terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A Reprodução das Relações de Produção

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O texto que segue abaixo foi retirado do Livro “Sobre a Reprodução” de Louis Althusser (Editora Vozes, 1999). Manuscrito de onde foi retirado “Os Aparelhos Ideológicos de Estado” (“Posições 2” Editora Graal, 1980).

É uma ferramenta para os comunistas que querem, sob o ponto de vista do proletariado, agir na luta de classes. Para quem quer retomar a teoria no ponto que, em sua sinuosa história, conseguiu, ao máximo possível, expurgar de revisionismo. Para aqueles que não querem os atalhos fáceis e negligenciam a retificação, que não olham para trás para tirar do glorioso passado da luta de classes movida pelos operários e seus aliados suas lições. Não podemos olhar para frente sem fazer esse “balanço”. Não existirá a possibilidade do comunismo sem que nos remetamos a esses ensinamentos:

“(...) que não podemos absolutamente ter uma visão clara das questões científicas e, portanto, fazer progredir nossos conhecimentos, sem a intervenção direta da nossa filosofia (...)”
“(...) somos obrigado a dizer: e nós, o que vamos tirar de todas as experiências sem precedentes, derrotas, fracassos e vitórias que estão agora “à nossa disposição” e da crise na qual estamos vivendo?”
“Será que essa prodigiosa experiência pode deixar a filosofia indiferente? Pelo contrário, não deverá iluminar, alimentar e enriquecer a filosofia revolucionária transmitida pelo Movimento operário marxista?”


ADVERTÊNCIA AO LEITOR
I

Eu gostaria de chamar a atenção do leitor para alguns aspectos de uma obra que, em muitos pontos, pode surpreendê-lo e desnorteá-lo.

1) Este livrinho é o tomo I de um conjunto que deve comportar dois tomos.

O tomo I trata da Reprodução das relações de produção capitalistas. O tomo II tratará da luta de classes nas formações sociais capitalistas.

Decidi publicar, sem demora, este tomo I que, de certa maneira (exceção feita de seu “hors d’ouvre” sobre filosofia) forma um todo em si mesmo, por razões de urgência teóricas e políticas evidentes para todos. Ainda que o fundo deste tomo I não seja improvisado, tive de escrever essas duzentas páginas em um prazo extremamente curto a fim de que este texto viesse a ser publicado rapidamente.

Penei que pudesse ser útil lembrar os princípios fundamentais da teoria marxista-leninista sobre a natureza da exploração, da repressão e da ideologização capitalistas. Sobretudo, pareceu-me que seria indispensável mostrar claramente qual era o sistema que garantia a reprodução das condições da produção capitalista, a qual não passa do meio da exploração das condições da produção capitalista, em regime capitalista, a produção dos bens de uso obedece unicamente à lei do lucro, portanto, da exploração.

Foi necessário tratar 1) da reprodução das Forças produtivas e 2) da reprodução das relações de produção.

Como Marx trata detalhadamente da reprodução das Forças produtivas no Livro I (teoria do salário: reprodução da força de trabalho) e no Livro II de O Capital (teoria da reprodução dos meios de produção), fui muito sucinto a respeito dessa questão. Em compensação, desenvolvi com detalhes a reprodução das relações de produção, sobre a qual Marx deixou-nos importantes indicações não sistematizadas.

O sistema que garante a reprodução das relações de produção é o sistema dos aparelhos de Estado: aparelho repressor e aparelhos ideológicos.

Daí, o título deste tomo I “A reprodução das relações de produção capitalistas” (exploração, repressão, ideologia).

Como veremos, assumi o grande risco de defender, sobre dois pontos, teses que, estando perfeitamente de acordo com a teoria e a prática do Movimento Operário marxista-leninista, ainda não tinham sido enunciadas sob uma forma teórica sistemática. Assim, propus o esboço de uma teoria do que chamo os Aparelhos Ideológicos de Estado e do funcionamento da Ideologia em geral.

Como as análises deste tomo I se apóiam, em determinados casos, em princípios que só serão desenvolvidos no tomo II, peço que me dêem uma espécie de “crédito” teórico e político que tentarei honrar no tomo II.

2) Este tomo I começa por um capítulo que poderá ser motivo de surpresa: sobre a “natureza” da filosofia. Poderá ser motivo de surpresa tanto mais que, depois de ter apresentado algumas primeiras balizas, deixo em pendência a questão da filosofia para empreender um longo desvio em que é, então, tratada a questão da Reprodução das relações de produção capitalistas.

Por que motivo, portanto, ter começado por este primeiro capítulo sobre a filosofia quando eu poderia ter começado muito simplesmente pelo capítulo II que trata do modo de produção? Por razões que, teórica e politicamente, são muito importantes e que serão apresentadas no final do tomo II no momento em que estaremos em condições de responder à seguinte pergunta: o que é a filosofia marxista-leninista [2], em que consiste sua originalidade e por que motivo é uma arma da revolução?

Se essa exposição da Reprodução das relações de produção capitalistas é assim colocada sob a égide da questão da filosofia, isso não acontece por simples razões de exposição.

Com efeito, é verdade que não se pode responder à pergunta: em que consiste a filosofia marxista-leninista, sem fazer o grande desvio pelo tomo I (Reprodução das relações de produção) e pelo tomo II (A Luta de classes).

Mas por que motivo colocar, assim, na frente a questão da filosofia marxista-leninista e, já que a precede, a questão da filosofia propriamente dita? (tomo I, capítulo I).

Não procedi dessa forma porque sou, universitariamente falando, filósofo, portanto, por razões de especialista que tem empenho, seja a falar do que conhece um pouco, seja a “gabar sua mercadoria”, mas por razões teóricas e políticas, enquanto comunista.

Em poucas palavras, eis aí essas razões.

Tudo o que se refere à ciência desenvolvida por Marx (em particular, neste tomo I, a teoria da reprodução das relações de produção) depende de uma ciência revolucionária criada por ele com base no que se chama, na tradição marxista, a filosofia do materialismo dialético, precisamente, como mostraremos e demonstraremos com base em uma posição de classe proletária e filosófica. Portanto, não é possível – e isso mesmo foi compreendido e mostrado admiravelmente por Lenin – compreender, nem, por maior força de razão, expor e desenvolver a teoria marxista, nem que seja em relação a tal ponto limitado, a não ser a partir das posições de classe proletárias no campo da teoria. Ora, o caráter próprio de qualquer filosofia é representar, na teoria, a posição de determinada classe social. O caráter próprio da filosofia marxista-leninista é representar, na teoria, a posição da classe operária.

Daí a importância primordial da filosofia materialista dialética, isto é, do ponto de vista da classe proletária em filosofia, para qualquer apresentação e qualquer desenvolvimento da teoria marxista. Mostraremos no tomo II que o papel da filosofia marxista-leninista não é somente indispensável para o desenvolvimento da ciência marxista e das “análises concretas das situações concretas” (Lenin) que é a única forma de tornar possível a ciência marxista, mas é igualmente indispensável para a prática política da luta de classes.

Se é assim, não será motivo de espanto que nosso tomo I comece por formular a pergunta: o que é a filosofia? E que nosso tomo II termine com uma definição do caráter revolucionário da concepção marxista-leninista da filosofia e de seu papel na prática científica e na prática política. Será, então, compreensível o motivo pelo qual a maneira como a filosofia é, realmente, uma arma da revolução.

II

O que acabo de enunciar sobre a importância da filosofia marxista-leninista na prática científica (antes de tudo, na teoria da História criada por Marx, mas também nas outras ciências) e na prática comunista da luta de classes pode ser aceito, de saída, pelo menos, por meus camaradas comunistas; no entanto, mesmo do ponto de vista marxista, é possível apresentar uma objeção.

A objeção de que, há muito tempo, já foi dito e escrito o essencial sobre a filosofia marxista-leninista, chamada na tradição clássica, de materialismo dialético. Com efeito, todos nós sabemos que existem numerosos textos célebres que tratam da filosofia elaborada por Marx e seus sucessores.

Por exemplo, as Teses sobre Feuerbach (1845) e o posfácio da segunda edição alemã de O Capital da Marx; por exemplo, a primeira parte do Antidüring (1877) e o Ludwig Feuerbach (1888) de Engels; por exemplo, Materialismo e Imperiocriticismo [a] (1908) e os Cadernos sobre a dialética (1914-1915) de Lênin; por exemplo, o artigo de Stalin “Materialismo dialético e materialismo histórico” (1938); por exemplo, A propósito da prática e A propósito da contradição (1937) de Mao.

Nessas condições, por que motivo formular, de novo, a questão da filosofia marxista-leninista?

1) Digamos: para fazer o balanço e também fornecer algumas precisões importantes indispensáveis e colocar, em maior destaque, o caráter político-teórico de nossa prática de classe em filosofia.

2) Mas não podemos limitar-nos a esse ponto de vista de exposição ainda especulativo. Não se trata somente de “fazer ver e compreender” a especificidade e a novidade de nossa filosofia, mas, desde agora, de colocá-la praticamente em ação, em suma, de “fazê-la trabalhar” sobre problemas científicos.

Veremos, sem demora, desde nossa simples análise da unidade que constitui um modo de produção (a unidade Forças produtivas/Relações de produção), como em toda seqüência, que não podemos absolutamente ter uma visão clara das questões científicas e, portanto, fazer progredir nossos conhecimentos, sem a intervenção direta da nossa filosofia.

É a razão pela qual dizemos – fazemos tal afirmação por todas as razões históricas e práticas já mencionadas – que chegou o momento e que o momento é oportuno para fazer, pelo menos entre nós, o balanço da filosofia marxista-leninista, mostrar seu caráter revolucionário, precisar alguns de seus aspectos e “fazê-la trabalhar”, sem demora, sobre problemas científicos, alguns dos quais dizem respeito diretamente à prática das lutas de classes, hoje mesmo.

1 – Chegou o momento de fazer o balanço e estamos em condição de fazê-lo

Temos aprendido muitas coisas novas após Marx e Engels, e até mesmo depois de Materialismo e Imperiocriticismo [a].

Atualmente, estão à nossa disposição as extraordinárias experiências da Revolução soviética e da Revolução chinesa; as lições das diferentes formas da construção do socialismo e de seus diversos resultados; os ensinamentos de todas as lutas operárias contra a burguesia capitalista, assim como as lutas populares (luta contra o fascismo, movimentos de libertação dos países do “Terceiro Mundo”, luta vitoriosa do povo vietnamita contra o Imperialismo francês e, em seguida, americano, luta dos negros americanos, revoltas estudantis, etc.).

Temos à nossa disposição não só a experiência das grandes vitórias do Movimento operário, mas também a experiência de seus fracassos e de suas crises [3]. Lênin disse-nos inúmeras vezes: quando se sabe analisar a fundo as causas de um fracasso para tirar daí a lição, este é sempre mais rico de ensinamentos do que uma vitória porque suas conseqüências obrigam a ir ao fundo das coisas. Por maior força de razão, uma crise grave.

Quando se pensa no que Marx tirou das iniciativas das massas populares no período da Comuna e da análise das causas do fracasso da mesma, quando se sonha em tudo que Lênin tirou da invenção dos Sovietes pelas massas populares durante a revolução de 1905 e do fracasso desse “ensaio geral”, somos obrigado a dizer: e nós, o que vamos tirar de todas as experiências sem precedentes, derrotas, fracassos e vitórias que estão agora “à nossa disposição” e da crise na qual estamos vivendo?

Será que essa prodigiosa experiência pode deixar a filosofia indiferente? Pelo contrário, não deverá iluminar, alimentar e enriquecer a filosofia revolucionária transmitida pelo Movimento operário marxista?

2 - Acreditamos também que o momento é oportuno de fazer o balanço em relação à filosofia marxista-leninista
O momento é oportuno porque é urgente dar ou devolver à filosofia marxista-leninista toda a sua força revolucionária entre nós, para que esta esteja em condições de cumprir sua função ideológica e política de arma da revolução, inclusive na crise que estamos vivendo. Porque a crise que estamos vivendo não deve dissimular uma outra, infinitamente mais importante.

Não nos enganemos: basta tomar consciência da crise sem precedentes na qual se encontra o Imperialismo, sob o peso de suas contradições e de suas vítimas, e assediado pelos povos, para concluir que ele não conseguirá sobreviver. Estamos entrando em um século que verá o triunfo do socialismo na terra inteira. Basta observar a corrente irresistível das lutas populares para concluir que, em um prazo mais ou menos curto, e através de todas as peripécias possíveis, inclusive a gravíssima crise do Movimento Comunista Internacional, a Revolução está, desde agora, na ordem do dia. Dentro de cem anos ou até mesmo, talvez cinqüenta, a face do mundo estará modificada: a Revolução levará a melhor na terra inteira.

É a razão pela qual é urgente dar a todos os que aderem ao comunismo, em número cada vez maior, sobretudo entre a juventude das fábricas, dos campos e das escolas, os meios de estarem armados com a teoria marxista-leninista e com a experiência da luta de classes. A filosofia do marxismo-leninismo é um desses meios porque é uma filosofia revolucionária: trata-se da única filosofia revolucionária.

Fazer o balanço em relação à filosofia marxista-leninista quer dizer muito simplesmente o seguinte: compreender claramente, e da maneira mais aprofundada possível, qual é essa filosofia, como atua e como deve ser utilizada para servir, segundo a fórmula de Marx, não para “interpretar o mundo”, mas para “transformá-lo”.

Fazer o balanço em relação à filosofia marxista-leninista é também, para explicá-la e compreendê-la, lembrar as aquisições fundamentais da nova ciência, criada por Marx, o Materialismo Histórico, sem a qual não existiria a filosofia marxista-leninista. É também lembrar que se Marx não tivesse adotado uma posição de classe proletária (materialismo dialético) em filosofia, não teria existido a ciência elaborada por ele, o materialismo histórico. É, portanto, concluir que devemos “fazer trabalhar” essa filosofia para indicar com precisão e fazer progredir nossos conhecimentos na ciência marxista, para podermos analisar mais claramente a situação concreta atual.

Para tornar mais clara a apresentação, anunciamos o plano que será seguido. Para saber em quê a filosofia marxista-leninista é revolucionária, é necessário saber o que a distingue das filosofias anteriores.

Para poder fazer essa distinção, é necessário, antes de tudo, saber o que é, em geral, a filosofia.

Daí, a seqüência de perguntas:

Primeira pergunta: o que é a filosofia?

Segunda pergunta: o que é a filosofia marxista-leninista?

Como se vê por uma simples olhadela, é indispensável formular essas duas perguntas na ordem que acaba de ser indicada.

No entanto, essas duas perguntas não definem o plano de nosso estudo. Por quê?

Porque é impossível, vamos apercebermo-nos disso em um instante, dar uma resposta à segunda pergunta: o que é a filosofia marxista-leninista? Sem fazer um desvio bem grande, isto é, sem passar pela exposição dos resultados fundamentais da ciência marxista da história, cuja teoria geral é constituída pelo materialismo histórico.

Com efeito, e contrariamente ao que, de forma espontânea, pensam todos os filósofos, inclusive inúmeros filósofos marxistas, a pergunta: o que é a filosofia? não é da alçada da filosofia, nem mesmo marxista-leninista. Se ela fosse da alçada da filosofia, isso significaria que caberia à filosofia dar uma definição da filosofia.

É o que pensou e fez constantemente, com raras exceções, a filosofia em toda a história de seu passado. E é nisso que tem sido fundamentalmente idealista porque, se cabe à filosofia e unicamente a ela, em última instância, o dever e o direito de se definir, é, portanto, supor que ela pode se conhecer, que é Saber de Si, isto é, Saber absoluto, seja porque emprega abertamente (como faz Hegel) esse termo, seja por que o põe em prática de maneira envergonhada, sem mencioná-lo (como foi feito em toda a filosofia, com algumas exceções, antes de Hegel).

Não será, portanto, motivo de espanto que, se pretendemos propor uma definição da filosofia que não repita a simples “consciência de si” subjetiva, logo, idealista, não científica, da filosofia, mas que seja um conhecimento objetivo, logo, científico, sejamos obrigados a recorrer a algo diferente da própria filosofia: aos princípios teóricos da ciência ou das ciências capazes de nos fornecer o conhecimento científico da filosofia em geral que procuramos. Como veremos, seremos obrigados a indicar com precisão alguns desses princípios e fazer progredir, na medida de nossos meios, alguns conhecimentos.

Como veremos, essa ciência, e as ciências que derivam dela, dependem todas da descoberta sem precedentes pela qual Marx abriu ao conhecimento científico um novo “Continente”, o Continente-História. A teoria geral dessa descoberta científica chama-se o Materialismo-Histórico.

É a razão pela qual seremos obrigados a fazer um grande desvio pelos resultados científicos, provenientes do Materialismo-Histórico, que serão necessários para podermos alcançar nosso objetivo: uma definição científica da filosofia.

É, em última análise, esse grande desvio que irá explicar o caráter do Plano no nosso estudo, do qual apresento, abaixo, os títulos dos capítulos, em sua ordem de sucessão [4].

Capítulo I: O que é a filosofia?
Capítulo II: O que é um modo de produção?
Capítulo III: A propósito da produção das condições de produção.
Capítulo IV: Infra-estrutura e superestrutura.
Capítulo V: O Direito.
Capítulo VI: O Estado e seus aparelhos.
Capítulo VII: Os aparelhos ideológicos de Estado político e sindical.
Capítulo VIII: A reprodução das relações de produção.
Capítulo IX: Reprodução das relações de produção e Revolução
Capítulo X: O Direito como aparelho ideológico de Estado.
Capítulo XI: A ideologia em geral.

De saída, faço questão de prevenir o leitor, de alguma forma solenemente, a fim de evitar qualquer engano, qualquer mal-entendido e qualquer acusação não fundamentada, que a ordem de exposição adotada apresenta um grave inconveniente que não encontra solução em nenhuma outra ordem diferente.

Com efeito, este tomo I propõe-se tratar, antes de tudo, do modo de funcionamento da Superestrutura (Estado, aparelhos de Estado) como Reprodução das Relações de produção. Ora é impossível falar do Estado, do Direito e da Ideologia sem fazer intervir a Luta de classes. Em boa lógica, parece que teria sido necessário encarar uma ordem inversa de exposição e começar por falar da Luta de classes, antes de falar do Estado, do Direito e da Ideologia. No entanto, essa segunda ordem de exposição esbarraria na mesma dificuldade inversa: com efeito, é impossível falar das classes e da Luta de classes, sem ter falado anteriormente do Estado, do Direito e da Ideologia. Portanto, estamos em um círculo do qual não podemos sair por que seria necessário falar de tudo ao mesmo tempo. E por uma razão muito simples: na realidade, as coisas que pretendemos tratar funcionam juntas, dependem todas, embora de maneira muito precisa, uma das outras, e não se importam com seu funcionamento complexo, com as distinções que somos obrigados a fazer para compreendê-las e, por maior força da razão, com a ordem de exposição adotada para podermos explicá-las.

Como o essencial do que temos para dizer se refere, enquanto precisões, a alguns pontos limitados, ainda inéditas, sobre a Superestrutura, é, portanto, legítimo, já que é necessário, de qualquer maneira, proceder a uma escolha, que prefiramos a ordem de exposição que apresenta o máximo de vantagens teóricas e pedagógicas. Com efeito, é também por razões de princípio – na seqüência tal convicção será comprovada – que pensamos que é necessário adotar a ordem de exposição que escolhemos.

A luta de classes intervirá, portanto, constantemente, a partir de um certo momento, e bem cedo na nossa análise, por toda uma série de efeitos que são inteligíveis fora de sua realidade e de sua presença fora dos objetos, mas também dos objetos que analisamos. No entanto, como não pudemos – e não sem razão – apresentar anteriormente a teoria da luta de classes, seremos obrigados a fazer intervir constantemente seus efeitos sem ter exposto a fundo suas causas.

Essa precisão é importante tanto mais que a luta de classe transborda infinitamente, na sua realidade, os efeitos da luta de classes que iremos encontrar nos objetos analisados neste tomo I. Apresentamos esse princípio, com toda a nitidez e antecipadamente, a fim de que não nos façam acusações que só podem se apoiar na unilateralidade inevitável da ordem de exposição. Se tivéssemos escolhido a outra ordem de exposição (começando a falara da Luta de classes antes de falar do Estado), poderiam ser feitas exatamente outras tantas acusações, mas em sentido oposto. Sobre esse ponto, pedimos ao leitor, não sua indulgência, mas sua simples compreensão: materialmente, não se pode tratar de tudo ao mesmo tempo, se se pretende colocar na exposição um pouco de ordem e clareza.

Duas observações finais.

Vamos esforçar-nos, justamente, por sermos tão claros quanto possível.

Todavia, prevenimos o leitor que, para não trairmos nosso objeto, seremos obrigados a dar explicações, por vezes, complexas e que exigem uma atenção redobrada. Isso não depende de nós. As dificuldades de nossas explicações referem-se à complexidade objetiva da natureza da filosofia, do Direito, de seus aparelhos e da ideologia.

Imploramos, enfim, a nossos leitores que considerem este livro como ele é, sem exigir dele o impossível (para nós): trata-se de um simples ensaio, o início de uma pesquisa que, embora não improvisada, mas refletida, não pode, evidentemente, evitar os riscos de insuficiência, de aproximação e, é claro, os erros inerentes a esse tipo de atividade. Pedimos uma certa indulgência para aquele que corre esses riscos, mas ao mesmo tempo pedimos a ajuda da mais severa crítica, com a condição de que, é claro, seja uma crítica real, isto é, seriamente argumentada e convincente e não um simples julgamento sem considerações.

Última “advertência”, se posso falar assim: nada do que será afirmado deverá ser considerado, seja qual for o motivo, como “palavra de evangelho”. Marx exigia de seus leitores que “pensassem por si mesmos”. Essa regra é válida para todos os leitores, seja qual for a qualidade do texto que lhes seja proposto.

Notas

[2] [Nota riscada: “Emprego propositadamente, por enquanto, a expressão: ‘filosofia marxista-leninista’. No final deste ensaio, hei de propor outra formação mais justa”]
[3] A crise atual é dominada por dois acontecimentos capitais: 1) o XX Congresso e suas conseqüências, colocando em questão uma parte da política de Stalin após os anos 30; 2) a cisão do Movimento comunista internacional, colocando em questão a linha política oriunda do XX congresso.
[4] [Na segunda versão do manuscrito que serve de base à presente edição, Althusser introduz um capítulo suplementar. Por esse motivo, os números dos capítulos encontram-se deslocados a partir do capítulo VIII (Ver, mais, acima a nota do editor)]
[a] Erro de tradução, o correto seria Empirocriticismo.

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