O “debate” eleitoral passou
ao largo das verdadeiras medidas econômicas e sociais que estão em discussão e
deverão ser tomadas pelo governo a partir de 2015, seja ele qual for. Na
verdade, não se discute se haverá ou não um ajuste recessivo, anti-trabalhador,
mas “apenas” como este “ajuste” será operacionalizado, concretizado.
As eleições de 2014 tratam de atualizar o programa de
classe da burguesia, numa conjuntura
internacional marcada por um largo período de crise do imperialismo, desde
2007, sem sinais de reversão, com baixo crescimento econômico (quando muito!)
nos principais países imperialistas e maior concorrência na economia mundial,
com queda nos preços das commodities
exportadas pelo Brasil e paralisia econômica no país.
A dissimulação das medidas
reais a serem adotadas é um dos pontos em comum entre as duas candidaturas no
2º turno, indicativo de seu compromisso com as classes dominantes, que a
“agressividade” dos discursos das campanhas cumpre a função de ofuscar. Além
disso, a convergência entre o programa dos dois candidatos pode chegar
inclusive ao detalhamento das medidas de “ajuste”.
O PSDB acentua mais claramente
a defesa do chamado “tripé” econômico – câmbio flutuante, meta de inflação (ou
seja, mais juros) e controle fiscal. Sobre este último ponto, Armínio Fraga, já
indicado para assumir o Ministério da Fazenda num eventual governo Aécio Neves,
aponta para um corte de gastos ao longo de um, dois, três ou mais anos, em
lugar de um “ajuste fiscal bruto” já no próximo ano.[i]
Dentre os citados[ii]
para o Ministério da Fazenda em um segundo mandato de Dilma está Otaviano
Canuto, que participou do primeiro governo Lula e é, faz uma década, Diretor no
Banco Mundial por indicação do governo petista. Sem meias palavras, Canuto
concorda com Fraga: o alcance da “Meta fiscal poderá ser plurianual”[iii].
Como é evidente, trata-se de ampliar a liberação de recursos para a acumulação
capitalista, tanto pelo aumento do superávit primário quanto pelo maior
investimento nas parcerias público-privadas.
O posicionamento de ambos
não converge apenas em relação à política fiscal, mas também sobre a
inflação. Canuto defende o “realinhamento” (ou seja, tarifaço) dos preços
regulados, como energia elétrica e gasolina. Também estão de acordo que a
pressão da “desvalorização cambial” implica “criar um pavio de elevação da inflação” (nas palavras de Canuto).
Só faltou dizer que o tarifaço já começou, com aumento médio da energia
elétrica residencial de 17% neste ano, superando 30% em alguns estados. Outro
tanto já está reservado para o ano que vem.
Outro “concorrente” ao
Ministério da Fazenda num segundo mandato de Dilma, Nelson Barbosa, ex-número 2
de Mantega, é ainda mais explícito: o ajuste não só é necessário, como já
começou neste ano, mesmo com as eleições. Em seminário na FGV do Rio de
Janeiro, mencionou as seguintes medidas de “ajuste” já efetuadas: o aumento nos
preços “administrados” e o aumento nos juros, acarretando a desaceleração do
crescimento do PIB e a piora no mercado de trabalho.[iv]
Todas essas medidas se
conectam com a necessidade de retomar as “reformas”. Provavelmente, uma área a
ser atingida por “medidas dolorosas” será a do direito ao seguro-desemprego.
Como sinaliza Canuto: “como podem os
gastos com abono e seguro-desemprego estarem tão elevados num contexto em que a
taxa de desemprego é baixa? Tem que abrir cada caixinha dessas. E são medidas dolorosas, porque vão afetar
direitos que as pessoas vêem como adquiridos” (negrito nosso). Como
mostramos anteriormente, não há nenhum mistério, basta considerar a permanente
alta da rotatividade do emprego.[v]
Apenas em relação ao
seguro-desemprego, estamos falando de recursos da ordem de mais de R$ 40
bilhões, em 2013. Aliás, o governo Dilma já tomou medidas para dificultar a
concessão do seguro-desemprego. Outras medidas mais duras também foram
elaboradas e/ou estão em análise, desde 2013: a ampliação do tempo de trabalho dos
atuais 6 meses para 18 como requisito para ter direito ao seguro-desemprego e a
redução do número de parcelas conforme o número de solicitações[vi].
Estas ações estão conectadas às medidas para
aprofundar a exploração dos trabalhadores, em grau avançado de entendimento
entre o governo e os representantes sindicais e empresariais, apresentado como Programa Nacional de Proteção ao
Emprego. Uma das medidas discutidas é permitir a flexibilização da jornada de
trabalho com redução de salário. A jornada poderia ser reduzida à metade
durante seis meses e, neste período, o trabalhador receberia pouco mais de 50%
do salário, sendo uma parte paga pelo governo. Os elos com o seguro-desemprego
são apresentados por Sérgio Nobre, secretário-geral da CUT:
“Hoje, temos um
sistema invertido no Brasil, onde o trabalhador recebe um seguro-desemprego por
um tempo, mas perde o emprego. Com esse sistema queremos proteger o trabalhador
e manter o emprego” (“Corte de
jornada e salários divide centrais”. O Globo, 02/05/2014, p. 20).[vii]
Trata-se de abrir caminho para o avanço da
flexibilização da CLT. E isso está
totalmente de acordo com o sentido real da famosa frase “nem que a vaca tussa”,
de Dilma. Só para relembrar, a candidata à reeleição disse isso em encontro com
empresários na Associação Comercial e Industrial de Campinas. A frase inteira
é:
“Quando se mudam as relações de trabalho, a
legislação tem que mudar. Essas
mudanças na legislação não podem ser comprometendo direitos. Se essas mudanças precisam ser feitas para
garantir que todas as alterações sejam absorvidas, eu acredito que sim.
Agora vamos ter clareza disso: 13º, férias e hora extra, [não se muda] nem que a vaca tussa” (negritos nossos)[viii].
A flexibilização da CLT,
inspirada no modelo alemão de relações capital-trabalho, caminha na esteira da
ideia apoiada pela burguesia e pelo “sindicalismo de parceria”, (principalmente
CUT e Força Sindical) com o capital: permitir que o negociado prevaleça sobre o
legislado, o denominado Acordo Coletivo Especial (ACE). Tal formulação,
originalmente apresentada pela direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC[ix],
ganhou força com o apoio da direção da CUT.
É certo que seja qual for o governo eleito, o mesmo
encaminhará uma ofensiva contra a classe operária e os demais trabalhadores.
Tanto mais pelo reforço das posições conservadoras, cujo resultado eleitoral do
1º turno é a face mais visível do (longo) processo de desorganização e
enfraquecimento político da classe operária e dos trabalhadores.
Por isso, ao se especular
sobre o reposicionamento do PT perante a atual “onda conservadora”, como faz
Guilherme Boulos[x],
deve-se ter em mente que seu surgimento conta com a participação ativa dos
governos Lula/Dilma e do PT no fortalecimento das posições burguesas, num
espectro político que vai do liberalismo econômico ao conservadorismo
religioso: “com o governo do PT, a direita no Brasil [...] não sofre abalos nem
perdas materiais ao mesmo tempo em que ganha espaço e é legitimada no plano
político”, concluiu um pensador e militante de esquerda, ainda em outubro de
2007.[xi]
Mas, desde 2011, a conjuntura de baixo crescimento
econômico e especialmente as lutas de diferentes segmentos das classes
trabalhadoras intensificadas com as manifestações de 2013 questionam a eficácia
da política de conciliação de classes dos governos petistas[xii].
Ainda incipientes, essas lutas se mantêm no plano difuso sem conseguir reverter
o quadro de dispersão política e organizativa entre os trabalhadores.
Diferentemente, a burguesia e setores da pequena-burguesia passaram a travar
mais abertamente a luta política e ideológica, recebendo o apoio do governo
petista para atualizar os aparelhos repressivos (militar e jurídico) do Estado
burguês.
O que fazer nas eleições
tendo em mente tal cenário? A classe operária e demais classes dominadas não
devem ficar a reboque de escolher, a cada 4 anos, quem vai gerenciar o aparelho
de Estado em proveito da burguesia. Não devem ficar satisfeitas por escolher
periodicamente seu explorador, rezando apenas para que ele seja o “menos pior”.
A escolha do “mal menor”
tem sido o dilema das “esquerdas” nas eleições com a “polarização” PT – PSDB.
Exemplo desse dilema é o recente artigo de Marcelo Badaró ao propor uma “frente
de esquerda” para o “voto crítico” em Dilma. Afirma o professor:
“(...) entendo que teria um efeito pedagógico exemplar,
se os partidos de esquerda e as organizações mais combativas do movimento
social, se reunissem nos próximos dias e apontassem uma pauta de compromissos
mínimos que viabilizaria o voto em Dilma no segundo turno das eleições. (...)
diante da (falta de) resposta petista a tal pauta, os que apontam o voto em
Dilma, poderiam ir além do voto ‘útil’, em direção de fato a um voto ‘crítico’,
assim como os defensores do voto nulo teriam ainda mais elementos para reforçar
sua posição.”[xiii]
Para nós, é a pedagogia das
lutas, e não a das cartas de compromissos, que deve ser construída no
cotidiano, em que os operários e os trabalhadores proclamam em voz alta suas
reivindicações e seus direitos. E, ao mesmo tempo, tomam consciência de sua
força, na luta coletiva, em que cada operário não pensa unicamente em si mesmo,
mas também em seus companheiros, iniciativa que possibilita aprendizado e
organização de classe.
Quando falamos mais acima que a classe operária e os
trabalhadores estão desorganizados isso significa, precisamente, que estes não
possuem um programa político próprio de lutas para intervir na conjuntura. Em
consonância com o texto do Coletivo Centro de Estudos Victor Meyer[xiv],
torna-se inócua a ideia de uma “frente”, pois a classe operária e os
trabalhadores não possuem força no plano político para obter compromissos de
qualquer candidato ou partido da ordem.
Trata-se, portanto, de
centrar os esforços para avançar na mobilização e organização das lutas dos trabalhadores,
superando o falso dilema que tem (i)mobilizado a maioria da “esquerda”.
A
tarefa dos revolucionários deve ser a participação cotidiana nas lutas
econômicas e políticas da classe operária e dos trabalhadores, compartilhando
suas vitórias e derrotas, aprendendo com suas experiências, no difícil e
demorado trabalho de organização política do proletariado. Como nos ensina
Marx, “o proletariado que não quer se ver tratado como gentalha, necessita de
sua valentia, de seu sentimento de dignidade, de seu orgulho e de seu sentido
de independência mais que do pão”.
[i] Ver a matéria: Armínio diz não ser necessário 'ajuste fiscal bruto'. O Globo, 08/10/2014, p.3.
[v] Coletivo Cem Flores. A alquimia do
governo Lula: como transformar trabalhadores brasileiros em chineses. http://cemflores.blogspot.com.br/2011/05/alquimia-do-governo-lula-como.html
[vii] Esses mesmos recursos do
seguro-desemprego também são utilizados no período do chamado lay-off, suspensão temporária do
contrato de trabalho, que hoje já atinge mais de 14 mil operários, sendo mais
de 5 mil da indústria automobilística. E, se após esse período, o trabalhador
for demitido ele não tem direito a recorrer ao beneficio, uma vez que o mesmo
já foi utilizado durante os cinco meses do lay-off.
[x] Guilherme Boulos. Onda Conservadora. Folha de São Paulo, 09/10/2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2014/10/1529543-onda-conservadora.shtml
[xi] Caio Navarro de Toledo. Partido dos
Trabalhadores e governo Lula: a regressão da luta ideológica. Crítica marxista,
v. 1, n. 26, 2008, p.117-138. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo151artigo7.pdf
[xii] Coletivo Cem Flores. Notas sobre a
conjuntura da luta de classes e as eleições de 2014. http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2014/09/Coletivo-Cem-Flores-dossie.pdf
[xiv] Centro de Estudos Victor Meyer. Por
uma plataforma de lutas e pela mobilização independente dos trabalhadores.
Disponível em: http://centrovictormeyer.org.br/voto-critico-voto-nulo/
Um comentário:
Camaradas,
as análises econômicas de vocês são fundamentais. No entanto, grande parte da "esquerda" e de setores de fato progressistas, sobretudo da juventude, veem no PT um diferencial no tocante à "tolerância cultural": o PT dialogaria com os movimentos sociais, de raça, gênero, sexualidade...
Fica um desafio e pergunta para pensarmos: quais avanços reais tivemos nessas demandas democráticas? Me inclino a pensar que, assim como no movimento sindical, o PT mobiliza a participação desses setores para fortalecer a paralisação e a cooptação das lideranças e levantes. Nesse sentido, os "ganhos" se revertem em derrotas imensas a longo prazo. Mas, em período eleitoral, todos parecem que vão tirar o pai da forca... (do jeito que a ideologia burguesa gosta).
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