, uma “política” – aliás, a “política preferida” – do capital
financeiro. Essa política consistia nas tentativas de anexação de regiões
agrárias pelos países imperialistas. O imperialismo, portanto, para Kautsky,
não seria o capitalismo contemporâneo, mas apenas uma das formas da sua política.
Com sua “engenhosa” teoria, o reformismo alcança seu objetivo: afirma lutar
contra essa “política”, sem questionar – ou seja, preservando – suas bases
materiais, econômicas, mantendo, assim, o domínio do capital e sua exploração
das classes dominadas.
Essa crítica leninista teria apenas interesse
histórico não fosse possível ver, ainda hoje, em diversas análises concretas
sobre a conjuntura mundial, por parte dos ideólogos burgueses e de reformistas
dos mais variados tipos, ecos das teses de Kautsky. Só para citar dois
exemplos, seria como se os Estados Unidos sob Obama fossem menos imperialistas
que sob Bush, ou sob Hillary que sob Trump.
Lênin ainda trata, enfaticamente, do oportunismo que se desenvolve entre os
setores superiores da classe operária sob o imperialismo. A causa material
desse oportunismo seria o “suborno” dessas camadas minoritárias do proletariado
pelos elevados lucros monopolistas. É preciso tomar o tema com atenção e
verificar como, de fato, o oportunismo se desenvolve nas sociedades
imperialistas e no caso dos países dominados, como o Brasil. Sob a pena de
florescerem teses oportunistas de que o proletariado dos países imperialistas é
“sócio” da exploração do proletariado dos países dominados.
No prefácio às edições francesa e
alemã, de 1920 (!), Lenin já destacava a necessária atenção ao “kautskismo” que
identificava como corrente ideológica que era “por um lado, o produto da decomposição, da putrefação, da II
Internacional, e, por outro, o fruto inevitável da ideologia dos pequenos
burgueses, que todo o ambiente mantém prisioneiros dos preconceitos burgueses e
democráticos”.
Afirmava ainda que “O movimento proletário revolucionário em
geral e o movimento comunista em particular, que crescem em todo o mundo, não
podem dispensar a análise e o desmascaramento dos erros teóricos do
«kautskismo». Isto é tanto mais necessário quanto o pacifismo e a «democracia»
em geral - que não têm as mínimas pretensões de marxismo, mas que, exatamente
como Kautsky e C.ª, dissimulam a profundidade das contradições do imperialismo
e a inelutabilidade da crise revolucionária que este engendra - são correntes
que ainda se encontram extraordinariamente espalhadas em todo o mundo. A luta
contra tais tendências é obrigatória para o partido do proletariado, que deve
arrancar à burguesia os pequenos proprietários que ela engana e os milhões de
trabalhadores cujas condições de vida são mais ou menos pequeno-burguesas.”
E ainda nesse prefácio destacava, com
profunda atualidade para a luta do proletariado hoje, o papel dos dirigentes
operários e da camada superior da aristocracia operária subornada pela
burguesia: “Essa camada de operários
aburguesados ou de «aristocracia operária», inteiramente pequenos burgueses
pelo seu género de vida, pelos seus vencimentos e por toda a sua concepção do
mundo, constitui o principal apoio da II Internacional e, hoje em dia, o
principal apoio social (não militar) da burguesia. Porque são verdadeiros
agentes da burguesia no seio do movimento operário, lugar-tenentes operários da
classe dos capitalistas (labor
lieutenants of the capitalist class), verdadeiros veículos do reformismo
e do chauvinismo. Na guerra civil entre o proletariado e a burguesia colocam-se
inevitavelmente, em número considerável, ao lado da burguesia, ao lado dos
«versalheses» contra os «communards».
Sem ter compreendido as raízes
económicas desse fenómeno, sem ter conseguido ver a sua importância política e
social, é impossível dar o menor passo para o cumprimento das tarefas práticas do
movimento comunista e da revolução social que se avizinha”.
No entanto, no cenário atual de recuo
da posição científica do proletariado, da quase total inexistência dessa
posição nos embates da luta de classes e da ausência do partido comunista,
posições oportunistas e reformistas – senão explicitamente burguesas! – têm
dominado sindicatos, centrais, partidos e movimentos populares. Assim, nos
parece que tenhamos que buscar mais além dos elevados lucros monopolistas as
raízes dessas posições oportunistas na classe operária. Esse também é um
desafio, teórico e prático, a ser enfrentado.
Nesses
100 anos da publicação do Imperialismo, queremos chamar todos os camaradas e
leitores do blog Cem Flores para o debate sobre o imperialismo e sua crise.
Entendemos que a discussão não pode senão começar pelo próprio texto de Lênin, passo
inicial indispensável para a compreensão do imperialismo como o capitalismo
contemporâneo, indicação de suas características fundamentais e definição de um
programa de estudo sobre o tema.
A tarefa é se apropriar desse “esboço
popular” para buscar desenvolvê-lo, e atualizá-lo, aplicando às condições
atuais para poder efetivar a característica viva do marxismo: analisar
concretamente uma situação concreta.
O
Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo
V. I. Lenine
Prefácio
A brochura que
apresentamos ao leitor foi escrita por mim em Zurique durante a Primavera de
1916. Dadas as condições em que ali tinha de trabalhar, deparei naturalmente
com certa insuficiência de materiais franceses e ingleses e com uma grande
carência de materiais russos. Contudo, utilizei a obra inglesa mais importante
sobre o imperialismo, o livro de J. A. Hobson, com a atenção que em meu
entender merece.
A brochura foi
escrita tendo em conta a censura tsarista. Por isso, não só me vi forçado a
limitar-me estritamente a uma análise exclusivamente teórica — sobretudo
económica — como também tive de formular as indispensáveis e pouco numerosas
observações políticas com a maior prudência, servindo-me de alusões, na língua
de Esopo, nessa maldita língua que o tsarismo obrigava todos os revolucionários
a utilizar quando pegavam na pena para escrever alguma coisa destinada a
publicações de tipo «legal».
É doloroso reler
agora, nos dias de liberdade, as passagens da brochura mutiladas, comprimidas,
apertadas num torno de ferro, com receio da censura tsarista. Para dizer que o
imperialismo é a véspera da revolução socialista, que o social-chauvinismo
(socialismo de palavra e chauvinismo de facto) é uma completa traição ao
socialismo, a completa passagem para o lado da burguesia, que essa cisão do
movimento operário está relacionada com as condições objectivas do
imperialismo, etc., vi-me obrigado a recorrer a uma linguagem «servil», e por
isso devo remeter os leitores que se interessem pelo problema para a colecção
dos artigos que publiquei no estrangeiro entre 1914 e 1917, os quais serão em
breve reeditados. Vale a pena, em particular, assinalar uma passagem das
pp. 119-120: para fazer compreender ao leitor, de maneira a ser aceite pela
censura, a forma indecorosa de mentir que têm os capitalistas e os
sociais-chauvinistas que se passaram para o lado daqueles (os quais Kautsky
combate com tanta inconsequência) no que se refere às anexações, o descaramento
com que encobrem as anexações dos seus capitalistas, vi-me obrigado a citar o
exemplo ... do Japão! O leitor atento substituirá facilmente o Japão pela
Rússia, e a Coreia pela Finlândia, Polónia, Curlândia, Ucrânia, Khivá, Bukhará,
Estlândia e outros territórios não povoados por grão-russos.
Atrevo-me a
acalentar a esperança de que a minha brochura ajudará à compreensão de um
problema económico fundamental, sem cujo estudo é impossível compreender seja o
que for e formar um juízo sobre a guerra e a política atuais: refiro-me ao
problema da essência económica do imperialismo.
Petrogrado, 26 de Abril de 1917.
O Autor
Prefácio às
edições francesa e alemã
I
Este livrinho,
como se disse no prefácio da edição russa, foi escrito em 1916 tendo em conta a
censura tzarista. Actualmente é-me impossível refazer todo o texto, trabalho
que, de resto, talvez fosse inútil, visto o principal objetivo do livro, hoje
como ontem, consistir em mostrar, com a ajuda dos dados gerais, irrefutáveis,
da estatística burguesa e das declarações dos homens de ciência burgueses de
todos os países, um quadro de conjunto da economia mundial capitalista nas suas
relações internacionais, nos princípios do século XX, em vésperas da primeira
guerra imperialista mundial.
Até certo ponto
será mesmo útil a muitos comunistas dos países capitalistas avançados
persuadirem-se, com o exemplo deste livrinho, legal do ponto de vista da
censura tzarista, de que é possível - e necessário - aproveitar mesmo os
pequenos vestígios de legalidade que ainda lhes restam, por exemplo na América
atual ou em França, depois das recentes prisões de quase todos os comunistas,
para demonstrar toda a falsidade das concepções sociais-pacifistas e das suas
esperanças numa «democracia mundial». Tentarei dar neste prefácio os
complementos mais indispensáveis a este livro que em tempos passou pela
censura.
II
No livrinho
prova-se que a guerra de 1914-1918 foi, de ambos os lados, uma guerra
imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem e de rapina), uma
guerra pela partilha do mundo, pela divisão e redistribuição das colónias, das
«esferas de influência», do capital financeiro, etc.
É que a prova do
verdadeiro caracter social ou, melhor dizendo, do verdadeiro caracter de classe
de uma guerra não se encontrará, naturalmente, na sua história diplomática, mas
na análise da situação objetiva das classes dirigentes em todas as
potências beligerantes. Para refletir essa situação objetiva há que colher não
exemplos e dados isolados (dada a infinita complexidade dos fenómenos da vida
social, podem-se encontrar sempre os exemplos ou dados isolados que se queira
susceptíveis de confirmar qualquer tese), mas sim, obrigatoriamente, todo o
conjunto dos dados sobre os fundamentos da vida económica de todas as potências
beligerantes e do mundo inteiro.
São precisamente
dados sumários desse género, que não podem ser refutados, que utilizo ao
descrever a maneira como o mundo estava repartido em 1876 e em 1914 (cap. VI) e
a partilha dos caminhos-de-ferro em todo o globo em 1890 e em 1913 (cap. VII).
Os caminhos-de-ferro constituem o balanço dos ramos mais importantes da
indústria capitalista, da indústria hulheira e siderúrgica; o balanço e o
índice mais evidente do desenvolvimento do comércio mundial e da civilização
democrático-burguesa. Nos capítulos anteriores mostramos a ligação dos
caminhos-de-ferro com a grande produção, com os monopólios, os sindicatos
patronais, os cartéis, os trusts, os bancos, a oligarquia financeira.
A distribuição da
rede ferroviária, a desigualdade dessa distribuição e do seu desenvolvimento,
constituem um balanço do capitalismo moderno, monopolista, à escala mundial. E
este balanço demonstra que, com esta base económica, as guerras imperialistas
são absolutamente inevitáveis enquanto subsistir a propriedade privada dos meios
de produção.
A construção de
caminhos-de-ferro é aparentemente um empreendimento simples, natural,
democrático, cultural, civilizador: assim a apresentam os professores
burgueses, pagos para embelezar a escravidão capitalista, e os filisteus
pequeno-burgueses. Na realidade, os múltiplos laços capitalistas, mediante os
quais esses empreendimentos se encontram ligados à propriedade privada dos
meios de produção em geral, transformaram essa construção num instrumento para
oprimir mil milhões de pessoas (nas colónias e semicolónias), quer dizer, mais
de metade da população da Terra nos países dependentes e os escravos
assalariados do capital nos países «civilizados».
A propriedade
privada baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência, a democracia,
todas essas palavras de ordem por meio das quais os capitalistas e a sua
imprensa enganam os operários e os camponeses, pertencem a um passado distante.
O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de
estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um
punhado de países «avançados». A partilha desse «saque» efetua-se entre duas ou
três potências rapaces, armadas até aos dentes (América, Inglaterra, Japão),
que dominam o mundo e arrastam todo o planeta para a sua guerra pela partilha
do seu saque.
III
A paz de
Brest-Litovsk, ditada pela Alemanha monárquica, e depois a paz, muito mais
brutal e infame, de Versalhes, ditada pelas repúblicas «democráticas» da
América e da França e pela «livre» Inglaterra, prestaram um serviço
extremamente útil à humanidade, desmascarando os coolies da pena a soldo do
imperialismo do mesmo modo que os filisteus reacionários que, embora dizendo-se
pacifistas e socialistas, entoavam louvores ao «wilsonismo» e procuravam mostrar
que a paz e as reformas são possíveis sob o imperialismo.
Dezenas de
milhões de cadáveres e de mutilados, vítimas da guerra - essa guerra feita para
decidir que grupo de bandoleiros financeiros, o inglês ou o alemão, devia
receber uma maior parte do saque -, e depois estes dois «tratados de paz»,
abrem os olhos, com uma rapidez até agora desconhecida, a milhões e dezenas de
milhões de homens atemorizados, oprimidos, iludidos e enganados pela burguesia.
Em consequência da ruína mundial, fruto da guerra, cresce, pois, a crise
revolucionária mundial, que, por mais longas e duras que sejam as vicissitudes
que atravesse, não poderá terminar senão com a revolução proletária e a sua
vitória.
O Manifesto de
Basiléia da II Internacional, que em 1912 fez uma caracterização precisamente
da guerra que havia de ter início em 1914, e não da guerra em geral (nem todas
as guerras são iguais, existem também guerras revolucionárias), ficou como um
monumento que denuncia toda a vergonhosa bancarrota, toda a apostasia dos
heróis da II Internacional.
Por isso incluo
esse Manifesto como apêndice à presente edição, chamando mais uma vez a atenção
dos leitores para o facto de que os heróis da II Internacional escamoteiam
todas as passagens do Manifesto que falam com precisão, de maneira clara e
directa, da relação entre esta precisa guerra que se avizinhava e a revolução
proletária, com o mesmo empenho de que dá provas um ladrão ao evitar o lugar
onde cometeu o roubo.
IV
Prestamos nesta
brochura uma especial atenção à crítica do «kautskismo», essa corrente
ideológica internacional que em todos os países do mundo era representada pelos
«teóricos mais eminentes», chefes da II Internacional (Otto Bauer e C.ª na
Áustria, Ramsay MacDonald e outros na Inglaterra, Albert Thomas em França,
etc., etc.) e um número infinito de socialistas, de reformistas, de pacifistas,
de democratas burgueses e de clérigos.
Essa corrente
ideológica é, por um lado, o produto da decomposição, da putrefação, da II
Internacional, e, por outro, o fruto inevitável da ideologia dos pequenos
burgueses, que todo o ambiente mantém prisioneiros dos preconceitos burgueses e
democráticos.
Em Kautsky e em
toda gente do seu género, tais concepções são precisamente a abjuração completa
dos fundamentos revolucionários do marxismo que esse autor defendeu durante
dezenas de anos, sobretudo, diga-se de passagem, em luta contra o oportunismo
socialista (de Bernstein, Millerand, Hyndman, Gompers, etc.). Por isso não é
obra do acaso que os «kautskistas» de todo o mundo se tenham unido hoje, no
terreno da política prática, aos oportunistas extremos (através da II
Internacional, ou Internacional amarela) e aos governos burgueses (através dos
governos de coligação burgueses com participação de socialistas).
O movimento
proletário revolucionário em geral e o movimento comunista em particular, que
crescem em todo o mundo, não podem dispensar a análise e o desmascaramento dos
erros teóricos do «kautskismo». Isto é tanto mais necessário quanto o pacifismo
e a «democracia» em geral - que não têm as mínimas pretensões de marxismo, mas
que, exatamente como Kautsky e C.ª, dissimulam a profundidade das contradições
do imperialismo e a inelutabilidade da crise revolucionária que este engendra -
são correntes que ainda se encontram extraordinariamente espalhadas em todo o
mundo. A luta contra tais tendências é obrigatória para o partido do
proletariado, que deve arrancar à burguesia os pequenos proprietários que ela
engana e os milhões de trabalhadores cujas condições de vida são mais ou menos
pequeno-burguesas.
V
É necessário
dizer algumas palavras a propósito do capítulo VIII: «O Parasitismo e a
Decomposição do Capitalismo». Como já dissemos no livro, Hilferding, antigo
«marxista», actualmente companheiro de armas de Kautsky e um dos principais
representantes da política burguesa, reformista, no seio do Partido
Social-Democrata Independente da Alemanha, deu neste ponto um passo atrás
relativamente ao inglês Hobson, pacifista e reformista declarado. A cisão
internacional de todo o movimento operário mostra-se agora com inteira nitidez
(II e III Internacionais). A luta armada e a guerra civil entre as duas
tendências é também um facto evidente: na Rússia, apoio a Koltchak e Deníkine
pelos mencheviques e pelos «socialistas-revolucionários» contra os
bolcheviques; na Alemanha, os partidários de Scheidemann, Noske e C.ª ao lado
da burguesia contra os spartakistas; e o mesmo na Finlândia, na Polónia, na
Hungria, etc. Onde está a base económica deste fenómeno histórico universal?
Encontra-se
precisamente no parasitismo e na decomposição do capitalismo, inerentes à sua
fase histórica superior, quer dizer, ao Imperialismo. Como demonstramos neste
livrinho, o capitalismo deu agora uma situação privilegiada a um punhado (menos
da décima parte da população da Terra, ou, calculando de um modo muito
«generoso» e muito acima, menos de um quinto) de países particularmente ricos e
poderosos que, com o simples «corte de cupões», saqueiam todo o mundo. A
exportação de capitais dá rendimentos de oito a dez mil milhões de francos por
ano, de acordo com os preços de antes da guerra e segundo as estatísticas
burguesas de então. Naturalmente, agora são muito maiores.
É evidente que
tão gigantesco superlucro (visto ser obtido para além do lucro que os
capitalistas extraem aos operários do seu «próprio» país) permite subornar os dirigentes
operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos
países «avançados», subornam-nos efetivamente, e fazem-no de mil e uma
maneiras, directas e indirectas, abertas e ocultas.
Essa camada de
operários aburguesados ou de «aristocracia operária», inteiramente pequenos
burgueses pelo seu género de vida, pelos seus vencimentos e por toda a sua
concepção do mundo, constitui o principal apoio da II Internacional e, hoje em
dia, o principal apoio social (não militar) da burguesia. Porque são
verdadeiros agentes da burguesia no seio do movimento operário, lugar-tenentes
operários da classe dos capitalistas (labor lieutenants of the capitalist
class), verdadeiros veículos do reformismo e do chauvinismo. Na guerra
civil entre o proletariado e a burguesia colocam-se inevitavelmente, em número
considerável, ao lado da burguesia, ao lado dos «versalheses» contra os
«communards».
Sem ter
compreendido as raízes económicas desse fenómeno, sem ter conseguido ver a sua
importância política e social, é impossível dar o menor passo para o
cumprimento das tarefas práticas do movimento comunista e da revolução social
que se avizinha.
O imperialismo é
a véspera da revolução social do proletariado. Isto foi confirmado à escala
mundial desde 1917.
N. Lénine
6 de julho de 1920
VII - O
Imperialismo Fase Particular do Capitalismo
Precisamos agora de
tentar fazer um balanço, resumir o que dissemos acima sobre o imperialismo. O
imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das
características fundamentais do capitalismo em geral. Mas o capitalismo só se
transformou em imperialismo capitalista quando chegou a um determinado grau,
muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das características
fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese, quando
ganharam corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de
transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada. O
que há de fundamental neste processo- do ponto de vista econômico, é a
substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A
livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção
mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre
concorrência, mas esta começou a transformar-se diante dos nossos olhos em
monopólio, criando a grande produção, eliminando a pequena, substituindo a
grande produção por outra ainda maior, e concentrando a produção e o capital a
tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os
sindicatos, os trusts e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena
de bancos que manipulam milhares de milhões. Ao mesmo tempo, os monopólios, que
derivam da livre concorrência, não a eliminam, mas existem acima e ao lado
dela, engendrando assim contradições, fricções e conflitos particularmente agudos
e intensos. O monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior.
Se fosse necessário
dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que
o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia
o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de
alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações
monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a
transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda
não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de
posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.
Mas as definições
excessivamente breves, se bem que cômodas, pois contêm o principal, são
insuficientes, já que é necessário extrair delas especialmente traços muito
importantes do que é preciso definir. Por isso, sem esquecer o caráter
condicional e relativo de todas as definições em geral, que nunca podem abranger,
em todos os seus aspectos, as múltiplas relações de um fenômeno no seu completo
desenvolvimento, convém dar uma definição do imperialismo que inclua os cinco
traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital
levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os
quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital
bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse "capital
financeiro" da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais,
diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância
particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais
monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da
partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.
O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a
dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância
a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts
internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países
capitalistas mais importantes.
Mais adiante
veremos como se pode e deve definir de outro modo o imperialismo, se tivermos
em conta não só os conceitos fundamentais puramente econômicos (aos quais se
limita a definição que demos), mas também o lugar histórico que esta fase do
capitalismo ocupa relativamente ao capitalismo em geral, ou a relação entre o
imperialismo e as duas tendências fundamentais do movimento operário. O que
agora há a considerar é que, interpretado no sentido referido, o imperialismo
representa em si, indubitavelmente, uma fase particular de desenvolvimento do
capitalismo. Para dar ao leitor uma ideia o mais fundamentada possível do
imperialismo, procuramos deliberadamente reproduzir o maior número de opiniões
de economistas burgueses que se viram obrigados a reconhecer os fatos da
economia capitalista moderna, estabelecidos de maneira particularmente
incontroversa. Com o mesmo fim, reproduzimos dados estatísticos minuciosos que
permitem ver até que ponto cresceu o capital bancário, etc., que expressão
concreta teve a transformação da quantidade em qualidade, a transição do
capitalismo desenvolvido para o imperialismo. Escusado é dizer, evidentemente,
que na natureza e na sociedade todos os limites são convencionais e mutáveis,
que seria absurdo discutir, por exemplo, sobre o ano ou a década precisos em
que se instaurou definitivamente o imperialismo.
Mas sobre a
definição do imperialismo vemo-nos obrigados a discutir sobretudo com K.
Kautsky, o principal teórico marxista da época da chamada IIª Internacional,
isto é, dos vinte e cinco anos compreendidos entre 1889 e
1914. Kautsky pronunciou-se decididamente em 1915, e mesmo em Novembro
de 1914, contra as ideias fundamentais expressas na nossa definição do
imperialismo, declarando que por imperialismo se deve entender não uma
"fase" ou um grau da economia, mas uma política, e uma política
determinada, a política "preferida" pelo capital financeiro; que não
se pode identificar o imperialismo com o capitalismo contemporâneo, que, se a
noção de imperialismo abarca "todos os fenômenos do capitalismo
contemporâneo" - cartéis, protecionismo, dominação dos financeiros,
política colonial -, então o problema da necessidade do imperialismo, para o
capitalismo, transforma-se na "tautologia mais trivial", pois nesse
caso, "naturalmente, o imperialismo é uma necessidade vital para o
capitalismo", etc. Expressaremos com a máxima exatidão o pensamento
de Kautsky se reproduzirmos a sua definição do imperialismo,
diametralmente oposta à essência das ideias que nós expomos (pois as objeções
procedentes do campo dos marxistas alemães que defenderam ideias semelhantes
durante longos anos, são já conhecidas desde há muito por Kautsky como
objeções de uma corrente determinada do marxismo).
A definição
de Kautsky é a seguinte:
"O
imperialismo é um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido.
Consiste na tendência de toda a nação capitalista industrial para submeter ou
anexar cada vez mais regiões agrárias (o sublinhado é de Kautsky),
quaisquer que sejam as nações que as povoam."(1*)
Esta definição não
serve absolutamente para nada, visto que destaca de um modo unilateral, isto é,
arbitrário, apenas o problema nacional (se bem que seja da maior importância,
tanto em si como na sua relação com o imperialismo), relacionando-o arbitrária
e erradamente só com o capital industrial dos países que anexam outras nações,
e colocando em primeiro plano, da mesma forma arbitrária e errada, a anexação
das regiões agrárias.
O imperialismo é
uma tendência para as anexações; eis a que se reduz a parte política da
definição de Kautsky. É justa, mas extremamente incompleta, pois no
aspecto político o imperialismo é, em geral, uma tendência para a violência e
para a reação. Mas o que neste caso nos interessa é o aspecto econômico que o
próprio Kautsky introduziu na sua definição. As inexatidões da
definição de Kautsky saltam à vista. O que é característico do imperialismo
não é precisamente o capital industrial, mas o capital financeiro. Não é um
fenômeno casual o fato de, em França, precisamente o desenvolvimento
particularmente rápido do capital financeiro, que coincidiu com um
enfraquecimento do capital industrial, ter provocado, a partir da década de 80
do século passado, uma intensificação extrema da política anexionista
(colonial). O que é característico do imperialismo é precisamente a tendência
para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais industriais
(apetites alemães a respeito da Bélgica, dos franceses quanto à Lorena), pois,
em primeiro lugar, estando já concluída a divisão do globo, isso obriga, para
fazer uma nova partilha, a estender a mão sobre todo o tipo de territórios; em
segundo lugar, faz parte da própria essência do imperialismo a rivalidade de
várias grandes potências nas suas aspirações à hegemonia, isto é, a
apoderarem-se de territórios não tanto diretamente para si, como para
enfraquecer o adversário e minar a sua hegemonia (para a Alemanha, a Bélgica
tem uma importância especial como ponto de apoio contra a Inglaterra; para a
Inglaterra, tem-na Bagdad como ponto de apoio contra a Alemanha, etc.).
Kautsky remete-se
particularmente - e repetidas vezes - aos ingleses que, diz ele, formularam a significação
puramente política da palavra "imperialismo", no sentido em que ele a
entende. Tomamos o inglês Hobson e lemos no seu livro O Imperialismo,
publicado em 1902:
"O novo
imperialismo distingue-se do velho, primeiro porque, em vez da aspiração de um
só império crescente, segue a teoria e a prática de impérios rivais, cada um
deles guiando-se por idênticos apetites de expansão política e de lucro
comercial; segundo, porque os interesses financeiros, ou relativos ao
investimento de capital, predominam sobre os interesses comerciais" (2*)
Como
vemos, Kautsky não tem de fato razão alguma ao remeter-se aos
ingleses em geral (os únicos a que poderia remeter-se seriam os imperialistas
ingleses vulgares ou os apologistas declarados do imperialismo). Vemos que Kautsky,
que pretende continuar a defender o marxismo, na realidade dá um passo atrás em
relação ao social-liberal Hobson, o qual tem em conta, com mais acerto do
que ele, as duas particularidades "históricas concretas" (Kautsky, com
a sua definição, troça precisamente do caráter histórico concreto!) do
imperialismo contemporâneo: 1) concorrência de vários imperialismos; 2)
predomínio do financeiro sobre o comerciante. Se o essencial consiste em que um
país industrial anexa um país agrário, então atribui-se o papel principal ao
comerciante.
A definição
de Kautsky, além de ser errada e de não ser marxista, serve de base a todo
um sistema de concepções que rompem em toda a linha com a teoria marxista e com
a atuação prática marxista de que falaremos mais adiante. Carece absolutamente
de seriedade a discussão de palavras promovida por Kautsky: como se deve
qualificar a fase atual do capitalismo: de imperialismo ou de fase do capital
financeiro? Chame-se-lhe como se queira, isso é indiferente. O essencial é que Kautsky separa
a política do imperialismo da sua economia, falando das anexações como da
política preferida pelo capital financeiro, e opondo a ela outra política
burguesa possível, segundo ele, sobre a mesma base do capital financeiro. Conclui-se
que os monopólios, na economia, são compatíveis com o modo de atuar não
monopolista, não violento, não anexionista, em política. Conclui-se que a
partilha territorial do mundo, terminada precisamente na época do capital
financeiro, e que é a base da peculiaridade das formas atuais de rivalidade
entre os maiores Estados capitalistas, é compatível com uma política não
imperialista. Daqui resulta que, deste modo, se dissimulam, se ocultam as
contradições mais fundamentais da fase atual do capitalismo, em vez de as pôr a
descoberto em toda a sua profundidade; daqui resulta reformismo burguês em
vez de marxismo.
Kautsky discute
com Cunow, apologista alemão do imperialismo e das anexações, que discorre
de uma maneira grosseira e cínica: o imperialismo é o capitalismo
contemporâneo; o desenvolvimento do capitalismo é inevitável e progressivo; por
conseguinte, o imperialismo é progressivo; por conseguinte devemos prosternar-nos
diante do imperialismo e glorificá-lo! Este raciocínio parece-se, de certo
modo, com a caricatura dos marxistas russos que os populistas faziam nos anos
de 1894 e 1895; se os marxistas consideram que o capitalismo é inevitável e
progressivo na Rússia, diziam os populistas, devem dedicar-se a abrir tabernas
e a fomentar o capitalismo.
Kautsky objeta
a Cunow: não, o imperialismo não é o capitalismo contemporâneo, mas apenas
uma das formas da sua política; podemos e devemos lutar contra essa política, lutar
contra o imperialismo, contra as anexações, etc. A objeção, completamente
plausível na aparência, equivale, na realidade, a uma defesa mais subtil, mais
velada (e por isso mesmo mais perigosa), da conciliação com o imperialismo,
pois uma "luta" contra a política dos trusts e dos bancos que deixe
intactas as bases da economia de uns e outros não passa de reformismo e
pacifismo burgueses, não vai além das boas e inofensivas intenções. Voltar as
costas às contradições existentes e esquecer as mais importantes, em vez de as
descobrir em toda a sua profundidade: é isso a teoria de Kautsky, o que
nada tem a ver com o marxismo. E, naturalmente, semelhante teoria não procura
outro fim que não seja defender a ideia da unidade com os Cunow!
"Do ponto de
vista puramente econômico - escreve Kautsky -, não está excluído que
o capitalismo passe ainda por uma nova fase: a aplicação da política dos
cartéis à política externa, a fase do ultra-imperialismo"(3*),
isto é, o superimperialismo, a união dos imperialismos de todo o mundo, e não a
luta entre eles, a fase da cessação das guerras sob o capitalismo, a fase da
"exploração geral do mundo pelo capital financeiro, unido
internacionalmente"(4*).
Será preciso que
nos detenhamos mais adiante nesta teoria do ultraimperialismo, com o fim de
demonstrar em pormenor até que ponto ela rompe irremediável e decididamente com
o marxismo. O que aqui devemos fazer, de acordo com o plano geral do nosso
trabalho, é passar uma vista de olhos pelos dados econômicos precisos relativos
a este problema. Será possível o "ultraimperialismo" "do ponto
de vista puramente econômico", ou será isto um ultradisparate?
Se por ponto de
vista puramente econômico se entende a "pura" abstração, tudo o que
se pode dizer reduz-se à tese seguinte: o desenvolvimento vai na direção do
monopólio; portanto vai na direção do monopólio mundial único, de um trust
mundial único. Isto é indiscutível, mas ao mesmo tempo é uma perfeita
vacuidade, como seria o dizer-se que o "desenvolvimento vai" no
sentido da produção dos artigos alimentares em laboratórios. Neste sentido, a
"teoria" do ultraimperialismo é tão absurda como seria a "teoria
da ultra-agricultura".
Mas se falamos das
condições "puramente econômicas" da época do capital financeiro como
de uma época historicamente concreta, localizada nos princípios do século XX, a
melhor resposta às abstrações mortas do "ultraimperialismo" (que
servem exclusivamente um propósito dos mais reacionários: desviar a atenção das
profundas contradições existentes) é contrapor-lhes a realidade econômica
concreta da economia mundial moderna. As ocas divagações
de Kautsky sobre o ultraimperialismo estimulam, entre outras coisas,
a ideia profundamente errada, que leva a água ao moinho dos apologistas do
imperialismo, de que a dominação do capital financeiro atenua a desigualdade e
as contradições da economia mundial, quando, na realidade, o que faz é
acentuá-las.
R. Calwer, no
opúsculo Introdução à Economia Mundial (5*), procurou
resumir os principais dados puramente econômicos que permitem ter uma ideia
concreta das relações dentro da economia mundial em fins do século XIX e
princípios do século XX. Calwer divide o mundo em cinco regiões
econômicas principais: 1) a da Europa Central (toda a Europa, com exceção da
Rússia e da Inglaterra); 2) a britânica; 3) a da Rússia; 4) a oriental
asiática, e 5) a americana, incluindo as colônias nas "regiões" dos
Estados a que pertencem e "deixando de lado", alguns países não
incluídos nas regiões, por exemplo: a Pérsia, o Afeganistão e a Arábia, na
Ásia; Marrocos e a Abissínia, na África, etc.
O seguinte quadro
reflete, de forma resumida, os dados econômicos sobre as regiões citadas
fornecidos pelo referido autor.
Meios de Comunicação
|
Comércio
|
Indústria
|
||||||
Principais regiões económicas do mundo
|
Superfície
(em milhões de Km2) |
População
(em milhões de habitantes) |
Vias férreas
(em milhares de Km) |
Marinha Mercante
(em milhões de toneladas) |
Importações e Exportações
(em milhões de marcos) |
Hulha
(em milhões de toneladas) |
Gusa
(em milhões de toneladas) |
Fusos na indústria algodoeira (em milhões)
|
1) da Europa
Central
|
27,6
|
388
|
204
|
8
|
41
|
251
|
15
|
26
|
2) Britânica
|
(23,6)* 28,8
|
(146)* 398
|
140
|
11
|
25
|
249
|
9
|
51
|
3) da Rússia
|
(28,6)* 22
|
(355)* 131
|
63
|
1
|
3
|
16
|
3
|
7
|
4) Orient.
Asiática
|
12
|
380
|
8
|
1
|
2
|
8
|
0,02
|
2
|
5) Americana
|
30
|
148
|
379
|
6
|
14
|
245
|
14
|
19
|
* Os números entre
parênteses indicam a extensão e população das colônias.
Vemos três regiões
com um capitalismo altamente desenvolvido (alto desenvolvimento dos meios de
comunicação, do comércio e da indústria): a da Europa Central, a britânica e a
americana. Entre elas, três Estados que exercem o domínio do mundo: a Alemanha,
a Inglaterra e os Estados Unidos. A rivalidade imperialista e a luta entre
esses Estados encontram-se extremamente exacerbadas em virtude de a Alemanha
dispor de uma região insignificante e de poucas colônias; a criação de uma
"Europa Central" é ainda coisa do futuro e nasce por meio de uma luta
desesperada. De momento, o traço característico de toda a Europa é o
fracionamento político. Nas regiões britânica e americana, pelo contrário, é
muito elevada a concentração política, mas há uma desproporção enorme entre a
imensidão das colônias da primeira e a insignificância das que a segunda
possui. E nas colônias o capitalismo apenas começa a desenvolver-se. A luta
pela América do Sul vai-se exacerbando cada dia mais.
Há duas regiões nas
quais o capitalismo está fracamente desenvolvido: a da Rússia e a asiática oriental.
Na primeira, a densidade da população é extremamente fraca; na segunda, é
elevadíssima; na primeira, a concentração política é grande; na segunda não
existe. A partilha da China mal começou, e a luta entre o Japão, os Estados
Unidos, etc., para se apoderarem dela é cada vez mais intensa.
Comparai esta
realidade - a variedade gigantesca de condições econômicas e políticas, a
desproporção extrema na rapidez de desenvolvimento dos diferentes países, etc.,
a luta furiosa entre os Estados imperialistas - com a ingênua fábula
de Kautsky sobre o ultraimperialismo "pacífico". Não será
isto a tentativa reacionária de um filisteu assustado que quer esconder-se da
terrível realidade? Será que os cartéis internacionais, nos quais Kautsky vê
os germes do "ultraimperialismo" (do mesmo modo que a produção de
comprimidos nos laboratórios "poderia" qualificar-se de embrião da
ultra-agricultura), não nos mostram o exemplo da divisão e de uma nova partilha
do mundo, a transição da partilha pacífica para a não pacífica, e
inversamente). Será que o capital financeiro americano e o de outros países,
que dividiram pacificamente entre eles todo o mundo, com a participação da
Alemanha, por exemplo, no sindicato internacional dos carris de ferro ou no
trust internacional da marinha mercante, não redividem hoje em dia o mundo com
base na nova correlação de forças, correlação que se modifica de uma maneira
que nada tem de pacífica?
O capital
financeiro e os trusts não atenuam, antes acentuam, a diferença entre o ritmo
de crescimento dos diferentes elementos da economia mundial. E se a correlação
de forças mudou, como podem resolver-se as contradições, sob o capitalismo, a
não ser pela força? A estatística das vias férreas(6*) proporciona
dados extraordinariamente exatos sobre a diferença de ritmo quanto ao
crescimento do capitalismo e do capital financeiro em toda a economia mundial.
Durante as últimas décadas de desenvolvimento imperialista, a extensão das vias
férreas alterou-se do modo seguinte:
Extensão das Vias
Férreas
(em milhares de quilômetros)
1890
|
1913
|
Aumento
|
|
Europa
|
224
|
346
|
122
|
Estados Unidos da
América
|
268
|
411
|
143
|
Conjunto das
Colónias
|
82
|
210
|
128
|
Estados
independentes ou
|
125
|
347
|
|
semi-independentes
da Ásia e América
|
43
|
137
|
94
|
Total
|
617
|
1104
|
As vias férreas
desenvolveram-se, pois, com a maior rapidez nas colônias e nos Estados
independentes (e semi-independentes) da Ásia e da América. É sabido que o
capital financeiro dos quatro ou cinco Estados capitalistas mais importantes
ordena e manda ali de modo absoluto. Duzentos mil quilômetros de novas vias
férreas nas colônias e noutros países da Ásia e América significam mais de 40.000
milhões de marcos de novos investimentos de capital em condições
particularmente vantajosas, com garantias especiais de rendimento, com
encomendas lucrativas para as fundições de aço etc. etc.
Onde o capitalismo
cresce mais rapidamente é nas colônias e nos países do ultramar. Entre eles
aparecem novas potências imperialistas (o Japão). A luta entre os imperialistas
mundiais agudiza-se. Aumenta o tributo que o capital financeiro recebe das
empresas coloniais e do ultramar, particularmente lucrativas. Na partilha deste
saque, uma parte excepcionalmente grande vai parar a países que nem sempre
ocupam um dos primeiros lugares do ponto de vista do ritmo de desenvolvimento
das forças produtivas. Nas potências mais importantes, consideradas juntamente
com as suas colônias, a extensão das vias férreas era a seguinte:
Extensão das Vias
Férreas
(Em milhares de quilômetros)
1890
|
1913
|
Aumento
|
|
Estado Unidos
|
268
|
413
|
145
|
Império Britânico
|
107
|
208
|
101
|
Rússia
|
32
|
78
|
46
|
Alemanha
|
43
|
68
|
25
|
França
|
41
|
63
|
22
|
Total para as 5
potências
|
491
|
830
|
339
|
Portanto, cerca de
80% de todas as vias férreas encontram-se concentradas nas cinco potências mais
importantes. Mas a concentração da propriedade das referidas vias, a
concentração do capital financeiro, é ainda incomparavelmente maior, porque,
por exemplo, a imensa maioria das ações e obrigações dos caminhos-de-ferro
americanos, russos e de outros países pertence aos milionários ingleses e
franceses.
Graças às suas
colônias, a Inglaterra aumentou a sua rede ferroviária em 100.000 quilômetros,
quatro vezes mais do que a Alemanha. Contudo, toda a gente sabe que o
desenvolvimento das forças produtivas da Alemanha neste mesmo período, e sobretudo
o desenvolvimento da produção hulheira e siderúrgica, foi incomparavelmente
mais rápido do que na Inglaterra, sem falar já na França e na Rússia. Em 1892,
a Alemanha produziu 4,9 milhões de toneladas de gusa, contra 6,8 da Inglaterra,
enquanto em 1912 produzia já 17,6 contra 9,0, isto é, uma superioridade
gigantesca sobre a Inglaterra!(7*) Perante isto, é de
perguntar: no terreno do capitalismo, que outro meio poderia haver, a não ser a
guerra, para eliminar a desproporção existente entre o desenvolvimento das
forças produtivas e a acumulação de capital, por um lado, e, por outro lado, a
partilha das colônias e das esferas de influência do capital financeiro?
Notas:
(1*) Die
Neue Zeit, 1914, 2 (B.32), S.909, 11 de Setembro de 1914; cf.1915, 2, S.107 e
segs.
(2*) Hobson,
Imperialism,, L., 1902, p.324.
(3*) Die
Neue Zeit, 1914,2 (B.32), S.921, 11 de setembro de 1914; cf. 1915, 2, S. 107 e
segs.
(4*) Ibidem,
1915, 1, Sim, 144, 30 de abril de 1915.
(5*) R.
Calwer, Einfübrung in die Weltwirtschaft, Berlin, 1906.
(6*) Statistisches
Jahrbuch für das Destsche Reich, 1915; Archiv für Eisenbahnwesen, 1892. No que se
refere a 1890, foi preciso determinar aproximadamente algumas pequenas
particularidades sobre a distribuição das vias férreas entre as colônias dos
diferentes países.
(7*) Compara-se também com
Edgar Crammondd, "The Economic Relations of the British and German
Empires", em Journal of the Royal Statistical Society, 1914, July, p. 777
e segs.
VIII - O Parasitismo e a Decomposição do
Capitalismo
Convém agora
determo-nos noutro aspecto muito importante do imperialismo, ao qual, ao
fazerem-se considerações sobre este tema, não se concede, na maior parte dos
casos, a atenção devida. Um dos defeitos do marxista Hilferding consiste
em ter dado, neste campo, um passo atrás em relação ao
não-marxista Hobson. Referimo-nos ao parasitismo característico do
imperialismo.
Como vimos, a base
econômica mais profunda do imperialismo é o monopólio. Trata-se do monopólio capitalista,
isto é, que nasceu do capitalismo e que se encontra no ambiente geral do
capitalismo, da produção mercantil, da concorrência, numa contradição constante
e insolúvel com esse ambiente geral. Mas, não obstante, como todo o monopólio,
o monopólio capitalista gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e
para a decomposição. Na medida em que se fixam preços monopolistas, ainda que
temporariamente, desaparecem até certo ponto as causas estimulantes do
progresso técnico e, por conseguinte, de todo o progresso, de todo o avanço,
surgindo assim, além disso, a possibilidade econômica de conter artificialmente
o progresso técnico. Exemplo: nos Estados Unidos, um
certo Owens inventou uma máquina que provocava uma revolução no
fabrico de garrafas. O cartel alemão de fabricantes de garrafas comprou-lhe as
patentes e guardou-as à chave, atrasando a sua aplicação. Naturalmente que, sob
o capitalismo, o monopólio não pode nunca eliminar do mercado mundial,
completamente e por um período muito prolongado, a concorrência (esta é,
diga-se de passagem, uma das razões pelas quais a teoria do ultraimperialismo é
um absurdo). Naturalmente, a possibilidade de diminuir os gastos de produção e
aumentar os lucros, implantando aperfeiçoamentos técnicos, atua a favor das
modificações. Mas a tendência para a estagnação e para a decomposição, inerente
ao monopólio, continua por sua vez a operar e em certos ramos da indústria e em
certos países há períodos em que consegue impor-se.
O monopólio da
posse de colônias particularmente vastas, ricas ou favoravelmente situadas atua
no mesmo sentido.
Continuemos. O
imperialismo é uma enorme acumulação num pequeno número de países de um
capital-dinheiro que, como vimos, atinge a soma de 100 a 150 mil milhões de
francos em valores. Daí o incremento extraordinário da classe ou, melhor
dizendo, da camada dos rentiers, ou seja, de indivíduos que vivem do
"corte de cupões", que não participam em nada em nenhuma empresa, e
cuja profissão é a ociosidade. A exportação de capitais, uma das bases
econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais este divórcio
completo entre o setor dos rentiers e a produção, imprime uma marca de
parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de uns quantos
países e colônias do ultramar.
"Em 1893 -
diz Hobson -, o capital britânico investido no estrangeiro
representava cerca de 15 % de toda a riqueza do Reino Unido."(1*) Recordemos
que, no ano de 1915, esse capital tinha aumentado aproximadamente duas vezes e
meia. "O imperialismo agressivo - acrescenta mais
adiante Hobson -, que tão caro custa aos contribuintes e tão pouca
importância tem para o industrial e para o comerciante..., é fonte de grandes
lucros para o capitalista que procura a maneira de investir o seu capital"
... (em inglês, esta noção exprime-se numa só palavra: investor, investidor,
rentier) ... "Giffen, especialista em problemas de estatística, estima em
18 milhões de libras esterlinas (uns 170 milhões de rublos), calculando à razão
de uns 2,5% sobre um movimento total de 800 milhões de libras, o rendimento
anual que a Grã-Bretanha recebeu em 1899 do seu comércio externo e
colonial". Por muito grande que seja esta soma, não chega para explicar o
imperialismo agressivo da Grã-Bretanha. O que o explica são os 90 ou 100
milhões de libras esterlinas que representam o rendimento do capital
"investido" o rendimento da camada dos rentiers.
O rendimento dos
rentiers é cinco vezes maior que o rendimento do comércio externo do país mais
"comercial" do mundo! Eis a essência do imperialismo e do parasitismo
imperialista!
Por este motivo, a
noção de "Estado-rentier" (Rentnerstaat), ou Estado usurário, está a
tornar-se de uso geral nas publicações econômicas sobre o imperialismo. O mundo
ficou dividido num punhado de Estados usurários e numa maioria gigantesca de
Estados devedores. "Entre o capital investido no estrangeiro -
escreve Schulze-Gaevernitz - encontra-se, em primeiro lugar, o
capital colocado nos países politicamente dependentes ou aliados: a Inglaterra faz
empréstimos ao Egito, ao Japão, à China e à América do Sul. Em casos extremos,
a sua esquadra desempenha as funções de oficial de diligências. A força
política da Inglaterra coloca-a a coberto da indignação dos seus
devedores".(2*) Sartorius von Waltershausen, no seu livro
O Sistema Econômico de Investimentos de Capital no Estrangeiro, apresenta a
Holanda como modelo de "Estado-rentier" e indica que a Inglaterra e a
França vão tomando também esse caráter (3*). Na opinião
de Schilder, existem cinco países industriais que são "Estados
credores bem definidos": Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica e Suíça. Se
não inclui a Holanda nesse grupo é unicamente por ser "pouco
industrial".(4*) Os Estados Unidos são credores apenas em
relação à América.
"A Inglaterra
- diz Schulze-Gaevernitz - converte-se paulatinamente de Estado
industrial em Estado credor. Apesar do aumento absoluto da produção e da
exportação industriais, cresce a importância relativa para toda a economia
nacional das receitas procedentes dos juros e dividendos, das emissões, das
comissões e da especulação. Em minha opinião é precisamente isto que constitui
a base econômica do assenso imperialista. O credor está mais solidamente ligado
ao devedor do que o vendedor ao comprador"(5*). Em relação à
Alemanha, A. Lansburgh, diretor da revista berlinense Die Bank, escrevia o
seguinte, em 1911, no artigo "A Alemanha, Estado-rentier": "Na
Alemanha, as pessoas riem-se facilmente da tendência verificada em França para
se transformar em rentier. Mas esquecem-se que, no que se refere à burguesia,
as condições da Alemanha parecem-se cada vez mais com as da França".(6*)
O Estado-rentier é
o Estado do capitalismo parasitário e em decomposição, e esta circunstância não
pode deixar de se refletir, tanto em todas as condições políticas e sociais dos
países respectivos em geral, como nas duas tendências fundamentais do movimento
operário em particular. Para o mostrar da maneira mais palpável possível, demos
a palavra a Hobson, a testemunha mais "segura", já que não pode
ser suspeito de parcialidade pela "ortodoxia marxista"; por outro
lado, sendo inglês, conhece bem a situação do país mais rico em colônias, em
capital financeiro e em experiência imperialista.
Ao descrever, sob a
impressão viva da guerra anglo-boer, os laços que unem o imperialismo aos
interesses dos financeiros, o aumento dos lucros resultantes dos contratos, dos
fornecimentos, etc., Hobson dizia: "Os orientadores desta
política nitidamente parasitária são os capitalistas; mas os mesmos motivos
atuam também sobre categorias especiais de operários. Em muitas cidades, os
ramos mais importantes da indústria dependem das encomendas do governo; o
imperialismo dos centros da indústria metalúrgica e da construção naval depende
em grande parte deste fato". Circunstâncias de duas ordens, na opinião do
autor, reduziram a força dos velhos impérios: 1) o "parasitismo
econômico" e 2) a formação de exércitos com soldados dos povos
dependentes. "A primeira é o costume do parasitismo econômico, pelo qual o
Estado dominante utiliza as suas províncias, colônias e países dependentes para
enriquecer a sua classe dirigente e subornar as classes inferiores para
conseguir a sua aquiescência". Para que esse suborno se torne
economicamente possível, seja qual for a forma pela qual se realize, é necessário
- acrescentaremos por nossa conta - um elevado lucro monopolista.
No que se refere à
segunda circunstância, Hobson diz: "Um dos sintomas mais
estranhos da cegueira do imperialismo é a despreocupação com que a
Grã-Bretanha, a França e outras nações imperialistas tomam este caminho. A
Grã-Bretanha foi mais longe do que ninguém. A maior parte das batalhas com que
conquistamos o nosso Império Indiano foram travadas por tropas indígenas; na Índia,
como ultimamente no Egito, grandes exércitos permanentes encontram-se sob o
comando de britânicos; quase todas as nossas guerras de conquista na África,
com exceção do Sul, foram feitas para nós pelos indígenas".
A perspectiva da
partilha da China suscita em Hobson a seguinte apreciação econômica: “A
maior parte da Europa ocidental poderia adquirir então o aspecto e o caráter
que têm atualmente certas partes dos países que a compõem: o Sul da Inglaterra,
a Riviera e as regiões da Itália e da Suíça mais frequentadas pelos turistas e
que são residência de gente rica, isto é: um punhado de ricos aristocratas que
recebem dividendos e pensões do Extremo Oriente, com um grupo um pouco mais
numeroso de empregados profissionais e comerciantes, e um número maior de
serventes e de operários ocupados nos transportes e na indústria voltada para o
acabamento de artigos manufaturados. Em contrapartida, os principais ramos da
indústria desapareceriam, e os produtos alimentares de grande consumo e os
artigos semi-acabados correntes afluiriam como um tributo da Ásia e da África".
"Eis as possibilidades que abre diante de nós uma aliança mais vasta dos
Estados ocidentais, uma federação europeia das grandes potências: tal
federação, longe de impulsionar a civilização mundial, poderia implicar um
perigo gigantesco de parasitismo ocidental: formar um grupo de nações
industriais avançadas, cujas classes superiores receberiam enormes tributos da
Ásia e da África; isto permitir-lhes-ia manter grandes massas de empregados e
criados submissos, ocupados não já na produção agrícola e industrial de artigos
de grande consumo, mas no serviço pessoal ou no, trabalho industrial
secundário, sob o controlo de uma nova aristocracia financeira. Que os que
estão dispostos a menosprezar esta teoria (deveria dizer-se perspectiva)
"como indigna de ser examinada reflitam sobre as condições econômicas e
sociais das regiões do Sul da Inglaterra atual, que se encontram já nessa
situação. Que pensem nas proporções enormes que poderia adquirir esse sistema
se a China fosse submetida ao controlo econômico de tais grupos financeiros,
dos investidores de capital, dos seus agentes políticos e empregados comerciais
e industriais, que retirariam lucros do maior depósito potencial que o mundo
jamais conheceu com o fim de os consumirem na Europa. Naturalmente, a situação
é excessivamente complexa, o jogo das forças mundiais é demasiado difícil de
calcular para que seja muito verosímil essa ou outra previsão do futuro numa
única direção. Mas as influências que governam o imperialismo da Europa
ocidental na atualidade orientam-se nesse sentido, e se não chocarem com uma
resistência, se não forem desviadas para outra direção, avançarão precisamente
para deste modo culminar este processo."(7*)
O autor tem toda a
razão: se as forças do imperialismo não deparassem com resistência, conduziriam
inevitavelmente a isso mesmo. A significação dos "Estados Unidos da
Europa", na situação atual, imperialista,
compreende-a Hobson acertadamente. Conviria apenas acrescentar que
também dentro do movimento operário, os oportunistas, de momento vencedores na
maioria dos países, "trabalham" de uma maneira sistemática e firme
nesta direção. O imperialismo, que significa a partilha do mundo e a exploração
não apenas da China, e implica lucros monopolistas elevados para um punhado de
países muito ricos, gera a possibilidade econômica de subornar as camadas
superiores do proletariado, e alimenta assim o oportunismo, dá-lhe
corpo e reforça-o. Não se devem, contudo, esquecer as forças que se opõem ao
imperialismo em geral e ao oportunismo em
particular, e que, naturalmente, o social-liberal Hobson não pode
ver.
O oportunista
alemão Gerhard Hildebrand, em tempos expulso do partido pela sua defesa do
imperialismo, e que na atualidade poderia ser chefe do chamado Partido
Social-Democrata, da Alemanha, completa muito bem Hobson ao
preconizar os "Estados Unidos da Europa Ocidental" (sem a Rússia)
para empreender ações "comuns" ... contra os negros africanos e
contra o "grande movimento islamita", para manter "um forte
exército e uma esquadra poderosa" contra a "coligação
sino-japonesa".(8*) etc.
A descrição que Schulze-Gaevernitz faz
do "imperialismo britânico" mostra-nos os mesmos traços de
parasitismo. O rendimento nacional da Inglaterra duplicou aproximadamente entre
1865 e 1898, enquanto as receitas provenientes "do estrangeiro"
durante esse mesmo período aumentaram nove vezes. Se o "mérito" do
imperialismo consiste em "educar o negro para o trabalho", (é
impossível evitar a coerção...), o seu "perigo" consiste em que a
"Europa descarregue o trabalho físico - a princípio o agrícola e mineiro,
depois o trabalho industrial mais rude sobre os ombros da população negra e se
reserve o papel de rentier, preparando talvez desse modo a emancipação
econômica, e depois política, das raças negra e vermelha".
Em Inglaterra
retira-se à agricultura uma parte de terra cada vez maior para a entregar ao
desporto, às diversões dos ricaços. No que se refere à Escócia - o lugar mais
aristocrático para a caça e outros desportos -, diz-se que "vive do seu
passado e de mister Carnegie" (um multimilionário norte-americano).
Só nas corridas de cavalos e na caça às raposas gasta anualmente a Inglaterra
14 milhões de libras esterlinas (uns 130 milhões de rublos). Na Inglaterra o
número de rentiers aproxima-se do milhão. A percentagem da população produtora
diminui:
Anos
|
População da
Inglaterra (em milhões) |
Número de operários
das principais indústrias (em milhões) |
Percentagem
em relação à população |
1851
|
17,9
|
4,1
|
23%
|
1901
|
32,5
|
4,9
|
15%
|
O investigador
burguês do "imperialismo britânico dos princípios do século XX" ao
falar da classe operária inglesa, vê-se obrigado a estabelecer sistematicamente
uma diferença entre as "camadas superiores" dos operários e a
"camada inferior, proletária propriamente dita". A camada superior
constitui a massa dos membros das cooperativas e dos sindicatos, das sociedades
desportivas e das numerosas seitas religiosas. O direito eleitoral encontra-se
adaptado ao nível dessa categoria, "continua a ser na Inglaterra
suficientemente limitado para excluir a camada inferior proletária propriamente
dita"! Para dar uma ideia favorável da situação da classe operária
inglesa, fala-se em geral só dessa camada superior, a qual constitui a minoria
do proletariado: por exemplo, "o problema do desemprego é algo que afeta
principalmente Londres e a camada proletária inferior, da qual os políticos
fazem pouco caso ..."(9*). Dever-se-ia dizer: da
qual os politiqueiros burgueses e os oportunistas "socialistas" fazem
pouco caso.
Entre as
particularidades do imperialismo relacionadas com os fenômenos que descrevemos
figura a redução da emigração dos países imperialistas e o aumento da imigração
(afluência de operários e migrações) para estes últimos; a massa humana que a
eles chega vem dos países mais atrasados, onde o nível dos salários é mais
baixo. A emigração da Inglaterra, como o faz notar Hobson, diminui a
partir de 1884: neste ano, o número de emigrantes foi de 242.000, e de 169.000
em 1900. A emigração da Alemanha alcançou o máximo entre 1881 e 1890: 1.453.000,
descendo, nos dois decênios seguintes, para 544.000 e 341.000. Em
contrapartida, aumentou o número de operários chegados à Alemanha da Áustria,
da Itália, da Rússia e doutros países. Segundo o censo de 1907, havia na
Alemanha 1.342.294 estrangeiros, dos quais 440.800 eram operários industriais e
257.329 agrícolas(10*). Em França, "uma parte
considerável" dos operários mineiros são estrangeiros: polacos, italianos,
espanhóis.(11*) Nos Estados Unidos, os
imigrados da Europa oriental e meridional ocupam os lugares mais mal
remunerados, enquanto os operários norte-americanos fornecem a maior
percentagem de capatazes e de pessoal que tem um trabalho mais bem remunerado(12*). O imperialismo tem tendência para formar
categorias privilegiadas também entre os operários, e para as divorciar das
grandes massas do proletariado.
É preciso notar
que, na Inglaterra, a tendência do imperialismo para dividir os operários e
para acentuar o oportunismo entre
eles, para provocar uma decomposição temporária do movimento operário, se
manifestou muito antes dos fins do século XIX e princípios do século XX. Isto
explica-se porque desde meados do século passado existiam em Inglaterra dois
importantes traços distintivos do imperialismo: imensas possessões coloniais e
situação de monopólio no mercado mundial. Durante dezenas de
anos Marx e Engels estudaram sistematicamente essa relação
entre o oportunismo no
movimento operário e as particularidades imperialistas do capitalismo
inglês. Engels escrevia, por exemplo, a Marx, em 7 de Outubro de
1858: "O proletariado inglês vai-se aburguesando de fato cada vez mais;
pelo que se vê, esta nação, a mais burguesa de todas, aspira a ter, no fim de
contas, ao lado da burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado
burguês. Naturalmente, por parte de uma nação que explora o mundo inteiro, isto
é, até certo ponto, lógico". Quase um quarto de século depois, na sua
carta de 11 de Agosto de 1881, fala das "piores trade-unions inglesas que
permitem que gente vendida à burguesia, ou, pelo menos, paga por ela, as
dirija". E em 12 de Setembro de 1882, numa carta
a Kautsky, Engels escrevia: "Pergunta-me o que pensam os
operários ingleses acerca da política colonial. O mesmo que pensam da política
em geral. Aqui não há um partido operário, há apenas partido conservador e
liberal-radical e os operários aproveitam-se, juntamente com eles, com a maior tranquilidade
do mundo, do monopólio colonial da Inglaterra e do seu monopólio no mercado
mundial."(13*) (Engels expõe a mesma ideia
no prefácio à segunda edição de A Situação da Classe Operária em Inglaterra,
1892.)
Aqui figuram,
claramente indicadas, as causas e as consequências. Causas: 1) exploração do
mundo inteiro por este país; 2) a sua situação de monopólio no mercado mundial;
3) o seu monopólio colonial. Consequências: 1) aburguesamento de uma parte do
proletariado inglês; 2) uma parte dele permite que a dirijam pessoas compradas
pela burguesia ou, pelo menos, pagas por ela. O imperialismo dos princípios do
século XX completou a partilha do mundo entre um punhado de Estados, cada um
dos quais explora atualmente (no sentido da obtenção de superlucros) uma parte
do mundo inteiro- um pouco menor do que aquela que a Inglaterra explorava em
1858; cada um deles ocupa uma posição de monopólio no mercado mundial graças
aos trusts, aos cartéis, ao capital financeiro, às relações de credor e
devedor; cada um deles dispõe, até certo ponto, de um monopólio colonial
(segundo vimos, de 75 milhões de quilômetros quadrados de todas as colônias do
mundo, 65 milhões, isto é 86%, estão concentrados nas mãos de seis potências;
61 milhões, isto é, 81%, estão concentrados nas mãos de três potências).
O traço distintivo
da situação atual é a existência de condições econômicas e políticas que não
podiam deixar de tornar o oportunismo ainda
mais incompatível com os interesses gerais e vitais do movimento operário: o
imperialismo embrionário transformou-se no sistema dominante; os monopólios
capitalistas passaram para o primeiro plano na economia nacional e na política;
a partilha do mundo foi levada ao seu termo; mas, por outro lado, em vez do
monopólio indiviso da Inglaterra, vemos a luta que um pequeno número de
potências imperialistas trava para participar nesse monopólio, luta que
caracteriza todo o começo do século XX. O oportunismo não
pode ser agora completamente vitorioso no movimento operário de um país,
durante dezenas de anos, como aconteceu na Inglaterra na segunda metade do
século XIX, mas em alguns países atingiu a sua plena maturidade, passou essa
fase e decompôs-se, fundindo-se completamente, sob a forma do
social-chauvinismo, com a política burguesa(14*).
Notas:
(1*) Hobson, Ob. Cit., pp.59 e 62.
(2*) Schulze-Gaevernitz, Britischer
Imperialismus, S. 320 e outras.
(3*) Sartorius vom Waltershausen, Das Volkswirtsschaftliche Systen,
etc., Berlin, 1907, Buch IV.
(4*) Schilder, p. 393.
(5*) Schulze-Gaevernitz, Britischer
Imperialismus, S. 122.
(6*) Die Bank, 1911, 1, S. 10-11.
(7*) Hobson, Ob. Cit., pp. 103, 205, 144, 335,
386.
(8*) Gehrard
Hildebrand. Die Erschütterung der Industrieherrschaft und des
Industriesozialismus, 1910, S. 229 e segs.
(9*) Schulze-Gaevernitz.
Britischer Imperialismus, S. 301.
(10*) Statistik
des Deutschen Reichs, Bd. 211.
(11*) Henger, Die
Kapitalsanlage der Franzosen, ST. 1913.
(12*) Hourwich,
Immigration and Labour, N.Y., 1913.
(13*) Briefwechsel von Marx
und Engels, Bd II, S.290; IV, 433; K Kautsky. Sozialismus
und Kolonialpolitik, Berlin, 1907, S. 79. Este opúsculo foi escrito nos tempos,
já tão remotos, em que Kautsky era marxista.
(14*) O
social-chauvinismo russo dos senhores Potréssov, Tchkhenkéli, Máslov,
etc., tanto na sua forma declarada como na sua forma encoberta (os
senhores Tchkheídze, Skóbelev, Axelrod, Mártov, etc.), também nasceu
do oportunismo, na sua
variedade russa: o liquidacionismo.
Um comentário:
Saudações, camaradas. Excelente iniciativa. A questão teórica do imperialismo em Lenin, assim como qualquer questão teórica marxista, é também uma questão prática, uma intervenção na luta de classes. Intervenção do proletariado na teoria, intervenção do proletariado a partir da teoria. O que tanto nos falta, como vocês mesmo apontam!
A explicação do fenômeno do imperialismo é, por si só, um ataque às concepções e tendências desviantes no seio do marxismo e do movimento revolucionário mundial. Cada omissão ou elemento novo é um indício da luta de classes na teoria. Daí se explica inclusive o estilo de escrita de Lenin, totalmente hostil a conciliações, por demais atento aos efeitos práticos das teses.
O óbvio da posição leninista precisa ser sempre relembrado: para Lenin, o imperialismo é uma fase particular do capitalismo. "O imperialismo surgiu como desenvolvimento e continuação direta das características fundamentais do capitalismo em geral [... quando] características fundamentais do capitalismo começaram a transformar-se na sua antítese". Ou seja, é um desenvolvimento de ruptura e continuidade no seio de uma unidade mais geral, o modo de produção capitalista. A construção e fortalecimento de monopólios, como espécie de concorrência mais violenta a nível mundial, assim como do capital financeiro, marcam a especificidade do imperialismo e sua existência enquanto capitalismo.
Para isso, Lenin não ousa descartar a literatura da época, que domina com maestria - lição também esquecida por muitos "marxistas" atuais.
Por falar de marxistas de hoje, há um retorno significativo há obra de Luxemburgo, em oposição a Lenin. Da mesma forma, pouco se desenvolveu sobre as dimensões políticas e ideológicas da teoria do imperialismo, afinal, Lenin buscou com seu livro apenas esboçar essa fase do capitalismo em suas estruturas mais fundamentais. Talvez o elemento mais elaborado por ele nesse sentido foi a constatação da aristocracia operária e seus efeitos políticos. Aí ficam desafios para essa nossa releitura, que deve, necessariamente, partir de nossos problemas enquanto país de histórico e posição dominada.
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