quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A propaganda da diminuição da "desigualdade social" no Brasil e seu propósito ideológico.


a coisa mais fácil, a coisa mais barata, o que custa menos para um governo é gastar dinheiro com o pobre, porque o pobre custa muito pouco para o Estado” (Lula, o cínico).[i]
O “debate eleitoral” em 2014, como não poderia deixar de ser, passou ao largo de questões realmente importantes para todos aqueles interessados numa verdadeira mudança das condições concretas de vida e de luta do povo brasileiro.[ii] Por exemplo, todos os candidatos aceitaram explicitamente a alegada diminuição da “desigualdade social” no Brasil, que seria fruto dos “programas sociais” como o Bolsa Família, cuja paternidade foi disputada à tapa pelos principais postulantes à vaga para a presidência.


E por falar em “programas sociais” e “desigualdade social”, em meio à cortina de fumaça das ofensas mútuas que marcaram boa parte da campanha eleitoral, um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Brasília e do Ipea sobre a “desigualdade social” no Brasil não causou grande empolgação.[iii] O diferencial da metodologia usada pelos pesquisadores foi o inédito cruzamento, para o caso brasileiro, de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e das Declarações de Imposto de Renda de Pessoas Físicas (DIRPF), que demonstrou que a “desigualdade social” no Brasil, ao contrário do que foi amplamente alardeado pelos governos petistas, não diminuiu, e que do ponto de vista dos rendimentos, o país continua sendo extremamente desigual.
Pois bem, o fato é que a PNAD, utilizada para amparar os dados da propaganda do governo, como qualquer pesquisa domiciliar não abrange adequadamente os rendimentos das camadas superiores da “pirâmide social”, o que foi melhorado no trabalho da UnB, quando os dados do IRPF foram analisados. Para ter ideia do que estamos falando, o artigo mostra a relação entre o percentual da população brasileira com o percentual da renda da população para os anos de 2006, 2009 e 2012: os 50% mais pobres da população detêm apenas 10% da renda, e se forem considerados os 90% mais pobres da população, eles serão detentores de aproximadamente 40% da renda.[iv]
Isto significa que os 10% “mais ricos” da população detém 60% da renda, e se avançarmos até o topo dos maiores rendimentos, verificaremos que 0,5% da população detém 20% da renda brasileira. A relevância do estudo está em que, contrariando toda a propaganda dos governos petistas, aceita tanto pela “oposição” como pela “esquerda”, esta desigualdade está estável no período analisado. Na verdade, tem apresentado ligeira tendência a aumentar.
No entanto, este é apenas um pálido retrato da extrema “desigualdade social” do país.
A Propaganda da Redução da Desigualdade Social como Ideologia
Mas a propaganda do governo não afirma que os “programas sociais” tiraram milhões de brasileiros da ”pobreza extrema”? Por que então questionar o discurso da redução da desigualdade social e afirmar tratar-se de uma ideologia?
Em primeiro lugar, porque a substituição de “trabalhadores” por “pobres” e “miseráveis” no discurso oficial das políticas de Estado não é algo inocente. Vale a pena se perguntar pelas razões dessa mutação na qual a nossa “esquerda” está mergulhada, seja como gestor do capitalismo de resultados, seja como ”oposição”. Ao estabelecer entre os trabalhadores uma divisão entre os “privilegiados” (aqueles com carteira assinada, faixa de renda acima de 2 ou 3 salários mínimos, direitos sociais e etc.) e os “pobres”, as “políticas sociais” focalizadas procuram deslocar a contradição, o antagonismo entre as classes, para dentro da própria classe trabalhadora. Com isso, a contradição fundamental do capitalismo, enraizada na exploração da classe operária e das classes dominadas e na proletarização de enormes parcelas da população, não é discutida e nem colocada em jogo. Pelo contrário, é convenientemente ocultada. Isso é ainda mais claro quando nos damos conta de que o tipo de “inclusão” social proposto pelas políticas sociais se dá através do consumo, estimulado por crédito e endividamento das famílias.
Para entender as “desigualdades sociais” é preciso sair do terreno das discussões sobre a renda e considerar as relações entre capital e trabalho. Sabemos, desde Marx, que desenvolvimento capitalista tende a aumentar a composição orgânica do capital, isto é, o aumento do capital constante (materializado em meios de produção: instalações, máquinas e equipamentos, matérias primas, etc.) ocorre mais rapidamente em relação ao aumento do capital variável (materializado na força de trabalho assalariada). Essa dimensão relacional não é considerada na discussão da “desigualdade social” no capitalismo, pois o capital constante permanece de fora da análise, tanto nas pesquisas do IBGE quanto dos pesquisadores da UnB.
Além disso, basta olhar ao redor para constatar a realidade das péssimas condições de vida da imensa maioria da população brasileira, que nas últimas décadas não avançou significativamente em saneamento básico, saúde ou educação.[v]
Para aqueles bem intencionados, porém iludidos com essas políticas de distribuição condicional de renda, vale notar que nesses doze anos de governos petistas (e oito anos de governos psdebistas...) houve apenas o crescimento e a manutenção dos “beneficiados”. Ou seja, objetivamente foi criado um programa que oficializa o pauperismo, sem melhorias duradouras nas condições de vida (como reconhece o próprio Banco Mundial, patrono ideológico dessas políticas[vi]), apresentado pela propaganda do governo de plantão como um grande avanço social.
Em outras palavras, as ditas “políticas sociais” expressam a dominação política e ideológica da burguesia, uma vez que a massa de trabalhadores contemplada pelos programas não tem seus interesses fundamentais atendidos pelas “políticas sociais” do Estado. Pelo contrário, trata-se de obter o apoio ou a passividade dos setores pauperizados e desorganizados dos trabalhadores para a reprodução de sua dominação de classe.   
Podemos dizer que o propósito dessas “políticas sociais” é ideológico também por que:
- os programas sociais são por sua natureza ”focalizados” e dependem do governo de plantão, ao contrário dos direitos sociais pretensamente “universais”, como a Previdência Social, o Sistema Único de Saúde (SUS), o seguro-desemprego, o ensino fundamental, etc., que deveriam, formalmente, a partir da Constituição e outras leis, amparar a maioria da população.
- pelos critérios dos programas sociais, a “pobreza” é definida arbitrariamente pelo governo de plantão, a partir de uma linha de pobreza, em geral bastante rebaixada (renda mensal per capita de R$70,00, renda familiar de 0,5 ou 0,25 salário mínimo, por exemplo), para diminuir a população que tem o “direito” ao programa.
- como o sistema tributário brasileiro é focado no consumo, boa parte do que é repassado aos “beneficiários” dos programas sociais retorna para o Estado na forma de impostos.[vii]
Que fique claro que não queremos com esta crítica fazer coro com aqueles que, partindo de posições conservadoras, do moralismo pequeno-burguês, ao atacarem os programas sociais dos governos petistas atacam também os “beneficiados”, afirmando que o Bolsa Família cria um ”exército de preguiçosos”, ou chamam pejorativamente o programa de ”bolsa esmola”.
Sabemos que individualmente, em cada família, há um impacto econômico proporcionado pelo recebimento da bolsa,[viii] o que demonstra a brutal separação entre as classes no Brasil. Isso apenas reforça a necessidade de lutar para eliminar as “desigualdades sociais”, ou seja, eliminar sua origem, a exploração de classe.
Além do mais, o que não se diz é que o Bolsa Família propicia a formação e manutenção de uma superpopulação relativa latente, isto é, uma massa de desempregados/subempregados de baixa qualificação, disponível para trabalhar sob baixos salários e péssimas condições[ix], nas ”grandes obras” (construção de hidrelétricas, portos, refinarias, do Minha Casa, Minha Vida, etc.), tão em moda nos últimos tempos. Ou seja, de forma alguma os atendidos pelo Bolsa Família estão fora do “mercado de trabalho”. Isso fica claro especialmente no Norte e no Nordeste do Brasil, onde se concentram as ”grandes obras”, mas não apenas.[x]
Por isso, no nosso modo de ver, a maneira de compreender essas questões e dar respostas a esse problema é se perguntar pelas causas mais profundas da desigualdade e da miséria, ocultas pela ideologia (da classe) dominante. Frente às questões colocadas é preciso demarcar uma posição ou, em outras palavras, atacar a desigualdade do ponto de vista da classe operária e das classes dominadas na luta de classes.
Afinal, a quem interessa saber as causas profundas da desigualdade e da miséria, aos explorados ou aos exploradores?
Assim, ao invés de ficarmos na querela da “distribuição de renda”, no discurso ideológico da “diminuição das desigualdades sociais”, tão ao gosto dos governos de plantão,[xi] ou da “taxação de grandes fortunas”, que encanta boa parte de nossa “esquerda” domesticada que reinventa a roda junto com o francês Piketty[xii] (antes, com a taxa Tobin...), é preciso investigar a própria produção da riqueza no capitalismo, que necessariamente, como nos mostra Marx, é desigual, posto que fundada na exploração do trabalho assalariado, isto é, na expropriação da mais-valia.
Em O Capital, Marx demonstra que a natureza da produção capitalista é fundada na mais-valia, isto é, na apropriação pelo capitalista do tempo de trabalho não pago ao operário. Ao criticar os economistas clássicos, que afirmam que o lucro surge na esfera da circulação de mercadorias, Marx prova a impossibilidade desta tese e mostra que a transformação do dinheiro em capital depende de o possuidor de dinheiro encontrar no mercado “...uma mercadoria cujo próprio valor de uso tivesse a característica peculiar de ser fonte de valor, portanto, cujo verdadeiro consumo fosse em si objetivação de trabalho, por conseguinte, criação de valor.” E que “... tal mercadoria específica [é] a capacidade de trabalho ou a força de trabalho.” (K. Marx, O Capital, Livro I, Capítulo IV, Abril Cultural, 1985, p. 134).
É tempo de reler O Capital, compreender o fundamento da exploração, a luta de classes na produção, que é a sustentação do modo de produção capitalista, a partir dos conceitos fundamentais, principalmente a partir do conceito de mais-valia relativa e seus desdobramentos, forma de exploração genuína do modo de produção capitalista.
Marx nos diz também que o desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista é regido pela “lei geral da acumulação capitalista”, e que esse desenvolvimento “(...) ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto.” (K. Marx, O Capital, Livro II, Capítulo XXIII, Abril Cultural, 1985, p. 210).
Essas descobertas científicas de Marx, que jamais foram refutadas, são desconhecidas ou foram ”esquecidas” por nossa “esquerda”, há décadas sensibilizada pela questão da ”distribuição de renda”, da diminuição das ”desigualdades sociais”, mas tudo isso sem abrir mão do ”crescimento econômico” capitalista, ainda mais que se perfilam ao lado dos exploradores. Afinal, como diria um ex-ministro da Fazenda dos governos militares e atualmente muito amigo dos governantes petistas, primeiro é preciso “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo[xiii]... Ou, se preferirem a releitura do ainda quase-ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao se referir às tarefas para o Brasil: "primeiro crescer, segundo distribuir a riqueza".[xiv]
O crescimento econômico, numa sociedade como a brasileira, onde domina o modo de produção capitalista, é necessariamente baseado na permanente e crescente exploração da força de trabalho, necessária para a acumulação ampliada de capital, que aumenta a riqueza nas mãos de um punhado de capitalistas, e inexoravelmente, mantém a dominação pelo assalariamento[xv] e cria um exército de reserva cuja insatisfação com sua condição precisa ser contida, seja por métodos tradicionais – violência de Estado, com suas polícias e seu sistema jurídico-prisional, ou por métodos, digamos, ”modernos”, como os engendrados nos laboratórios do Banco Mundial, as chamadas ”políticas de transferência condicional de renda”, das quais a Bolsa Família é um dos exemplos mais bem sucedidos em nível mundial. Para quem duvida disso, basta ler os documentos oficiais do Banco Mundial sobre a ”parceria” do banco com o governo brasileiro.[xvi]
Não é demais repetir: o Bolsa Família segue a lógica (neo)liberal do Banco Mundial, com o Estado burguês distribuindo diretamente uma mínima quantidade de renda para os indivíduos (nessa lógica, dotados de racionalidade e ”livres” para tomar decisões) para que eles ”escolham” o que e onde consumir.
Já tivemos oportunidade de demonstrar que, “diferentemente dos mitos decantados de que, agora, o crescimento econômico ocorre com distribuição de renda e com diminuição da desigualdade, o que o processo de desenvolvimento/crise capitalista promove com a elevação da força produtiva do trabalho é o aumento da exploração do trabalhador. O que fez a classe dominante comemorar, durante a última década, o contínuo crescimento da rentabilidade das empresas de capital aberto no Brasil (...)”.[xvii]
Resumindo, o que os governos do PT (e anteriormente, nunca é demais lembrar, do PSDB, de Collor...) apresentam como uma política social progressista, ou mesmo de “esquerda”, é na realidade o que existe de mais ”avançado” em matéria de estratégia de controle social, avalizada pelo Banco Mundial, organismo internacional sem a menor suspeita de simpatia pelas lutas dos explorados, aqui ou alhures.
As políticas de transferência condicional de renda são, objetivamente, oficialização e gerenciamento do pauperismo, aproveitados para fins eleitorais, pelo PT, pelo PSDB e demais partidos, mantendo a desorganização política dos atendidos pelos programas, no melhor estilo populista, isto é, sem intermediários entre o governante de plantão e o exército de miseráveis, chamados a “defender seus direitos” a cada quatro anos.
Gerenciamento da miséria, o mais genuíno produto do capitalismo, contenção das insatisfações do crescente exército de miseráveis e desorganização política da classe operária e dos trabalhadores, esses sim os “significativos resultados sociais alcançados pelo Brasil nos últimos anos”.
Como afirmamos recentemente, a propósito da eleição presidencial, “o projeto de governo hegemonizado pelo PT que [estava] em questão [era] o da gestão do aparelho de Estado burguês no Brasil, projeto autoproclamado como pacificação social. Essa foi a garantia dada pelo PT à burguesia na conjuntura da crise econômica durante a sucessão presidencial de 2002. E de fato a política econômica do PT no governo, seu projeto econômico, foi estimular a acumulação do capital, o lucro da burguesia nacional e internacional. Nunca é demais lembrar que quem diz aumento da acumulação de capital quer dizer aumento da exploração sobre a classe operária e os demais trabalhadores assalariados”.[xviii]
Acontece que, diante da crise do capitalismo e seus reflexos no Brasil, e da necessidade de garantir a acumulação do capital, tornam-se mais claros os limites dessa ideologia de “conciliação de classes”, dessa estratégia de “pacificação social” pela contenção da revolta dos explorados. Numa conjuntura de continuidade da recessão de 2014, agravada pelas medidas econômicas já anunciadas por Dilma e Levy, como aumento dos juros, arrocho fiscal e corte de algumas das chamadas “despesas sociais”, o cinismo do discurso petista há de cobrar seu preço.
Para a classe operária, os trabalhadores e demais explorados, a única saída foi apontada há mais de um século, pelo grito de guerra da Internacional: “De pé, ó vítimas da fome!


[i] "Quantas e quantas vezes eu dizia: ‘Companheiro, a coisa mais fácil, a coisa mais barata, o que custa menos para um governo é gastar dinheiro com o pobre, porque o pobre custa muito pouco para o Estado.’" Lula, no Foro de São Paulo, em maio de 2011. https://www.youtube.com/watch?v=y1456joMic4#t=1370
[ii] Ver nosso artigo “Dilma ou Aécio? Direito de Resposta a uma Falsa Questão. Ou: organizar as lutas da classe operária e dos trabalhadores”, de 24.10.2014, disponível em http://cemflores.blogspot.com.br/2014/10/dilma-ou-aecio-direito-de-resposta-uma.html.  
[iii] O artigo, “A Estabilidade Da Desigualdade De Renda No Brasil, 2006 a 2012: Estimativa Com Dados Do Imposto De Renda E Pesquisas Domiciliares”, de 9.09.2014, está disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2493877.  
[iv] Não pense o leitor que essa é uma exclusividade brasileira: nos EUA, país “desenvolvido” também existe “desigualdade social”: “De acordo com o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), os 3% superiores da distribuição de renda receberam 30,5% do total das rendas em 2013. Os 7% seguintes receberam apenas 16,8%. Com isso, restou pouco mais de metade do total das rendas para os 90% restantes.” Valor Econômico, “A Desigualdade Refreia a Economia”, de 01.10.2014. Disponível apenas para assinantes em http://www.valor.com.br/opiniao/3717722/desigualdade-refreia-economia#ixzz3HNDZ5vmL.
Neste caso, o que une EUA e Brasil, bem como Inglaterra, França, Alemanha, China, Argentina, África do Sul e Haiti, entre outros, é o capitalismo, o fato de nesses países todos imperar o modo de produção capitalista, a razão central para a tal “desigualdade social”.
[vi](...) o bem-estar das famílias entre as 40% mais pobres ainda é muito menor do que o do segmento de renda mais alta. Ou seja, apesar de sua renda ter crescido com mais rapidez, essas famílias não obtiveram os mesmos benefícios sociais que as mais prósperas, como acesso a alimentos, água potável e saneamento.” (sublinhado nosso). Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, Para reduzir a desigualdade. O Globo, 02.11.14, p.21. Disponível em http://oglobo.globo.com/opiniao/para-reduzir-desigualdade-14425347.
[vii]Quem é miserável e recebe bolsa-família devolve 50% do que ganha ao Estado devido à tributação sobre o consumo.” http://www.conjur.com.br/2014-nov-06/especialista-tributacao-brasil-faz-pobre-financiar-estado?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
[ix] Empregos com baixa qualificação, baixos salários e péssimas condições são os únicos que permanecem sendo gerados, ainda que cada vez menos, no Brasil nos últimos anos. Ver Ferreira, A. et al. “O Mercado de Trabalho Brasileiro no Pós-Crise: uma recuperação com fragilidades”, tabela 11, pg. 244. In: Novais, L. et al. (orgs). A Economia Brasileira no Contexto da Crise Global. São Paulo: Fundap, 2014. Disponível em http://www.fundap.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/11/Livro_A-ECONOMIA-BRASILEIRA.pdf.
[xi] A recente divulgação dos dados do Ipea sobre o aumento no número de miseráveis jogou mais lenha na fogueira: http://oglobo.globo.com/economia/aumento-da-extrema-pobreza-abre-polemica-14493497
[xii] A sensação do momento, o francês Thomas Piketty, agora traduzido para o português e lançado no Brasil. Sua grande “descoberta” foi que não existe tendência intrínseca de redução da desigualdade no capitalismo. Como diria Marx, “Na planície, até montes de terra parecem colinas; que se meça a trivialidade de nossa burguesia hodierna pelo calibre de seus ‘grandes espíritos’.
[xv] Por exemplo, o Pólo Industrial de Manaus possui cerca de seiscentas empresas, destacando-se os maiores empregadores dos setores de duas rodas (motocicletas) e eletroeletrônicos com expansão da contratação nos anos 2000. Contudo, no período de 1988 até 1999, a massa salarial nunca ultrapassou 10% do faturamento das empresas. Essa relação, nos anos 2000, nunca passou dos 6% do faturamento. FERREIRA, Sylvio Mário Puga; BOTELHO, Lissandro. O emprego industrial na Região Norte: o caso do Polo Industrial de Manaus. Estud. av.,  São Paulo ,  v. 28, n. 81, ago.  2014 .   Disponível em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000200010&lng=pt&nrm=iso
[xvii] Cem Flores. A alquimia do governo Lula: como transformar trabalhadores brasileiros em chineses. 2011. Disponível em: http://quefazer.org/pdf/A%20alquimia%20do%20governo%20Lula%20-%20como%20transformar%20trabalhadores%20brasileiros%20em%20chineses.pdf

5 comentários:

Anônimo disse...

Camaradas,
a desmistificação dessas "políticas públicas" e "combate a desigualdade", enquanto, fundamentalmente, política coordenada internacionalmente para alívio da pobreza e diminuição de conflitos de classes, é essencial para nosso quadro político. Como vocês mesmos demonstram, essa é um dos pilares da ideologia reformista/petista que tanto ilude setores "progressistas".
Assim como é cirúrgico na demonstração do quão limitados são os efeitos dessas políticas. "A desigualdade de renda [que reflete nas mais diversas esferas sociais] é muito alta e estável", diz o estudo que vocês citam. E não, eles não analisam o período "neoliberal" (sic) do FHC: é de 2006 a 2012 que estamos falando. Do período da barata e cômoda, como diz Lula, "redução da extrema pobreza" - que, no fundo, não diferencia o petismo de nenhum governo passado.
A teoria marxista, enquanto aquela que "enxerga" não apenas a distribuição desigual da riqueza, mas a própria desigualdade e hierarquia nessa produção, ainda hoje é a única capaz de trazer uma análise sólida e profunda das raízes dessa realidade e apontar mudanças radicais. Alternativa que virá com mudança de classe no poder e alteração das relações de produção - pois, diferentemente do que ingênuos/enganadores Pikettys acreditam, o Estado não é o agente racional-legal que ordena a sociedade: mas o instrumento de uma classe (não de forma simplista, mas fundamentalmente é isso, como falarei mais a frente).
Importante ressaltar algumas coisas que me parecem pouco abordadas no texto:
1- a ideologia dessas políticas públicas também tendem hoje a negligenciar conceitos e metas como "igualdade" e substituir por equidade, diversidade etc. Não são apenas mudanças de palavras, mas de "paradigmas": é a burguesia abandonando a própria ideologia igualitarista que escondeu sua brutal exploração por séculos e abraçando, através de seu estado mais gerencialista e eficiente, visões mais pragmáticas e que buscam também resolver outras contradições latentes (raciais-étnicas, de gênero, sexualidade etc.). Ao mesmo tempo que reforça o ideário (neo)liberal e individualista de igualdade de oportunidades - ... e os "atores racionais" que se virem com suas dezenas de reais, como vocês falam.

Anônimo disse...

2- Poulantzas me parece um bom autor para falar de políticas sociais que, podem pontualmente contrapor aos interesses imediatos das classes dominantes, mas que não modificam o bloco no poder nem a "essência" do Estado (que se mostra tão clara na hora H de uma crise econômica, ou política etc.). Aliás, o Estado capitalista necessariamente passa por realizar funções para o povo-nação. Ele fala em "Poder político...": “O caráter paradoxal dessa relação reside no fato de esse Estado assumir uma autonomia relativa face a essas classes [dominantes] precisamente na medida em que constitui um poder político unívoco e exclusivo daquelas. […] essa autonomia em relação às classes politicamente dominantes […] de forma alguma autoriza uma participação efetiva das classes dominadas no poder político [vigente], ou uma cessão a essas classes de 'parcelas' de poder político institucionalizado.” Isso o próprio Engels já dizia no Anti-Duhring: "A única coisa que nos interessa é patentear que a hegemonia política teve por base, em todas as partes, o exercício de uma função social, podendo garantir-se tão somente enquanto preenchesse a função social em que se fundamentava". Ou seja, isso é condição do Estado capitalista - pois gera efeitos ideológicos, políticos e até econômicos essenciais para a reprodução capitalista, e não um "favor" ou "política governamental" de x ou y. É uma das formas do bloco no poder reproduzir sua "hegemonia", é uma resposta da/na luta de classes. E por isso mesmo, podem inclusive ser frutos de vitórias setoriais e táticas dos dominados, que empurram o Estado a efetivarem mais "direitos", mas estas, para o bem da própria luta dos dominados, precisam ser vistas como de fato são: limitadas, transitórias, e muitas vezes paradoxais - como, novamente, fica tão claro em períodos de crise como o nosso. E esse me parece um dos eixos da ideologia reformista: esconder essa não-contradição das políticas sociais no Estado capitalista (mesmo políticas mais efetivas e "estatais" e menos maquiadas e "transitórias" como um Bolsa Família da vida).

Anônimo disse...

3- para complementar o quadro que vocês trouxeram, trago algumas informações e análises sobre um dos carros-chefes do petismo e várias alas do reformismo: a educação (que vocês citam, mas não aprofundam). Ontem tive acesso ao Síntese de Indicadores Sociais - 2014, do IBGE, baseado principalmente no PNAD 2013 (que é limitada, mas nãofalar disso cabe aqui). Qual o quadro que temos na educação? A princípio é uma área que de fato avançou tanto no geral (mais matrículas, mais escolaridade, mais investimento) e também no tocante equidade (os jornais sobretudo estão mostrando a diminuição da participação dos mais ricos no ensino superior, e o aumento dos mais pobres, ou seja a expansão foi "democrática" e não só reprodutora). Porém uma análise mais detida desmonta bastante esse cenário. Em primeiro lugar, a educação no Brasil sempre foi "atrasada" mesmo se comparado a países vizinhos. E nossos índices, mesmo com tal "avanço", não alcançam nem mesmo patamares "satisfatórios" para economias do tamanho da nossa. As taxas de repetência-desistência são altas, assim como da distorção idade-série, a ponto de, como mostra o site Observatório do PNE, a porcentagem de jovens de 16 anos que concluíram o Ensino Fundamental em 2012 era de 67,4%. Enquanto a porcentagem de jovens de 15 a 17 anos matriculados no Ensino Médio em 2012 era somente de 54,4%. No PNUD 2013, jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo não chegam à metade! Já nossa qualidade na educação básica é preocupante, e o ensino médio encontra-se "travado": as escolas privadas que detêm quase o dobro na nota do IDEB e são as menos representativas no nível; no PISA de 2012, continuamos nas últimas posições; no IDEB 2013, vários estados o ensino médio retrocedeu; o analfabetismo e analfabetismo funcional, com certa paralisia no último período, ainda contam-se às dezenas de milhões (com maior concentração no norte-nordeste, entre negros etc.). E, apesar dos dados serem questionados, a ausência de professores formados em ensino superior na área que atuam (como se exige a lei - e o bom senso) é grande, sobretudo no interior (déficit nas matérias de "exatas" e pedagogia na educação infantil são bem conhecidos). Na educação superior, como mostra o SIS 2014, a proporção de pessoas de 25 a 34 anos de idade com ensino superior completo no Brasil hoje é de apenas 15, 2%. Só para ter uma ideia, o do Chile é 22% e a média da OCDE é de quase 40%.
Em segundo lugar, desigualdades de raça/cor, região e renda ainda são gritantes. Em recente estudo do IPEA, Corbucci analisa a evolução do acesso à educação superior entre jovens de 18 a 24 anos, no período entre 2000 e 2010 e mostra que, apesar de o Norte e o Nordeste terem crescido a taxa de jovens na educação superior com mais intensidade, não houve alteração de posições entre as regiões: Norte-Nordeste ficam para trás. Usando dados do censo (IBGE) 2010, mostra que a taxa de jovens brancos com per capita mais de 5 sm é 25 maior que jovens pretos de até meio sm. Isso para ficar no exemplo do ensino superior.

Anônimo disse...

(Continuação do 3) Em relação ao financiamento é preciso mostrar que foi efeito direto do "boom das commodities": em 2000, o PIB brasileiro ultrapassava um pouco da faixa do 1 trilhão de reais. O investimento em educação não passava da taxa de 4% desse valor. Em 2011 chegou ao patamar de 6% do PIB, que já passava dos 4 trilhões. O PIB multiplicando, também se multiplicou o investimento que permaneceu num mesmo patamar proporcional ao mesmo. É mais ou menos o que diz Oliveira, no livro Os desafios da educação no Brasil, de 2005: "a sociedade brasileira nunca aprendeu a promover a equidade através de políticas sociais - as melhorias que beneficiam os pobres tem sido, até o momento, consequências do crescimento econômico em termos gerais. Em grande parte, e para a maioria da população, a educação não conseguiu promover nem ser usada como um instrumento para promover a mobilidade social ou menor desigualdade." O recém-aprovado PNE visa alcançar 10%, no entanto vale ressaltar que esse investimento público também inclui cada vez mais indução no crescimento do setor privado, via isenção de imposto, através de programas como o PROUNI e o PRONATEC, ou mesmo via BNDES.
E aqui entramos na mina de ouro chamada educação superior privado no Brasil. E essa mina (e seus mais de 70% de matrículas no setor) não foi coisa só de FHC e dos milicos, mas foi aprofundada pelo petismo, e é o próprio capital que diz (em palavras e número!). No site da Anhaguera (agora Kroton-Anhaguera, um dos maiores monopólios educacionais do mundo, graças à dádiva do CADE) encontramos: "o Brasil representa o quinto maior mercado de ensino superior do mundo e o maior mercado de ensino superior da América Latina, segundo o estudo 'Global Education Digest 2012' da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com dados de 2010". Em 2013, os lucros do setor privado ultrapassaram a casa dos R$ 30 bilhões, e contem empresas das mais badaladas da bolsa. Uma breve busca no Google resume: "Kroton é eleita a campeã do ano do Valor 1000 (2014) - prêmio elege as empresas de melhor desempenho em 26 setores da economia. Entre as 26 escolhidas, a companhia do setor educacional foi a campeã." Ou: "Estácio e Kroton lideram altas na Bovespa". Ou: "Kroton mantém investimentos de R$ 500 milhões em 2014". E por aí vai...
E como o NYT não mente quando o assunto é dinheiro: “Desde 2003, o Partido dos Trabalhadores, de esquerda, governa o Brasil. Apesar das relações ocasionalmente antagônicas com o setor empresarial, o governo só recebe elogios de empresários da educação” (http://dealbook.nytimes.com/2014/06/19/as-demand-for-education-rises-in-brazil-for-profit-colleges-fill-the-gap/)

Anônimo disse...

(Última parte do 3) A pergunta que fica é: que educação superior é essa que a grande massa dos "pobres" e "classe média" estão tendo mais acesso? Essas instituições (ou melhor, capitais financeiros?) possuem mais interesse numa formação e qualidade ou em seus cálculos de custo-benefício? A maioria dos cursos dessas empresas é de "baixo custo" (Pedagogia, administração...), com forte tendência de ser via a distância hoje, e possuem professores e tutores horistas, sem pesquisa ou extensão. Ou seja, grande escolões pós-secundários que muitas vezes servem apenas para aliviar as pendências do ensino médio, e pouco garantem uma renda muito melhor no futuro (os diplomas servindo como diferencial para seleção de empregos, mas não como exigência necessária para a atuação profissional). E aqui entram dados do mercado de trabalho que vocês volta e meia comentam: massa dos "novos" empregos de baixo salário, grande rotatividade, no setor de "serviços" precarizado etc. (numa reportagem do G1, lemos: "Trabalhador qualificado é maioria entre desempregados, diz Ipea - Mais de 50% deles tinham 11 anos de estudo ou mais em 2012. Estudo analisou a evolução entre 1992 e 2012 com dados da Pnad." Claro que muitos desses integram a charmoso exército de reserva com a identidade social de "concurseiro" ou estudantes maduros com suas 2ª ou 3ª graduações...). Eis a democratização. Enquanto isso as escolas, cursos e carreiras mais prestigiadas continuam muito bem frequentadas, obrigado.
Por outro lado, como mostra o mesmo pesquisador que vocês citam em outro "papper", a educação não é determinante para os "super-ricos" (no caso, brasileiros). Aliás, quem já tem seus meios de produção muitas vezes dispensam uma escolarização demasiadamente longa. A conclusão do estudo diz: "A educação pode ser importante para explicar a desigualdade total, mas não há evidências de que a educação de massa seja um dos fatores mais relevantes para explicar as diferenças entre os ricos e o resto da população no Brasil. Obviamente esta é uma questão de interpretação, mas acreditamos que a maneira apropriada de contemplar os resultados obtidos é concluir que nem mesmo a educação de elite pode ser tomada como um dos determinantes principais dos níveis atuais de riqueza. A educação de elite seguramente diferencia alguns trabalhadores dos restantes e provavelmente é um determinante importante da riqueza de alguns trabalhadores (sic) no 1% mais ricos, mas uma grande parte desses trabalhadores seria rica mesmo sem a contribuição líquida da educação para seus rendimentos que foi estimada. Portanto, não se deve assumir que os ricos são ricos predominantemente porque são mais educados." (http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2493829).
Enfim, o carro-chefe se desvela como engodo para as classes trabalhadoras e bolsos cheios para os capitalistas do mercado educacional - e não só: pensemos, por exemplo, na construção civil para ampliar o sistema educacional etc.