Postamos abaixo a terceira parte (de um total de quatro) da sequência de publicações sobre a conjuntura econômica brasileira, analisando os desdobramentos em nossa formação da crise do imperialismo e dos rearranjos da economia mundial, e seus impactos nas classes dominadas. Nesse documento abordamos a tendência de reprimarização e especialização na produção de commodities para exportação.
A primeira parte do documento pode ser acessada aqui (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/11/teses-sobre-conjuntura-nacional.html) e a segunda parte aqui (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/12/brasil-crise-e-regressao-parte-2.html).
V. Reprimarização
“constituição de um setor agroindustrial
voltado à exportação. Na exportação de commodities minerais. Assim, o pólo
dinâmico da economia se transfere para setores voltados à exportação. Portanto,
um conjunto de setores que se realizam no exterior. No geral, setores de
elaboração de produtos primários. Ou seja, os novos setores dinâmicos têm seu
ciclo produtivo concluído no exterior, realizado no exterior. Nesse sentido, o Brasil aprofunda a característica de país
exportador de mercadorias intensivas em força de trabalho e derivadas da
exploração de seus recursos naturais, baseando-se, para competir no mercado
mundial, em sua disponibilidade de força de trabalho barata e de pouca
qualidade. A especialização na produção
e exportação de commodities é outra das características da regressão colonial”.
(Formação
econômico-social brasileira: regressão a uma situação colonial de novo tipo,
negritos nossos, https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Regress%C3%A3o.pdf?attredirects=0&d=1)
Também em relação à tendência de reprimarização da economia
brasileira, com sua maior especialização na produção e exportação de commodities agropecuárias e minerais,
apontadas no texto sobre regressão,
a realidade do país nos últimos anos, reforçou as tendências apontadas em 2006.
Não apenas o agronegócio e a extração mineral representam parcela
expressiva da atividade econômica brasileira como as exportações e os fluxos
líquidos de divisas são cada vez mais dependentes das vendas desses produtos
básicos.
Primeiramente, é necessário ter uma visão mais apropriada,
abrangente, do peso do agronegócio na economia brasileira. Devido à sua
metodologia, o IBGE adota definição muito restrita de “agropecuária”.
Utilizando os dados da segunda tabela do primeiro post desta série sobre a
crise econômica brasileira (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/11/teses-sobre-conjuntura-nacional.html),
vemos que a participação da agropecuária no PIB, segundo as Contas Nacionais,
foi de apenas 6,5% no segundo semestre deste ano. Veremos, a seguir, por que
esta quantificação restrita da agropecuária não é a mais adequada para a
análise da participação desse setor na dinâmica de acumulação capitalista no
Brasil.
O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiróz”, da USP (Cepea/Esalq/USP, http://www.cepea.esalq.usp.br/), calcula, a partir das próprias Contas
Nacionais, o “PIB do Agronegócio”,
agregando à “agropecuária” todas as atividades a ela diretamente ligadas e dela
dependentes, incluindo a produção de insumos, o beneficiamento industrial dos
produtos agropecuários e sua distribuição. Os resultados para as duas últimas
décadas estão nos gráficos abaixo.
A primeira constatação é que o “agronegócio” (nos cálculos do
Cepea, dentre outros[1])
é, pelo menos, quatro vezes maior que a “agropecuária” (medida pelo IBGE nas
Contas Nacionais), mostrando que a correta compreensão da conjuntura passa pela
busca dos dados empíricos que – ainda que sempre limitados, incompletos, com
vieses – aproximem o mais possível as condições efetivas de produção e a
dinâmica dos capitais no país. Pelo gráfico abaixo se constata que, de 1995 a 2013, o agronegócio representou,
em média, 23,9% do PIB brasileiro, reduzindo-se ligeiramente, para 22,6% nos
últimos cinco anos, a partir de 2009.
O segundo gráfico, acima, nos permite constatar uma característica
de economias mais baseadas/dependentes de produtos básicos e do comércio
exterior. A partir da série de duas décadas apresentadas no gráfico, percebe-se
a maior volatilidade do PIB do agronegócio em relação ao PIB total, devido
tanto a questões climáticas quanto à sua maior dependência dos oscilantes
preços e demais condições dos mercados internacionais. Essa maior volatilidade
causou seguidas recessões do agronegócio, como pode ser visto em 1996, 2000,
2005, 2009 e 2012. A maior
suscetibilidade do agronegócio a alternar períodos de taxas de crescimento
elevado e seguidas recessões é característico às economias dependentes de
produtos básicos.
Para identificar os componentes setoriais mais dinâmicos para a
acumulação é preciso – da mesma forma que na análise da indústria, desagregando
entre extrativa mineral e transformação (ver a parte 2 dessa série em http://cemflores.blogspot.com.br/2014/12/brasil-crise-e-regressao-parte-2.html)
– buscar dados mais desagregados, posto que a análise agregada do PIB do
agronegócio não permite identificar as profundas transformações na agricultura
brasileira nas últimas duas ou três décadas, relacionadas à destinação das
terras cultiváveis, aos tipos de lavoura, grau de mecanização e/ou de
utilização da força de trabalho, destinação da produção entre mercado interno e
externo, etc.
Pelas estatísticas do IBGE sobre área colhida, observamos que, em
1981, a produção somada de feijão e arroz – componentes agrícolas básicos da
cesta de consumo dos trabalhadores e, portanto, destinados fundamentalmente ao
mercado interno – ocupava 11,1 milhões de hectares, enquanto a soja – cuja produção
é exportada quase que na íntegra – era colhida em 8,5 milhões de hectares.
Passadas três décadas, a área colhida de feijão e arroz reduziu-se em 54%, para
5,1 milhões de hectares, em 2012; enquanto a de soja atingiu 25 milhões de
hectares, com crescimento acumulado de 194%. Ou seja, a área colhida de soja,
que em 1981 equivalia a três quartos da de feijão e arroz, em 2012 já era quase
o quíntuplo daquela. Geograficamente, essa expansão reflete-se no caminho da
soja do Sul ao Sudeste, posteriormente ocupando todo o Centro-Oeste e, mais
recentemente, atingindo a parte meridional da Amazônia e penetrando no
Nordeste, deslocando cultivos tradicionais e seus produtores.
Resultados ainda mais impressionantes são obtidos quando
consideramos as séries de produção agrícola do IBGE. Com o aumento da
produtividade (colheita dividida pela área) no período, a produção de arroz
cresceu 40,4% e a de feijão, 19,4%. Em comparação, a soja cresceu 339%, mesmo
com a queda de 2012. Apenas o aumento da produção de cana de açúcar se compara
ao da soja, alcançando 362%. Para comparação, a população brasileira cresceu 64%
de 1981 a 2012.
Quando esses resultados são confrontados com a produção e a
exportação mundiais de produtos agrícolas (e também pecuários), pode-se
dimensionar melhor o significado da tendência de reprimarização. O Brasil é o primeiro produtor e exportador mundial
de açúcar e café (alguém se lembrou dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e da
primeira metade do século XX?) e de suco de laranja. Em etanol (também derivado
da cana de açúcar), carne bovina e fumo, 2º produtor mundial e 1º exportador. O
Brasil é ainda o 2º maior exportador mundial dos dois principais produtos da
pauta exportadora brasileira, soja e ferro.
Não dispomos de estatísticas / análises similares para o conjunto
das atividades desenvolvidas em torno da produção de commodities minerais. A partir do conjunto de informações
disponíveis – dados de PIB, produção industrial, setoriais e de exportação – observamos
que a indústria extrativa mineral permanece em expansão e que seus dois setores
mais importantes, intensivos em exportação, estão entre os de maior crescimento:
minério de ferro e petróleo.
Em relação ao petróleo,
a euforia dos “desenvolvimentistas” (e também dos “financistas”, dos
“industriais”, dos governos, e de toda a classe dominante) com as perspectivas de
uso das multibilionárias das receitas de exploração do pré-sal pode ser bem
sintetizada nas afirmações do então presidente Lula de que o Brasil iria
ingressar na Opep[2].
O “destino manifesto”, a “vocação verdadeira” do país seria então finalmente
descoberta: tornar-se uma Arábia Saudita nos trópicos... A depender do
interlocutor, o pré-sal resolverá definitivamente os problemas da educação e da
saúde, financiará investimentos em ciência, tecnologia e inovação, desenvolverá
a cultura, diminuirá desigualdades regionais, criará todo um complexo
industrial petrolífero (refino, derivados, petroquímica, naval, construção,
etc.), eliminará os déficits comerciais e em transações correntes e
impulsionará o crescimento[3]. Na
prática, estamos vendo que o petróleo já tem contribuído para “resolver” os
“problemas” de Diretores da Petrobrás, de empreiteiras, de doleiros e de políticos
em geral, com bilhões de dólares de contratos superfaturados e propinas. Como
já dissemos faz dez anos, o PT governa com o esgoto a céu aberto[4]...
Na realidade, não há exemplos
históricos de países dominados no sistema mundial do imperialismo que tenham
rompido essa relação de dominação com a descoberta de grandes reservas de
petróleo (na lista
dos maiores exportadores mundiais estão Arábia Saudita, Irã, Iraque, Nigéria,
Emirados Árabes Unidos, Angola, Venezuela e México[5]).
Os resultados da produção de petróleo, isto é, os seus lucros, como os oriundos
da produção de qualquer mercadoria no capitalismo, são apropriados pela
burguesia e demais classes dominantes. No caso do petróleo brasileiro, isso
(que é óbvio!) só se torna ainda mais evidente com a quebra do monopólio da
Petrobrás, no governo FHC, e com uma dúzia de leilões para exploração do
petróleo, feitos igualmente nos governos FHC, Lula e Dilma. Por falar nesses
leilões, basta recordar o último, do campo de Libra, o maior do país, entregue
pelo preço mínimo com a proposta de um único consórcio (ou, chamando pelo nome
correto: cartel), formado pela Shell, que dispensa apresentações; pela francesa
Total; por duas chinesas, CNPC e CNOOC; e pela Petrobrás. Ao invés das “nobres”
destinações do parágrafo anterior, os R$ 15 bilhões arrecadados pelo leilão
foram, integralmente, destinados à geração de um superávit primário recorde em
novembro de 2013[6].
No caso da mineração, o
Ministério de Minas e Energia (MME) indica que o setor representava
diretamente apenas 1,1% do PIB brasileiro em 2008. O valor da produção mineral
no país, no entanto, cresceu 900% nos dez anos até 2012, atingindo US$ 55
bilhões, conforme o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)[7].
Analisando o processo produtivo do minério de ferro, assim como no caso do
petróleo, vemos que suas maiores contribuições são nas exportações e na elevada
composição orgânica do capital, que é corolário da pouca utilização relativa de
força de trabalho no setor[8].
Esse maior e mais dinâmico papel das commodities agropecuárias e minerais na economia brasileira é
consequência da nova divisão internacional do trabalho gerada pela longa crise
do sistema imperialista mundial iniciada a meados dos anos 1970.
Especificamente, estamos tratando da acelerada expansão capitalista da China e
de suas relações com os EUA e demais países imperialistas, nas quais a China
passou a receber indústrias (principalmente americanas) para constituir um polo
de produção industrial de baixo custo e exportar sua produção para os
principais países imperialistas, especialmente os EUA e, em seguida, a Europa.
Essa China capitalista torna-se, assim, gigantesca demandante de commodities agrícolas (soja), para
alimentação humana e ração animal; e minerais, tanto como insumos à produção
industrial e aos investimentos (minério de ferro) quanto para energia
(petróleo). O marco do aumento dessa demanda internacional chinesa foi sua
adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2000.
No entanto, o aspecto determinante dessa tendência à
reprimarização da economia brasileira, com sua especialização na produção e
exportação de commodities agropecuárias
e minerais, está definido pelas condições/contradições internas do país,
condições de produção (existência de reservas minerais, disponibilidade de
terras, condições climáticas, capacidade de investimento, tecnologia,
infraestrutura, etc.) e a luta de classes, as contradições e os rearranjos
entre as frações das classes dominantes e sua luta contra as classes dominadas.
O que queremos ressaltar, de
forma mais geral, é que esse processo de regressão
a uma situação colonial de novo tipo é uma reestruturação da estrutura
econômica, de classes, do Brasil; que ocorre a partir do rearranjo que
denominamos nova divisão internacional do trabalho no sistema imperialista;
porém constitui um processo ativo, no
qual o capital se desloca para os novos setores dinâmicos da economia
brasileira, criando as condições necessárias para produzir e/ou ampliar
enormemente a produção para suprir a crescente demanda internacional e para
obter os lucros que ela proporciona.
Em nossa opinião, é apenas partindo dessa análise das condições
mais gerais de produção e reprodução do capital, da luta de classes, na
formação econômico-social brasileira, que podemos fazer a necessária análise
concreta das condições concretas em que se trava a luta de classes em cada
conjuntura. É a partir dessa interpretação de seus condicionantes mais gerais
que podemos explicar tanto o (curto) período de crescimento nos anos 2000, até
2008, quanto a atual crise econômica brasileira.
Sobre o mencionado papel da China na reprimarização da economia
brasileira, achamos que o ponto de partida deve ser tentar quantificar a
magnitude de sua demanda por commodities
importadas. Em relação aos dois principais produtos exportados pelo Brasil,
temos que:
“a
China, que, por exemplo, no ano 2000 importava 70 milhões de toneladas de
minério de ferro, equivalentes a 14% do comércio internacional, em 2008 deu um
salto para 444 milhões [aumento de 535%],
quase metade das compras externas
globais. Na soja, suas compras passaram de 10 milhões de toneladas para
quase 60 milhões [aumento de 500%] de
2000 a 2012, saindo sua fatia no mercado
de menos de um quinto para quase dois terços”[9]
(negritos nossos).
Ou seja, o ritmo de crescimento
das importações chinesas, a partir da década de 2000, passou a ser o
determinante fundamental das condições da realização de commodities no mercado internacional. Essa determinação ocorre tanto nos preços –
puxando-os para cima, originando o chamado de “super-ciclo de commodities” ou, como é o caso
atualmente, para baixo – quanto nas condições da demanda (majoritariamente
chinesa); e oferta, cujo crescimento contínuo nos últimos quinze anos deu
origem a claro processo de sobreinvestimento e excesso de produção[10].
Essa pantagruélica demanda chinesa por commodities nas últimas décadas criou novas relações comerciais
para aquele país, na busca de fornecedores que, por outro lado, também passavam
a constituir destinos para a realização das exportações chinesas de
manufaturas. Esse padrão de relacionamento com a China passou a ser a norma
para países da América Latina e da África. Como afirma um recente artigo do Le Monde Diplomatique Brasil para o
conjunto da América Latina:
“Reproduzindo
os antigos circuitos comerciais, quando os navios britânicos recolhiam cobre,
açúcar e especiarias para Liverpool antes de transportar materiais acabados
para a América Latina, os navios de mercadorias e cargueiros latinos que
navegam em direção à China cruzam no caminho porta-contêineres que partiam dos
portos de Xangai ou de Tianjin. Carregados de produtos manufaturados (91% do
total das exportações chinesas para a América Latina), eles representam agora a
principal fonte de abastecimento do mercado brasileiro e a segunda para metade
dos outros mercados latino-americanos”
“O
valor agregado incorporado nos processos industriais escapa sempre largamente à
região [América Latina], cuja relação com a China acentua a
‘reprimarização’ das economias: uma dependência ampliada no mercado mundial e
no setor primário, que cria poucas riquezas e empregos” (negrito nosso)[11].
Especificamente na relação com o Brasil, a China tornou-se, desde
2009, o principal destino das exportações brasileiras (19% do total exportado
em 2013) e, também, a principal origem das importações, desde 2012 (15,6% em
2013). As diferenças, no entanto, são gritantes: enquanto quase três quartos
das exportações brasileiras para a China compõem-se de apenas duas commodities (soja, 38%, e minério de
ferro, 35%; com petróleo como o terceiro produto, 9%), a praticamente
totalidade do fluxo de mercadorias no sentido inverso é constituída de produtos
manufaturados. Uma “complementaridade” que em tudo lembra as velhas relações
metrópole-colônia...
Essa demanda chinesa e a lucratividade que ela possibilitava
estimulam a reprodução ampliada do capital nos setores exportadores de commodities, atraindo novos capitais
brasileiros e estrangeiros. Somado à tendência de desindustrialização, podemos
dizer que o “efeito China”, como expressão da nova divisão internacional do
trabalho e do “lugar” que o Brasil nela passou a ocupar, provocou enorme
mudança na estrutura produtiva do país, com especial reflexo na pauta
exportadora do país. Como afirma a matéria A indústria
esmagada (Carta Capital, nº 815,
03.09.2014, pg. 48):
“A
participação dos produtos industriais no total das exportações do Brasil, de
expressivos 80,5% em 1990, caiu para 32,1% em 2000 e 22,5% em 2008 ... A contrapartida da regressão da área de
transformação é a reprimarização da economia, evidenciada na pauta de
exportações. Entre 1995 e 2013, a participação dos manufaturados caiu de
56,2% para 39,3% e a dos produtos básicos aumentou de 22,9% para 47,8%. ‘Não é apenas mais uma crise, mas a
continuidade de uma degradação originada no fim da década de 1970...’,
aponta [Wilson] Cano [professor
do Instituto de Economia da Unicamp]” (negritos nossos).
Mais especificamente, essa reprimarização da pauta exportadora
pode ser avaliada pelo fato de apenas quatro commodities (minério de ferro, soja, petróleo e carnes)
representarem mais de 40% do total exportado pelo país a partir de 2011, mais
do dobro dos 21% que representavam em 2000. Utilizando dados de 2013, minério
de ferro e soja representavam 13% desse total cada um, com exportações anuais
de pouco mais de US$ 30 bilhões; petróleo representava 10% (US$ 23 bilhões) e o
total de carnes exportadas, 7% (US$ 17 bilhões). Adicionalmente, o Ministério
da Agricultura publica estatística das exportações e importações de produtos do
agronegócio, ressaltando superávit comercial desses produtos de US$ 82,9
bilhões em 2013, enquanto o país teve superávit comercial de apenas US$ 2,6
bilhões naquele ano[12].
Ou seja, tal como até a primeira metade do século passado, os produtos do
agronegócio são as principais fontes líquidas de divisas para o país,
possibilitando as importações dos demais bens manufaturados e de consumo.
Assim, o estudo da Fundap mencionado na parte dois desta série (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/12/brasil-crise-e-regressao-parte-2.html)
chega às seguintes conclusões:
“Essa
característica estrutural da economia brasileira mostra que o país se transformou predominantemente em
exportador de bens de menor valor agregado, especialmente de commodities metálicas e soja, e em importador de produtos industriais de forma
generalizada, matérias primas e
bens finais de maior ou menor intensidade tecnológica” (negrito nosso)[13].
* * *
Embora as características do processo que denominamos regressão a uma situação colonial de novo
tipo sejam estruturais, modificações profundas na estrutura econômica
brasileira, seus impactos na dinâmica de acumulação do capital variam,
dependendo da conjuntura nacional e mundial. O que queremos dizer é que as tendências de rearranjo, de modificação
no sistema imperialista, na economia mundial, causadas na tentativa de reação à
crise do imperialismo, significam uma inflexão nas tendências que estimularam a
regressão, no caso, a reprimarização
e especialização na produção e exportação de commodities agropecuárias e minerais. Ou seja, fatores que
impulsionaram o crescimento da economia brasileira até 2008 (ou 2010), não
estão mais presentes ou estão funcionando em sentido contrário.
O aspecto mais evidente dessa
reversão é a trajetória dos preços das commodities
nos mercados internacionais.
Sua queda recente é consequência tanto dos já sete anos de
depressão/recessão/estagnação ao redor do mundo, como das modificações e
desaceleração na economia chinesa, reduzindo seu apetite por essas commodities.
FURTADO,
João e URIAS, Eduardo. (2013). Recursos Naturais e Desenvolvimento: estudos
sobre o potencial dinamizador da mineração na economia brasileira. São
Paulo/Ed. dos Autores/IBRAM, 2013, pg. 234. Disponível em http://www.ibram.blog.br/downloads/LivroRecursosNaturais_2013.pdf.
Na tabela acima, podemos ver que houve ciclo sincronizado de alta
nos preços de todos os tipos de commodities
a partir do final dos anos 1990. Esse chamado “super-ciclo” provocou aumento de
81% na média dos preços internacionais de commodities
até o seu auge, em 2010, aumento que superou, com folga, os ciclos anteriores,
desde o final do século XIX. O aumento recorde se mantém para os metais (202%),
com alta até 2007, e o petróleo (466%), que se manteve até 2008. Para as
agrícolas, o aumento de 77%, até 2010, foi superado apenas pelo longo ciclo
1932-1971.
O ponto a destacar na análise da
conjuntura recente é o encerramento desse “super-ciclo” há pelo menos cinco
anos. Da tabela
anterior se observa que a “correção” média dos preços na fase descendente do ciclo
supera 50%. Aparentemente ainda há um longo caminho ladeira abaixo... Não é
demais lembrar que a queda nos preços internacionais dos principais produtos de
exportação de um país leva à queda nos seus termos de troca, diminuindo seu
superávit comercial, piorando suas transações correntes e gerando efeitos
negativos na produção, vendas, rendas e emprego.
Os termos de troca do comércio exterior brasileiro estão no
gráfico abaixo, que apresenta toda a série histórica mensal existente,
publicada no sítio do Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/). No período do ciclo internacional de commodities, o mínimo da série é 89,4,
em dezembro de 2002. O ciclo altista representou aumento de 48,4% dos termos de
troca brasileiros[14],
até seu pico de agosto de 2011. Esse pico não só é o maior de toda a série,
iniciada em janeiro de 1978, como a média anual de 2011 é a maior desde 1954,
também de acordo com o Ipeadata. De lá para cá, no entanto, os termos de troca já caíram 13,2% (embora
ainda estejam acima do pico de 2008) e deverão permanecer com essa mesma
tendência declinante.
Quando analisamos o desempenho dos preços de exportação
brasileiros, o aspecto que buscamos enfatizar torna-se ainda mais evidente.
Como apresentado no gráfico abaixo, diante da magnitude do aumento de preços
internacionais a partir de 2003, a evolução desses mesmos preços nas décadas
anteriores parece estagnada.
Como esperado, os preços de exportação foram os principais
responsáveis pela trajetória dos termos de troca nas últimas décadas. A
expansão dos preços totais das exportações brasileiras, até o pico de agosto de
2011, foi de 180,6%. Só que enquanto os
preços das exportações de manufaturados “apenas” dobraram, os dos produtos
básicos mais que quadruplicaram (305%)! É evidente que, quanto maior a
altura, maior o tombo. Assim, os preços dos básicos (commodities) já caíram 21,6% em relação ao pico, enquanto o das
manufaturas, apenas 5,4%.
Além da já mencionada queda de 40% nos preços do minério de ferro,
também há queda generalizada nos preços das commodities
exportadas. Utilizando dados do FMI disponíveis no Ipeadata, os preços
internacionais das nossas principais commodities
exportadas registraram picos em 2011/2012 e, de lá até junho deste ano, já
caíram: soja (-15,2%), carnes (-9,0%), café (-43,0%) e açúcar (-34,3%).
O segundo gráfico acima chama atenção para dois aspectos também
fundamentais. Em relação às quantidades vendidas (o índice de volume ou quantum), as mercadorias
industrializadas despencaram após 2008 e não mais recuperaram qualquer
trajetória minimamente ascendente, comportamento similar ao da produção
industrial, conforme analisado no post anterior desta série sobre
desindustrialização (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/12/brasil-crise-e-regressao-parte-2.html).
Este é, portanto, fator adicional de comprovação da perda de competitividade da
indústria brasileira. No outro extremo,
as exportações de produtos básicos não parecem ter sido atingidas pela crise
mundial. A trajetória das quantidades exportadas (média móvel de 12 meses)
segue tendência praticamente linear de crescimento nos últimos quase quinze
anos.
Considerados os elementos empíricos apresentados ao longo deste
texto, nossa avaliação é que as modificações estruturais da economia brasileira
que designamos de regressão a uma
situação colonial de novo tipo, especificamente seus aspectos constitutivos
de desindustrialização (post anterior) e reprimarização, que analisamos neste
texto, respondem por grande parte da crise econômica brasileira atual[15].
Especificamente, a conjuntura da economia mundial após 2008/2009 retirou a
capacidade da chamada “demanda externa” impulsionar o crescimento do país.
A queda do volume exportado da indústria e a queda dos preços de
exportação das commodities levaram as
exportações brasileiras a quedas consecutivas em 2012, 2013 e 2014, bem
distantes do crescimento médio anual acima de 20% de 2003 a 2011 (com exceção
de 2009). Esses resultados eliminaram os superávits comerciais que chegaram a
superar os US$ 40 bilhões (2005 a 2006), cairam para US$ 2,6 bilhões em 2013 e
devem fechar este ano próximo de zero. Com isso, o saldo dos dólares
ingressados no país, que chegou a US$ 87,5 bilhões em 2007, caiu seguidamente
até ficar negativo em 2013, US$12,3 bilhões. Neste ano houve ligeira
recuperação para US$ 8,6 bilhões até o começo de novembro.
Ou seja, a redução nos preços internacionais dos produtos
exportados (e a queda das exportações industriais) reduz o valor total
exportado, elimina o superávit comercial, aumenta o déficit em transações
correntes para mais de US$ 80 bilhões (quase 4% do PIB), eliminando o impulso
da demanda externa, diminuindo o efeito multiplicador das exportações na
economia, reduzindo as receitas fiscais (enquanto amplia as pressões da
burguesia por maiores gastos fiscais “compensatórios”, ou seja, mais reduções
de impostos[16]),
e reduzindo os empregos e salários.
A reprimarização também impacta a luta de classes e as disputas
das frações das classes dominantes. A burguesia do agronegócio contesta
crescentemente os interesses e o peso da burguesia industrial, buscando impor a
sua própria agenda que inclui, entre outros, liberalização comercial (o Brasil
tornou-se, sob Lula, um dos principais defensores da chamada Rodada Doha da
OMC, em defesa da maior liberalização comercial no mundo, o que beneficiava os
principais produtos de exportação do Brasil, todos, como vimos, do agronegócio
ou da extrativa mineral); acordos internacionais preferenciais com “parceiros”
selecionados (nos quais o Brasil obteria alíquotas preferenciais para as
exportações do agronegócio, em troca de abrir seu mercado interno com as mesmas
alíquotas preferenciais para as exportações desses “parceiros”, principalmente
manufaturas e serviços), disputas comerciais (basta lembrar o caso do algodão
na OMC, contra os EUA), crédito agrícola barato e direcionado, redução do custo
Brasil “da porteira para fora”, defesa do direito irrestrito de propriedade,
etc.
A defesa de pautas próprias por essa fração da classe dominante
traduziu-se nas acachapantes derrotas impostas nas votações, só para citar dois
exemplos, do Código Florestal e da atualização dos índices de produtividade
rural. A bancada parlamentar ruralista é, provavelmente, a mais numerosa e bem
articulada do Congresso Nacional[17].
[1] Para uma enumeração de fontes alternativas para o cálculo do
tamanho do agronegócio no Brasil ver BACHA, Carlos J. C. (2012). Economia
e Política Agrícola no Brasil, 2ª ed. São Paulo: Atlas, pgs. 13-20.
[2] Como afirmou Lula ainda em 2007: “Logo, logo o Brasil vai participar da Opep” (http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/11/071110_denizelulaopep_fp.shtml) e reafirmou em 2008: “Queremos começar a
exploração teste em março de 2009 e começar a produzir petróleo em 2010, quando
o Brasil se tornará um grande exportador de petróleo” (http://economia.uol.com.br/ultnot/2008/05/13/ult4294u1345.jhtm). No ano seguinte, em 2009, a estória já era outra, mais
“ambiciosa”: “Não, o Brasil não tem a
intenção de exportar petróleo cru. O país quer exportar derivados, a fim de
criar uma indústria petroquímica no Brasil”, logo
“Nós não temos interesse em participar da
Opep” (http://oglobo.globo.com/economia/brasil-nao-tem-interesse-em-participar-da-opep-afirma-lula-3211969). Ou seja, um mestre do diversionismo e da empulhação...
[3] Nos termos de lei aprovada no Congresso, distribuindo os recursos
dos royalties do petróleo para essas
duas áreas (http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/07/02/aprovada-destinacao-de-royalties-do-petroleo-para-educacao-e-saude). Estimativas já falam em R$ 135 bilhões.
Para
texto mais “acadêmico” sobre as potencialidades econômicas do pré-sal: http://interessenacional.uol.com.br/index.php/edicoes-revista/o-pre-sal-e-a-nova-geografia-economica/.
[4] “A Crise do Governo Lula ou Governando com o Esgoto à Céu Aberto”,
de julho de 2005 (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/11/agora-crise-do-governo-dilma-ou.html).
[5] Nada como olhar diretamente no sítio da CIA (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2242rank.html ) para ver essa lista...
[7] Conforme a matéria “Mineração Fica Dez Vezes Maior na Década”,
Folha de São Paulo, pg. A15, de 25.12.2012. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/85626-mineracao-fica-dez-vezes-maior-na-decada.shtml.
[8] FURTADO, João e URIAS, Eduardo. (2013). Recursos Naturais e
Desenvolvimento: estudos sobre o potencial dinamizador da mineração na economia
brasileira. São Paulo/Ed. dos Autores/IBRAM, 2013. Disponível em http://www.ibram.blog.br/downloads/LivroRecursosNaturais_2013.pdf.
“o setor de mineração se caracteriza pela
necessidade de elevados investimentos
para a realização das bases produtivas de extração mineral, que são amortizados
ao longo do ciclo produtivo. Essa atividade gera efeitos dinamizadores modestos, uma vez que, por ser intensiva em capital, contrata pouca mão de obra, que
representa uma parcela reduzida dos investimentos realizados. Ao mesmo tempo,
tem uma baixa demanda de insumos e ciclos produtivos longos” (pg. 201,
negritos nossos).
“Como o setor de minério de ferro possui encadeamentos importantes na matriz
produtiva brasileira, o dinamismo de suas exportações tem impactos
positivos sobre a geração de produto e de renda na economia nacional” (pg. 216, negritos nossos).
“A alta intensidade de capital fixo e o elevado conteúdo nacional dos bens de investimento demandados pela
indústria de minério de ferro fazem de seu investimento um elemento importante
para o desenvolvimento da economia nacional, devido aos impactos gerados,
direta e indiretamente, sobre a produção nacional e, como consequência, sobre o
emprego e a renda” (pg. 216,
negritos nossos).
[9] Marcelo Miterhof. “Recursos Nem Tão Naturais”. Folha de
São Paulo, B8, de 17.07.2014, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelomiterhof/2014/07/1487060-recursos-nem-tao-naturais.shtml.
[10] Em relação aos preços internacionais do minério de ferro, no
começo de novembro eles apresentavam queda de 43% no ano, voltando aos níveis
de junho de 2009 (https://br.financas.yahoo.com/noticias/min%C3%A9rio-ferro-renova-m%C3%ADnima-5-anos-sider%C3%BArgicas-chinesas-164131055--finance.html). A oferta mundial, por outro lado, tem previsão de aumento de
167 milhões de toneladas, em 2014, e de 125 milhões, em 2015, considerando
apenas os cinco maiores monopólios produtores internacionais (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/09/1514887-com-baixa-de-40-minerio-de-ferro-vive-fim-da-era-dourada.shtml). Neste ano, a Vale estima excesso de oferta de 100 milhões de
toneladas no mercado internacional (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,acabou-a-exuberancia-do-minerio-de-ferro-imp-,1567412).
Resultado
similar tem sido observado nos preços do petróleo, que ao caírem a menos de US$
80 por barril, sendo que seis meses atrás estavam em US$ 115, chegaram ao menor
patamar desde setembro de 2010, com o aumento da produção nos EUA e a
resistência da Opep em cortar a produção (http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/13/economia/1415869346_473950.html).
[11] A China, a Vaca e o Leite, Le Monde Diplomatique Brasil, de
setembro deste ano (ano 8, número 86). O artigo não está disponível no sítio do
periódico. No sítio em francês (http://www.monde-diplomatique.fr/2014/09/VENTURA/50760), apenas para assinantes.
[12] Ver no link http://www.agricultura.gov.br/internacional/indicadores-e-estatisticas/balanca-comercial.
[13] “Nível de atividade no governo Dilma: determinantes do baixo crescimento
econômico”. In: Boletim de Economia [28], de junho de 2014. Disponível
em http://novo.fundap.sp.gov.br/arquivos/PDF/Boletim_de_Economia_Fundap_28_jun2014_Conjuntura_Nivel_de_Atividade_no_governo_Dilma.pdf.
[14] Devemos lembrar que os termos de troca são calculados para o total das exportações e
importações, ou seja, incluindo também manufaturados, o que amortece os efeitos
da alta das commodities.
[15] Não nos propusemos a analisar neste texto outros aspectos
relevantes para a explicação da crise como, por exemplo, a estagnação do
mercado de crédito, considerado o elevado endividamento dos trabalhadores e das
camadas médias.
[16] Especificamente para os exportadores, o governo tornou permanente
a isenção de impostos no chamado programa Reintegra (http://blog.planalto.gov.br/brasil-edita-mp-para-estimular-industria-e-mercado-de-capitais/), em julho deste ano.
[17] Dentre muitas análises possíveis, ver “A Bancada Ruralista e o Congresso
do Capital”, publicado no sítio da revista Caros Amigos, em 15.10.2014
(http://www.carosamigos.com.br/index.php/politica/eleicoes-2014/4560-a-bancada-ruralista-e-o-congresso-do-capital). De acordo com os próprios “ruralistas”, a bancada tem potencial
de agrupar 257 dos 513 deputados federais eleitos neste ano (http://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/bancada-ruralista-sera-fortalecida-congresso-nacional-7971).
Em
relação às famosas “contribuições” das empresas para as campanhas eleitorais, a
principal empresa das eleições deste ano não foi nenhum banco nem empreiteira.
Foi o grupo J&F, dono da JBS, Friboi, etc., grande monopólio do setor de
alimentos, consolidado com R$ 7,5
bilhões em empréstimos camaradas do BNDES (http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/11/tcu-rejeita-recurso-e-bndes-tera-que-esclarecer-emprestimos-jbs.html). A J&F “doou” R$ 60,4
milhões apenas para candidaturas a deputado, “ajudando” a eleger 164 dóceis
parlamentares. Para o Senado, foram mais R$
12 milhões, para 12 futuros senadores. No total, as “contribuições” das
empresas para as campanhas ao Congresso Nacional superaram R$780 milhões (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1545748-base-aliada-recebeu-60-das-doacoes-na-campanha.shtml).
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