Apresentação.
"Em nome da razão? Marxismo, racionalismo,
irracionalismo" é um texto de 1976 do filósofo e então comunista francês
Étienne Balibar.
O texto possui, a nosso ver, uma dupla atualidade. Em
primeiro lugar, por trazer uma reflexão sobre o problema teórico e político da
luta ideológica no capitalismo "em geral". Ou, mais precisamente,
entre o marxismo e a ideologia burguesa e suas diversas variantes. Essa luta é
uma das frentes e formas da luta de classes que, como mostra o autor, não pode
ser menosprezada, nem, por outro lado, isolada na prática revolucionária.
Em segundo lugar, para nossa conjuntura de crise
imperialista, é atual pelo fato do autor partir do seguinte questionamento:
como praticar essa luta ideológica, através da posição revolucionária, em períodos
de crise capitalista? Isso porque nas crises a ideologia dominante tende a
sofrer significativas modificações, apresentando inclusive algumas temáticas e
questões a primeira vista "revolucionárias" (exemplo: crítica do
"crescimento econômico" ou das "instituições burguesas").
Apesar dos exemplos dessas modificações dizerem respeito, no texto, à época e
contexto do autor, vários deles são ainda pertinentes hoje, ou mesmo se
radicalizaram na crise atual.
Nesse texto Balibar
traz especificamente a temática do racionalismo e seu aparente oposto
(irracionalismo), e sua relação com o marxismo. O racionalismo, como o autor
demonstra, foi e é a fundamentação (ideológica) do mundo burguês, desde sua
luta contra o obscurantismo feudal. Como diz Balibar, é a "filosofia
dominante" do mundo moderno. Mesmo seus avanços para o materialismo
estiveram "condicionados", em última instância, pela necessidade
prática e política da burguesia na consolidação das relações de produção
capitalista.
No entanto, os períodos de crise fazem surgir
"subprodutos" da ideologia burguesa que aparentam ser
"anti-capitalista" e possuem um caráter pessimista-irracional (de
direita, ou de “esquerda”; entre os intelectuais, ou entre as massas). Essas
"inversões mecânicas" na ideologia dominante, como diz o autor,
precisam ser compreendidas a fundo, em suas bases materiais e históricas, a fim
de travar a luta ideológica através da posição revolucionária. Caso contrário,
os marxistas tenderão a tomar essas inversões como reais rupturas, ou até
combater o irracionalismo como inimigo principal (muitas vezes identificado ao
nazi-fascismo e à burguesia em decadência) e identificando automaticamente o
marxismo com o racionalismo.
Mas o quão o irracionalismo seria útil ao sistema em crise?
O proletariado seria o paladino do racionalismo? O marxismo seria um ou o
racionalismo?
Balibar basicamente expõe e polemiza com as posições em jogo
nesse campo. Relacionando ideologia, ciência e sociedade burguesa em suas
diferentes conjunturas de luta de classes e da luta entre o materialismo e
idealismo, ele consegue recolocar e reposicionar diversas questões com
fundamento nos pilares do marxismo. Mostra um quadro complexo, muitas vezes
paradoxal e marcado por lutas de duas frentes, imperioso de ser entendido e debatido
pelos comunistas a fim de uma intervenção justa. Afinal, como diz o mesmo, é
essa intervenção que será, ao fim e ao cabo, a resolução daquilo que a
ideologia burguesa aponta como beco sem saída (exatamente por ser beco sem
saída para esse sistema e suas classes dirigentes).
Este texto faz parte de um esforço muito mais amplo no qual
Balibar à época era apenas uma parte. Um importante círculo de militantes e
intelectuais que se aglutinaram em volta de Althusser, outro eminente filósofo
e comunista da época, defendiam em suas obras e intervenções o resgate do
caráter científico do marxismo.
Por sua vez, esse projeto se relacionava profundamente com o
momento do movimento comunista e operário a nível internacional, marcado desde
a década de 1950 pelo desenvolvimento do revisionismo e do reformismo moderno
na URSS e no ocidente, responsáveis por diversos contrabandos ideológicos no
seio do marxismo. Como Balibar, esse grupo buscou apoiar e desenvolver o
arcabouço teórico-prático a partir da experiência chinesa, à época em embate
com o revisionismo, como expressão de fidelidade ao projeto revolucionário do
marxismo.
Por fim, o texto de Balibar nos incentiva a pensar várias
questões hoje: como se portar e combater as formas hoje hegemônicas de racionalismo
e irracionalismo? Essa caracterização seria precisa? Quais seriam as falsas
alternativas "irracionalistas", esquerdistas e direitistas,
principais de hoje (que inclusive permeiam muitos "marxistas"): a
bandeira do crescimento zero, o discurso apocalíptico ambientalista, a retomada
fanático-religiosa e nazi-fascista? Quais os efeitos da crise nos aparelhos
ideológicos? Como o "racionalismo" se manifesta hoje: via retomada
dos direitos humanos como limite da política? Via austeridade de justificativa
"técnica"? Via reforço das tecnologias de repressão?
EM NOME DA RAZÃO? MARXISMO, RACIONALISMO, IRRACIONALISMO[1]
Étienne Balibar
Como lutar contra as
filosofias da crise? Desde algum tempo, os comunistas se veem obrigados a
conceder uma atenção cada vez mais rigorosa a temas ideológicos sobre os quais,
se hoje se insiste, não é por acaso: temas como, no terreno econômico, os
“limites do crescimento”, o “crescimento zero”, os “riscos” e “prejuízos” (para
o “homem”, para a “natureza”) da industrialização intensiva, etc...; no terreno
social, uma renovação das teorias anarquistas, que toma como alvo “as instituições”,
“os poderes”, e proclama a necessidade da “abolição” imediata da Família, da
Escola, da Medicina, dos tribunais; no terreno filosófico, um questionamento do
“valor da ciência” como conhecimento e como fonte do progresso social, quer em
benefício de temas de religiosos (Illich) ou místico-naturalistas (“A Gnose de
Princeton”), quer em benefício de temas niilistas e irracionalistas
(Deleuze-Guattari).
Reforçamos
que para nós, o problema não está em saber se temos que combater esses temas na
prática e nas ideias. O problema está em saber como temos que combater-los, a partir de qual ponto de vista. É um
problema filosófico. É um problema político.
Algumas considerações
De início, impõem-se
algumas considerações.
Aqueles temas
ideológicos, por mais diferentes que sejam uns dos outros, convergem em apoiar
e facilitar as tentativas da grande burguesia de « resolver » em seu
proveito e à sua maneira a crise econômica, quer dizer, apresentando esta como
inevitável, proclamando a necessidade da austeridade, substituindo as causas
sociais reais por causas imaginárias, por abstrações como a Técnica e a
Ciência, que levam toda a culpa. De forma igualmente clara, boa parte desta
ofensiva está organizada, articulada com objetivos imediatos que poderiam ter sobre os trabalhadores manuais e
intelectuais efeitos que é preciso ocultar: « reestruturação » da
produção capitalista, quiçá a tentação de um deslocamento dos centros de
acumulação de capital para outras regiões do mundo, até pouco tempo
« subdesenvolvidas » e que aparecem como os novos paraísos do livre
empreendimento, com sua mão de obra barata e seus regimes « fortes ».
Portanto, e são coisas que vão juntas, brusca desaceleração, limitação seletiva
dos gastos de educação, de pesquisa científica e técnica[2]. « Quem quer afogar
seu cachorro, acusa-o de ter a raiva » como bem disse a sabedoria popular.
Em grande medida, esses
temas ideológicos são inversões
mecânicas, em prol ou em contra, de outros que, no período precedente, haviam
sido formulados detalhadamente pelos mesmos profissionais da ideologia: o mito
do “crescimento” como ideal dos tempos modernos, converte-se no do “crescimento
zero”; o mito do poder e o valor em si da ciência e da técnica, convertem-se em
de sua impotência, sua nocividade, etc. Às mesmas
noções– « civilização industrial », « sociedade
de consumo », « automação » - atribui-se um significado oposto.
Por último, os mesmos
temas ideológicos são suscetíveis a uma variante “de direita” e outra “de
esquerda”, através da qual se efetua, ao menos a este nível, a “recuperação” ou
a marginalização de uma parte da oposição ao regime atual. O resultado objetivo
disso é que as lutas dos trabalhadores debilitam-se, ao mesmo tempo em que se
multiplicam os obstáculos da unidade,
na luta, de operários, camponeses, empregados, intelectuais. Se a física
nuclear é “responsável” do perigo das usinas nucleares, temos que denuncia-la,
e não a uma política energética e industrial ao serviço exclusivo de alguns
monopólios franco-americanos. Se a medicina, excetuando a dos “médicos
descalços”, é a “causa” social e “psicossocial” das doenças, da miséria de
hospitais e postos de saúde, é a ela que temos que atacar, e não a sua organização
discriminatória ou onipotência dos trustes farmacêuticos. Se o crescimento e a
maior duração da escolaridade, a pesquisa científica, o progresso técnico, são
enquanto tais, contraditórios e opressivos, a luta por uma transformação
revolucionária da sociedade, pelo socialismo,
não é mais que uma ilusão...
Conscientes desses
fatos, ilustrados por experiências anteriores, os comunistas têm tomado para si
como tarefa urgente uma luta sem concessões contra esses temas ideológicos,
luta que é parte integrante de seu combate contra a política de austeridade,
contra a exploração da crise pelo grande capital, e pelo avanço do movimento
popular.
Nesta réplica dos comunistas, é frequente que
uma ideia, a do irracionalismo, ocupe um lugar importante. Estaria se
produzindo, de forma mais ou menos deliberada, um avanço do irracionalismo, ou
melhor, um deslizamento tendencial da
ideologia (burguesa) dominante para o irracionalismo. Esquematicamente,
portanto, poderia se fazer este raciocínio: enquanto que em todo o período
histórico de sua ascensão econômica e sua dominação política, a burguesia
desenvolveu diante de tudo uma ideologia e filosofias racionalistas que exaltavam o progresso do conhecimento, o
progresso pelo conhecimento, esta tendência se
inverteria no período histórico de sua crise e decadência. A burguesia se
converteria, querendo ou não em uma classe presa ao irracionalismo. Pelo
contrário, a classe operária, que representa o porvir da sociedade humana, apresentar-se-ia em seguida como
portadora do racionalismo filosófico que ela defende e faz progredir, ao passo
que abre um novo campo de ação. Ela se inscreveria assim, hoje, em uma tradição
cujo caráter correto demonstraram as lutas do passado (especialmente na época
do fascismo, contra o qual Politzer, Maurice Thorez – entre nós – levantaram a
bandeira de Descartes!).
Efetivamente, essa
questão é importante na teoria e na prática. Porém como também sabemos, é
indispensável ajustar nossas ideias e
nossas teses, porque em matéria de luta ideológica, como em qualquer outro
campo político, nenhuma posição é espontaneamente correta e cem por cento
eficaz. A combinação da análise concreta do presente e as lições teóricas do
marxismo é o que nos permitirá realizar esse ajuste, por meio da discussão e do
confronto de experiências. A partir daí, alguns elementos de reflexão sobre a
questão do racionalismo e do irracionalismo, que proponho serem discutidos.
O que é o irracionalismo?
Em certa medida, o
irracionalismo, por uma necessidade interna, escapa a uma definição unificada,
sistemática. Sua importância e sua influência não provêm de que se constitua em
um sistema coerente, capaz de proporcionar uma estrutura ideológica
institucional à sociedade como um todo. Falar de irracionalismo é designar o
conjunto de tendências reativas que,
sob diversas formas, apresentam-se como “críticas” da Razão, da racionalidade
(científica, política, econômica) e se inspiram para isto em um passado
ideológico de cuja persistência elas mesmas constituem uma prova.
Porém é enormemente
importante não confundir o irracionalismo, fenômeno essencialmente moderno, com as ideologias anteriores ao racionalismo,
especialmente com a religião, ideologia
dominante nas sociedades feudais pré-capitalistas. O que temos que compreender
é a relação do irracionalismo moderno com o mito e a religião, que hoje
“sobrevivem” sob formas profundamente transformadas.
Relação muito desigual
que, por sua vez impõem distinções de uma grande importância prática.
É indiscutível que,
especialmente na França, há um irracionalismo “vulgar”, nem por isto
desdenhável: uma mescla mais ou menos homogênea de crenças supersticiosas,
pseudocientíficas e paracientíficas (que tem seus profetas, de Albert Ducrocq a
Uri Geller), de naturismo, de religião (Lourdes!). Fenômeno muito importante. É qualitativamente novo? No fundo, não,
seja qual for a distinta publicidade que lhe dá a política ideológica da
imprensa e da rádio burguesas. Pelo contrário, é um fenômeno já antigo.
Quais são suas causas?
Não basta agora invocar a ignorância das massas, vinda desde a noite dos
tempos, porque esta “ignorância” não é de maneira alguma um fenômeno natural,
um fenômeno absoluto. Em última análise, deve se recordar quais são ainda hoje as contradições e os limites da educação que
se transmite às massas em uma sociedade de classes como a nossa. Pode se dizer
que o plano de fundo do irracionalismo vulgar sobre o qual se apoiam todos os
esforços de mistificação ideológica a que estamos nos referindo, é ao mesmo
tempo o resíduo e o subproduto da educação burguesa, acima de tudo da própria
escolarização, primária “laica”, e nos remete, queiramos ou não, à suas
contradições históricas. Pois esta escolarização, ao passo que realiza uma
extensão sem precedentes do ensino popular, não supera a desigualdade ante o
conhecimento: no fundo tende a reproduzi-la, reforça-la, isolando a ciência (da
qual fazem um “mistério” a ser apenas vislumbrado) da prática das massas, com o
duplo resultado da exploração ideológica sobre
as massas populares e sobre os
pesquisadores científicos e outros intelectuais. E representa ao mesmo
tempo, apesar das aparências, um pacto histórico com a ideologia religiosa: este
pacto não significa que a luta está parada, mas que se encontra restringida a
certos limites (“Ao professor sua escola, ao padre sua igreja”, “a cada qual
sua verdade”). A ideia burguesa de laicidade, estritamente positivista
(voltaremos a este ponto) significa que, no essencial, ao serem reabsorvidos e
reprimidos os “excessos” do racionalismo militante dos professores, a escola
não assume nenhuma tarefa abertamente
crítica com respeito à religião, nenhum trabalho “antirreligioso”.
Especifiquemos: não toma como tarefa explicar
o conteúdo, as bases sociais e a função histórica (contraditória) da
religião. Assim, a ignorância sobre o que é a religião serve finalmente à
religião, a seus ressurgimentos “supersticiosos” e a seus sucedâneos, que
imitam a ciência e a envolvem em misticismos. Abrindo o campo a esse monstro
aparente, a religiosidade paracientífica.
Aparentemente no extremo
oposto desse irracionalismo das massas, há um irracionalismo refinado e
relativamente esotérico, próprio de filósofos profissionais (incluídos os
teóricos das diferentes “ciências humanas” e das humanidades literárias). As
massas são mais ou menos sensíveis ao irracionalismo, que nelas cumpre a função
de preencher as lacunas de seu senso comum. Porém, alguns filósofos vivem (em todos os sentidos da palavra)
de e para o irracionalismo. Os dirigentes históricos do irracionalismo
filosófico são, por outra parte, antigos, se recorda-se que a mesma “filosofia
das luzes”, o racionalismo burguês do século XVIII, já tinha seu contraponto (e
isto se esquece com demasiada frequência) em uma corrente de misticismo,
pietismo, “mesmerismo” e “iluminismo” cuja tendência continua no século XIX com
a vasta constelação das “filosofias da natureza” (Schelling), da “filosofia
romântica” (Novalis), do existencialismo cristão (a partir de Kierkegaard),
etc. Ao lado desta corrente religiosa,
há uma corrente irracionalista ateia e anarquista, desde Stirner e Nietzsche.
Em qualquer caso, são filosofia que se apresentam como “críticas” contra o
“imperialismo” da Razão, do Conceito, do “sistema” (O horrível sistema
hegeliano!), contra a teologia racional, ou contra essa “nova teologia” que
seria a ciência, e que levam diretamente, através de Bergson ou Heidegger, às
atuais filosofias do Desejo, da Vida, da Rebelião metafísica, da Violência e da
“transgressão”, etc. (de Reich, Marcus, Baitaille a Deleuze, Edgar Morin,
etc.). São filosofias anticientíficas,
ou paracientíficas (especialmente
pela exploração das contradições da biologia, da psicanálise, da tecnologia).
Um sintoma muito importante a se levar em conta é o fato de que, enquanto o
irracionalismo das massas é, na maioria das vezes, abertamente conservador,
reacionário na política, o irracionalismo dos filósofos é, nas condições próprias da França atual, as do “antes” e do “depois
do Maio de 68”, no momento,
anarquizante: mais que a negação pura e simples da luta das classes exploradas,
o que está na ordem do dia é a sua superação, sua diluição nos conflitos
imaginários entre o Poder e o Sexo.
Porém, isso não é tudo.
Nessa filosofia profissional, e que pese as diferenças que se podem produzir,
julgamos necessário distinguir cuidadosamente o que chamaremos por irracionalismo dos cientistas. Chegamos
efetivamente, portanto, a um fenômeno novo que deve deter nossa atenção, pois
se refere às formas especificamente atuais da filosofia “espontânea” dos cientistas: quer dizer, as formas, na
prática, do domínio da ideologia dominante sobre os pesquisadores
(trabalhadores) científicos numa época na qual
estes, como grupo, são cada vez mais sensíveis às contradições sociais. O novo
e específico não são tanto os temas deste irracionalismo, que faz com que
alguns cientistas declarem que eles mesmos “não creem na ciência” nem como instituição (a ciência seria uma
“ideologia”, quer dizer, a ideologia por excelência...). Esses temas são
realmente, como dizia Lenin em outros tempos, “velharias filosóficas”. Não, de
uma parte, o novo é o fato de que esses temas se apresentem na maioria das
vezes com a terminologia do marxismo, que eles manipulam deturpando suas teses,
e de outra parte, o fato de penetram amplamente,
através de múltiplas variantes, o meio científico, e às vezes se materializam
em práticas, verdadeiros “atos
ideológicos” constantemente abolidos, porém, sempre revividos, em busca de
condições favoráveis: prática como a contestação individual das estruturas
administrativas da pesquisa e da educação, ou como a luta “ecológica”, e as ações
políticas “marginais”. Quais são as bases históricas dessa tendência? Qual pode
ser seu significado aos olhos dos comunistas? Que pergunta não formulada pode
se ouvir aí, pergunta a que os comunistas devem dar uma “resposta” adequada?
Voltarei a esse assunto depois de passarmos análise histórica de algumas lutas
da geração precedente.
As luta do marxismo
contra o irracionalismo
Não é, com efeito, a
primeira vez que enfrentamos uma conjuntura na qual se aponta uma fusão relativa de diferentes formas do
irracionalismo. Nos anos trinta e quarenta, o marxismo (e singularmente os
filósofos marxistas), levaram a cabo uma luta sistemática contra o
irracionalismo, e o fizeram em nome do racionalismo. Em nosso país, Politzer se
dedicou à ela com êxito, com o apoio de eminentes cientistas como Langevin,
Marcel Prenant, Henry Wallon. Por sua parte, Lukacs dedicou à esse problema
toda uma parte de sua obra. Tratava-se então de lutar, também nesse terreno,
contra o fascismo, com o qual a
burguesia havia estabelecido sua defesa contra a revolução proletária, sua arma
contra os trabalhadores europeus, a fim de superar a maior crise até então
conhecida pelo sistema capitalista. Sem refazer todo o caminho dessa luta,
podemos recolher dela experiências importantes e também problemas a debater.
Politzer e Lukacs
demonstraram que a ideologia oficial do nazismo (a ideologia do sangue e da
raça, do “espaço vital”) não é um fenômeno isolado, uma invenção artificial.
Vem de longe, preparada pela corrente do irracionalismo filosófico (aqui,
Bergson; lá Nietzsche e Heidegger) progressivamente rejuvenescida nos meios
intelectuais pela “inversão dos valores” do progresso científico e da
democracia política burguesa, estreitamente unidos ao racionalismo clássico.
Demonstraram que a
expansão do irracionalismo corresponde a um período de crise aberta, na qual os
limites históricos e a barbárie do
capitalismo faziam se evidentes aos olhos das vastas massas de homens e
mulheres, a causa e os efeitos das guerras imperialistas e da revolução
soviética. A democracia burguesa aparece então como o que realmente é: uma forma
de ditadura de uma classe possuidora, do “dinheiro”, e que sempre pode, se as
circunstâncias exigirem, empregar a violência.
Demonstraram, enfim, que
se trata fundamentalmente de um meio de luta contra a ideologia revolucionária do proletariado e, portanto, contra a filosofia marxista, o
materialismo dialético.
A esse respeito, é
revelador esse “passo de contradança” que faz com que, enquanto esse inefável
irracionalismo denuncia a “Descartes” (ou Kant) como os ancestrais e os
responsáveis teóricos do “materialismo” e do marxismo, os filósofos racionalistas da Universidade burguesa
(Benda, Koiré, etc.), denunciem no
marxismo uma forma do irracionalismo no mesmo sentido que o nazismo (sic)[3] e contraponham aquele aos
mesmíssimos Platão, Descartes ou Kant. A burguesia luta em duas frentes. Os
marxistas também. E a questão central na luta das ideias resulta em: ser a
favor ou contra Descartes. Qual é o verdadeiro
Descartes, o verdadeiro Kant: o
progressista ou o reacionário, o materialista ou o idealista?
Curiosa alternativa. E
não se pode compreender sua importância sem levar em conta que, no campo
marxista, e nas condições da época, essa luta não deixou de ser
fundamentalmente defensiva. Certamente,
contribuiu muito para garantir a unidade das forças populares, incluindo os
trabalhadores intelectuais que, reunidos em torno da classe operária,
levantaram-se contra o fascismo, logo participando da Resistência e na luta
pela paz e contra a “guerra fria”. Conseguiu-se afastar efetivamente a frente ideológica para que se fizesse
progredir a luta do marxismo contra a ideologia burguesa em seu conjunto? Essa é outra questão. Ao reivindicar contra o
irracionalismo a herança do racionalismo filosófico, e ao concluir sobre esta base uma “aliança” com os
intelectuais e os cientistas, o marxismo refreou a uma das formas da ideologia
burguesa; porém, em contrapartida, viu-se levado a se apresentar, ele mesmo (e
a se pensar), como um “racionalismo”,
quer como a prolongação, a “forma moderna” do
racionalismo, quer como uma filosofia da qual o racionalismo é uma “parte constitutiva”.
Não podemos, portanto,
esquecer hoje o que a história posterior nos ensinou, tanto no plano social
como no das “ideias”. É dizer, sem maiores precisões, que: ela nos ensinou que
o fascismo é uma forma político-ideológica de exceção (o que não quer dizer “casual”)na história do imperialismo;
que a defesa do marxismo como racionalismo estava cheia de contradições internas: porque junto a Politzer ou Lukacs, também
mobilizava “em defesa da razão” uma tendência ultrarevisionista (a escola de
Frankfurt: Horkhheimer, Adorno) que pôde auto
inverter-se em irracionalismo (Marcuse); que essa defesa coincidia no tempo com uma paralisação
teórica e uma deformação mecanicista do marxismo (Stalin); que, por último, em
sua mesma forma de apoiar-se no conhecimento científico, o marxismo se viu então arrastado a erros graves, ou ao menos à incapacidade
de preveni-los e de reconhecer claramente sua raiz: prova disso, a “condenação”
imputada à psicanálise (“ideologia sem futuro”, “regressão ao inconsciente” “
mais pra cá da racionalidade científica”), e prova disso também, entre outras
coisas similares, a influência do lysenkoismo (sustentado pela equação
“genética mendeliana = misticismo vitalista de Weissmann = racismo”[4]).
O que em grande medida
permanecia assim oculto, é que o irracionalismo e o obscurantismo do nazismo
eram uma filosofia anticientífica somente em “teoria”, quer dizer, na
superfície: sob nenhum aspecto tinham como fim prático limitar ou estancar o desenvolvimento científico e técnico
da Alemanha ao serviço da grande indústria e do militarismo – muito pelo
contrário! – nem, sobretudo, limitar ou estancar a “racionalidade” e a “racionalização” da exploração, da propaganda
política “científica”, ou seja, do “sistema” de concentração. Esse é o
aspecto contraditório do irracionalismo que poderia então passar despercebido[5].
Daí a necessidade, para que
se enxergue hoje tudo isso com mais clareza, de se colocar uma dupla questão:
1.
O
que representa historicamente o racionalismo filosófico?
2.
Que
conexão há, em nossa época, entre uma crise econômica e social do capitalismo,
no contexto geral da crise do imperialismo, e as contradições da ideologia
dominante?
O que é o racionalismo?
Não se trata aqui de
refazer toda a história do racionalismo filosófico, cujas origens, tão antigas
como as da própria filosofia, podem remontar à antiguidade (Demócrito,
Aristóteles). O que nos interessa é a estrutura do racionalismo constituído em
filosofia dominante na época moderna, e o sentido de sua evolução tendencial, a
relação dialética que se estabelece nele entre as duas tendências filosóficas
determinantes, materialismo e idealismo, em função das condições históricas
dadas.
O racionalismo, como
toda filosofia, é uma formação de engajamento, um produto da luta do materialismo e do idealismo que
se dá sob o domínio do idealismo[6]. Questão decisiva: “no”
racionalismo, ou melhor, em seu desenvolvimento e processo de evolução, há
certamente um elemento de materialismo tendencial que lhe é constitutivo, sob
uma forma específica. E correlativamente, durante todo um período, esse
materialismo não teve outra existência que senão a forma que toma enquanto
componente do racionalismo, no terreno do racionalismo que ele mesmo contribui para criar (não existe, por um lado, o materialismo,
atemporal, presente, porém escondido, e por outro lado sua “expressão” em forma
racionalista, dentro dos “limites” do racionalismo).
Qual é, portanto, esta
forma específica a que corresponde às condições históricas da classe burguesa e
do desenvolvimento do capitalismo em detrimento dos modos de produção de vassalagem e de sua superestrutura
feudal e despótica? É o materialismo da luta antirreligiosa, da crítica da religião, da teologia, e portanto, no
plano filosófico, do espiritualismo.
A tendência materialista, enquanto tendência antirreligiosa, subentende o
conjunto das diversas formas do racionalismo clássico “metafísico” ou
“empirista”. O racionalismo é materialista enquanto se opõe à religião e ao
espiritualismo (em seus diversos níveis).
Porém, essa
característica é insuficiente. O elemento típico do racionalismo é a luta
contra a religião por meio e a favor das
ciências naturais. Por meio das ciências naturais: tomando dela, para
“refutar” a religião, os conceitos e os “métodos” cuja generalização filosófica
permite a crítica da teologia, do milagre, da revelação, da providência, etc. A
favor das ciências naturais: porque, diferentemente do anterior, essa crítica
tem sempre como objetivo fazer saltar os obstáculos ideológicos que travam o
progresso das ciências naturais e de sua aplicação produtiva, ou ao menos
alguns deles.
A este nível, já se pode
ver como, segundo as variantes históricas do racionalismo, seu componente deve
ser fortemente desigual: não só na
razão do nível de desenvolvimento dos conhecimentos científicos e da força da
articulação estabelecida entre ciência e filosofia, senão também em razão da
posição mais ou menos consequente que tal ou qual filosofia pode ocupar nessa
luta que se desenvolve em seu próprio terreno. Algumas variantes são totalmente
paradoxais. O racionalismo pode tomar a forma de uma “teologia racional”. E
simultaneamente, a luta conta a teologia pode tomar outra forma distinta de pactos,
que opõe à Fé, não a razão, mas o seu “contrário”, a Experiência, o Sentimento,
a Vida. Primeiro índice do par
simétrico que vão constituir racionalismo e irracionalismo e cuja função muda
segundo as estruturas.
Entretanto, essa
característica é, todavia, insuficiente para dar conta das variantes, as
contradições do racionalismo, e da desigualdade
de sua relação com o materialismo. Para compreendê-las, necessitamos ver como o
recurso às ciências naturais contra a religião tem sua fonte, sobretudo, na
simples confrontação entre ambas. É o próprio racionalismo que imagina e
proclama uma incompatibilidade imediata
entre ciência e religião, suscetível a jogar uma contra a outra, sob uma
espécie de incompatibilidade entre luz natural e revelação, entre razão e mito
(ou mística), entendimento e fé (ou superstição, preconceitos), a natureza e “o
sobrenatural”, verdade e mentira (ou ilusão). Porém, essa relação, de fato, é
uma relação produzida sob o efeito de
outra “causa” da posição racionalista, por uma mediação da ordem prática, “política”.
A causa mais profunda da
luta do racionalismo contra o espiritualismo é, com efeito, a oposição prática
entre a concepção religiosa de mundo e o direito
burguês. É o desenvolvimento da ideologia
jurídica, sob a qual e graças a qual o direito burguês pode desenvolver-se
de acordo com o processo histórico que exige o desenvolvimento das relações de
produção e do Estado nacional, pois, somente tal ideologia lhe fornece a
garantia teórica de sua prática cotidiana[7]. A análise histórica do
racionalismo (e da própria categoria de razão, de racionalidade) mostra como a
luta contra a religião para e pelas ciências naturais tem em si mesma como condição a luta contra a religião para e pelo desenvolvimento do direito e
da ideologia jurídica burguesa.
Resulta uma consequência
fundamental: o elemento de materialismo constitutivo do racionalismo não é
afetado somente de dentro, pelos diferentes níveis da luta e do pacto entre
religião e ciência. Não basta “desprendê-lo” dessa limitação para que ele surja
“em pessoa”, pois está afetado, sobretudo, pelo fato de que seu pôr em prática
depende da ideologia jurídica e, portanto, pelo fato de que a luta contra o
idealismo religioso se efetua sob a dominação interna de outro idealismo, o idealismo jurídico (do sujeito individual livre
e do direito natural).
Compreende-se então esta
situação, a primeira vista paradoxal da qual ainda hoje somos tributários: o
racionalismo é tão mais “consequente” enquanto que luta antirreligiosa, é tão
mais puro e demarca-se melhor do espiritualismo e de seu “outro” congênito, o
irracionalismo, tanto quanto é também mais consequente como realização
filosófica do idealismo jurídico burguês. A “racionalidade” científica representa
a “racionalidade” jurídica. Assim, sua forma forte, típica, é a elaboração da
categoria de Razão sob uma concepção da sociedade como natureza, como
realização da natureza humana (e não dos desígnios e das leis da divina
providência), como sistema mecânico e harmônico das relações “naturais” entre
os indivíduos racionais[8].
Somente se nos lançarmos
a essa estrutura interna do racionalismo filosófico poderemos compreender as
formas da ideologia filosófica dominante que se desenvolvem desde que o
capitalismo derrotou definitivamente ao feudalismo e desde que,
simultaneamente, desenvolve-se a luta da classe proletária, cujo efeito
filosófico é uma forma radicalmente nova
do materialismo, o do materialismo dialético implicado na ciência
revolucionária das formações sociais. Quais são essas forma? Antes de tudo, as
forma do positivismo e do neo-positivismo atuais[9]. O positivismo é, todavia, um racionalismo que, combinado à herança do
empirismo (Hume) e à do formalismo (Leibniz), tende a apresentar todos os
fenômenos da natureza e da sociedade como explicáveis pela lógica e observação,
pelo “raciocínio” ou pelo “cálculo” e o “método experimental”, e que, sobre
esta base, proclama o “fim” do irracionalismo, o “fetichismo”, o misticismo,
etc. Entretanto, o positivismo é um racionalismo cuja força interna, no que se
refere ao seu período clássico, está singularmente debilitada e na qual,
paralelamente, o elemento materialista (sempre presente, como em toda
filosofia) é cada vez mais o elemento dominado. Pois, no positivismo[10], apesar das reiteradas proclamações,
a luta contra o espiritualismo e a ideologia religiosa torna-se totalmente
formal: sua imagem não é mais que a de uma divisão: de um lado, a linguagem e
as operações racionais, técnica, da ciência; de outro, a linguagem e os rituais
“irracionais” da religião, a metafísica, o “mito”. De um lado, as necessidades
do conhecimento e seus progressos; de outro, o resíduo, impossível de eliminar,
do sentimento, da patologia.
Ao admitir desta maneira
o caráter “irracional” da religião, o positivismo garante a essa um excelente
subterfúgio, do qual não deixou de tirar proveito, com o pretexto de preencher o conhecimento científico,
sempre carente de um “complemento espiritual”. O positivismo é uma base muito
mais sólida que todas as formas anteriores do racionalismo para o
desenvolvimento do par racionalismo/irracionalismo e para a formação de
filosofias irracionalistas. Assim, no
fundo, a oposição ciência/religião (ou ciência/mística) mudou de sentido: a função de combater a religião tem agora somente
um caráter secundário e tende-se, em primeiro lugar, a se opor à ciência a concepção materialista da história e a dialética, apresentadas
como avatares modernos da religião, do animismo, etc. E correlativamente, a
base ideológica jurídica do
racionalismo sofre um importante deslocamento: em vez de tratar de
“fundamentar” uma política e uma forma de Estado sobre o direito e a Razão,
cujos princípios universais emanam da natureza, a tendência é a inversa: fundar
uma interpretação e uma prática do direito, quer dizer, da “razão de Estado”,
sobre a oposição política de dois tipos de sociedades, as sociedades “livres” e
as sociedades “totalitárias” que, pela força, realizariam e imporiam ao
indivíduo uma determinada “ideologia” (Ora veja...).
Neste ponto, estamos em
condições de compreender que o positivismo é, para o capitalismo moderno, a forma dominante da ideologia dominante
(na filosofia) e, como veremos em seguida com mais precisão, a base interna do
próprio irracionalismo. Então, coloca-se, porém, a seguinte questão: como o
momento de crise histórica aberta do capitalismo afeta a esse arranjo
ideológico?
“Crise social” e “Crise ideológica”
Referi-me anteriormente,
apresentando-a de forma necessariamente esquemática, à interpretação que
fizeram muitos comunistas das relações entre crise econômico-política e crise
ideológica, diante das tendências irracionalistas atuais: a burguesia se
encontraria forçada, por suas próprias dificuldades, a recorrer ao irracionalismo, a inverter sua tendência ideológica e
utilizar o irracionalismo como um
instrumento de sua estratégia política defensiva.
Analisemos um pouco mais
devagar. Parece-me que, tomada ao pé da letra, essa interpretação é, por sua
vez, idealista e mecanicista.
Idealista, porque tende
a nos levar à crença de que a burguesia de ontem e de hoje seria onipotente a respeito de “suas” próprias ideias, que ela as
inventa, “fabrica-as” segundo as necessidades de sua causa e as impõe a toda a
sociedade, com mais ou menos êxito segundo seu poder material e as resistências
que encontra.
Mecanicista, porque a
evolução do “instrumento” ideológico se reduz então a um esquema (demasiado)
simples, não dialético: no período do auge do capitalismo, a ciência (no geral)
é “útil” ao capital, serve-lhe e, portanto é um valor ideológico positivo;
inversamente, no período de crise, de decadência, a ciência (no geral) não é
mais útil ao capital, volta-se contra ele, converte-se, assim, em um valor
ideológico negativo.
Porém, esse não é o
sentido da tese marxista fundamental segundo a qual “a ideologia dominante é a
ideologia da classe dominante”. A ideologia dominante não se constitui nem
automaticamente, nem por uma decisão da classe dominante. A burguesia está
materialmente presa em “sua”
ideologia dominante, determinada pela
mesma ideologia que ela impõe historicamente à sociedade. Não tem o poder
sobrenatural de inventar e trocar “livremente” sua ideologia, de adaptá-la como
um instrumento às “necessidades” das diversas conjunturas, mais ou menos
duráveis e contraditórias.
Certamente há uma política ideológica da burguesia, e
inclusive de determinada fracção da burguesia (o grande capital e o Estado) que
tende a desenvolver e difundir, pela imprensa, por meios audiovisuais, etc.,
temas ideológicos e filosóficos. Há também uma “gestão ideológica” orquestrada
da classe dominante. Porém, essa política não pode existir para além de
determinadas condições materiais e
sob contradições que estão fora do
seu alcance evita-las.
Então, o que sucede na
prática?
Primeira explicação
possível: para atuar no plano ideológico, falta à burguesia homens, e
especialmente ideólogos “ativos”, “funcionários da ideologia”. Não só personalidades
criadoras de temas filosóficos, econômicos, sociológicos, senão, sobretudo, uma
massa de variados intelectuais, reconhecidos ou não como tais. Ademais, a esses,
não “manobram” como um exército quando desfila. Não se trata simplesmente de
dar “ordens” que se cumprem ao serem “executadas”. Sua “resposta”, quer dizer,
suas iniciativas e sua receptividade, dependem elas mesmas da conjuntura, do
estado das lutas, de uma correlação de forças e da maneira em que aqueles foram
“formados”.
Porém, esta explicação resulta, todavia insuficiente. É
redundante. O decisivo não são os homens, ou seja, os “espíritos”, mesmo que em
massa. O decisivo são as exigências materiais da pratica ideológica, as
relações sociais nas quais aquelas se
desenvolvem e, portanto os aparelhos
ideológicos de Estado e suas contradições[11]. Para poder analisar (e
prever, na medida do possível) os efeitos ideológicos da crise econômica e
política do capitalismo, devem-se levar em conta essas condições materiais.
Posto que se trata aqui
do racionalismo, do irracionalismo e, portanto, das relações entre as ciências,
a filosofia e a sociedade burguesa, esbocemos uma última análise que é
imprescindível. Desde sua constituição, o racionalismo surgiu ligado a uma
determinada organização – com a qual
forma um todo – do trabalho
intelectual (portanto, do trabalho) e especialmente do trabalho científico, da
educação e das modalidades de aplicação das ciências à produção. As
contradições teóricas do racionalismo refletem, em uma parte essencial, as
contradições dessa organização social que o desenvolvimento do capitalismo
torna inevitável. Autonomia e onipotência da Razão, implicação mútua da Razão e
da Liberdade (a Liberdade fundada na
liberdade de pensar), oposição
normativa da Razão e da Não-razão, da Verdade e da Mentira: esses temas típicos
do racionalismo filosófico são ao mesmo tempo a expressão e a negação de um
estatuto social do trabalho intelectual e da pesquisa científica. Porque o
capitalismo, cuja base técnica é, como disse Marx, “revolucionária”, leva a uma
extensão sem precedentes e ininterrupta do trabalho intelectual, que na
produção é separado e elevado acima do trabalho “manual”.
Porém, ao mesmo tempo, deve controlar
esse trabalho intelectual e subordiná-lo: eleger os depositários do
conhecimento científico e tecnológico, escalonar severamente sua formação e
orientar a pesquisa em função de sua rentabilidade, de sua “utilidade” (que,
sem embargo, na maioria das vezes é imprevisível).
Historicamente, o
racionalismo clássico corresponde também, deste ponto de vista, a uma fase de
transição na qual se busca, custosamente, um “equilíbrio” instável entre o
trabalho científico “individual”, abandonado à sorte do “talento” de cada um, e
à intervenção direta do Estado com suas
subvenções e suas instituições acadêmicas. É também o período em que o ensino (superior)
segue sendo um privilégio restringido, e a educação das massas é um assunto de
padres e frades. O positivismo, pelo contrário, está organicamente ligado à socialização da educação, da pesquisa
científica, da medicina. Está organicamente ligado ao desenvolvimento das instituições
“públicas” ou “privadas” (principalmente universitárias) de pesquisa, que com
seus meios materiais em grande escala, aportam ao trabalho intelectual uma
dupla e necessária ilusão: a ilusão de
uma organização científica da pesquisa científica, da educação e da
aplicação tecnológica (“racional”, “ótima”), e da ilusão de sua autonomia, de estar ao serviço, não do capital, e sim da Ciência, da Sociedade, da
Humanidade; de estar ao lado do poder político, em uma troca de serviços
recíprocos, em uma posição de igualdade, e de estar acima do povo, dos trabalhadores, das cidades e do campo, porém
unicamente ao final de uma hierarquia democrática de méritos e de instrução, e
para paternalmente, lhes retribuir em saber e serviços tecnológicos, acessíveis
a todos. O positivismo é a filosofia orgânica da divisão burguesa do trabalho,
e como tal, garantidor dessa autonomia ilusória.
Para compreender os
efeitos ideológicos da crise histórica do capitalismo, é necessário, por
conseguinte, levar em conta o desenvolvimento das contradições na divisão
social do trabalho e no funcionamento dos aparelhos ideológicos de Estado. Que
essas contradições se agravem, não
significa a ruptura com as formas
burguesas da divisão do trabalho; na realidade, sabemos que esta pressupõe uma
transformação revolucionária das relações
de produção e da superestrutura capitalista, e que não poderia precedê-la.
Na época do imperialismo, o desenvolvimento das forças produtivas é cada vez
mais desigual, porém também cada vez mais veloz: sua contradição é interna (interna à “revolução científica
e técnica”) e repercute por sua vez sobre a pesquisa científica e sobre sua
relação com a produção social. Falta ao capitalismo, então, acelerar simultaneamente
o processo de inovação tecnológica e submetê-lo mais estritamente à
rentabilidade imediata do grande capital, estender a formação científica e
técnica e generalizar a desqualificação relativa da força de trabalho,
desenvolver a assistência pública, a conservação física do trabalhador e as
formas de seu desgaste, de sua exploração intensiva. Por isso, a crise do
capitalismo engendra efetivamente o irracionalismo, que apresenta suas
contradições como se não houvesse saída
(salvo na modalidade da utopia, da regressão ou do imaginário individual),
porém sempre sobre a base do
positivismo, como seu complemento e sua inversão aparente. O irracionalismo não
é, e nunca poderia chegar a ser, a forma dominante à escala social da ideologia
burguesa; somente pode assinalar a agudeza de algumas contradições às quais o
positivismo dominante dá uma solução imaginária.
Com isto, chegamos já a
nossa última questão.
Qual é hoje o adversário principal?
O adversário principal não é o irracionalismo (na filosofia), por
mais insistente que seja. Devemos ter isso muito claro para não causar
equívocos. Admitir que o irracionalismo é um adversário ideológico secundário
não pode implicar nenhum compromisso com ele por parte do marxismo, dos
comunistas. Não devemos subestimá-lo. Porém, há que se fazer uma identificação
precisa das modalidades da luta contra o irracionalismo e que podemos enunciar
assim: no adversário secundário (o irracionalismo) detectar e combater o adversário principal propriamente dito (o
positivismo). Levar a cabo, portanto, não uma luta defensiva, e sim uma luta ofensiva, que alcance à própria base da
correlação de forças, e a faça, por fim, “cambalear”.
Digamos esquematicamente
o porquê.
Em tais condições, de
crise do capitalismo, a fusão relativa
das diferentes formas do
irracionalismo que havíamos distinguido acima (irracionalismo vulgar,
irracionalismo filosófico, irracionalismo dos cientistas) e que lhe
proporcionam o seu reconhecimento enquanto tal (para apontar a conjunção de uma
filosofia esotérica e uma ampla concepção de mundo, cheia de lacuna), é um
fenômeno da conjuntura política[12].
Por que assistimos precisamente hoje na França a uma ascensão do irracionalismo
à linha de frente? Desde os anos cinquenta e sessenta, a burguesia francesa se
empenhava em adaptar às necessidades do capitalismo “moderno”, sua
superestrutura de aparelhos ideológicos (escolar-cultural, familiar, político),
desenvolvendo, em função disso, as variantes do positivismo, segundo o modelo
anglo-americano e alemão, à custa da velha tradição moral-espiritualista do
idealismo francês; porém, essa ofensiva frontal foi logo freada. Maio/junho de 1968 (e como plano de fundo as derrotas
do imperialismo no mundo), ao expor à luz do dia as massas de jovens contra a
divisão social do trabalho na qual o grande capital lhes enclausura o futuro,
obrigou à ideologia dominante uma mudança de aparência, portanto, a se
apresentar (por quanto tempo?) sob a máscara de seu aparente contrário. O
irracionalismo é a figura instável do compromisso imposto pelas circunstâncias:
máscara do positivismo (do mesmo jeito que a ecologia e o “crescimento zero”
são máscaras locais, provisórias, da acumulação capitalista[13]), e ao mesmo tempo, sintoma da resistência com a qual de choca.
Lutar contra o
irracionalismo de forma consequente, é lutar contra sua própria raiz, que o
dirige desde dentro. Todavia, para isso, não devemos levar ao pé da letra sua “consciência de si”. Nas formas mais
significativas do irracionalismo moderno, que são também as mais influentes –
as formas paracientíficas e pseudocientíficas –, o positivismo está mais
presente do que nunca. Na realidade, o irracionalismo está na luta contra a
“ciência” e a “técnica” somente de forma fictícia,
pois se se utiliza de um meio para limitá-las, de controla-las, seria à custa da sua própria capacidade de utilizá-las,
e a isso o capitalismo não pode renunciar. O irracionalismo atual (e
especialmente o irracionalismo dos cientistas, que expressa por sua vez sua
profunda revolta e a persistente influência das relações ideológicas
dominantes), quase sempre trai abertamente sua determinação positivista – e é justamente
isso o que permite à grande burguesia “flertar” com ele a fim de reforçar o
tecnocratismo e defender o capitalismo monopolista e o capitalismo de Estado.
Se se critica os efeitos nocivos do “crescimento”, faz-se em nome das
estatísticas e das perspectivas dos computadores de Harvard! Se se recorre à
utopia, faz-se em nome dos “fatos objetivos”, das “evidências experimentais” da
crise social! Se se denuncia a “ciência pura”, faz-se em nome da “eficácia
superior” do “saber popular”, da “medicina descalça”! Se se acusa o Saber como
instituição, como repressão, como ideologia, etc., faz-se em nome da mesma
concepção positivista do poder da ciência
e da ciência como procedimento técnico administrativo (lógico e social,
“sociológico”)[14]!
A essa determinação que temos que atacar para desmascara as raízes do
irracionalismo.
Assim sendo, nossa luta
contra o irracionalismo não pode ser outra
vez em nome da Razão e do racionalismo. Nem em nome de um (utópico) retorno
ao racionalismo, anterior ao seu “desvio positivista”, nem em nome de um
racionalismo “novo”. Isso nos levaria a desenvolver, não o materialismo dos
trabalhadores científicos, senão seu idealismo, não o que sua consciência
possui de revolucionário, e sim o que a impede de converte-se em tal. Antes de
tudo, produziria um temeroso efeito “boomerang” no próprio campo do marxismo, que não possui nenhuma “imunidade”
natural em no seu desenvolvimento. Essa defesa, reforçando aparentemente a
aliança do marxismo com as ciências da natureza e as técnicas produtivas,
debilitá-lo-ia diante da ideologia das “ciências humanas”, da economia política
e, por fim, da política. O marxismo não deve admitir a nenhum preço, como se
pôde ver recentemente, que se aborde (comum à grande burguesia e à
socialdemocracia) os problemas econômicos e políticos em termos de simples
opções lógicas entre dois “modelos” de gestão racional da sociedade, ao invés
de abordá-los em termos da luta de classes.
O marxismo deve buscar
combinar efetivamente duas perspectivas, tão indissociáveis quanto mais
decisiva nos parece a crise do capitalismo, quanto mais afeta à natureza das relações sociais atuais. Uma perspectiva
“tática” (responder imediatamente à inflexão da ideologia burguesa) e uma
perspectiva “estratégica”, preparar
as condições da hegemonia ideológica do proletariado, na perspectiva da
revolução socialista. Porque a revolução socialista é, com efeito, a única verdadeira “solução” às
contradições sociais de cujo desenvolvimento o irracionalismo é um sintoma
ideológico; não uma solução milagrosa, automática, senão uma solução a construir pela ação histórica do
proletariado e de todos os trabalhadores em torno a ele, uma solução cujas
bases se preparam hoje na prática
política do proletariado. No entanto, essa perspectiva não é um problema da
Razão, da racionalidade, uma simples alternativa à “razão” ou à “não-razão” do
capital monopolista e da divisão tecnocrática do trabalho: é, antes de tudo, um
problema da luta, da luta de classes.
Fundamentalmente,
portanto, o marxismo não é um
“racionalismo”, e precisamente por isso pode, se está e segue se mantendo
vivo – o que, não se pode pressupor – opor-se vitoriosamente ao irracionalismo.
Mais concretamente, o marxismo, como filosofia em posse de uma ciência e de uma
política, não é um racionalismo teórico, no
mesmo sentido que se pode dizer, acertadamente em nossa opinião, que não é um
humanismo teórico. O marxismo surge e se desenvolve a partir do racionalismo e também contra
ele, como uma nova forma do
materialismo, a primeira que inverte
de uma maneira efetiva a relação de domínio idealismo-materialismo que o
racionalismo, pelo contrário, preserva. Pois que, na raiz do marxismo, há uma
dupla ruptura revolucionária em relação ao racionalismo: a constituição da
história das sociedades como objeto de uma ciência (coisa impossível com a
“generalização” racionalista das “leis da natureza”), e a ruptura com o ponto
de vista da ideologia jurídica sobre
as relações sociais, que secretamente ordena essa generalização.
Deve-se dizer, então,
que a luta filosófica do marxismo é, na mesma medida, uma “luta contra o
irracionalismo” e uma “luta contra o racionalismo”, como que se tratasse de um
par simétrico, igual? É evidente que não. Seria, assim, precisamente ignorar a
contradição interna da história da filosofia (e não haver aprendido nada da
maneira com que Lenin trata e utiliza a Diderot, Feuerbach, Hegel, e inclusive
a Duhem e Abel Rey!). O materialismo marxista, justamente por não ser um
racionalismo e porque este é, em certo sentido, como vimos, seu adversário
principal no par racionalismo/irracionalismo, pode e deve retirar do minucioso
estudo do racionalismo elementos muito valiosos para sua luta ideológica.
Porém, essa aliança, esse utilizar-se do outro, está submetida a duas condições
imperativas.
A primeira condição é
que esses elementos, quer dizer, essas teses e essas categorias filosóficas,
sejam extraídos por meio de um
trabalho filosófico novo (que não seja uma “seleção” mecânica, senão uma
verdadeira transformação), da forma sob a qual foram produzidas, para que
apareça a contradição fundamental da que são resultado e para que sua tendência
materialista possa ser retomada, avançada, ajustada. É óbvio que, neste
trabalho, algumas teses e categorias
desempenharão um papel muito mais fundamental do que outras, em particular
quando representarem os “excessos” do racionalismo clássico, do quais o
positivismo tenta sempre se livrar. Em primeiro lugar, todas as categorias que
expressam a universalidade objetiva e
a realidade “absoluta” da casualidade natural, assim como a interação material dos fenômenos enquanto
causa determinante do seu “movimento” [15]. Outras categorias
deverão ser desarticuladas e deslocadas (experiência, totalidade, etc.).
Outras, enfim, tendencialmente eliminadas
(Razão, Natureza humana, Harmonia preestabelecida, Fundamento do conhecimento –
“sensível” ou “a priori” – Verdade de fato e de Razão, Sujeito de fato e de
direito, etc.).
Entretanto, essa
primeira condição depende de uma segunda: esses “elementos” filosóficos devem
que ser completados, ou melhor, subordinados
a outros que não dizem nada a respeito da filosofia racionalista e que
proporcionam a base sobre a qual podemos nos valer dela. Elementos filosóficos,
quer dizer, as categorias e as teses do materialismo dialético: processo, contradição. Elementos científicos do
materialismo histórico, incluídos, sobretudo, elementos inéditos, ainda por
desenvolver, no que se refere às relações de produção, às relações sociais, aos
aparelhos ideológicos de Estado, e às
formas correspondentes da luta de classes, na época do imperialismo. Por
último, elementos da política proletária, referentes à cultura, à educação
popular, à ciência e seu lugar na divisão
social do trabalho.
Sobre tais bases, aos marxistas, aos comunistas, não lhes
falta trabalho; sua urgência prova que estão dadas as condições para que se
ponha termo a essa questão.
[1] Traduzido pelo coletivo Cem Flores, da
versão castelhana de Mariano Maresca. Publicado em « La Nouvelle Critique »,
n.º 99, dezembro de 1976.
[2] Nesta nova conjuntura, bem diferente
daquela dos anos 1950-1960, em que as taxas de lucro mantiveram na França um
processo contínuo de ampliação da acumulação de capital, a grande burguesia se
encontra diante de uma terrível contradição. De um lado, necessita conservar –
pois a sustentação do seu poder político depende dela – sua aliança
(hegemônica, desigual) com as camadas médias, incluindo os intelectuais
assalariados, e também com uma fração da classe operária. De outro, é-lhe
absolutamente imprescindível extinguir tudo o que, desde o ponto de vista do
capital representa, sejam gigantescos « desperdícios », sejam « privilégios »
dessas mesmas camadas sociais; quer dizer, que hoje se tornou indispensável,
como já se começar a ver, acelerar sua proletarização, começando por atacar a
sua seguridade (previdência, estabilidade no emprego) e a sua qualificação (da
que é parte integrante o nível cultural geral). Essa contradição é, em longo
prazo, explosiva.
[3] Prepara assim os caminhos do
“totalitarismo”, que será a ideologia recorrente do “mundo livre” do
pós-guerra.
[4]Sobre este ponto decisivo, e
obstinadamente rechaçado, remeto ao livro de Dominique Lecourt, Lyssenko, Histoireréele d’une Science proletariènne,
prólogo de L. Althusser, François Maspero, col. “Théorie”.
[5]Leia-se sobre esse tema um famoso texto
de Brecht, de 1937: “Discurso sobre a capacidade de resistência da razão”, em Ecritssur politique etlasocieté, ed. de
L’Arche, pp. 194-196.
[6] Remeto nesse ponto ao artigo de Pierre
Macherey, “L’histoire de la philosophie
considerée comme lutte de tendences”
e a minha conferência no CERM, ciclo sobre a dialética, Sobre a contradição, a
aparecer em Editions Sociales.
[7]Leia-se sobre esse tema o famoso artigo de
Engels e Kautsky, “O Socialismo jurídico”, de 1887.
[8]O mito filosófico burguês da razão, essa
deusa revolucionária, expressa sempre a unidade de uma faculdade humana
universal da Natureza, que pode assim discernir soberanamente o campo da
mentira e o da verdade, e encarnar-se no progresso das ciências. Remeto às
análises de L. Althusser em Philosophie
et philosophie spontanée des savants, Maspero, 1974, Elements d’autocritique, Hachette
Littérature, 1974 e Positions (o
texto de defesa da tese em Amiens), Editions
Socialies, 1976.
[9]Aqui cuidado: a relativa fragilidade do
positivismo na tradição filosófica Universitária francesa durante toda uma
época, não deve ocultar o fato de que é a forma dominante do idealismo
filosófico no mundo capitalista moderno. Não podemos seguir nos enganando pelo
fato de que o positivismo atual seja incapaz de organizar-se em “sistemas” ao
modo do racionalismo metafísico clássico: uma forma de sistema como essa é
relativa na história da filosofia. E depois de Hegel, o santo horror que
inspira este sistema, impõe a toda à filosofia idealista a forma de
antissistema...
[10] E mais ainda no neo-positivismo atual, de Mach à Carnap, e aos “hereges” como sir
Karl Popper, cujo discípulo e defensor mais conhecido na França é o famoso biólogo
Jacques Monod.
[11] O artigo de L. Althusser, “Idéologie et Appareils idéologiques d’Etat”,
pode-se ler agora em Positions, ed.
cit. (ver nota 7).
[12] Creio que seria necessário retomar de
forma crítica a questão das relações entre o irracionalismo e o fascismo, do
qual tendemos fazer a forma político-econômica do capitalismo em sua degeneração – visto que, durante a revolução russa, subestimamos as
possibilidades de expansão do imperialismo e sua capacidade de resistência.
[13] Logo nos explicam: a luta conta a
poluição, em defesa da natureza, é um “luxo” do qual os países
“subdesenvolvidos” não podem gozar, e seria “injusto” os impor... Entendamos:
nada de obstáculos artificiais à industrialização do “terceiro mundo”, que
dizer, à exportação de capitais!
[14]Sobre esse tema, ver
o livro de Michel Pecheux, Les Vérités de la Palice, maspero, 1975.
[15] Esse é o sentido em que Althusser, em
uma série de textos recentes, e também noutros mais antigos, tem chamado a
atenção reiteradamente sobre a importância da filosofia de Spinoza para o
marxismo. Pois Spinoza, para o escândalo de seus contemporâneos e da
posteridade, inverte a estrutura interna do racionalismo clássico: no lugar de
fundamentar, aberta ou secretamente, o reconhecimento da objetividade das
ciências naturais na ideologia do sujeito jurídico e da sua liberdade, explica
como somente a liberdade real é uma potência natural, finita, determinada... É
interessante a leitura do breve livro de P. F. Moreau Spinoza, Seuil, col.
“Microcosme”.
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