[*]
10. A crise, uma possibilidade que se torna realidade. A crise, revelação de todas as contradições da economia burguesa
Antes de dar um passo adiante, vejamos o seguinte:
A dissociação entre o processo de produção (imediato) e o processo de circulação também evidencia e desenvolve mais a possibilidade da crise, a qual aparecia na mera metamorfose da mercadoria. [165] Quando os dois processos não se convertem um no outro com fluidez, mas se afirmam independentes um do outro, sobrevém a crise.
Primeiro, a mercadoria que tem existência real como valor de uso e ideal, no preço, como valor de troca, tem de se converter em dinheiro. M – D. Resolvida essa dificuldade, a venda, não há mais dificuldade para compra, D – M, uma vez que de imediato se pode trocar dinheiro por tudo. É mister pressupor o valor de uso da mercadoria, a utilidade do trabalho contido, do contrário não é de modo algum mercadoria. E mais: pressupõe-se que o valor individual da mercadoria = valor social dela, isto é, que o tempo de trabalho nela materializado = tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la. A possibilidade da crise, desde que se revele na forma simples da metamorfose, só decorre portanto disto: as diferenças de forma – as fases – por que passa a mercadoria em seu movimento são, primeiro, formas e fases necessariamente complementares; segundo, apesar dessa unidade intrínseca necessária, são por igual partes e formas independentes do processo, contrapostas em sua existência, discrepantes no tempo e no espaço, separáveis e separadas uma da outra. A possibilidade da crise reside apenas na dissociação entre compra e venda. É apenas na sua forma que a mercadoria tem aí de passar pela dificuldade. Ultrapassa-a logo que assume a forma de dinheiro. Ademais, isso também se reduz à circunstância de compra e venda não coincidirem. Se a mercadoria – como na troca direta – não pudesse retornar da circulação na forma de dinheiro ou procrastinar sua reconversão em mercadoria, se compra e venda coincidissem, deixaria de haver, de acordo com as suposições feitas, a possibilidade de crise. Pois se admite que a mercadoria é valor de uso para outros possuidores de mercadorias. Na forma de troca direta só não se pode permutar a mercadoria se não é valor de uso ou não existem valores de uso do outro lado para se trocarem por ela. Isto é, somente nestas duas condições: se um lado produziu coisa inútil, ou se o outro lado nada tem de útil, equivalente para trocar por valor de uso daquele. Nos dois casos não haverá nenhuma permuta. Mas, desde que haja permuta, suas fases não se dissociam. O comprador será vendedor, o vendedor, comprador. Assim, desaparece a fase crítica, oriunda da forma de troca – a troca que a circulação –, e quando dizemos que a forma simples da metamorfose encerra a possibilidade da crise, expressamos apenas que nessa própria forma está a possibilidade da ruptura e da dissociação de fases que na essência são complementares.
Mas isso se estende ainda ao conteúdo. Na troca direta, o produtor dá ao grosso da produção o destino de satisfazer as próprias necessidades ou – ao se desenvolver mais a divisão do trabalho – de satisfazer necessidades dos co-produtores, dele conhecidas. O que se tem de trocar como mercadoria é sobra, e não é fundamental a circunstância de se trocar ou não essa sobra. Na produção de mercadorias, a conversão do produto em dinheiro, a venda, é conditio sine qua non. Cessa a produção imediata para as próprias necessidades. Então, se não se vende, surge a crise. A dificuldade de transformar a mercadoria – o produto particular do trabalho individual – em dinheiro, o oposto dela, em trabalho social, geral e abstrato, está nisto: dinheiro não se apresenta como produto do trabalho individual, e quem vendeu, e portanto possui a mercadoria na forma de dinheiro, não é por sua vez forçado a comprar logo, a converter o dinheiro em produto particular do trabalho individual. Na troca direta não há essa contradição: não pode haver vendedor sem comprador, nem comprador sem vendedor. Aquela dificuldade do vendedor – na suposição de sua mercadoria ter valor de uso – decorre somente da facilidade do comprador em adiar a reconversão do dinheiro em mercadoria. A dificuldade de transformar a mercadoria em dinheiro, de vender, provém apenas de a mercadoria ter de se transformar em dinheiro, sem o dinheiro ter de imediato de se converter em mercadoria, e de compra e venda portanto poderem dissociar-se. Dissemos que essa forma abrange a possibilidade da crise, isto é, a possibilidade de elementos em conexão recíproca, inseparáveis, se desvincularem e serem por isso forçados a se juntar pela força que se opõe à sua independência mútua. Ademais, crise é apenas a imposição violenta da unidade das fases do processo de produção, as quais se tornaram independentes uma da outra.
Possibilidade geral e abstrata da crise significa apenas a forma mais abstrata da crise, sem conteúdo, sem o impulso pertinente a esse conteúdo. Compra e venda podem separar-se. Constituem portanto crise em estado potencial e sua coincidência continua sempre a ser, para a mercadoria, elemento crítico. Mas uma pode converter-se na outra com fluidez. Assim, a forma mais abstrata da crise (e por isso a possibilidade formal da crise) é a metamorfose da própria mercadoria, a qual, como movimento desenvolvido, contém a contradição – encerrada na unidade da mercadoria – entre valor de troca e valor de uso e ainda entre dinheiro e mercadoria. Mas o meio por que essa possibilidade de crise se torna a crise não se contém nessa própria forma; esta implica apenas em que existe a forma para uma crise.
E isso é o importante quando observamos a economia burguesa. As crises do mercado mundial têm de ser concebidas a convergência real e o ajuste à força de todas as contradições da economia burguesa. Os diversos fatores que convergem nessas crises têm portanto de ser destacados e descritos em toda esfera da economia burguesa, e, quanto mais nesta nos aprofundamos, têm de ser detectadas novas características desse conflito e ainda é mister demonstrar que as formas mais abstratas dele são interativas e se contêm nas mais concretas.
Podemos portanto dizer: em sua primeira forma a crise é a metamorfose da própria mercadoria, a dissociação da compra e venda.
Em sua segunda forma, a crise é a função do dinheiro como meio de pagamento, e então o dinheiro figura em duas fases diferentes, separadas no tempo, em dois papéis diversos. As duas formas ainda são de todo abstratas, embora a segunda seja mais concreta que a primeira.
Assim, ao observarmos o processo de reprodução do capital (o qual coincide com a circulação dele) cabe, antes de mais nada, demonstrar que aquelas formas apenas se repetem ou antes só aí adquirem um conteúdo, um fundamento que lhes permite se manifestarem.
Observemos o movimento que o capital leva a cabo, a partir do momento em que deixa o processo de produção como mercadoria, para voltar a surgir dele como mercadoria. Se omitimos agora todas as características do conteúdo, o capital-mercadoria todo e toda mercadoria isolada em que ele se configura tem de passar pelo processo M – D – M, a metamorfose da mercadoria. A possibilidade geral de crise encerrada nessa forma – a dissociação da compra e venda – está portanto contida também no movimento do capital, desde que este seja também mercadoria e apenas mercadoria. Da conexão entre as metamorfoses das mercadorias resulta além disso que uma mercadoria se converte em dinheiro porque outra se converteu da forma dinheiro em mercadoria. Assim, a dissociação da compra e venda aparece aí de modo que à conversão de um capital, da forma mercadoria para a forma dinheiro, tem de corresponder a reconversão de outro capital, da forma dinheiro para a forma mercadoria; a primeira metamorfose de um capital tem de corresponder à segunda do outro, e a saída de um capital do processo de produção, à volta do outro a esse processo. A circunstância de se encadearem e se entrelaçarem os processos de reprodução ou circulação de diferentes capitais, embora casual, é uma imposição da divisão de trabalho, e assim já se amplia a definição do conteúdo da crise.
Mas, segundo, no tocante à possibilidade de crise oriunda da forma de dinheiro como meio de pagamento, o capital já se revela fundamento muito mais real para a efetivação dessa possibilidade. Por exemplo, o fabricante de tecido tem de pagar a totalidade do capital constante cujos elementos são fornecidos pelo empresário da fiação, pelo plantador de linho, pelo fabricante de máquinas, pelo produtor de ferro e de madeira, pelo minerador de carvão etc. Estes, enquanto produzirem capital constante que só entra na produção do capital constante sem entrar na mercadoria final, o tecido repõem reciprocamente suas condições de produção por meio da troca de capital. Admitamos, então, que o fabricante de tecido vende seu produto pela quantia de 1 000 libras ao comerciante, sacando sobre este uma letra de câmbio, de modo que o dinheiro assume a figura de meio de pagamento. O fabricante por sua vez negocia a letra com o banqueiro, seja lhe pagando uma dívida ou descontando a letra. Com o saque de uma letra de câmbio, o cultivador de linho vendeu ao fabricante de fio; o fabricante de fio, ao de tecido; o fabricante de máquinas, ao de tecido; o fabricante de ferro e o madeireiro, ao fabricante de máquinas; o minerador de carvão, ao fabricante de fio, ao de tecido, ao de máquinas, ao de ferro e ao madeireiro. Além disso, os produtores de ferro, carvão, madeira e o plantador se pagaram reciprocamente com letras de câmbio. Se o comerciante não pagar, o fabricante de tecido não poderá pagar sua letra de câmbio ao banqueiro.
O plantador de linho sacou sobre o fabricante de fio; o fabricante de máquinas, sobre o de tecido e o de fio. O de fio não pode pagar porque o de tecido não pode pagar; ambos não pagam ao fabricante de máquinas, e este não paga ao fabricante de ferro, ao madeireiro e ao minerador de carvão. E por sua vez todos eles, que não realizam o valor de sua mercadoria, não podem substituir a parte que repõe o capital constante. Surge assim crise geral. Isso nada mais é que o desenvolvimento da possibilidade da crise no caso do dinheiro como meio de pagamento, mas aí já vemos, na produção capitalista, uma conexão entre os créditos e obrigações recíprocas, entre as compras e vendas, quando a possibilidade pode converter-se em realidade.
Seja como for, não existe crise se compra e venda não se mantém em oposição mútua, não tendo por isso de se ajustar à força, e se o dinheiro exerce a função de meio de pagamento de modo que os créditos se liquidam, isto é, não se realiza a contradição existente no dinheiro como meio de pagamento; se essas duas formas abstratas da crise portanto, não se patenteiam na realidade. Não pode haver crise sem compra e venda se desvincularem e entrarem em conflito, sem aparecerem as contradições contidas no dinheiro como meio de pagamento, isto é, sem a crise se patentear ao mesmo tempo na forma simples – na contradição entre compra e venda, na contradição do dinheiro como meio de pagamento. Mas temos aí as meras formas – possibilidades gerais das crises, por isso também formas, formas abstratas da crise real. Nelas aparece a existência da crise em suas formas mais simples e em seu conteúdo mais simples, até onde a própria forma é seu conteúdo mais simples. Mas ainda não é conteúdo com fundamento concretizado. A circulação simples do dinheiro e mesmo a circulação do dinheiro como meio de pagamento – e ambas já existiam muito antes da produção capitalista sem terem sucedido crises – podem realizar-se e se realizam sem crises. Assim, essas formas sozinhas não podem explicar por que desvelam sua face crítica, por que a contradição potencial nelas contidas se patenteia contradição em ato.
Vê-se por aí a enorme sandice dos economistas que, depois de não terem conseguido escamotear o fenômeno da superprodução e da crise se contentam em dizer que se encerra naquelas formas a possibilidade de sobrevirem crises; que, por conseguinte, é casual não ocorrerem elas, e assim sua própria ocorrência se evidencia mera casualidade.
As contradições na circulação de mercadorias, ainda desenvolvidas na circulação de dinheiro – e em consequência as possibilidades de crise – reproduzem-se por si mesmas no capital, pois na realidade, só na base do capital, ocorre circulação desenvolvida de mercadoria e de dinheiro.
Mas agora trata-se apenas de acompanhar o desenvolvimento ulterior da crise potencial – a crise real só pode configurar-se a partir do movimento real da produção capitalista, da concorrência e do crédito – enquanto provém das determinações de forma próprias do capital, as quais lhe são peculiares e não se encerram em sua mera existência de mercadoria e de dinheiro.
Em si, o simples processo de produção (imediato) do capital nada de novo pode acrescentar aí. Para existir pura e simplesmente, supõem-se as condições. Por isso na primeira seção sobre o capital – sobre o processo de produção imediato – não sobrevém novo elemento de crise. Considerado em si, está contido no processo de produção, porque este se apropria de mais-valia e por isso a produz. Mas este fato não pode evidenciar-se no próprio processo de produção, pois neste não cabe a realização do valor reproduzido nem da mais-valia.
Essa realização só pode aparecer no processo de circulação, que em si é ao mesmo tempo processo de reprodução.
Importa aí observar ainda que temos de descrever o processo de circulação ou o processo de reprodução, antes de descrever o capital pronto e acabado – capital e lucro –, uma vez que temos que explicar como o capital produz e, ademais, como é produzido. O movimento real, porém, parte do capital existente; o movimento real é o que se faz na base da produção capitalista desenvolvida, que parte de si mesma e pressupõe a si mesma. O processo de reprodução e as subsequentes propensões à crise nele desenvolvidas terão aqui descrição incompleta e necessitam de tratamento complementar no capítulo “Capital e lucro”. [166]
O processo global de circulação ou o processo global de reprodução do capital é a unidade de sua fase de produção e de sua fase de circulação, um processo que abrange dois processos como fases suas. Aí reside nova possibilidade desenvolvida ou forma abstrata da crise. Por isso, os economistas que negam a crise insistem na unidade dessas duas fases. Se elas, sem serem uma unidade, fossem apenas separadas, seria impossível justamente uma restauração violenta de sua unidade, ou seja, uma crise. Se fossem apenas uma unidade, sem estarem separadas, não haveria a eventualidade de as dissociar à força, o que também é crise. Esta é a restauração violenta da unidade entre elementos guindados à independência e a afirmação violenta de independência de elementos que na essência formam uma unidade.
11. Das formas da crise
Juntar à pag. 716 [167]
Em consequência:
1. A possibilidade geral das crises se estabelece no próprio processo de metamorfose do capital e de dois modos: no tocante ao dinheiro na função de meio de circulação, compra e venda podem dissociar-se ; no tocante ao dinheiro na função de meio de pagamento, em dois papéis distintos, o de medida dos valores e o de realização do valor, esses dois papéis podem romper a conjunção que os liga. Se o valor tiver mudado no intervalo, a mercadoria no momento de sua venda não valerá o que valia no momento em que o dinheiro serviu de medida dos valores e portanto das obrigações recíprocas e a obrigação não pode ser preenchida com o produto da venda da mercadoria nem se saldar assim toda a série das transações que retroativamente dependem dessa única operação. Se não se puder vender a mercadoria ao menos num determinado período, embora seu valor não tenha variado, o dinheiro não poderá funcionar como meio de pagamento, uma vez que tem de servir como tal em prazo determinado, pressuposto. Uma vez que aí a mesma soma de dinheiro funciona para uma série de transações e operações recíprocas, há insolvência não só num ponto, mas em muitos. Daí a crise.
Estas são as possibilidades formais da crise. A primeira é possível sem a última – isto é, crise são possíveis sem crédito, sem o dinheiro funcionar como meio de pagamento. Mas a segunda não é possível sem a primeira, isto é, sem compra e venda se desconjuntarem. Mas no último caso dá-se a crise porque a mercadoria é invendável e ainda porque não é vendável em determinado espaço de tempo. A crise resulta, e deriva seu caráter, da impossibilidade de se vender a mercadoria e também da não realização de toda uma série de pagamentos que se apóiam na venda dessa determinada mercadoria nesse prazo determinado. Esta é a forma específica das crises monetárias.
Assim, a crise, se sobrevém porque compra e venda se desconjuntam, desenvolve-se como crise monetária, desde que o dinheiro se tenha desenvolvido como meio de pagamento, e essa segunda forma das crises fica em evidência logo que surge a primeira. Por isso, na pesquisa da razão por que a possibilidade geral da crise se torna realidade, na pesquisa das condições da crise é mera superfluidade tratar da forma das crises oriundas do desenvolvimento do dinheiro como meio de pagamento. Justamente por esse motivo gostam os economistas de apresentar essa forma evidente como causa da crise. (No que o desenvolvimento do dinheiro como meio de pagamento se relaciona com o desenvolvimento do crédito e de suas hipertrofias, é mister sem dúvida estudar as causas deste, o que não cabe aqui).
2. Desde que as crises decorram de variações de preço e de revoluções de preço que não coincidam com as variações de valor das mercadorias, não é possível explicá-las na análise do capital em geral, pois nesta valores e preços das mercadorias se pressupõem idênticas.
3. A possibilidade geral das crises é a metamorfose formal do próprio capital, a dissociação da compra e venda no tempo e no espaço. Mas esse processo nunca é a causa da crise, pois é apenas a forma mais geral da crise, isto é, a própria crise em sua expressão mais geral. Não se pode dizer que a forma abstrata da crise é a causa da crise. Quem pergunta por sua causa, quer saber precisamente por que sua forma abstrata, a forma de sua possibilidade, passa da possibilidade para a realidade.
4. As condições gerais da crise, contanto que independente das flutuações de preços (estejam estas ligadas ou não ao sistema de crédito) – distintas das flutuações de valor – têm de ser explicáveis a partir das condições gerais da produção capitalista.
(Pode surgir crise: (1) na reconversão em capital produtivo; (2) em virtude de variações no valor dos elementos do capital produtivo, em particular das matérias-primas, por exemplo, quando se reduz o volume da colheita de algodão. Em consequência, sobe seu valor. Aqui não nos cabe ainda tratar de preços e sim de valores).
Primeira fase. Reconversão de dinheiro em capital. Supõe-se determinado nível da produção ou reprodução. Aqui se pode considerar o capital fixo dado, invariável, sem entrar no processo de formação do valor. Uma vez que a reprodução da matéria-prima não depende apenas do trabalho nela empregado, mas também da produtividade ligada às condições naturais, pode cair o próprio volume, o volume do produto da mesma quantidade de trabalho (em virtude de estações ruins). Sobe assim o valor e cai o volume da matéria-prima ou se alteram as proporções em que o dinheiro terá de se converter nos diversos componentes do capital, para continuar a produção na escala anterior. Ter-se-á de gastar mais em matéria-prima, fica menos para o trabalho e não é possível absorver a mesma massa anterior de trabalho. Primeiro, é fisicamente impossível, por causa de escassez de matéria-prima. Segundo, porque parte maior do valor do produto tem de ser transformar em matéria-prima, e portanto fica menos para se converter em capital variável. Não se pode repetir a reprodução na mesma escala. Parte do capital fixo fica inativa, parte dos trabalhadores é despedida. Cai a taxa de lucro, porque o valor do capital constante subiu em relação ao do variável e se emprega menos capital variável. As deduções fixas – juro e renda fundiária – de antemão fixadas para taxa de lucro e exploração do trabalho invariáveis, permanecem as mesmas e em parte não podem ser pagas. Daí a crise. Crise de trabalho e crise de capital. Eis aí portanto transtorno do processo de reprodução por elevação do valor de parte do capital constante a ser reposta por seguimento do valor do produto. Além disso, o produto encarece, embora caia a taxa de lucro. Se esse produto entra como meio de produção em outros ramos, esse encarecimento causa o mesmo transtorno na reprodução deles. Se entra como meio de subsistência no consumo geral, entrará também, ou não, no consumo do trabalhador. No primeiro caso, os efeitos correspondem a transtorno do capital variável, do que se falará mais tarde. Mas, desde que entre no consumo geral, pode em consequência (se não cair seu consumo) diminuir a procura de outros produtos; daí ficar inibida, para estes a reconversão em dinheiro pelo valor que lhes corresponde, e assim estovar-se a outra face de sua reprodução, não a reconversão de dinheiro em capital produtivo e sim a reconversão de mercadoria em dinheiro. Em todo caso caem o montante de lucro e o montante de salário naquele ramo e em consequência parte das rendas necessárias para haver a venda de mercadorias de outros ramos de produção.
Mas essa falta de matéria-prima pode surgir também sem haver influência das estações ou da produtividade natural do trabalho que fornece a matéria-prima. É que, se se despender parte excessiva da mais-valia, do capital excedente em maquinaria etc, desse ramo, as matérias-primas, embora bastem para a escala anterior de produção, serão insuficiente para a nova. Isso decorre de o capital excedente se transformar, de maneira desproporcionada, em seus elementos diversos. É um caso de superprodução de capital fixo e gera os mesmos fenômenos do primeiro caso. (ver página anterior). [168]
Ou as crises são a consequência de superprodução de capital fixo e daí produção relativa inferior de capital circulante.
Uma vez que o capital fixo, como o circulante, consiste em mercadorias, nada mais ridículo que admitirem a superprodução de capital fixo, os mesmos economistas que negam a superprodução de mercadorias.
5. Crises decorrentes de perturbações da fase inicial da reprodução, isto é, estorvo na conversão das mercadorias em dinheiro ou interrupção da venda. Quanto às crises da primeira espécie [169], a crise resulta de interrupções no refluxo dos elementos do capital produtivo.
[*] Karl Marx - Teoria da Mais-Valia, História Crítica do Pensamento Econômico, Livro 4 de “O Capital” - Volume II, Difel Difusão Editorial S.A., 1983, pp. 943-952;
[165] Marx tem aí em mente o capítulo A metamorfose da mercadoria em Zur Kritik der politischen ökonomie, 1.Heft, Berlim, 1859 (ver MEW, Band 13, pp. 69-79)
[166] Marx refere-se à parte de suas pesquisas que culminou na elaboração do livro 3 de O Capital;
[167] Página do manuscrito;
[168] Depois deste parágrafo começa a página 861a do caderno XIV do manuscrito e dela está arrancado o canto superior esquerdo. Por isso, das primeiras nove linhas do texto só restaram parte do lado direito de seis linhas, e desse modo não é possível restaurar o texto por completo, mas sim supor que Marx fala aí de crises decorrentes “de revolução no valor do capital variável”. O “encarecimento dos meios de subsistência necessários”, provocado por má colheita por exemplo, acarreta alta dos gastos para os trabalhadores que “são postos em movimento pelo capital variável”. “Ao mesmo tempo essa alta” leva a que decresça a procura “de todas as outras mercadorias, de todas as mercadorias que não entram no consumo” dos trabalhadores. Assim, é impossível “vendê-las pelo valor; a primeira fase de sua reprodução” transtorna-se, isto é, a conversão da mercadoria em dinheiro. Em consequência, o encarecimento dos meios de subsistência ocasiona a “crise em outros ramos” de produção.
As duas últimas linhas do canto danificado da página parecem resumir as reflexões precedentes: as crises podem resultar do encarecimento das matérias-primas, “entrem essas matérias-primas como material no capital constante ou como meios de subsistência” no consumo dos trabalhadores.
[169] As oriundas do encarecimento das matérias-primas.
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