sábado, 28 de agosto de 2010

A crise crónica ou o estádio senil do capitalismo – Tom Thomas

Dois espectros rondam o mundo capitalista – não só o espectro do comunismo como também o da crise geral do imperialismo.
"O que começa é um longo período de perturbações e de revolução social que, com altos e baixos, derrotas e vitórias, se estenderá por vários decénios. O que começa é a necessidade de ultrapassar os primeiros grandes obstáculos à constituição dos proletários como classe independente, tais como: a ideia de que o Estado poderia não ser capitalista com um governo de esquerda, que a organização de um partido revolucionário comunista não é uma necessidade, que a luta de classes não precisa da teoria marxista, etc…" (Tom Thomas) [1]
Se o espectro do comunismo já deixava em pânico a burguesia por todos os cantos do mundo capitalista à época de Marx e Engels, a recente fase da nova “grande depressão” que vem se desenrolando desde o início dos anos 1970, e que se reabriu em meados de 2007, esta aí para assombrar, por todos os cantos, as classes dominantes que não se resignam a perceber que se aproxima a hora do fim da exploração capitalista e de toda a sociedade baseada em classes.
De que as classes dominadas com o proletariado a sua frente começam a sair da defensiva em que se encontravam e reiniciam sua marcha para retomar a teoria marxista, reconstruir o partido revolucionário e fazer a revolução.
Em razão desta conjuntura nosso coletivo tem buscado não só produzir análises da conjuntura mundial da luta de classes, da crise da economia mundial, do imperialismo, como da conjuntura brasileira, de forma a contribuir para a luta da classe operária e do conjunto das classes dominadas na luta de classes.
Portanto, é necessário dar conhecimento a todos os camaradas que nos lêem a importante contribuição de Tom Thomas para a luta do proletariado, autor que conhecemos por meio de seus textos publicados, ou no sítio da Política Operária [2] revista dos comunistas portugueses dirigida por Francisco Martins Rodrigues [3] até seu falecimento em 22 de abril de 2008 e hoje pela Cooperativa Política Operária, ou no sítio O Comuneiro, [4] revista eletrônica dirigida por Ângelo Novo e Ronaldo Fonseca e, ainda, pela Edições Dinossauro, [5] que publicou de Tom Thomas, “A crise crônica ou o estado senil do capitalismo” em 2007; em 2003, “O Estado e o Capital. O exemplo francês” e em 2000, “A hegemonia do capital financeiro e a sua crítica”.
Avaliando em nosso coletivo a importância de divulgar a contribuição teórica de Tom Thomas à compreensão do marxismo-leninismo e do estágio atual da crise do imperialismo, decidimos postar a “Introdução” a seu último texto publicado pelas Edições Dinossauro, “A crise crônica ou o estado senil do capitalismo”, que retiramos do sítio da Política Operária. [6]
A crise crónica ou o estádio senil do capitalismo
Tom Thomas
É evidente que o capitalismo está em crise. Mesmo que alguns episódios de breves retomas, aqui ou ali, permitam aos “especialistas” alardear que o sistema continua de vento em popa e apresentar os crashes bolsistas ou monetários como problemas localizados, ou resultantes dos excessos de um capital financeiro a que chamam “liberal”, da especulação e da sede ilimitada de enriquecimento de alguns cínicos potentados.
Isso, porém, seria ignorar os profundos movimentos subterrâneos que acumulam forças contraditórias, os quais, à semelhança das placas tectónicas que originam os sismos, se resolvem através de crises. Seria esquecer que as manifestações dessas contradições são permanentes e de modo algum limitadas à finança ou, sequer, à economia – caso do desemprego, do subemprego, da precariedade, da miséria, das pandemias, dos desastres ecológicos e das guerras que se desencadeiam de forma regular e como que irresistível.
Seria não ver que esses mesmos crashes se sucedem com uma frequência crescente, fragilizando cada vez mais os próprios grandes centros do capitalismo, EUA, Japão, Europa, cujas moedas, bolsas e sectores em geral da economia vacilam.
Nos últimos vinte anos, essa frequência tornou-se, mesmo, uma quase permanência: em 1982 e 1994, crises mexicana e na América Latina; em 1997-98, derrocada dos “dragões” e demais “tigres” asiáticos; em 1998, catástrofe russa; em 1999, ruína do Brasil e do Equador; em 2001-2002, queda da Turquia e da Argentina na hiperinflação; enquanto o Japão está há mais de dez anos esmagado por défices orçamentais monstruosos, agora acompanhado nessa situação pelos EUA e pela Europa, sem que, por isso, as emissões maciças de liquidez consigam estancar o crescimento do desemprego.
A constatação desta situação e das catástrofes que origina não é, aliás, posta em dúvida pelos especialistas. Ela é, isso sim, objecto duma luta de classes quanto às suas causas e, portanto, quanto às soluções para lhe pôr termo.
Para os reformistas, as causas são apenas conjunturais e casos isolados. Como, por exemplo, o petróleo em 1973, os baixos salários do Terceiro Mundo ou a crise do dólar actualmente, ou as trafulhices de financeiros corruptos, ou ainda os movimentos de capitais à solta e o famoso liberalismo mundializado. E, sendo assim, trata-se apenas de erros que é preciso corrigir, ou até, para a esquerda radical, da afirmação de que um outro capitalismo é possível se se puser “a economia ao serviço do homem”, graças à sua gestão por um Estado expurgado de políticos liberais. Os seus sonhos mais ousados não vão além de um capitalismo de meio-termo, isto é, cujos benefícios poderiam supostamente ser repartidos equitativamente por todos, sob os auspícios desse Estado cujos sensatos e paternais gestores seriam eles próprios.
Este livro procurará demonstrar que, pelo contrário, essas causas são estruturais, inerentes ao capitalismo, ao seu específico processo de acumulação e ao estádio que ele atingiu, tendendo a criar um bloqueamento quase absoluto dessa acumulação.
Não profetizamos uma derrocada final, que só surgirá de um processo revolucionário.
Procuramos convencer as pessoas de, pelo menos, duas coisas essenciais. Em primeiro lugar: a crise actual implica que o capitalismo já só consegue sobreviver numa agonia perpétua, uma espécie de estagnação em que os seus avanços científicos e tecnológicos só podem ter lugar na base de destruições e de desemprego crescentes, e do desenvolvimento de uma opressão burguesa cada vez mais totalitária em todos os domínios políticos, culturais e sociais. Em segundo lugar: o capitalismo criou as condições objectivas para se empreender a abolição do seu alicerce, a propriedade privada das condições de produção.
A crise parece relevar apenas do domínio “económico”, sem relação directa com a luta de classes, que faz parte da superestrutura social, política, ideológica. Para os burgueses, a economia é apenas uma relação entre as coisas, um problema de quantidades, de oferta e de procura, de concorrência entre capitais. E como as crises aparecem à superfície do sistema social como desproporções entre quantidades de coisas, mercadorias em excesso, abundância de créditos que não podem ser reembolsados, inflação monetária, etc., é porque elas são “económicas”. Bastaria gerir melhor as quantidades: suprimir mercadorias e fábricas por um lado, reduzir a massa salarial por outro, restringir ou fazer crescer o crédito por outro ainda.
Mas, como as crises se repetem, cada vez mais violentas, temos que questionar a sabedoria desses senhores. A bem dizer, sabemos – pelo menos desde Marx – que a economia é sempre política, social e histórica. Que as crises económicas e as lutas políticas e sociais têm as mesmas raízes e se alimentam reciprocamente. Que o capital não é uma relação entre coisas (isso é só a sua aparência, o fetichismo da mercadoria em geral e do dinheiro em particular) mas uma relação entre os homens que produz certas relações entre as coisas. E essa relação é a apropriação privada das condições de produção. E é porque, nas crises, o capitalismo altera tudo menos essa relação – que é o seu fundamento como sistema produtivo e como sociedade – que ele não pode resolver as suas contradições, a não ser provisoriamente.
Esquematizando, poder-se-ia dizer que a crise é o momento em que o capital supera as contradições entre as coisas (entre as quantidades de capitais e de lucros, de oferta e de procura, de créditos e de valores reais) através do agravamento das contradições entre burgueses e proletários, e mesmo dos capitalistas entre si. É, efectivamente, o momento em que o capital tenta reconstituir a unidade do seu equilíbrio geral, corrigindo todas as desproporções entre as coisas, que o minam, mas com o objectivo de aumentar a produção de mais-valia, bloqueada por essas desproporções, a qual é o seu único fim, a condição da sua existência. A crise é, pois, um momento especial de reforço das relações de apropriação e dos antagonismos que estas engendram. A crise enquanto momento de unificação, eis uma observação frequente em Marx: “A crise não é mais do que a prossecução da unidade das fases do processo de produção, que se autonomizaram uma da outra. As crises do mercado mundial devem entender-se como realmente reagrupadoras e violentamente niveladoras de todas as contradições da economia burguesa.”
Mas nem todas as crises o conseguem. É precisamente essa a originalidade da crise contemporânea: o capital é incapaz de, por meio dela, reconstruir essa unidade, os seus equilíbrios específicos. Isso é uma manifestação de que o capitalismo atingiu o estádio da sua senilidade. O que neste caso não significa inércia, torpor, lenta extinção natural.
Pelo contrário, o capitalismo está desenfreado, furioso na busca de meios de aplanar as suas contradições. Mas elas persistem porque o capital não consegue iniciar uma nova fase de acumulação em maior escala. É senilidade no sentido de um estádio de desenvolvimento que o capital não consegue superar.
Ele estagna, o que não significa que esteja imóvel, mas sim que o movimento perpétuo de desvalorização-valorização, destruição-criação, que sempre foi o seu modo de existência, não produz um crescimento suficiente da produção de mais-valia, mas agrava de forma sustentada e rápida a miséria das populações e a degradação do planeta.
“Já tentámos tudo”, constatava Mitterrand, um dos seus funcionários mais dedicados. “Tudo”, quer dizer todas as variadas receitas que a burguesia acciona nas crises, e acerca das quais se digladiam os seus especialistas. Nenhuma funciona, nem o estatismo de esquerda, nem o liberalismo de direita, nem os dois em simultâneo como é, de facto, a prática de todos os governos, cuja função é organizar o Estado ao serviço do capital.
Esta obra é curta para um assunto tão vasto. Não refere muitos factos que explicariam as diferentes manifestações específicas e as peripécias variadas da crise, tanto no espaço mundial como na sua história. Do mesmo modo, muito embora as crises, no fundo, não passem de um momento da evolução das contradições do capital, não será referida toda a teoria; isso está na obra de Marx. Apoiar-nos-emos nas suas conclusões essenciais, as quais, de resto, são incontestavelmente confirmadas pelos factos dos últimos cem anos.
Elas vão servir-nos, antes de mais, para analisar o núcleo lógico da crise, tal como é originado pelo princípio da separação que é o da propriedade privada, e da troca elementar que dele procede – Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria (M-D-M). Desse núcleo elementar passaremos então às determinações mais concretas. Primeiro, apresentando a análise geral das crises do capitalismo de maturidade, o do século XIX inglês, cujos elementos Marx nos forneceu. Depois, caracterizando mais especificamente a crise actual como crise do capitalismo senil, período histórico em que o processo de acumulação cada vez mais se processa aos soluços: a crise torna-se permanente, entrecortada por fases de crescimento cada vez mais curtas (ao contrário das crises “decenais” seguidas por retomas bastante sustentadas da época da maturidade). E é por isso que se pode falar, relativamente à época contemporânea dos últimos trinta anos, da crise e não das crises.
Seremos então conduzidos, na análise desta fase senil, a dar uma atenção especial ao capital financeiro. Porque ele se revela, e é apresentado pelos especialistas, como o factor explicativo essencial da crise contemporânea. E não é certamente por acaso que esta se manifesta como o rebentar de diversas bolhas financeiras à superfície do caldeirão capitalista: crashes bolsistas, falências bancárias, montões de dívidas privadas e públicas, derrocada das moedas, especulações, etc. É fácil confundir o fenómeno aparente com a doença, quando ele é apenas a febre. Donde a ideia de que as causas da crise moderna seriam o gigantismo da “finança” e a recusa dos governos liberais, do FMI, dos gnomos de Zurique ou de outras partes, de controlarem os movimentos dessas finanças e de assim livrarem o mundo do seu domínio.
Esta ideia não aparece por acaso. De facto, a forma financeira do capital é vista pelos burgueses como forma ideal do capital, aquela que realiza plenamente aquilo que, aos seus olhos, é a sua essência: dinheiro que gera dinheiro (D-D’). Para eles, o capital é dinheiro. A forma financeira do capital é por isso, também, como disse Marx, o cúmulo do fetichismo, a forma mais imaginária de valorização do capital. Mas, por ser tomada como representação ideal e natural da riqueza, daí resulta que os movimentos do capital financeiro induzem os comportamentos. O capital financeiro é um tipo de dinheiro que parece produzir tanto mais riqueza quanto mais se automultiplica por meio do crédito. Assume-se como verdadeiro capital, faz crescer a massa de capital que pretende receber uma parte da mais-valia social. Até chegar o dia em que é forçoso constatar que a mais-valia social é insuficiente para alimentar os juros e os dividendos de todo esse capital. O que revela esse carácter fictício é o crash.
Por mais importante que possa ser o seu papel, o capital financeiro não passa de uma das formas do capital entre outras, uma forma da propriedade. A sua hipertrofia é apenas um factor de agravamento das crises. Mas só o é na medida em que se apresenta como capital, quer dizer, na medida em que se apresenta relacionado com a produção de mais-valia. É esta relação que temos de analisar para explicar a crise, e não apenas uma das formas que assume necessariamente o capital na série de metamorfoses que constituem o seu processo de valorização. “A crise real só pode ser trazida à luz a partir do movimento real da produção capitalista, da concorrência e do crédito”, escreveu Marx.
A ideia de que a crise provocaria a derrocada do capitalismo sobre si mesmo, com “o fim do trabalho” (o que seria, claro, o fim do proletariado, da mais-valia, ou seja, da burguesia), resulta de simplismos proféticos e utópicos professados por certos ideólogos. Dessa maneira, eles fogem a encarar o movimento revolucionário na complexidade das contradições que tem de resolver. O seu objectivo mais ou menos consciente é adormecer e desarmar o proletariado. Pois só a luta de classes poderá, ao longo de um processo histórico de transição para a abolição das classes, decidir o resultado: socialismo ou barbárie, segundo o exacto dilema.
O que é certo, do nosso ponto de vista, é que a crise mina o poder político da burguesia. Esta tem de resolver uma série de dificuldades para reproduzir a sociedade tal como ela é, capitalista, o que sapa as alianças de classes em que se baseia a sua hegemonia política, na sua forma chamada democracia, e sapa também a ordem imperialista internacional. Além disso, a análise da crise actual permite-nos também afirmar com certeza que a crise está só nos seus começos. Quer dizer, que as perturbações políticas, as ditaduras, as guerras imperialistas por uma ordem mundial, os movimentos de resistência, as revoluções – tudo isso vem aí. É na perspectiva dessas confrontações inevitáveis que se inscreve a luta acerca das causas da crise que exacerba esses antagonismos. Porque a luta que se trava em torno das causas é ao mesmo tempo, evidentemente, a luta em torno das soluções e das suas possibilidades. É para isso que se pretende contribuir com esta obra.

Notas
[1]. Trecho de entrevista publicada em http://www.jornalmudardevida.net/?p=1742
[3]. Dirigente do Partido Comunista português no qual ingressou por volta de 1953. Já em 1956 começa a questionar a linha revisionista do PCUS, após o XX Congresso. Em 1963 se afasta do PCP e lidera a primeira ruptura com a linha revisionista e reformista do PCP na conjuntura do conflito entre o Partido Comunista Chinês e os partidos reformistas liderados pela camarilha de Khrushchev a frente do PCUS, se tornando o mais importante dirigente político e teórico do movimento comunista português na luta contra o reformismo do PCP. Antes, a 3 de Janeiro de 1960, juntamente com Álvaro Cunhal e outros militantes do PCP, participou com os chamados "Dez de Peniche" da célebre "fuga de Peniche", quando protagonizaram um episódio lendário na história da luta de classes em Portugal, reforçando a luta de classes contra o salazarismo.
[5]. Edições Dinossauro. Apartado 1682, 1016-001 - Lisboa.
[6]. Observamos pequenas diferenças entre o texto que reproduzimos e o que consta na edição em português da Edições Dinossauro, diferenças que em nada prejudicam a compreensão ou o sentido do texto.

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