No começo deste ano, o Blog Cem Flores publicou um documento sobre
a conjuntura internacional para a discussão com nossos camaradas e leitores, “A
Crise do Imperialismo ‘Globaliza’ o Acirramento da Luta de Classes” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/01/a-crise-do-imperialismo-globaliza-o.html#more). Dos debates que se seguiram, ficou
evidente a necessidade de um esforço similar para a avaliação da conjuntura
nacional, com o desenvolvimento, a atualização e a crítica das nossas próprias
formulações anteriores.
A partir dessa constatação foi elaborado o documento a seguir, na
tentativa de contribuir com a discussão sobre a conjuntura brasileira com nossos
camaradas e leitores, buscando analisar tanto os fatos mais atuais dessa
conjuntura quanto seus condicionantes “estruturais”. Esse documento sobre a conjuntura
brasileira, que se inicia nesta postagem, será seguido de outras três postagens
sequenciais. A primeira, abaixo, inicia com o acompanhamento da evolução dessa
conjuntura neste ano, a partir da última divulgação do PIB, avaliando o
desempenho mais recente da economia brasileira, sendo seguida dos traços mais
gerais da nossa formulação, tanto da crise do imperialismo, quanto da regressão a uma situação colonial de novo
tipo.
Os posts seguintes
trarão nossas análises sobre a desindustrialização e sobre a reprimarização,
tendências constitutivas da já mencionada regressão,
finalizando com a avaliação dos impactos dessa conjuntura sobre as condições da
classe operária e demais classes exploradas.
Blog Cem Flores
Brasil:
Crise e Regressão (Parte 1)
“A intelectualidade socialista só poderá pensar num trabalho
fecundo quando acabar com as ilusões e passar a buscar apoio no desenvolvimento
real e não no desenvolvimento desejável da Rússia, nas relações socioeconômicas
efetivas e não nas prováveis. Seu trabalho TEÓRICO
deverá, ademais, encaminhar-se para o estudo
concreto de todas as formas de antagonismo econômico existentes na Rússia, ao
estudo de sua conexão e de seu desenvolvimento consecutivo; deverá colocar a nu este antagonismo em todas as
partes onde esteja encoberto pela história política, pelas peculiaridades do
ordenamento jurídico e pelos preconceitos teóricos estabelecidos. Deverá oferecer um quadro completo da nossa
realidade como sistema determinado de relações de produção, assinalar a
necessidade da exploração e da expropriação dos trabalhadores neste sistema,
assinalar a saída desta ordem das coisas, indicada pelo desenvolvimento
económico.
Esta teoria, baseada no estudo detalhado e minucioso da história e
da realidade russas, deve dar resposta às demandas do proletariado, e se satisfizer
as exigências científicas, todo o despertar do pensamento rebelde do
proletariado conduzirá inevitavelmente este pensamento ao leito da socialdemocracia.
Quanto mais progrida a elaboração desta teoria tanto mais rápido será o
crescimento da socialdemocracia…”.
LÊNIN[1]
No dia 29 de agosto, o IBGE divulgou as estatísticas do PIB do
segundo trimestre deste ano, revelando que tanto nesse trimestre quanto no
anterior houve queda do conjunto da atividade econômica. Esses resultados
negativos expressam a crise econômica
atravessada pelo país, atingindo o conjunto dos setores da economia, ainda que
de forma heterogênea. Conforme o semanário lulista Carta Capital:
“As
quedas seguidas do PIB lideraram a onda de notícias negativas sobre o
desempenho recente da economia. O déficit primário do setor público de 4,7
bilhões de reais em julho, a redução da produção de veículos em 22,4% em
agosto, uma nova queda na confiança dos empresários da indústria e do setor de
serviços e as taxas de juros mais altas desde 2011 integraram o quadro de
informações ruins. Houve fatos positivos, insuficientes para reverter o
pessimismo. O principal deles foi o aumento de 0,7% na produção industrial de
julho sobre o mês anterior, segundo o IBGE, depois de cinco quedas sucessivas.”
(O Brasil Não Vive Recessão, Mas Uma
Estagnação, de 10.09.2014. http://www.cartacapital.com.br/revista/816/o-nome-e-estagnacao-9916.html)
Diante dessa crise e, à época, em plena campanha eleitoral, os candidatos
governista e oposicionista trocam acusações e apontam culpados, na tentativa de
aparecerem para as classes dominantes como a melhor alternativa para
“gerenciar” o país e retomar os lucros da burguesia. A Presidente Dilma saiu-se
com a risível explicação de que se tratava de questão “momentânea”. Para ela, a Copa do Mundo causou “a maior quantidade de feriados na história do Brasil”. Já o (quase
ex-) Ministro Mantega, além da Copa do Mundo, citou desde a economia internacional
até o crédito escasso, os altos juros (como se não fossem aumentar ainda mais,
só passada a eleição...) e a seca. Para a oposição, trata-se da adoção de
políticas econômicas incorretas e do fracasso do modelo do PT[2].
Na disputa eleitoral entre as candidaturas das classes dominantes,
a crise brasileira atual tornou-se mera questão semântica. Para os
oposicionistas, é “recessão técnica”, devido aos dois trimestres consecutivos
de queda do PIB, como apregoa a revista Veja (http://veja.abril.com.br/noticia/economia/economia-brasileira-entra-em-recessao-com-recuo-de-06-no-segundo-trimestre). Para os governistas, por outro lado,
“apenas” uma “estagnação”, como ilustra o título da mencionada matéria de Carta
Capital[3]. Seria,
assim, o velho dilema entre o copo meio cheio ou meio vazio. O mais importante,
no entanto, é o que podemos concluir a partir desse jogo de palavras: ambas as
“explicações” para a crise brasileira atual situam-se no mesmo ponto de vista
em termos de classe, ou seja, e como não poderia ser diferente, as candidaturas governista e oposicionista expressavam e defendiam os interesses e a
ideologia das classes dominantes[4].
Neste artigo queremos contribuir para a análise marxista da crise
econômica brasileira, apresentando os dados empíricos mais relevantes e os
analisando a partir da noção de regressão
a uma situação colonial de novo tipo.
I. A crise econômica brasileira
atual nos dados do PIB do IBGE
O IBGE apresenta quatro métricas para analisar a evolução do PIB,
alterando tanto o período de referência quanto o comparativo. Como pode ser
visto na tabela 1, o “enfraquecimento” da economia é inequívoco em todas elas.
Ou seja, como diriam os economistas, a crise é “robusta”, qualquer que seja sua
especificação.
Na última linha da tabela 1 pode-se desmentir facilmente o aspecto
meramente “momentâneo” da crise, mencionado por Dilma. Dos quatro últimos
trimestres, três apresentaram variações
negativas quando comparados ao imediatamente anterior. Ou seja, faz já um ano
que a crise da economia brasileira se acentuou.
Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, há
desaceleração constante, até a queda do segundo trimestre deste ano. Por fim, o
PIB acumulado em quatro trimestres só apresenta crescimento de 1,4% por uma
questão estatística. Até o final do ano, mesmo se houver uma improvável
retomada do crescimento econômico (mais uma vez, meramente estatística), esse
percentual cairá para algo entre zero e 0,5%[5].
Tabela 1 – Principais resultados do PIB a preços de
mercado
do 2º trimestre de 2013 ao 2º trimestre de 2014.
Taxas (%)
|
2013.II
|
2013.III
|
2013.IV
|
2014.I
|
2014.II
|
Acumulado ao longo do ano / mesmo
período do ano anterior < Anexo: Tabela 3 > |
2,7
|
2,6
|
2,5
|
1,9
|
0,5
|
Últimos quatro trimestres / quatro
trimestres imediatamente anteriores < Anexo: Tabela 4 > |
2,0
|
2,4
|
2,5
|
2,5
|
1,4
|
Trimestre / mesmo trimestre do ano
anterior < Anexo: Tabela 2 > |
3,5
|
2,4
|
2,2
|
1,9
|
-0,9
|
Trimestre / trimestre imediatamente
anterior (com ajuste sazonal) < Anexo: Tabela 7 > |
2,1
|
-0,6
|
0,5
|
-0,2
|
-0,6
|
Ao analisarmos esses dados econômicos de uma forma mais
desagregada, na tabela 2, fica evidente que a crise é puxada pela indústria, em
queda já faz quatro trimestres, com destaque para a chamada indústria de
transformação, embora a construção civil também tenha registrado uma queda
forte recentemente[6].
Os dados revelam uma profunda recessão na indústria brasileira (com possível
exceção da indústria extrativa mineral) que detalharemos na postagem seguinte ao
tratarmos da desindustrialização,
fenômeno constitutivo da regressão a uma
situação colonial de novo tipo.
Acompanha a recessão industrial a acentuada contração dos
investimentos, denominados pelo IBGE de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF),
que voltaram ao nível do começo de 2010. Essa queda – de 5,3% na variação
trimestral (a maior desde a recessão de 2008/09) e de 11,2% na anual – ocorre
não obstante as centenas de bilhões de reais de empréstimos do BNDES a juros
reais negativos, além da continuidade e aprofundamento das mesmas medidas em
prol do aumento das taxas de lucro da burguesia já adotadas pelos governos
petistas ao menos desde 2009.
O investimento capitalista, a capitalização da mais-valia ou
reprodução ampliada do capital, ocorre em função das perspectivas de lucro, e
não apenas do dinheiro subsidiado (que, é claro, é muito bem vindo para o
capital!). Com a economia em crise, o aumento dos investimentos apenas iria
aumentar a capacidade produtiva instalada e não utilizada. Ou seja, esse
investimento, de forma agregada, não atuaria efetivamente como capital – valor
que consegue se valorizar em escala crescente. Assim, o dinheiro subsidiado
acaba financiando seja a centralização de capital, seja sua acumulação
fictícia, especulativa, quer no mercado de títulos de dívida a juros
elevadíssimos, quer na bolsa de valores[7].
Tabela 2 – Evolução do PIB
desagregado
Indicadores
|
|||||||
PIB
|
Agrope-cuária
|
Indús-tria
|
Servi-ços
|
FBCF
|
Consumo Famílias
|
Consumo Governo
|
|
2º TRI 2014 / 1º TRI 2014
|
-0,60%
|
0,20%
|
-1,50%
|
-0,50%
|
-5,30%
|
0,30%
|
-0,70%
|
2º TRI 2014 / 2º TRI 2013
|
-0,90%
|
0,00%
|
-3,40%
|
0,20%
|
-11,20%
|
1,20%
|
0,90%
|
Acumulado em 4 tri / 4 tri imediatamente anteriores
|
1,40%
|
1,10%
|
0,50%
|
1,60%
|
-0,70%
|
2,10%
|
2,20%
|
Acumulado 2014 / Acumulado 2013
|
0,50%
|
1,20%
|
-1,40%
|
1,10%
|
-6,80%
|
1,70%
|
2,10%
|
VALORES CORRENTES NO TRIMESTRE (R$)
|
1.271,2
bilhões |
82,5
bilhões |
255,0
bilhões |
750,1
bilhões |
209,8
bilhões |
799,4
bilhões |
271,8
bilhões |
Embora não apresentado na tabela 2, o setor externo também é considerado
nas contas nacionais, mediante as exportações e importações de bens e serviços.
No segundo trimestre, informa o IBGE, as exportações cresceram devido a
petróleo e carvão, produtos agropecuários, metalúrgicos e siderúrgicos e óleos
vegetais. Veremos em postagem posterior que isso está relacionado à reprimarização das exportações
brasileiras e ao predomínio da produção
de commodities. Já as importações
caíram no período, com a diminuição tanto de bens de capital como de consumo, o
que reflete a recessão industrial e queda dos investimentos, além da própria
crise econômica.
Apenas essa breve análise dos dados do PIB, conforme a divulgação
do IBGE ao final de agosto, já é mais que suficiente para mostrar o cenário generalizado de crise que atinge a
economia brasileira e que deve prolongar-se pelos próximos anos. Estamos
vivendo um período de forte contração dos investimentos, recessão industrial
prolongada, queda nas exportações, nas importações e nos serviços
(especialmente no comércio), desaceleração do consumo e estagnação/redução do
emprego. Ocorre que essa análise meramente empírica não explica as causas mais
profundas da crise. Nos itens a seguir apresentaremos os principais aspectos de
nossa análise da crise atual, bem como buscaremos fundamentá-la nos dados
disponíveis da realidade econômica e social da luta de classes no país.
II. “Regressão a uma situação colonial de novo tipo” como explicação da
crise econômica brasileira atual
Em texto de
fevereiro de 2006, “Formação econômico-social brasileira: regressão a uma situação colonial
de novo tipo” (https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Regress%C3%A3o.pdf?attredirects=0&d=1) – que reproduzimos como capítulo em nosso
livro “Luta de Classes, Crise do Imperialismo e a Nova Divisão Internacional
do Trabalho” (http://www.quefazer.org/formacao_economico-social%20brasileira.html) – caracterizamos a regressão como o conjunto de transformações na estrutura da
formação econômico-social brasileira, desdobramento das modificações na
economia mundial, no sistema imperialista.
A
reconfiguração do sistema imperialista – que se efetua a partir dos movimentos
do capital na busca por reagir ou mesmo tentar superar sua crise iniciada a
meados dos anos 1970 e, com isso, retomar as taxas de lucro – impulsionou
maiores centralização e internacionalização dos monopólios transnacionais dos
países imperialistas, levando à transferência de importante parcela de sua
produção para países nos quais, entre outras vantagens para a produção
capitalista, a força de trabalho tem baixíssima remuneração, principalmente a
China. Essa configuração de uma nova divisão internacional do trabalho
redefiniu o “lugar” do Brasil no sistema imperialista. Os rearranjos na
estrutura produtiva brasileira, cujo conjunto denominamos de regressão a uma situação colonial de novo
tipo, respondem (de forma ativa) a essas determinações externas, nas
possibilidades e nos limites estabelecidos pelas contradições internas e pela
luta de classes.
A regressão a uma situação colonial de novo
tipo, portanto:
“significa uma mudança na estrutura
econômica, social e política da formação social brasileira sob o peso de forte
ofensiva econômica, política, ideológica e militar do imperialismo na esfera
mundial.
As mudanças na estrutura econômica se
expressam em transformações que visam
atender as necessidades da nova configuração da divisão internacional do
trabalho que vai tomando a economia mundial:
1 – fornecimento de commodities;
matérias-primas (petróleo, ferro, aço, alumínio, cobre, etc. madeira, couro,
etc.) e alimentos (grãos, carne bovina, frango, sucos, açúcar etc.) para o novo
pólo industrial asiático;
2 – ocupação do mercado interno por bens de
consumo superproduzidos no mercado mundial;
3 – obtenção de ganhos de escala para o setor
industrial nas mãos do capital externo, oferecendo infraestrutura e força de
trabalho barata;
4 – constituição de um mercado financeiro
capaz de valorizar o capital sobreproduzido na economia mundial.” (negrito nosso).
As principais mudanças na
estrutura econômica brasileira, visando atender essas determinações
externas – ou seja, o capital se movendo de setores que passaram a ser menos
dinâmicos e, em geral, com menor lucratividade, para aqueles que se tornaram
mais dinâmicos, com maior demanda (principalmente externa) e, portanto, com
perspectiva de maior taxa de lucro –, que identificamos ainda em 2006,
incluíam:
1) a
desindustrialização;
2) a
constituição/o reforço das plataformas de produção e montagem para exportação;
3) a
especialização na produção e exportação de commodities
agrícolas (a rigor, agropecuárias, embora predominantemente agrícolas) e
minerais;
4) e
a montagem/o desenvolvimento de sistema voltado à remuneração do capital
financeiro e fictício.
O desenvolvimento desse processo de regressão – a partir do final dos anos 1980, tendo como marco o
governo Collor e se intensificando nos governos FHC e Lula – no bojo das
tendências que moveram o imperialismo, anteriores à eclosão da crise ao final
de 2007, especialmente o elevado crescimento chinês, possibilitou relativo aumento nas taxas de crescimento
do país no quinquênio 2004-8, para uma média anual de 4,8%. Caracterizam o
período a colossal demanda chinesa por commodities
agrícolas e minerais, criando um boom
nos preços internacionais desses produtos, e o crescimento dos fluxos de
capitais para os chamados “mercados emergentes”.
Esse processo permitiu ao Brasil registrar saldos comerciais
recordes, que superaram US$ 40 bilhões; obter inéditos superávits seguidos nas
suas transações correntes de 2003 a 2007; registrar ingressos recordes de
capitais estrangeiros em todas as modalidades, atingindo US$ 87,5 bilhões líquidos
em 2007; e acumular centenas de bilhões de dólares em reservas internacionais
(aplicados em títulos da dívida pública dos EUA). Além disso, o crescimento e
esses fluxos de capitais permitiram uma rápida expansão do mercado de crédito
(que, por sua vez, estimulou o crescimento e os lucros do capital financeiro,
endividando as classes dominadas) e uma relativa “folga” de recursos fiscais no
governo, fonte da expansão dos programas sociais destinados a conter a revolta
dos despossuídos (e que também estimularam o crescimento).
A eclosão da crise do
imperialismo no final de 2007 – crise que está ainda longe de se encerrar,
seja qual for o critério utilizado – bloqueia, no primeiro momento, as
condições de acumulação em todo o sistema, mediante brutal queima de capitais,
que se expressa nas / é a expressão das vertiginosas quedas da produção, da
demanda e do comércio mundiais. O capital, em busca de retomar sua valorização,
acirra sua ofensiva contra a classe operária e demais trabalhadores, buscando
das mais diferentes formas rebaixar seus salários e as condições de sua
reprodução, bem como impedir os protestos da classe sofisticando seus
mecanismos de repressão estatal; ao tempo que obtém de seus Estados programas
sucessivos de “incentivos”, dinheiro a juros negativos, reduções de impostos e
subsídios diversos. Nessas novas condições de acumulação e da luta de classes,
o capital retoma seu processo errático de buscar melhores condições para sua
reprodução e lucratividade, considerando as novas diferenças que os impactos da
crise do imperialismo causaram nas condições de acumulação nos diferentes países.
Esses
movimentos provocam mudanças significativas no sistema imperialista mundial,
seja do ponto de vista econômico, seja incorporando aspectos políticos e
ideológicos, que buscamos analisar no texto “A crise do imperialismo
‘globaliza’ o acirramento da luta de classes”, de janeiro deste ano (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/01/a-crise-do-imperialismo-globaliza-o.html#more). Enumeramos abaixo essas principais
tendências decorrentes da crise do imperialismo em curso:
1)
importante
rearranjo no sistema econômico mundial, modificando a divisão internacional do
trabalho;
2) questionamento
das existentes zonas de influência/dominação dos países imperialistas, e
impulso/fortalecimento, de forma contraditória, de novos acordos/alianças
interimperialistas;
3)
modificação
das condições de acumulação do capital em todos os países, rebaixando os custos
de reprodução da força de trabalho;
4)
ajuste
às novas condições de todas as políticas voltadas a ampliar as condições de
acumulação do capital por meio dos aparelhos de estado, buscando aumentar as
taxas de lucro;
5)
aprofundamento
da luta de classes entre burguesia e proletariado.
No Brasil, a crise do imperialismo provocou forte recessão do
final de 2008 ao início de 2009, seguida de uma curta recuperação em 2010 e de
já quatro anos de crise, de 2011 a 2014, com crescimento econômico baixo e em
queda, média anual por volta de 1,6% (idêntica a dos anos 1980, conhecidos como
“década perdida”), condição que deverá permanecer nos próximos anos. Ou seja,
longe da “marolinha” da propaganda lulista, a crise do imperialismo e os
rearranjos da economia mundial dela decorrentes provaram ter impactos de longo
prazo na formação econômico-social brasileira.
Acreditamos poder avançar a tese geral
de que os rearranjos da economia brasileira às determinações do sistema
imperialista, a regressão a uma situação
colonial de novo tipo, se por um lado possibilitaram um relativo aumento do
crescimento no quinquênio 2004-2008, por outro, nas novas condições geradas/em
geração a partir da crise do imperialismo, constituem as principais causas da
crise econômica que atravessamos atualmente.
III. Impactos da crise do imperialismo
atual na economia brasileira
Sete anos já se passam desde o início da recessão nos países
imperialistas, agudizando a crise do imperialismo que segue sem final a vista.
Se, por um lado, a crise do imperialismo está provocando importantes modificações
no sistema da economia mundial (para a análise das quais remetemos ao nosso
texto de janeiro deste ano: “A crise do imperialismo “globaliza” o
acirramento da luta de classes”, http://cemflores.blogspot.com.br/2014/01/a-crise-do-imperialismo-globaliza-o.html#more), por outro, essas próprias modificações,
atuando nos limites das contradições internas e da luta de classes em cada
país, geram as atuais recessões, estagnações ou desacelerações que vemos ao
redor do mundo. Cada fugaz expectativa de retomada logo se desmancha no ar.
Apenas para usarmos uma de inúmeras constatações recentes desses
fatos, o Interim Economic Assessment,
da OCDE, de 15 de setembro passado (http://www.oecd.org/eco/outlook/Interim-Assessment-Handout-Sep-2014.pdf), rebaixou
as previsões de crescimento para todos os países analisados neste ano
(exceção da Índia) e no próximo (exceção do Reino Unido, +0,1%, o que pode se
revelar excesso de otimismo!). Para a China, as projeções foram mantidas em
7,4%, em 2014, e 7,3%, em 2015, longe do padrão médio de 10% registrado de 1980
a 2011.
Em termos dos ritmos de crescimento da economia mundial, portanto,
poderíamos afirmar, de forma sintética, que nos principais países imperialistas há uma fraca recuperação nos EUA, a
continuidade da estagnação no Japão, a permanência da recessão na Europa e a
desaceleração da economia chinesa. Em todos esses países, no entanto, se
registram aumentos de produtividade e reduções dos salários (com exceção da
China, onde os salários sobem, como consequência da luta de classes
constitutiva do seu desenvolvimento capitalista), resultando em maior
competitividade dos seus capitais. Dentre os países dominados no sistema
mundial do imperialismo, a regra parece girar em torno de variações de economia
estagnada/em recessão com alta inflação, ou seja, a denominada “estagflação”[8].
Especificamente em relação à China
– que constitui o polo dominante de uma verdadeira zona internacional integrada
de produção no sudeste asiático, incluindo o Japão – parecem estar ocorrendo
importantes mudanças estruturais em sua economia, destacadamente a tendência ao
aumento dos salários e o acirramento da luta de classes da classe operária, com
o crescimento de manifestações e greves[9].
Essas modificações, que ocorrem em paralelo à redução de suas taxas de
crescimento, impulsionam a produção industrial chinesa para bens manufaturados
de maior “valor agregado” ou maior intensidade tecnológica; deslocam os ramos
de produção mais intensivos em trabalho para os países vizinhos, que apresentam
níveis salariais ainda mais baixos; tendem a reduzir seu superávit comercial e
apreciar sua taxa de câmbio; e implicam crescimento cada vez menor da sua
demanda internacional por commodities.
A queda do crescimento chinês, por sua vez, impulsiona repetidos programas de
estímulo governamentais, da magnitude de centenas de bilhões de dólares, para
aumentar os investimentos (infraestrutura, habitação) e o crédito, gestando uma
crise de superacumulação de capital e uma crise bancária.
Focando nossa análise nos aspectos mais específicos da crise do
imperialismo, aqueles que mais diretamente afetam as condições de reprodução do
capital no Brasil, podemos listar:
1)
a
recessão e/ou o baixo crescimento tanto nos países imperialistas quanto nos
dominados, e a consequente desaceleração das exportações mundiais (e queda nas
exportações brasileiras)[10];
2) a
desaceleração do ritmo de crescimento e as transformações pelas quais a
economia chinesa atravessa, reduzindo o ritmo de crescimento de sua demanda
internacional por commodities e
fazendo cair seus preços no mercado mundial;
3)
a
redução do valor da força de trabalho (juntamente com o pagamento de salários
abaixo desse valor) e os ganhos de produtividade nos países imperialistas e
dominados, aumentando sua competitividade;
4)
como
consequência dos três itens acima, uma maior concorrência nos mercados mundiais
de bens e serviços;
5) ainda
como consequência, a inflexão do que os economistas burgueses chamam de termos
de troca (preço das exportações dividido pelo das importações) do comércio
exterior brasileiro, que passam a cair;
6) dados
os juros reais negativos nos países imperialistas e suas políticas de geração
de enormes montantes de capital fictício, abundantes fluxos de capitais para o
país em todas as modalidades.
Em suma, passou a haver menor demanda externa (e a preços mais
baixos) pelas commodities exportadas
pelo Brasil, ao mesmo tempo em que aumentou a concorrência internacional,
praticamente excluindo as manufaturas brasileiras do mercado internacional,
afetando inclusive essas exportações para o que se constitui virtualmente seu
último reduto, a América Latina, fato que é agravado pelas graves crises
econômicas por que passam Argentina e Venezuela[11].
O outro lado da moeda da maior concorrência internacional foi o crescimento das
importações, seja de bens de capital e de insumos, seja de bens de consumo.
Nesses últimos anos, portanto, restou eliminado o impulso da demanda externa ao
crescimento[12],
que caracterizou a economia brasileira na década anterior.
À eliminação desse impulso externo se somou o esgotamento do
modelo de expansão do consumo que puxava o mercado interno. Geração de cada vez
menos postos de trabalho (e demissões na indústria), tendência de aumento das
taxas de desemprego, cada vez menores ganhos reais de rendimentos, e elevado
nível de endividamento[13]
dos trabalhadores e das camadas médias (que faz o mercado de crédito estagnar) –
temas que analisaremos em detalhes na quarta e última postagem desta série – reduzem
as vendas do comércio e as receitas do setor de serviços. Ou seja, por qualquer lado que se escolha observar, a crise econômica
brasileira está a olhos vistos.
São esses aspectos da crise do imperialismo e seus impactos na
economia brasileira que analisaremos com mais detalhes e dados empíricos nas
postagens seguintes.
Ao trazer para a discussão com os camaradas e amigos do blog Cem
Flores essas questões fundamentais da economia, os “números frios”, temos por
objetivo apontar para a imprescindível tarefa de reorganizar as lutas da classe
operária e dos trabalhadores, como diz Lênin: “acabar com
as ilusões e passar a buscar apoio no desenvolvimento real e não no
desenvolvimento desejável”.
[1] Lênin (1894). Quem São os “Amigos do Povo” e Como Lutam
Contra os Socialdemocratas (Resposta aos artigos do Rússkoe Bogatstvo contra os
marxistas). Obras Completas, tomo 1. Moscou: Editorial Progresso, 1981,
pg. 323. Tradução nossa do espanhol. Disponível (em inglês) em: http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1894/friends/08.htm#v01zz99h-271-GUESS.
[2] As referências deste parágrafo foram tiradas de:
-
Declarações da Presidente Dilma sobre o PIB: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-atribui-recuo-do-pib-a-feriados-e-queda-dos-precos-das-commodities,1551755;
-
Mantega como quase ex-ministro: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1511129-governo-novo-equipe-nova-diz-dilma-sobre-o-futuro-de-mantega.shtml e a coluna do Jânio de Freitas, As Hipóteses Estão Abertas
(http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2014/09/1512214-as-hipoteses-estao-abertas.shtml), sobre suas incapacidades “políticas,
funcionais, e talvez psicológicas”;
-
Declarações do (ainda) Ministro Mantega sobre o PIB: http://www.fazenda.gov.br/divulgacao/noticias/2014-1/agosto/201cno-proximo-ano-a-equacao-sera-menos-inflacao-e-mais-crescimento201d-afirma-mantega;
-
Estudo do Ministério da Fazenda apontando o aumento dos juros como principal
responsável pela queda do PIB: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/09/1510021-fazenda-diz-que-alta-de-juros-foi-fator-que-mais-derrubou-pib.shtml.
-
Declarações de Aécio Neves, então candidato do PSDB, sobre o PIB: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/aecio-atribui-baixo-crescimento-do-pib-a-politica-economica.
[3] Após as eleições foi divulgada uma Carta de Conjuntura do Ipea (http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/cc24_completa.pdf) caracterizando a situação econômica do país como “recessão
técnica”, embora buscando, em diversos momentos, atenuar essa qualificação.
[4] Sobre o tema, ver nossos artigos “Dilma ou Aécio? Direito de resposta a uma falsa questão. Ou: organizar
as lutas da classe operária e dos trabalhadores” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/10/dilma-ou-aecio-direito-de-resposta-uma.html) e Caiu a Máscara de Dilma Rousseff do PT (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/10/caiu-mascara-de-dilma-rousseff-do-pt.html#more).
[5] Essas projeções são praticamente consensuais entre os chamados
“analistas econômicos” e foram reforçadas no dia 15 de setembro com a
divulgação de relatório da OCDE que diminuiu a previsão de crescimento do país,
de 1,8% para 0,3% (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/185890-pib-do-pais-sofre-maior-corte-pela-ocde.shtml). O relatório da OCDE, Interim Economic Assessment, está
disponível em http://www.oecd.org/eco/outlook/Interim-Assessment-Handout-Sep-2014.pdf.
[6] Além da indústria de transformação, o agregado “indústria” no PIB
inclui extrativa mineral, construção civil e “eletricidade e gás, água, esgoto
e limpeza urbana”.
[7] Nos últimos
quatro anos, por exemplo, mesmo com a queda do índice Bovespa, o volume
negociado (ou seja, a valor movimentado nas compras e vendas de ações) na bolsa
aumentou, indicando o crescimento da especulação com esses papeis.
Como
exemplos da utilização do “capital subsidiado” (via BNDES) para o financiamento
da centralização do capital no país, nos mais diversos setores, podemos citar
matéria de Vinícius Torres Freire, “Lula, BNDES, Fusões & Aquisições”
(disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/19558-lula-bndes-fusoes-&-aquisicoes):
"O
BNDES articula a fusão de grandes usinas de álcool ... No ano passado, o BNDES
emprestou quase R$ 6 bilhões a grandes usinas (de Odebrecht e Bertin inclusive).
Em
2008, a Totvs (softwares de gestão) comprou a Datasul com ajuda de R$ 404
milhões do BNDES; ambas têm um terço do mercado. Outro negócio do ano passado
foi a compra da Azaléia pela Vulcabrás, que recebeu R$ 314 milhões do BNDES.
No início de 2008, o BNDES retomou planos para
criar um grande laboratório farmacêutico nacional. Em 2006, o BNDES emprestara
R$ 295 milhões para o Aché, maior grupo nacional do setor, comprar a
Biosintética”.
[8] Estagflação assombra países emergentes (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/08/1505007-estagflacao-assombra-paises-emergentes.shtml), mencionando Brasil, Rússia, África do Sul, Argentina, Chile,
Turquia, Tailândia, Paquistão e Venezuela.
[9] O Le Monde Diplomatique
Brasil, de setembro deste ano (ano 8, número 86), publicou o artigo Na
China, a raiva persegue os sindicatos (http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1725). Não obstante o revisionismo do seu autor, o texto traz
informações relevantes sobre greves e manifestações operárias recentes no país.
Dentre as greves que “explodem quase
todos os dias”, destacou-se a greve de duas semanas, iniciada em abril, de
40 mil operários da enorme fábrica de calçados Yue Yuen, de capital taiwanês,
na cidade de Dongguan contra o não pagamento pela empresa de suas (poucas)
obrigações sociais. O relato inclui a total paralisia do sindicato, a ação do
governo local na defesa do capital e o cerco dos operários dentro da fábrica
por mais de mil policiais.
Vale
a pena transcrever o relato de um grevista: “O problema da proteção social serviu de detonador. Os trabalhadores se apoderaram dele para exprimir sua cólera. A questão essencial é a dos salários.
Cada vez que o salário mínimo [fixado pelas autoridades locais] aumenta, Yue
Yuen reduz nossos bônus na mesma proporção. Por muito tempo, contivemos nossa indignação” (negritos
nossos).
[10] A Organização Mundial do Comércio (OMC) recentemente reduziu a
projeção de crescimento das exportações mundiais para este ano, de 4,7% para
3,1%. Para a América Latina, a projeção é de aumento de apenas 0,4%, com a
queda nas exportações brasileiras puxando a região para baixo (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,america-do-sul-tera-o-pior-resultado-comercial-do-mundo-em-2014-e-2015-diz-omc,1564840).
[11] Ver nosso texto “Sobre a Situação Atual da Luta de Classes na Venezuela” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/03/sobre-situacao-atual-da-luta-de-classes.html) e o debate que se seguiu (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/04/comentarios-sobre-sobre-situacao-atual.html).
Ver,
também, o texto “A
crise do processo de acumulação venezuelano e o empobrecimento da classe
operária”, de Juan C.
Villegas P., do “Centro de
Investigación y Formación Obrera (CIFO) / Asociación Latinoamericana de
Economía Política Marxista (ALEM)”, reproduzido pelo
Resistir.info (http://resistir.info/venezuela/villegas_20jun14.html).
[12] Como afirma o Grupo de Economia da Fundação do Desenvolvimento
Administrativo (Fundap) de São Paulo: “o
setor externo deixou de ser um vetor de crescimento econômico” desde 2011 (Nível
de atividade no governo Dilma: determinantes do baixo crescimento econômico.
Boletim de Economia [28], de junho de 2014. http://novo.fundap.sp.gov.br/arquivos/PDF/Boletim_de_Economia_Fundap_28_jun2014_Conjuntura_Nivel_de_Atividade_no_governo_Dilma.pdf).
[13] De acordo com as estimativas oficiais, o endividamento bruto
total das famílias brasileiras com os bancos já é de 46% da sua renda anual. Em
média, as famílias gastam mais de um quinto da renda mensal com os juros e o
pagamento das dívidas bancárias (http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2014/09/endividamento-das-familias-soma-46-da-renda-em-julho-informa-bc.html).
2 comentários:
"A queda do crescimento chinês, por sua vez, impulsiona repetidos programas de estímulo governamentais, da magnitude de centenas de bilhões de dólares, para aumentar os investimentos (infraestrutura, habitação) e o crédito, gestando uma crise de superacumulação de capital e uma crise bancária.". Esse fator me parece fundamental para compreender a situação atual da crise, e seu futuro. Recentemente vi um gráfico comparando o uso de cimento entre a China e os EUA. Em pouquíssimos anos a China de hoje consumiu o que os EUA consumiu em um século. Os EUA! E não é de hoje que rondam as imagens das cidades fantasmas (essa bela imagem que comprova o quão as necessidades das massas são meio e não fim desse sistema) por lá. Esse gigantesco esforço do capital, capitaneado pelo seu estado, em contornar os limites de sua acumulação lembra um gesto semelhante que nos EUA uniu o capital fictício e o mercado imobiliário. Até quando pode durar? Sem a China poderosa, o que seria da média global do pib, as exportações de países como o nosso?
Uma queima de capital a la 2 guerra mundial, essa seria a necessidade objetiva do capital? Suástica (aliada como sempre ao liberalismo") já se tem no leste europeu...
Quanto ao esgotamento do impulso interno via crédito e políticas de migalhas é outro ponto crítico para os rumos políticos a curto prazo. Fomos para rua em junho, quando ainda conseguíamos pagar nosso cartão. Agora não conseguimos, e o estado já não pode mais aliviar o lado de lá nem o lado de cá. Essa força imensa de revolta tem sido capitaneada em muitos lugares pela direita, vide as manifestações em SP. É muito preocupante em pensar que a médio prazo poderemos ter um tea party tupiniquim... E com a esquerda (leia-se, pequena burguesia urbana escolarizada) ainda choramingando em aceitar levy e Katia Abreu para barrar e direita e continuar mudando mais... É mole?
http://resistir.info/crise/zigedy_25out14_p.html
Achei essa análise parecida em vários pontos com a de vocês, que acham?
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