domingo, 7 de agosto de 2016

A rápida deterioração das condições de reprodução da classe operária e demais classes trabalhadoras no Brasil


[Nas crises] param as máquinas, ou então só as fazem trabalhar em parte do tempo, mais ou menos meio dia de trabalho; o salário baixa devido à concorrência entre desempregados, à redução do tempo de trabalho e a falta de vendas lucrativas; e à miséria geral entre os trabalhadores; as eventuais pequenas economias dos particulares são rapidamente devoradas, as instituições de beneficência veem-se assoberbadas, o imposto para os pobres duplica, triplica e contudo permanece insuficiente, o número de famintos cresce e subitamente toda a massa da população redundante aparece sob a forma de assustadoras estatísticas. Isto dura algum tempo; os redundantes safam-se melhor ou pior ou não conseguem sobreviver.
Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra


A crise brasileira atual – que é, principalmente, uma crise das condições de acumulação de capital – tem lançado as bases e efetivado, de forma rápida e violenta, uma renovação dos mecanismos de exploração e, consequentemente, de opressão da classe operária e demais classes trabalhadoras. Essa renovação dos mecanismos de exploração e opressão das classes dominadas é a própria “modernização capitalista”, que deve ser entendida, do ponto de vista dessas classes, como: deterioração das condições de sua reprodução, ampliação da exploração e reforço da ditadura da burguesia. Ou seja, como continuidade e aprofundamento das relações de produção capitalista em um novo patamar, marcado pela ofensiva burguesa na luta de classes em todos os terrenos – econômico, político e ideológico.

Buscaremos apresentar alguns dados e análises que corroboram essa tese, que é sentida na pele por cada operário, por cada trabalhador da cidade e do campo, especialmente nos últimos anos. Para uma análise marxista, científica, tomar distância dos superficiais embates dos “partidos da ordem” (Fora Ele e Fora Ela), que atualmente saturam o debate público, é a primeira condição. Caso contrário, não se vai muito além de palavras de ordem vazias sem efeito prático para os reais interesses dos trabalhadores – ainda mais num momento em que as máscaras já caíram e os atores no palco querem remontar, cada um com sua ladainha, as ilusões perdidas para um teatro já pegando fogo.


O bombardeio à força de trabalho em período de crise

Uma das condições essenciais para a retomada da acumulação capitalista em nosso país passa necessariamente pelo ataque em várias frentes à força de trabalho. Enquanto parte integrante da relação social de produção capitalista, a força de trabalho, através da redução de seu preço/valor e de seus usos mais extensivos e intensivos, possibilita a ampliação do mais valor gerado na produção capitalista.

Esse é o terreno basilar da luta de classes e, por isso mesmo, foco constante da burguesia. E sobretudo na crise! Independentemente das violentíssimas disputas entre frações burguesas, a passagem pelo “chão da fábrica” é obrigatória, pois diz também da dominação da classe burguesa como um todo e do reforço das relações capitalistas[i] contra o perigo de qualquer semente de socialismo.

Nos períodos de crise como o que vivenciamos, todos os aparatos ideológicos e repressivos se deslocam para gerar efeitos nessa esfera, com a mais intensa força. “Ajustar” o gasto com a classe operária e as massas trabalhadoras, via salários diretos e indiretos (benefícios, auxílios, políticas sociais etc.), “ajustar” o disciplinamento das mesmas, tornam-se o eixo da ideologia e política dominantes[ii]. A queda da taxa de lucro da burguesia e dos indicadores econômicos de sua economia são as justificativas mais que necessárias para uma guerra declarada contra as condições objetivas de vida e reprodução do proletariado e de todos os trabalhadores[iii]. Através das figuras ideológicas de nação, economia, mercado etc. a burguesia visa gerar uma unidade onde existe um antagonismo: o operário é chamado a apresentar sua contribuição à saída da crise que a todos afetaria igualmente. Ao colaborar terá um promissor amanhã! Caso não colabore, obviamente fere o pacto social burguês em período tão delicado e é preciso que toda violência estatal esteja a disposta a intervir para o “bem de todos”. Não é tempo para distrações “cômodas e liberais” como dizia Marx, e aqueles que não se encaixam aos novos formatos do assalariamento precisam ser descartados: a cada nova fase do capital, produz-se novos assalariados – normalmente com letras de sangue e fogo.

O que vivenciamos hoje no país demonstra de forma clara toda a veracidade dessas lições marxistas, que são acúmulo da experiência da classe operária por séculos de escravidão assalariada. Vamos a alguns dados cabais.

A classe operária e o conjunto dos trabalhadores brasileiros em meados de 2016: desemprego, arrocho, dívida, adoecimento, repressão

Como falamos em outro texto[iv], a taxa de desemprego é um bom indicador para analisar como anda o mercado de trabalho, melhor dizendo, a reprodução dessa mercadoria chamada força de trabalho da qual o proletariado é refém. O desemprego diz diretamente da sua capacidade de se reproduzir enquanto tal e da capacidade de barganha em torno preço pago pela sua força de trabalho (peso do exército de reserva a depreciar os salários ganhos pelos empregados[v]).

Ao analisarmos a principal medição dessa taxa no Brasil, a situação é calamitosa, atingindo 11,3% no segundo trimestre de 2016. O cenário, que já estava ruim desde meados dos anos 2015, aponta para continuidade da expansão da taxa de desemprego, que pode ultrapassar os 13% até o final desse ano. 
  
ALGUNS NÚMEROS DA PIORA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL



Pelos dados do IBGE, em junho de 2016, havia mais de 11,5 milhões de desempregados no país[vi]. Ou seja, quase 5 milhões a mais que no segundo trimestre de 2014. Desses, cerca de 2,5 milhões “surgiram” apenas neste ano! Uma parte significativa dos novos desempregados é da indústria, que se encontra em queda livre. Em comparação entre os segundos trimestres de 2015-2016, esse setor sofreu uma retração de 1,4 milhão de empregados.

Pelos dados do CAGED, o ano de 2016, até junho, já contava com um decréscimo de mais de meio milhão de assalariados com carteira assinada. “Nos últimos 12 meses verificou-se redução de 1.765.024 postos de trabalho, correspondendo ao (de)crescimento[vii] de 4,31% no contingente de empregados celetistas do país.”[viii]

Desde 2015, o CAGED registra um verdadeiro massacre aos postos de trabalho com carteira assinada em todas as regiões do país. Nos últimos 18 meses, já foram eliminados quase 2,2 milhões de empregos formais no Brasil. No gráfico abaixo essa trajetória negativa é constante e com uma aguda “entrada” em 2016.


Importante ressaltar que o assalariamento com carteira assinada deve ser ponderado, tamanha a informalidade no mercado de trabalho brasileiro. Para a última PNADC, no último trimestre, verificou-se aumento tanto de pessoas assalariadas sem carteira assinada no setor privado (3,7%) quanto daquelas que trabalham por conta própria (3,9%). Somando as duas categorias, em termos absolutos, temos basicamente o assalariamento no setor privado com carteira assinada – na casa dos 30 milhões de pessoas.

Na última Carta de Conjuntura do IPEA, com dados do IBGE, vemos que a taxa de desemprego é maior entre as mulheres (no primeiro semestre de 2016 chegando a quase 13%), entre jovens de até 24 anos (26,36% no mesmo período) e com ensino médio incompleto (14,95%).

Como mostrado em texto anterior, há a tendência atual de abertura de vagas basicamente em baixas faixas salariais, substituindo os empregos com salários maiores (em queda). Segundo dados do CAGED[ix], apenas as faixas até 1 salário mínimo tiveram saldo “positivo” de vagas em 2016 até o momento (cerca de 95 mil). Em 2014, a faixa se estendia até 1,5 salário mínimo – faixa de ouro (sic!) do período petista e seu “pleno emprego (precário)”. Todas as outras faixas salariais apresentam queda constante nos últimos anos.

Quanto ao rendimento médio real, temos uma queda desde o ano 2015: de 2.058 reais para 1.972 atualmente. Essa queda também é sentida na massa total de salários, que multiplica a quantidade de empregos pela renda média, ambos em queda. Os empregos de menores salários e qualificação sofreram as maiores perdas. “De modo geral, os trabalhadores que recebem abaixo do salário mínimo apresentaram uma queda real nos rendimentos de quase 10% nos últimos 12 meses.” diz o IPEA[x]. A situação se agrava num contexto de ampliação do preço da cesta básica em todas as capitais do Brasil nesse ano[xi], com itens tradicionais do brasileiro, como o feijão indo às alturas[xii].

Outros itens da reprodução da força de trabalho, como tarifas públicas, também aumentaram esse ano (assim como nos anteriores) em diversas cidades. Para o proletariado e a massa pobre, o atendimento à saúde no SUS e a educação pública vivem dias calamitosos, em piora acentuada. Da mesma forma, os extratos inferiores das camadas médias veem acelerar seu processo de proletarização na crise. Além do desemprego e redução na renda, também seus “diferenciais” são afetados. Cresce o êxodo das escolas particulares para as públicas. Desde o fim de 2014, cerca de 2 milhões de brasileiros perderem o plano de saúde[xiii]. E com isso, rapidamente cai a ilusão do país de “classe média” que o PT pintou[xiv]. Tudo o que era sólido se desmancha no ar...

A deterioração das condições concretas de vida e reprodução do proletariado, dos demais trabalhadores e das camadas médias assalariadas também pode ser vista pelo estouro da bolha do crédito para consumo. Segundo a última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor[xv], o percentual de famílias brasileiras endividadas continua circulando os 60%. Já aquelas com contas ou dívidas em atraso teve leve aumento, chegando a 22,9%. Aumentou também as que não terão condições de pagar. A maioria dessas famílias possui rendimento abaixo de 10 salários mínimos e se endividam via cartão de crédito. As perspectivas de consumo e acesso a crédito também se mostram declinantes por outra pesquisa semelhante da CNC[xvi].

Como não há emprego, aumentem-se as dívidas. Como o salário não mais existe, é preciso criar outras garantias para os bancos. Eis que então o Congresso aprovou recentemente o uso do FGTS como garantia de empréstimo consignado[xvii]. Tal é a sede por mais lucros recordes dos bancos.

Diante de todo esse cenário, tem piorado o quadro de saúde do proletariado e da massa pobre no país. A Folha de São Paulo possui uma série recente chamada “Marcas da Crise”, que no dia 24 último trouxe alguns dados, principalmente sobre a saúde psíquica e humor do trabalhador brasileiro. Medo, insatisfação, transtornos de ansiedade e depressão são alguns dos sintomas comuns possíveis de se verificar através dos indicadores da matéria. Essa é uma tendência mundial[xviii], cuja face mais brutal é a ampliação da taxa de suicídio, como visto na Grécia pós pacotes de austeridade[xix].

Todo esse cenário só pode ocorrer com/são efeitos de derrotas da classe operária na luta de classes. As suas condições de luta têm se tornado mais difíceis (crise, ofensiva da burguesia, predomínio do reformismo nos sindicatos e movimentos populares, ausência da posição e organização comunista), sendo mais difíceis também resultados a curto prazo. No último levantamento sobre reajustes salariais do DIEESE[xx], o ano de 2015 foi o ponto de virada para datas-bases de menores ganhos: 45% do universo investigado teve como resultado o congelamento do salário real (apenas inflação) ou redução do salário real (abaixo da inflação). Além disso, “o desempenho das negociações salariais não foi o mesmo ao longo de 2015. À medida que o ano avançava, menos categorias logravam conquistar ganhos reais”. Vêm se ampliando também os reajustes parcelados, que dobraram se comparado ao período anterior. A título de comparação, em 2014, 90% fechou acima da inflação (ganho real). Aqui também o setor industrial é o de maiores perdas.

As lutas populares também têm passado por forte repressão e refluxo. A resignação de grandes categorias de trabalhadores, com lideranças pelegas na sua absoluta maioria, tem levado a pautas rebaixadas e aceitação sem ou com pouca resistência de derrotas mais ou menos graves. A “proteção” ao emprego a todo custo é o ponto de chegada de um sindicalismo “propositivo” – termo bonito para seu papel real de colaboração de classes e de subordinação do proletariado à burguesia – que deseducou as massas e agora já não consegue dar qualquer nível de resposta. Somado a isso, temos o zeitgeist consumista que se passou para as camadas populares no último período, e que busca substituir as relações de solidariedade e assistência mútua e coletiva por valores individualistas e obsessivas metas de vidas individuais de “ascensão”[xxi].

Fora o glorioso movimento de ocupações de escolas pelo país, os movimentos por pautas concretas (novamente, retirando o Fora Ele e Fora Ela) têm sofrido derrotas. Um exemplo são os movimentos contra aumento de passagens, estopins de 2013. As crescentes repressões a manifestações e organizações apenas demonstram que o outro lado se vacinou contra um levante de massa e está bem equipado graças ao avanço do estado de exceção via Copa do Mundo e agora Olimpíadas.

No campo, a velha barbárie continua e se avoluma. O título do Jornal Pastoral da Terra, de outubro a dezembro de 2015, nada mais é que Violência no campo bate recorde esse ano:

“Isso é o que tem se visto neste ano, com aumento significativo de assassinatos de camponeses e trabalhadores. Em 2014, o Banco de Dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registrou 36 assassinatos. Em 2015, até final de novembro este número chegou a 46. Número superior ao total de assassinatos de cada ano, desde 2004.”

Entre os povos indígenas das regiões de conflitos de demarcação de terras, o suicídio em massa de jovens e o assassinato de lideranças têm se agravado. Segundo jornal do CIMI, só “de 26 a 30 de dezembro [de 2015], pelo menos cinco indígenas foram assassinados no Maranhão, Tocantins, Paraná e Santa Catarina”. No Mato Grosso do Sul, o clima é de guerra, com cerca de 400 indígenas assassinados desde 2003[xxii].


Galinha dos ovos de ouro da burguesia: a reforma trabalhista por vir

Com o aumento do desemprego, do subemprego e da carestia de vida e precarização dos serviços públicos (menos os ligados à repressão!), o proletário e sua família têm se submetido a vender sua força de trabalho (quando consegue) por preços abaixo de seu valor. Ou a trabalhar mais tempo (bicos, hora-extras) e mais intensamente para manter as contas em dia (o que não tem conseguido, como vimos). Isso tudo sem perspectiva concreta de se impor barreiras para refrear esse bombardeio – mantidas as escolhas entre as centrais sindicais e os partidos da ordem.

Mas eis que chega o Estado Burguês e diz da necessidade de mais sacrifícios! Ou, de forma mais sofisticada, dos sacrifícios corretos. É preciso produzir mais, deixando o capitalista usar como deve a força de trabalho – sem as “arcaicas” amarras legais e sindicais/coletivas; flexibilidade para produtividade e competitividade, dizem eles. Isso apresentado como a chave para sair da crise, ampliar os empregos e melhorar a vida do povo trabalhador.

Esse é o espírito da atual proposta de desmonte da CLT e do generoso pacote de propostas (ex: terceirização, reforma da previdência) que circula no Congresso através das generosas contribuições de confederações patronais e semi-patronais (sindicalismo pelego). Há até espaço para sonhos grandiosos, como uma jornada a la século XIX[xxiii]!

“[Com a crise] O capital empreendeu uma campanha preliminar para impedir a aplicação total da lei de 1o de maio de 1848 [de conquistas trabalhistas]. E seriam os próprios trabalhadores que, supostamente escarmentados pela experiência, deveriam ajudar a destruir a sua própria obra.” (MARX, O Capital, p. 397, Os Economistas). No caso do Brasil, CUT`s da vida propuseram tal destruição antes do nobre convite canibalesco!

Objetivamente o que a burguesia quer é um maior controle e espaço para a exploração da força de trabalho, retirando do caminho limites que historicamente foram impostos pela luta de classes. O que Marx chama de livre exploração da força de trabalho (para e pelos capitalistas). Claro que o dito pleno emprego nunca foi e nunca será a moeda de troca nessas ocasiões. Ao se ver a realidade do trabalho terceirizado no Brasil, a miragem dos capitalistas se torna mais concreta: como eles querem sair da crise (e para quem), que tipos de empregos de fato se quer gerar?

Em dossiê Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha, do DIEESE e CUT, de 2014, vemos que a remuneração média do trabalhador terceirizado é (óbvio!) menor que a do trabalhador diretamente contratado. A jornada de trabalho e rotatividade, por sua vez, são maiores (óbvio!) no setor terceirizado. Os trabalhadores mais acidentados e em condições análogas a escrava também em sua maioria são terceirizados. A ação sindical é fortemente afetada pelas condições de trabalho e relação empregatícia extremamente instável.

As pontes para o futuro da burguesia são necessariamente pontes para o passado para o proletariado.


Preparar-se para mais tormentas

Vimos que são a classe operária e os trabalhadores mais precários os que mais têm sofrido os impactos da deterioração das suas condições de reprodução. Ao mesmo tempo que sofrem mais o desemprego, o arrocho, o endividamento, a violência etc. mais ardilosas são as armadilhas postas, de forma chantagista, como solução. O fundo do poço parece não ter fim, e, hoje de forma trágica, todos os caminhos parecem levar a Pequim, o parâmetro mundial de exploração.

O novo normal só será definido com muita luta entre as classes. Os comunistas e o proletariado precisam ter consciência da importância da resistência nesse período; da natureza de cada avanço e conquista. A luta e resistência da classe operária e suas aliadas precisam necessariamente enfrentar o novo “consenso” (em meio ao caos) da burguesia e seus aparatos – que por sua força material ideológica imobiliza e amedronta setores inteiros dos dominados. Não há solução simples da gama de contradições e ataques a que se expõe a classe operária brasileira: lutar e somar experiências a fim de se somar cada vez mais à vida das massas é nosso dever primeiro. Para que tenhamos clareza disso, eis um valioso trecho de Engels (A situação da classe trabalhadora na Inglaterra - capítulo sobre movimento operário) na qual podemos substituir greve pelas mais diversas formas de luta em defesa da melhoria de vida e contra o domínio do capital e seu Estado:

"É, pois, de se perguntar: por que os operários entram em greve, dada a evidente ineficácia de sua ação? Simplesmente porque devem protestar contra a redução do salário e mesmo contra a necessidade de uma tal redução; devem expressar claramente que, como homens, não podem adaptar-se às circunstâncias, mas, ao contrário, as circunstâncias devem adaptar-se a eles, os homens - porque sua omissão equivaleria à aceitação dessas condições de vida, ao reconhecimento do direito de a burguesia explorá-los durante os períodos de prosperidade e deixá-los morrer de fome nos períodos desfavoráveis
[....]
E as greves, como escola de guerra, têm uma eficácia insuperável - nelas se desenvolve a coragem própria dos ingleses. No continente, diz-se que os ingleses, particularmente os operários, são covardes, incapazes de realizar uma revolução porque não se entregam, como os franceses, às revoltas diárias, que, enfim, parecem adaptar-se tranquilamente ao regime burguês. Nada mais falso; os operários ingleses não ficam atrás de quaisquer outros no que toca à coragem e são tão pouco cordatos quanto os franceses - mas lutam de modo diverso [...] não é difícil compreender que uma greve exige coragem, e por vezes uma coragem e uma resolução maiores, mais firmes, que as reclamadas por uma rebelião. Na verdade, não é pouca coisa para um operário, que conhece a miséria por experiência, ir voluntariamente ao seu encontro, com a mulher e os filhos, e suportar fome e privações por dias e meses e permanecer, apesar de tudo, irredutível e inabalável. Que coisa é a morte, que coisa são as galés que ameaçam os revolucionários franceses, diante da visão cotidiana da família esfaimada, diante da certeza da vingança subsequente da burguesia, que os operários ingleses preferem a submeter-se ao jugo da classe proprietária? Mais adiante, veremos um exemplo dessa coragem tenaz e inflexível do operário inglês, que só cede à violência quando toda resistência se torna inútil e insensata - e é precisamente nessa calma pertinaz, nessa constante firmeza, que supera centenas de provas todos os dias, que o operário inglês desenvolve os aspectos mais admiráveis do seu caráter. Homens que suportam tanto sofrimento para fazer vergar um só burguês certamente têm condições de abater o poderio de toda a burguesia."

Mais tormentas se aproximam, “é preciso estar atento e forte” – já dizia a canção em tempos sombrios.



[i] Marx (O Capital, p. 211, v. 2, Os Economistas): “O processo de produção capitalista, considerado como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz por conseguinte não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado.”

[ii] A “moral” austera, que corre o mundo devastando as condições dos explorados para a recuperação dos capitais pós-crash, já se encontra, obviamente, no Brasil. Dentre mil e um exemplos que se poderia dar, ficamos com a sintética fala de um senador, citada por Pedro Rossi na palestra Austeridade contra democracia, de 7 de julho de 2016: “Vivenciamos no Brasil um período de excessos, é hora de entrar no período de sacrifícios”. Claro que para o senador o excesso é de salário, emprego, benefícios (e talvez de auxílio estatal para a ala do capital concorrente a sua); e os sacrifícios serão das classes dominadas – vemos isso muito bem pelo discurso e sobretudo pela prática do Congresso Nacional. E não esqueçamos do slogan do governo-da-ordem-e-progresso: “não pense (e não lute na/) em crise, trabalhe”. Mais conhecido pelos alemães como Arbeit macht frei...

[iii] Colunista Rafael Souto, do Valor, sem tantas máscaras moralistas-ideológicas: “Temos que reconhecer que algo está caminhando para o lugar certo: os salários. A bolha estourou. A pressão insustentável por ganhos reais foi esmagada pelo implacável emagrecimento da oferta de empresas […] Segundo dados do Banco Central, entre 2006 e 2011 os ganhos de salários no Brasil superaram a media mundial […] A acomodação dos salários mais baixos poderá dar mais espaço para as empresas organizarem suas equipes e melhorarem sua performance” (Valor Econômico, 02/062016).

[v] Ortes, citado por Marx (O Capital, p. 276, v. 2, Os Economistas): “A coação legal para trabalhar está ligada a excessiva encrenca, violência e barulho [...] enquanto a fome não só constitui uma pressão mais pacífica, silenciosa, incessante, mas, como motivo mais natural para a indústria e o trabalho, provoca os esforços mais poderosos”.

[vi] Praticamente a população do Estado do Paraná inteira, para se ter uma noção do tamanho dessa massa populacional...

[vii] Um ato falho?

[xii] No quesito alimentação, importante fazer referência à péssima qualidade da alimentação da massa trabalhadora, fruto da industrialização da produção de alimentos. Uma cesta básica incluindo itens de qualidade e que vise uma dieta equilibrada é absolutamente inviável para a maioria dos operários, trabalhadores rurais e a população pobre.

[xiv]Avanço do desemprego faz surgir a “nova classe D” em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/552842-avanco-do-desemprego-faz-surgir-a-nova-classe-d; “11 anos de criação de empregos, formalização e compressão das disparidades salarias estão sendo revertidos em pouco mais de um ano e meio. [...] os últimos três governos ficarão para a história como uma miragem fugaz” em http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/551243-os-ultimos-tres-governos-ficarao-para-a-historia-como-uma-miragem-fugaz-entrevista-especial-com-fernando-rugitsky.

[xv] Os dados são coletados em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal, com cerca de 18 mil consumidores.

[xviii] “[...] cada crise causa indiretamente uma série de vitimas por doença” (Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra). “As vítimas do sobretrabalho sentem a injustiça tanto quanto os condenados por ele à ociosidade forçada” (Relatório de 1863 citado por Marx, O Capital, p. 267, v. 2, Os Economistas).

[xxi] E cuja frustração via crise tem gerado tanto ressentimento e confusão, reforçando a ideologia reacionária e sua caçada a bodes expiatórios. Não é à toa a consolidação do neopentecostalismo nesse último período nacional. Movimentos semelhantes ao do Tea Party no Brasil também possuem base semelhante. Ver: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642015000100052.

[xxiii]https://economia.terra.com.br/cni-fala-em-jornada-de-trabalho-de-80-horas-semanais,90763098ae2d28715155d7d09a9fd49b80njrupv.html. “A avidez do capitalista por mais-trabalho manifesta-se no empenho em prolongar desmedidamente a jornada de trabalho” (O Capital, p. 351 – Os Economistas). No século XIX tal avidez também era mascarada pelas justificativas mais cínicas e insanas. Hoje ela se manifesta num suposto cordial acordo acima do legislado. Mas em ambos os casos, “átomos de tempo são os elementos do lucro”, como disse um sábio capitalista em relatório de 1860.

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