Essa postagem
continua as publicações que o Blog Cem Flores vem fazendo para celebrar o
primeiro século do livro de Lênin, “Imperialismo,
Fase Superior do Capitalismo”. Já publicamos trechos do livro de Lênin (http://cemflores.blogspot.com.br/2016/10/nos-100-anos-de-imperialismo-fase.html) e também o discurso de um dirigente do Partido
Comunista da Grécia, KKE (http://cemflores.blogspot.com.br/2016/11/100-anos-de-imperialismo-fase-superior.html) sobre o
imperialismo. Para cada uma dessas postagens, preparamos apresentações dos
textos, buscando ressaltar seus aspectos mais importantes e debater suas
formulações, sempre visando discutir a
atualidade do conceito leninista de Imperialismo.
O blog Escritos de uma Vida (https://franciscomartinsrodrigues.wordpress.com/) tem publicado uma grande quantidade de escritos do
dirigente comunista Francisco Martins Rodrigues[1].
Em 1º de agosto desse ano, publicou o artigo “Os Clássicos e o Imperialismo:
que atualidade?” (https://franciscomartinsrodrigues.wordpress.com/2016/08/01/os-classicos-e-o-imperialismo-que-actualidade/), de 2003, cujo objetivo também era o de “continuar o debate sobre estas novas questões e
procurar indicar alguns traços fundamentais da nossa época” a partir da obra de Lênin, “síntese paradigmática da interpretação do
imperialismo”. Ou seja, a mesma discussão
que estamos travando entre os nossos camaradas e que queremos estimular entre
os leitores: discutir a atualidade e a
necessária atualização da análise leninista do Imperialismo e seu caráter imprescindível
para o debate comunista sobre a crise e o movimento operário atuais.
Os Cinco Traços Fundamentais do Imperialismo e sua
Atualidade
Partindo do conceito
leninista de Imperialismo – o capitalismo em sua fase monopolista –, Francisco
Martins Rodrigues busca analisar o funcionamento dos monopólios e seu alcance internacional nos tempos atuais. Destaca que
as “corporações transnacionais passaram a
extrair diretamente, e de maneira generalizada, o valor fora de suas fronteiras
nacionais, tornando-se exploradoras diretas tanto no centro como na
periferia capitalista”, contrapondo essa característica ao período
anterior, de exportação de mercadorias ou capitais. Essa “unificação de
estratégia” do “grande capital” diante da globalização, sua “remonopolização global”, serve aos
interesses de “impor uma nova
disciplina ao mundo do trabalho, mas principalmente para contrariar a
tendência decrescente da taxa de lucro”. Além de contribuir na redefinição de “uma nova partilha econômica do
mundo”.
Para analisar o funcionamento
contemporâneo do Imperialismo, é fundamental realizar uma profunda investigação
sobre as formas concretas e contemporâneas de atuação dos monopólios. Possivelmente
identificando alguns traços gerais dessa mesma característica que Francisco
Martins Rodrigues analisou, apontamos na publicação da apresentação dos trechos
do livro de Lênin que:
“a atuação desses
monopólios nas últimas décadas efetivamente criou espaços transnacionais de
montagem e produção de mercadorias, com as diversas etapas de seu
beneficiamento podendo ocorrer em diversos países e continentes. O resultado
óbvio desse processo é uma forte tendência à equalização e ao
rebaixamento das condições de produção, do ponto de vista do proletariado e das
demais classes dominadas, ao redor do mundo”. (http://cemflores.blogspot.com.br/2016/10/nos-100-anos-de-imperialismo-fase.html).
A atuação dos grandes monopólios na
economia mundial é, efetivamente, global. Essa atuação se estrutura, pelo
menos, por meio de três modalidades:
·
Estabelecimento
de unidades produtivas desses monopólios em diversos países:
por meio de filiais ou subsidiárias ou em “parceria” com capitais locais (joint-ventures). Essas unidades podem
tanto atuar nos setores produtivos originais da matriz, como diversificar a
produção para outros setores ou ainda se especializar em estágios específicos
da produção/comercialização de mercadorias.
·
Conformação
de extensa cadeia internacional de fornecedores de matérias-primas, insumos,
partes e peças: essa atividade, na divisão
internacional do trabalho estruturada pelos monopólios, termina por ser, fundamentalmente,
localizadas nos países dominados. Ou seja, trata-se de papel desempenhado pelas
burguesias desses países, sempre nos estritos termos determinados pelas cadeias
produtivas dos monopólios.
·
Rede
global de distribuição e comercialização.
Como se vê, nessa atuação global dos
monopólios capitalistas, o trabalho mais intensamente qualificado (e suas
patentes, royalties, “propriedade
intelectual” etc.) permanece, principalmente, na matriz, localizada, de maneira
geral, nos países imperialistas. Às suas subsidiárias e seus fornecedores,
especialmente nos países dominados, cabem diferentes etapas de transformação e/ou
fornecimento de insumos de acordo com rígidas especificações da matriz e de
montagem da mercadoria final que será, depois, exportada para o mundo inteiro,
partilhado em regiões específicas de atuação.
Além das tendências à equalização e ao
rebaixamento das condições de reprodução da classe operária, com o consequente
aumento de sua exploração (extração de mais-valia), já mencionados, esse
funcionamento efetivamente global dos monopólios capitalistas implica também, em
relação a uma nova partilha econômica do
mundo, em outras características abaixo
relacionadas, características essas apenas enumeradas, as quais é preciso confirmar
e desenvolver, tanto empírica quanto analiticamente:
· Desindustrialização nos países
imperialistas: deslocamento da produção fabril para
as unidades dos monopólios no exterior, ou a cargo da burguesia daqueles países
ou, ainda, para as joint-ventures, com
diminuição da classe operária nos países imperialistas e forte tendência ao
rebaixamento dos salários em geral. Reforço dos componentes parasitário e
rentista da burguesia dos países imperialistas. Reforço de tendências
nacionalistas, protecionistas, xenófobas e fascistas na burguesia dos países
imperialistas e em setores das camadas médias e mesmo do operariado.
· Reconfiguração da estrutura produtiva
dos países dominados: na qual buscamos identificar duas
tendências principais:
§ o
deslocamento da produção antes realizada nos países imperialistas,
implicando maior industrialização em alguns países dominados, ainda que circunscrita
a setores específicos, com o consequente crescimento da classe operária;
§ a
integração na cadeia global de fornecimento de peças, componentes, matérias-primas e insumos,
em geral implicando maior especialização na produção e beneficiamento de
produtos primários.
Em ambos os casos
reconfiguração para adequar sua estrutura produtiva e condições de reprodução
às exigências dos monopólios, ainda que os impactos concretos e específicos
tendam a ser radicalmente distintos.
· Tendência contrarrestante à queda da
taxa de lucro: o capital monopolista, em sua
atuação mundial, busca elevar sua taxa de lucro mediante:
§ a
utilização de força de trabalho com custos mais baixos de reprodução
e a produção em maior escala;
§ uma
maior capacidade de determinar políticas aos governos dos países onde atua
para obtenção de um sem-número de benefícios tributários, creditícios, entre
outros;
§ por
fim, mas não menos importante, pela criação de inúmeros mecanismos internos
às diversas unidades desses monopólios pelo mundo todo para aumentar seus
lucros (preços de transferência, sub ou sobre-faturamento nas vendas/compras
intra-grupo, centralização internacional das atividades de comercialização ou
da tesouraria, atuação em paraísos fiscais, etc.).
· Agravamento da tendência à
superacumulação de capitais e à superprodução de mercadorias, portanto à crise
do capital: a atuação efetivamente global dos monopólios
capitalistas pressupõe sua expansão em proporções não vistas anteriormente,
reforçando, com isso, a tendência do capitalismo a crises[2].
Essa atuação dos monopólios que
destacamos acima impacta diretamente as maneiras como ocorre a partilha do
mundo entre eles. Além da “formação de
associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo
entre si” (Lênin), essa partilha ocorre, também, dentro de cada grupo monopolista. No primeiro caso, um “acordo de
cavalheiros” (sic!) – cuja duração é sempre provisória – busca eliminar a
concorrência entre os monopólios, separando os países ou suas zonas de atuação.
No segundo, isso ocorre internamente a cada monopólio, com cada unidade ao
redor do mundo sendo responsável ou por produzir um produto específico ou por
atender um nicho de mercado distinto ou por exportar sua produção para uma
parcela específica do planeta. Em ambos
os casos, por formas distintas, busca-se reduzir a concorrência entre capitais
e obter superlucros monopolistas.
Note-se de passagem que o cenário
acima descrito, supondo-o capaz de reproduzir adequadamente, ainda que apenas
em seus traços muito gerais, o funcionamento da economia mundial imperialista e
seus monopólios, não permite qualquer
espaço para uma suposta atuação autônoma, independente, soberana, das
burguesias nacionais dos países dominados. A essas “burguesias nacionais”
(sic!) cabe apenas o papel de tentar encontrar as formas de sua integração ao
circuito internacional de produção comandado pelos monopólios. Esse é um tema
inescapável, que devemos buscar debater e aprofundar para travar a luta sem
tréguas contra as posições reformistas.
Mas voltemos a Francisco Martins
Rodrigues. Outro ponto destacado por ele são as características recentes da exportação de capitais. Um aspecto é a vinculação
dessa exportação de capitais à expansão das unidades produtivas dos monopólios
mundo afora. Nos termos do autor: “somente com
a internacionalização da produção é que os capitais migraram para a
construção de fábricas em alguns países da periferia”.
Essa característica, no entanto, seria secundária, pois “o aspecto mais importante das exportações de
capitais hoje é que não se verifica na esfera produtiva, mas
essencialmente na área financeira”. Por fim, a
absoluta maioria desse capital exportado “não está direcionado aos países da periferia, mas aos países centrais”.
Esse fato causaria, para o autor, a necessidade de uma nova leitura das “trocas desiguais” e da “relação centro-periferia”.
Ainda que a análise concreta do texto
tenha ficado datada (centralidade do mercado de moedas de Londres, reciclagem
de petrodólares, “privatização” da liquidez internacional), as características
mais gerais apontadas por Francisco Martins Rodrigues se mantêm e é necessário
aprofundar seu estudo, inclusive o levantamento dos dados empíricos
disponíveis. Um importante exemplo disso é o papel determinante da atuação global dos monopólios nas exportações de
capitais.
Os chamados investimentos estrangeiros
diretos – exportação de capitais por parte de um monopólio para criar ou
expandir suas unidades produtivas em outro país, ou ainda centralizar capital –
atingiram US$ 1,76 trilhão apenas no ano
de 2015 (sendo que aproximadamente US$ 1 trilhão se originaram e foram
destinados aos países imperialistas), dos quais quase metade, US$ 720 bilhões,
destinou-se às chamadas “fusões e aquisições”. O estoque total dessa exportação de capitais interna aos monopólios
atinge US$ 25 trilhões (US$ 19,4 trilhões originados dos países imperialistas e
US$ 16 trilhões destinados a eles), uma vez e meia o PIB dos Estados
Unidos. Em função disso, estima-se que aproximadamente um terço das exportações
e importações mundiais, principalmente no caso dos países imperialistas, ocorra
entre as diversas unidades de um mesmo monopólio espalhadas pelo mundo. Se
considerarmos o comércio exterior desses monopólios com outras firmas,
acrescentaríamos outra terça-parte àquele montante. Ou seja, os monopólios controlam diretamente (ou
participam de) por volta de dois terços do comércio mundial de mercadorias[3] que, em 2014, somou US$ 18,5 trilhões[4].
Esses números dão apenas uma primeira
impressão geral do papel dos monopólios nas exportações de capital, que, no
Imperialismo, vão muito além disso. Devem, necessariamente, ser incluídos nessa
análise o papel dominante do capital financeiro, a geração e reprodução de capital
fictício e os aparelhos financeiros internacionais do capital (que Francisco
Martins Rodrigues chama de “Comitê
Político-Financeiro” do Imperialismo), o FMI, o Banco Mundial e outros,
além da expansão internacional das atuações dos Tesouros Nacionais e dos Bancos
Centrais dos países imperialistas após 2008[5].
Para tentar quantificar um aspecto –
digamos mais tradicional – dessa exportação de capitais podemos utilizar uma
base de dados do Banco Mundial, que divulga estatísticas de dívida externa para
um conjunto de aproximadamente 75 países. Em junho de 2016, o total do endividamento externo dessa
amostra de países atingiu US$ 76,5 trilhões (quase um quarto desse valor
nos Estados Unidos e 54% nos cinco maiores “devedores”: EUA, Inglaterra,
França, Alemanha e Holanda)[6].
Passando às bolsas de valores, devemos
acrescer às já várias dezenas de trilhões de dólares acima citados outro tanto.
O Banco Mundial estima a chamada “capitalização de mercado de empresas listadas
em bolsas” em US$ 61,8 trilhões em 2015,
referentes a 43,5 mil empresas, valor aproximadamente equivalente ao PIB global[7].
Para passarmos agora aos montantes
realmente grandes de capital fictício, temos que buscar quantificar os mercados
globais de derivativos financeiros, de câmbio e de juros. A melhor fonte para
isso parece ser outro componente do “Comitê
Político-Financeiro” do Imperialismo, o Banco de Compensações Internacionais,
sediado na Suíça. De acordo com seu levantamento mais recente, o mercado global de câmbio movimenta US$ 5,1
trilhões e o de taxas de juros, US$ 2,7 trilhões. POR DIA! O montante total
desses contratos de derivativos financeiros (o chamado “valor nocional”)
alcança inacreditáveis US$ 544,1
trilhões em abril de 2016, depois de chegar a US$ 696,1 trilhões em 2013[8].
Ou seja, por volta do décuplo do PIB mundial.
Apesar de que o esforço por
quantificar a importância dos monopólios, das exportações de capital e do
capital financeiro na economia mundial seja necessário, o que é de fato
imprescindível é aprofundar e atualizar
a teoria leninista para desenvolver uma explicação geral do funcionamento do
sistema imperialista, da economia mundial, nos dias de hoje.
Francisco Martins Rodrigues também
analisa a nova partilha do mundo entre
as potências. Nesse ponto, a análise das contradições interimperialistas (e
da tendência de seu agravamento) aponta, por um lado, para a busca, por parte
dos Estados Unidos, de constituírem-se em “potência hegemônica incontestável”,
ligando esse objetivo à “recolonização
sofisticada dos países da periferia” e, por outro, para a “formação dos blocos econômicos nas principais
regiões econômicas do mundo”.
Começando por esse último ponto, nessa
mais de uma década desde o texto que estamos apresentando, houve um grande
reforço dos blocos econômicos em oposição à posição de “potência hegemônica
incontestável” dos Estados Unidos, destacadamente a União Europeia e o
bloco formado ao redor da China.
Na Europa, foram eliminadas as moedas e as
políticas monetárias nacionais (Área do Euro) e unificadas diversas regulações sobre
mercado de trabalho, imigração, investimentos etc. (União Europeia), ao mesmo
tempo que o bloco se ampliava incorporando os antigos países “socialistas”.
Isso significou, por um lado, eliminar os anteparos e as proteções ainda
existentes das burguesias de cada um daqueles Estados à penetração dos capitais
das burguesias dos demais (e expandir esses anteparos e proteções agora contra
os capitais extra-europeus) e, por outro, a equalização e o rebaixamento das
condições de vida das classes dominadas nos países europeus. Hoje, com a
prolongada crise do capital no continente, parece que observamos um duplo e
contraditório cenário na Europa: i) fortalecimento do papel hegemônico alemão
em termos econômicos, financeiros e ideológicos, mas ii) crescimento, entre
setores das burguesias e das camadas médias europeias, e em alguma medida
também entre os trabalhadores, das tendências ao nacionalismo e ao
protecionismo, que se constituem em oposição à chamada globalização (em geral) e
se opõem especificamente à União Europeia ou seja, em grande medida, à Alemanha
e suas políticas econômicas, monetárias e fiscais.
No caso do bloco ao redor da China, sua conformação e seu
fortalecimento nas duas últimas décadas decorrem
do papel central que o país vem crescentemente ocupando no sistema imperialista
mundial, já constituindo a segunda maior economia do planeta, o maior
exportador mundial, o detentor das maiores reservas internacionais do mundo
etc. Esses elementos, entre outros, nos colocam como problema importante a debater
“o caráter imperialista da China e sua
posição no sistema imperialista”, como apontamos na primeira apresentação
dessa série de textos.
Em relação ao bloco
produtivo-comercial-financeiro ao redor da China, podemos dizer que o mesmo envolve
(pelo menos) todo o Sudeste Asiático. Pelo aspecto produtivo, sua conformação
se iniciou com os demais países fornecendo insumos, partes e peças para a
produção e montagem final chinesa, com destino à exportação. A evolução da
indústria e dos salários chineses têm impulsionado a transferência das etapas
finais da produção de bens de consumo assalariado para esses países, em parte
via exportação de capitais da China. Pelo lado institucional e financeiro,
diversas iniciativas têm sido tomadas para consolidar a influência chinesa na
sub-região (por exemplo, a Iniciativa Chiang Mai, de utilização de reservas
internacionais; o Programa de Cooperação Econômica da região do Mekong, de
investimentos; o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura; a nova Rota
da Seda; a Parceria Econômica Regional Abrangente; entre um sem número de
outras)[9].
Dessa forma, os capitais chineses forçam “uma nova partilha econômica do mundo” e promovem
uma “recolonização”
dos países sob sua esfera de influência, tanto por força de seus capitais
produtivos quanto de empréstimos, fato esse que deixa de ser privilégio dos
capitais dos Estados Unidos.
Já em relação à “recolonização
sofisticada dos países da periferia”, mencionada por Francisco Martins
Rodrigues, gostaríamos de remeter os camaradas e os leitores para nosso texto
de quase uma década atrás, que analisa essa tendência para o caso brasileiro: Formação econômico-social brasileira: regressão a uma situação colonial
de novo tipo (https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Regress%C3%A3o.pdf?attredirects=0&d=1).
Por fim, o
imperialismo é um sistema dinâmico, movido pelas suas próprias contradições
(além dos fatos contingentes). Nesse sentido, não existe “potência hegemônica incontestável”, como
também não há “controle absoluto” dos
países dominados e nem, portanto, “partilha
definitiva” dos mesmos.
Completando a análise dos cinco traços
fundamentais do Imperialismo, observamos que Francisco Martins Rodrigues apenas
menciona brevemente o capital financeiro,
para ressaltar uma “configuração
inteiramente nova”, não mais “movida simplesmente por uma nova fusão do
capital bancário com o capital industrial”, mas agora perpassando “praticamente todas as fases do ciclo do
capital”. Em nossa avaliação, para o autor, essa nova configuração está
ligada ao extraordinário aprofundamento da “tendência
à decomposição e ao parasitismo”, próprias do Imperialismo.
Nos parece que Francisco Martins
Rodrigues se apercebeu das novas formas e instituições criadas ou derivadas do
capital bancário da época de Lênin e sua imbricação com o capital industrial (ou
produtivo, de maneira mais geral). Essas instituições também conseguem, assim
como os bancos, agrupar o dinheiro existente nas mãos de diversas empresas,
burgueses e na camada média e transformá-lo em capital de empréstimos ou de
investimentos, sejam produtivos ou em capital fictício. Estamos falando especificamente
dos diversos tipos de “fundos” existentes no capitalismo atual: de pensão,
mútuos, de hedge, de private equity etc. Economistas
burgueses denominaram essas instituições de “sistema bancário-sombra” (shadow banking system). Segundo as
estimativas disponíveis, esses fundos
podem gerir até US$ 80 trilhões, representando um quarto do sistema bancário[10].
Essas instituições demandam investigação mais demorada para verificar seu papel
na gestão do capital fictício global, sua imbricação com os monopólios e
influência na definição de variáveis econômicas fundamentais como taxas de
juros e de câmbio.
Neste ponto como em alguns outros ao
longo do texto, Francisco Martins Rodrigues utiliza termos e conceitos que já
estavam bastante em voga à época ou que passariam nesses últimos 13 anos.
Estamos falando, entre outros, de “centro-periferia”,
que o FMI e o Banco Mundial “romperam com
seus estatutos originários”, de “desregulamentação”
e de “interesses bancários desregulados”,
da “mera especulação com o dinheiro”
e da “financiarização da riqueza”. Na
nossa avaliação, a utilização desses termos não contribui para um avanço na
formulação marxista sobre o Imperialismo nem na interpretação do estado atual
da economia mundial.
A relação “centro-periferia” está indissoluvelmente associada a uma vertente
da economia burguesa identificada com a Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas, cujos principais
formuladores foram Raúl Prebisch e Celso Frutado, e que buscava formular uma
estratégia para o desenvolvimento capitalista dos países da “periferia” ou “subdesenvolvidos”.
Afirmar que o FMI e o Banco Mundial
romperam com seus estatutos originários para se transformar em “instrumentos do neoliberalismo” fica
próximo de validar uma hipótese de que, antes disso, ambos seriam instrumentos
de desenvolvimento (capitalista, por decerto) e estabilização da economia
mundial, na esteira dos debates entre Harry Dexter White e John Maynard Keynes
em Bretton Woods. O mesmo para a crítica à “desregulamentação”
ou aos “interesses bancários desregulados”
– que seria o oposto da “regulação keynesiana” do pós-guerra – que se conclui
com uma denúncia à “mera especulação com
o dinheiro” ou, resumidamente, ao “processo
de financiarização da riqueza”. O conceito de “financeirização” e sua crítica estão muito ligados, talvez
indissoluvelmente, a uma oposição (absoluta?) entre capital produtivo e capital
financeiro (não no conceito leninista), como, por exemplo, na hipótese de que o
neoliberalismo, “núcleo
central da sua ideologia” [i.e, dos capitalistas], “está cada vez mais intensamente a ser contestado ...
até por segmentos burgueses que antes o apoiavam entusiasticamente”.
Sobre esses temas, embora haja um
conjunto de fatos da evolução do sistema imperialista que aponta nas direções indicadas
(revisão dos estatutos do FMI/Banco Mundial, desregulamentação e crescimento da
autonomização do capital-dinheiro), nos parece que é mais fecunda a
interpretação desses fatos como sendo a adaptação
das políticas econômicas às necessidades e possibilidades da acumulação de
capital (questão que ainda está por desenvolver). Além disso, um conceito marxista
ausente do texto e que nos parece necessário ao desenvolvimento da análise que
precisamos fazer é o de capital fictício.
O uso de outros conceitos e o arcabouço teórico que eles trazem nos parece ir
na direção oposta da análise leninista que estamos tentando desenvolver.
Conclusões de Francisco Martins Rodrigues: crise do
capitalismo e acirramento da luta de classes
A partir da intensificação do
parasitismo e do rentismo – “expressão
degenerada da acumulação de capitais” – Francisco
Martins Rodrigues conclui que "haverá inevitavelmente um momento de ruptura desse
processo para compatibilizá-lo com a economia real, o que deverá ter
consequências dramáticas tanto para especuladores como para a ordem econômica
capitalista". Além disso, a “globalização produtiva, com o seu imenso potencial,
tende à crise pela sobreprodução de mercadorias, oriunda da superacumulação de
capitais”. Portanto, “por
qualquer dos ângulos que se possa observar a economia contemporânea, há uma
perspectiva de crise em larga escala”.
Isso em 2003, quando o capitalismo acabara de sair da recessão de 2001-2002 e
se iniciava o período de expansão pré-crise de 2008. Acertou em cheio,
camarada!
Nesse quadro de “crise em larga escala”, Francisco
Martins Rodrigues afirma, com precisão, o papel decisivo da classe operária: “Esta
classe será a vanguarda da luta pelas transformações sociais, não só pelo seu papel no interior da
produção, mas porque a nova conjuntura necessitará de sujeitos políticos mais
preparados e com peso suficiente para desferir golpes decisivos nos inimigos de
classe”.
Outra importante
conclusão é que, na conjuntura atual da luta de classes, para o proletariado a
“via institucional, como caminho privilegiado para as mudanças, está
esgotada”. Afirmava mais: “Privilegiar apenas esse caminho significa optar
pela frustração periódica, pois a cada embate político, como no caso das
eleições, a burguesia utilizará todo o seu poder económico, bem como os métodos
de manipulação para impor os seus interesses, restando às forças populares
apenas a lamentação e a perplexidade”.
Mostra ainda a possibilidade do surgimento de uma nova situação revolucionária, nessa conjuntura de aprofundamento do conjunto das contradições no mundo: “Em síntese, apesar da derrota da primeira experiência de socialismo, o sistema capitalista não se transformou num referencial para a humanidade, nem destruiu a possibilidade de construção de uma sociedade sem classes. Há a possibilidade real de que a crise oriunda do fracasso do neoliberalismo abra uma nova situação revolucionária, onde a questão do socialismo reapareça como uma vitalidade bem maior da que ocorreu com o aparecimento dos monopólios, só que agora livre das deformações e dos desvios que ocorreram no recente passado socialista”.
Dessas condições,
uma única conclusão, necessária, se impõe: “Daí a urgência de
nos dotarmos de um programa, duma táctica e duma estratégia
revolucionárias, no sentido de darmos corpo a uma vanguarda operária
comunista, que – quando as condições objectivas o permitirem – se
lance ao assalto do poder, destrua o aparelho de Estado burguês, instaurando em
seu lugar a ditadura do proletariado, mil vezes mais democrática que a mais
democrática das repúblicas burguesas”.
Os clássicos e o imperialismo: que actualidade?
Francisco
Martins Rodrigues
É necessário entender
o capitalismo contemporâneo com a cabeça aberta, sem os dogmas e estereótipos
que geralmente marcam as pessoas que não gostam de encarar o novo.
Lenine teve a
coragem e a grandeza de verificar que a época imperialista diferia do
capitalismo concorrencial descrito por Marx. Portanto, merecia não só um novo
diagnóstico, mas uma nova teoria para que se pudesse compreender a época dos
monopólios. Tanto Marx como Lenine escreveram sobre o seu tempo; não tinham
obrigação nem estavam interessados em adivinhar o futuro. Mas o lastro no qual
desenvolveram as suas teorias, o método dialéctico, é uma fonte fértil para que
os marxistas da nossa época dêem prosseguimento à sua obra teórica. O objectivo
deste artigo é continuar o debate sobre estas novas questões e procurar indicar
alguns traços fundamentais da nossa época.
Elegendo a obra de
Lenine, O imperialismo, estádio supremo do capitalismo, como
síntese paradigmática da interpretação do imperialismo oriundo da segunda
revolução industrial, procuraremos analisar os eixos fundamentais daquela obra
para aferir se ainda possui aderência à realidade actual.
Lenine definiu
cinco traços fundamentais que caracterizavam a nova fase do capitalismo:
1) a concentração
da produção e do capital e o aparecimento dos monopólios, os quais desempenham
um papel decisivo na vida económica;
2) a fusão do
capital industrial com o capital bancário e o aparecimento da oligarquia
financeira;
3) a exportação de
capitais, ao contrário da exportação de mercadorias;
4) a formação das
associações monopolistas que partilham economicamente o mundo entre si;
5) a partilha
territorial do mundo entre as potências mais importantes. Lenine considerava
ainda que o imperialismo não era uma nova formação socioeconómica, mas a fase
superior do capitalismo, em que se aguçariam todas as contradições do capital.
Nesse sentido, Lenine afirmava que esta fase seria marcada pelo capitalismo
parasitário, em decomposição e agonizante, a antecâmara do socialismo. Vejamos
como se apresenta cada uma dessas características no mundo actual.
A concentração da
produção e do capital continuam a sua marcha histórica, como Marx já havia
identificado anteriormente, baseado na própria lógica da acumulação. No
entanto, o que distingue a época actual do período de Lenine é que as
corporações transnacionais passaram a extrair directamente, e de maneira
generalizada, o valor fora das suas fronteiras nacionais, tornando-se
exploradoras directas tanto no centro como na periferia capitalista, ao
contrário do que acontecia anteriormente quando se apropriavam da mais-valia
mediante a exportação de mercadorias ou a exportação de capitais.
Isso poderá
redefinir uma nova partilha económica do mundo, possivelmente em função da área
de influência da Tríade a partir das suas regiões de origem, e dar um
carácter novo à luta pela hegemonia entre os blocos do grande capital.
Por outras
palavras, diante dos novos fenómenos oriundos da globalização, impôs-se
novamente a necessidade de uma remonopolização global, de forma a que o grande
capital pudesse unificar novamente a sua estratégia, não só para se reorganizar
diante da globalização para impor uma nova disciplina ao mundo do trabalho, mas
principalmente para contrariar a tendência decrescente da taxa de lucro que
caracterizava a conjuntura após a segunda guerra mundial. Ou seja, a qualidade
desse processo não é movida simplesmente por uma nova fusão do capital bancário
com o capital industrial, mas por uma configuração inteiramente nova, que
envolve praticamente todas as fases do ciclo do capital.
A exportação de
capitais hoje difere significativamente do período da segunda revolução
industrial e mesmo do período de ouro do Welfare State. No período inicial do
imperialismo, a exportação de capitais era destinada à construção de estradas
de ferro, minas, portos e outros equipamentos de infraestrutura, sem que
houvesse grandes investimentos na área fabril, até mesmo porque não era
interessante para os países líderes desse processo a industrialização da
periferia. Isso pode ser constatado pelo facto de que apenas alguns desses
países conseguiram realizar a sua industrialização, ainda que tardiamente.
Somente com a internacionalização da produção é que os capitais migraram
para a construção de fábricas em alguns países da periferia, mas aí já se
tratava de um processo novo, onde a internacionalização da produção conduzia a
burguesia a extrair o valor directamente nestas regiões.
Outro aspecto que
chama a atenção na exportação de capital actual é o facto de que cerca de 80%
do investimento directo estrangeiro não está direccionado aos países da
periferia, mas aos países centrais, ressaltando-se ainda que vem decrescendo a
participação dos países periféricos neste tipo de investimento. Se a exportação
de capital se está desenvolvendo centralmente entre os próprios países
imperialistas, a relação de subordinação e de trocas desiguais deve ter uma
nova leitura, e não ficar restrita à tradicional subordinação entre os países
imperialistas do passado e as suas colónias ou nações satélites. É bem verdade
que a subordinação é a lógica da relação centro-periferia, mas o montante de
recursos dessas operações direcciona o centro do fenómeno para outras regiões e
não para a periferia.
No entanto, o
aspecto mais importante das exportações de capitais hoje é que não se
verifica na esfera produtiva, mas essencialmente na área financeira. A partir
do final dos anos 60, constata-se crescentemente a privatização da liquidez
internacional, ao contrário do período anterior, quando a maioria dos empréstimos
era oriunda de entidades financeiras internacionais. Essa privatização foi
fruto de um movimento do capital norte-americano no sentido de ultrapassar as
leis restritivas a saídas de capitais do País. Para tanto, os bancos começaram
a criar títulos com valor em dólar americano, mas emitidos fora dos EUA,
mecanismo que foi crescendo como uma bola de neve e formando um peculiar
mercado de moedas, que posteriormente transformaria a Europa e, especialmente,
Londres, no principal centro financiador das actividades mundiais.
A
internacionalização do capital bancário consolidou-se com a criação dos
consórcios internacionais e das agências insulares nos paraísos fiscais. Este
conjunto de factores provocou uma verdadeira explosão dos negócios
bancários, que o aumento dos preços do petróleo praticados pela OPEP fez
crescer exponencialmente. Os bancos, já experientes neste tipo de serviço,
iniciaram uma extraordinária reciclagem dos petrodólares, ampliando de maneira
acentuada os empréstimos para o terceiro mundo. O Mercado de eurodólares
começou a descobrir que era mais vantajoso emprestar para nações do que para
empresas e assim transformou-se no principal financiador das operações da
dívida externa desses países, gerando um débito gigantesco e aprisionando essas
nações nas malhas dos interesses bancários desregulados.
É importante
ressaltar que, com o mercado de eurodólares, se processa uma mudança profunda
na exportação de capitais, que viria a consolidar-se com a desregulamentação
dos governos Reagan-Thatcher. Para ampliar os seus lucros a oligarquia
financeira mudou o seu centro de gravidade, reduzindo os investimentos directos
em função do capital de empréstimos, o que amplia o carácter parasitário do
imperialismo. Se o centro de gravidade da exportação de capitais já estava
alterado com a formação da dívida externa dos países da periferia, a
desregulamentação veio intensificar de maneira extraordinária esse processo,
que hoje se constitui de mera especulação com o dinheiro.
Outro dado novo na
exportação de capitais é o facto de que as instituições multilaterais, formadas
na Conferência de Bretton Woods, romperam com os seus estatutos originários
e transformaram-se pura e simplesmente em instrumentos do neoliberalismo,
apoiando o frenesim financeiro em curso no mundo e impondo políticas
destrutivas nos países da periferia. Desde a crise da dívida externa, a partir
de 1982 com a moratória mexicana, que o Banco Mundial e, principalmente, o
Fundo Monetário Internacional se transformaram numa espécie de Comité Político-Financeiro
do bloco de forças sociais que passaram a hegemonizar a economia mundial e que
têm na especulação financeira o centro da sua actividade económica.
A partilha
económica e territorial do mundo também se desenvolve de maneira bastante
diferenciada do período inicial do imperialismo. No que se refere à
territorialidade, há uma tentativa desesperada dos Estados Unidos no sentido de
se transformarem numa potência hegemónica incontestável e, a partir desta
posição, tirarem o máximo proveito da nova ordem económica internacional e
realizar uma recolonização sofisticada dos países da periferia, onde o aspecto
central seria o controlo absoluto destas economias, se possível com a
instituição da dolarização generalizada.
Ainda em relação à
partilha territorial, está em curso, com uma série de problemas, a formação dos
blocos económicos nas principais regiões económicas do mundo. Estes blocos
reflectem, por um lado, os problemas e contradições da luta interburguesa, e
por outro, uma surda luta de resistência contra a tentativa norte-americana de
construir uma ordem unipolar.
Do ponto de vista
económico, a partilha definitiva também será resultado da luta surda pela
hegemonia em curso nos países centrais. Mas o processo intenso de megafusões e
incorporações que vem sendo realizada, especialmente na década de 90, indica
uma remonopolização da burguesia e a tentativa de cosmopolitização, se não
plena, pelo menos regional. A configuração do controle dos mercados, tanto no
que diz respeito ao investimento produtivo quanto financeiro, vai depender não
só do sucesso da globalização produtiva, mas principalmente do resultado do
processo de financiarização da riqueza imposto pelo bloco de forças no poder
nos países centrais e da periferia.
Finalmente, a
tendência à decomposição e ao parasitismo, identificado por Lenine como sendo
uma das características da oligarquia financeira mantém a sua essência, mas
foi aprofundada de maneira extraordinária e revela aspectos novos e
relevantes. A oligarquia financeira ampliou o seu parasitismo e muitos Estados
imperialistas transformaram-se em nações ‘rentistas’, o que lhes permite
ampliar o poder regulador e orientador dessa nova fase do capital. A
transferência de recursos dos países da periferia para os países centrais nas
duas últimas décadas, por conta principalmente dos mecanismos financeiros
impostos pela nova elite no poder, pode ser considerada muito maior que toda a
extorsão realizada no período colonial, o que por si só dá uma dimensão do
‘rentismo’ institucionalizado na nossa época.
Como se sabe, a
financiarização da riqueza ou o rentismo institucionalizado é uma expressão
degenerada da acumulação de capitais e demonstra um aprofundamento sem
precedentes do parasitismo da nova burguesia. A “valorização” da riqueza pela
via financeira cria uma contradição entre a velocidade de expansão da esfera
financeira, o crescimento do sector produtivo e o poder aquisitivo das massas,
tornando assim a defesa da riqueza por esta via uma aventura sem futuro, pois
haverá inevitavelmente um momento de ruptura desse processo para
compatibilizá-lo com a economia real, o que deverá ter consequências dramáticas
tanto para especuladores como para a ordem económica capitalista.
Dilemas e
perspectivas
O capitalismo, ao
contrário do que imaginavam os clássicos e os revolucionários de todo o mundo,
não foi à bancarrota. Pelo contrário, no final do século XX conseguiu
demonstrar ainda uma enorme vitalidade, não só na implosão das primeiras
experiências “socialistas”, mas também ao realizar uma reestruturação produtiva
e uma nova configuração financeira, que vêm produzindo uma mudança de qualidade
neste velho modo de produção.
No entanto, o ciclo
de euforia dos capitalistas que se abriu na década de 90 está a esgotar-se,
pois o núcleo central da sua ideologia, o neoliberalismo, está cada vez mais
intensamente a ser contestado não só por expressivos sectores da população, mas
até por segmentos burgueses que antes o apoiavam entusiasticamente. O produto
social destas duas décadas, pela sua agressividade contra o movimento operário,
pela sua arrogância contra os valores humanos e sociais, pela imensa
concentração de rendimento e ampliação da barbárie social, tornou mais aberta e
mais clara a luta de classes.
Objectivamente, o
sistema capitalista está potencialmente mais fraco que no período do
imperialismo clássico. As modificações que o sistema sofreu nesta nova fase
aprofundaram todas as suas contradições, podendo afirmar-se que hoje estamos
muito mais próximos do socialismo, em termos gerais, do que no período em
que Lenine escreveu O Imperialismo. A globalização produtiva, com o
seu imenso potencial, tende à crise pela sobreprodução de mercadorias, oriunda
da superacumulação de capitais. Caso os capitalistas da área produtiva queiram
regular a produção, desviando recursos para a esfera financeira, e assim
evitando a sobreprodução, não poderão desvencilhar-se da armadilha das
contradições, uma vez que a fuga para frente na esfera financeira, apenas
incrementará a crise nesta área. Por qualquer dos ângulos que se possa observar
a economia contemporânea, há uma perspectiva de crise em larga escala. Isso não
significa que o capitalismo está no fim, mas indica que o volume de
contradições é tão grande que a crise poderá originar uma situação
revolucionária.
Estes momentos
históricos de transição são pródigos de acontecimentos inesperados, tanto no
campo social como no político. Ora, numa situação dessa ordem, a tendência
principal é a de que, quanto maior for a crise, maiores possibilidades terão as
classes trabalhadoras para disputar a hegemonia com a burguesia. A
reestruturação produtiva está a criar uma classe operária mais moderna,
mais especializada e com muito mais iniciativa no interior das fábricas. Esta
classe será a vanguarda da luta pelas transformações sociais, não só pelo seu
papel no interior da produção, mas porque a nova conjuntura necessitará de
sujeitos políticos mais preparados e com peso suficiente para desferir golpes
decisivos nos inimigos de classe.
Além disso, a
diversidade de formas de exploração, a agressividade social do capitalismo e a
desmoralização das suas instituições seculares podem abrir possibilidades para
que as classes trabalhadoras encaminhem as suas lutas de forma diferente.
Um dos factores que mais se destaca nesta nossa época é a clara limitação das
lutas institucionais. Afinal, não se pode combater esta nova fase do
imperialismo com as armas da fase anterior. A via institucional, como caminho
privilegiado para as mudanças, está esgotada. Privilegiar apenas esse caminho
significa optar pela frustração periódica, pois a cada embate político, como no
caso das eleições, a burguesia utilizará todo o seu poder económico, bem como
os métodos de manipulação para impor os seus interesses, restando às forças
populares apenas a lamentação e a perplexidade.
Em síntese, apesar
da derrota da primeira experiência de socialismo, o sistema capitalista não se
transformou num referencial para a humanidade, nem destruiu a possibilidade de
construção de uma sociedade sem classes. Há a possibilidade real de que a crise
oriunda do fracasso do neoliberalismo abra uma nova situação revolucionária,
onde a questão do socialismo reapareça como uma vitalidade bem maior da que
ocorreu com o aparecimento dos monopólios, só que agora livre das deformações e
dos desvios que ocorreram no recente passado socialista.
Além disso, por
mais paradoxal que pareça, a reestruturação produtiva está a construir as bases
para uma sociedade da abundância, uma vez que o desenvolvimento das forças
produtivas aumentará de maneira extraordinária a produtividade do trabalho. No
entanto, como todos sabemos, o sistema capitalista não tem nenhum compromisso
com o progresso social e, portanto, não será capaz de satisfazer as
necessidades materiais da população. Será preciso destruí-lo!
Mesmo assim, essas
forças produtivas proporcionam os elementos objectivos para a sociedade da
abundância de bens e serviços. No caso de essas transformações estruturais do
capitalismo coincidirem com uma crise mundial do sistema, temos as bases
materiais para a construção da sociedade comunista.
Daí a urgência de
nos dotarmos de um programa, duma táctica e duma estratégia
revolucionárias, no sentido de darmos corpo a uma vanguarda operária
comunista, que – quando as condições objectivas o permitirem – se
lance ao assalto do poder, destrua o aparelho de Estado burguês, instaurando em
seu lugar a ditadura do proletariado, mil vezes mais democrática que a mais
democrática das repúblicas burguesas.
Estamos apenas a
começar, mas é precisar dar esse passo!
2003
[1] Sobre o qual o Cem Flores já publicou:
-
Uma crítica do seu livro Anti-Dimitrov:
http://cemflores.blogspot.com.br/2012/12/anti-dimitrov-um-livro-indispensavel-no.html;
-
Um resumo biográfico: http://cemflores.blogspot.com.br/2016/02/francisco-martins-rodrigues-escritos-de.html;
-
O artigo “Oitenta Anos a Enterrar Lenine”: http://cemflores.blogspot.com.br/2016/02/oitenta-anos-enterrar-lenine-por.html;
-
O artigo “Ação Comunista em Tempos de Maré Baixa”: http://cemflores.blogspot.com.br/2016/05/accao-comunista-em-tempos-de-mare-baixa.html;
-
E um discurso da camarada Ana Barradas
em sua homenagem: http://cemflores.blogspot.com.br/2010/09/luta-contra-o-revisionismo.html.
[2]
Esse tema já foi explorado em postagens anteriores deste Blog. Destacamos,
especialmente, nossos comentários sobre os textos e as cartas de Engels da
segunda metade dos anos 1880: “Engels a atribui [a mudança
do caráter das crises, de decenais a “crônicas”] ao aumento da produção capitalista não apenas na Inglaterra, mas nos
diversos países que surgem como seus competidores na economia mundial. Se antes
se poderia dizer, de maneira simplificada, que a produção industrial inglesa
era suficiente para abastecer o mundo capitalista, Engels vê não só essa
produção aumentando, mas a ela ser adicionada a produção alemã, inglesa e,
destacadamente, a dos Estados Unidos. Isso causa o que poderíamos chamar uma superacumulação estrutural de capitais,
que gera o que Engels denomina de ‘superprodução crônica’ ou
‘depressão crônica’ em diversas passagens:
‘estado crônico de estagnação em todos os ramos dominantes da indústria’; ‘superabundância crônica de todos os mercados para todos os negócios’; ‘crises se tornam crônicas sem, no entanto, perder nada de sua intensidade’; ‘estagnação crônica deve necessariamente tornar-se a condição normal da indústria moderna’.” (http://cemflores.blogspot.com.br/2008/10/engels-sobre-crise-econmica-mundial-do.html).
‘estado crônico de estagnação em todos os ramos dominantes da indústria’; ‘superabundância crônica de todos os mercados para todos os negócios’; ‘crises se tornam crônicas sem, no entanto, perder nada de sua intensidade’; ‘estagnação crônica deve necessariamente tornar-se a condição normal da indústria moderna’.” (http://cemflores.blogspot.com.br/2008/10/engels-sobre-crise-econmica-mundial-do.html).
Os trechos
selecionados dos mencionados textos e cartas de Engels foram publicados no Blog
e estão disponíveis em http://cemflores.blogspot.com.br/2008/10/cartas-de-engels-e-as-crises-do.html.
[3] A fonte para os dados de investimentos é o World
Investment Report 2016, da Unctad, tabelas 1, 2 e 3 do anexo
estatístico, disponível em http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2016_en.pdf. Os dados citados como fluxos intra-monopólio são os
fluxos totais dos chamados “investimentos estrangeiros diretos”, nos quais há
fluxos de capital de uma empresa em um país para sua subsidiária em outro. A
rigor, não se pode afirmar que todas essas empresas sejam monopólios porém,
dada a concentração dessas operações, a absoluta maioria delas ocorre entre
empresas que seriam definidas como monopólios no conceito leninista. Os dados
para os países imperialistas consideram o que a Unctad chama de “países
desenvolvidos”.
A
fonte para os dados de comércio exterior é o World Investment Report 1995,
da Unctad, capítulo IV, disponível em http://unctad.org/en/Docs/wir1995_en.pdf. Para essa publicação, os fluxos comerciais
intra-firma consideram um universo de 40 mil empresas “transnacionais” e suas
aproximadamente 250 mil subsidiárias no mundo todo. Para os fins deste texto,
consideramos todo esse universo como monopólios no conceito leninista.
[4] Conforme estatística da Organização Mundial do Comércio,
disponível em https://www.wto.org/english/res_e/statis_e/its2015_e/its2015_e.pdf.
[5] Os Tesouros Nacionais de
todos os países imperialistas aceleraram o endividamento público – capital
fictício por excelência – depois da crise de 2008. Utilizando o banco de dados
do FMI para os países componentes do G7, temos: Inglaterra (dívida bruta do
governo de 89% do PIB e aumento de 111% de 2007 a 2015), Estados Unidos (105%
do PIB, +64%), França (96% do PIB, +49%), Canadá (91% do PIB, +37%), Japão
(248% do PIB, +35%), Itália (133% do PIB, +33%) e Alemanha, significativamente
abaixo dos demais, tanto em magnitude quanto em crescimento (71% do PIB, +12%).
Conforme http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2016/02/weodata/index.aspx.
A expansão de capital fictício com a criação de
dinheiro pelos bancos centrais dos Estados Unidos, Área do Euro e Japão (as
políticas denominadas de “quantitative
easings”) atingiu US$ 12,6 trilhões, conforme http://www.yardeni.com/pub/peacockfedecbassets.pdf.
[6] A base de dados chama-se Quarterly
External Debt Statistics (utilizou-se a tabela C1) e está disponível em
http://datatopics.worldbank.org/debt/qeds.
[7] É importante destacar que
esse montante envolve tanto “investidores domésticos” quanto estrangeiros. A
rigor, apenas esta última parte poderia estar incluída nas exportações de
capitais que estamos analisando. O montante total das bolsas de valores, no entanto,
é importante indicador do capital fictício e também do capital financeiro,
conceitos indispensáveis à nossa análise.
Estimativas alternativas apontam para valor total de
US$ 69 bilhões em 2014 (http://www.marketwatch.com/story/global-stock-market-cap-has-doubled-since-qes-start-2015-02-12).
[9] A seguir links com informações bastante sumárias
sobre cada uma dessas iniciativas:
-
Programa de
Cooperação Econômica da região do Mekong: https://www.adb.org/sites/default/files/publication/29387/gms-ecp-overview-2015.pdf.
-
Banco Asiático de
Investimentos em Infraestrutura: http://euweb.aiib.org/html/aboutus/introduction/history/?show=0.
- Nova Rota da Seda: https://en.wikipedia.org/wiki/One_Belt,_One_Road
e http://www.xinhuanet.com/silkroad/english/index.htm.
- Parceria Econômica Regional Abrangente:
https://en.wikipedia.org/wiki/Regional_Comprehensive_Economic_Partnership
e http://fta.mofcom.gov.cn/list/rcepen/enrcepnews/1/encateinfo.html.
[10] Definições sumárias e estimativas sobre suas
dimensões podem ser encontradas em http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2013/06/basics.htm e http://www.economist.com/blogs/economist-explains/2016/02/economist-explains-0.
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