segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Retomar os princípios comunistas

Reproduzimos abaixo nossa resposta à carta que recebemos da camarada Ana Barradas
Acesse aqui o pdf em português e em espanhol.


Estimada camarada Ana Barradas,

Recebemos com satisfação a tua carta, esse teu chamado à tão necessária luta comunista nos dias que correm e ao reagrupamento daqueles que defendem as posições revolucionárias proletárias e a publicamos em nosso blog[1]. Ao ratificar que estamos de acordo com essa Iniciativa, queremos também aproveitar para contribuir com ela, expondo brevemente os pontos iniciais que achamos importantes para o nosso debate.

Retomar os princípios comunistas

Construção da hegemonia do proletariado pela aliança com as massas semiproletárias e pela sua demarcação crítica face à pequena burguesia”, “necessidade de um partido proletário para a revolução”, “expropriação da burguesia através do estabelecimento da ditadura revolucionária do proletariado”, “é necessário ... combater o centrismo e o revisionismo, aclarar conceitos teóricos e repor o marxismo na sua pureza”, dizes tu.

necessidade de reconstruir o partido revolucionário do proletariado em nosso país e para isto cumprir três tarefas fundamentais. Primeira, retomar o marxismo-leninismo no nível do desenvolvimento em que se encontra hoje ... Segunda, reconstruir o partido revolucionário, unidade indissolúvel da teoria e da prática. Terceira, aprofundar nossas ligações com as massas dentro do princípio de que só as massas dirigidas pela classe operária e seu partido, armado da teoria revolucionária, podem fazer a revolução”, “retomar o marxismo-leninismo combatendo o reformismo e revisionismo”, dizemos nós[2].

Para nós, os pontos de partida, mínimos, sobre os quais os comunistas devem se colocar de acordo e praticar cotidianamente parecem ser exatamente esses. Nos apropriarmos cada vez mais da teoria científica e revolucionária do proletariado, o marxismo-leninismo, sem a qual não há prática revolucionária. Aprofundarmos nossa ligação com a classe operária e as demais classes dominadas como guia para nossa ação cotidiana e sua permanente retificação. Combater a ideologia burguesa e sua influência no proletariado, em todas as suas manifestações, mas especialmente travar um combate sem tréguas, teórico e prático, ao reformismo e ao revisionismo, contra a prática dos ditos partidos de “esquerda”, centrais sindicais e sindicatos pelegos, e movimentos “populares”. Nesse processo, reconstruir o partido revolucionário do proletariado, o Partido Comunista. Dessa maneira, fazer com que nossa ação prática atual contribua para construir a revolução proletária, a expropriação dos expropriadores, e a (re)construção do socialismo, pelo caminho inafastável da ditadura revolucionária do proletariado, rumo ao comunismo.


No entanto, somos da opinião que a necessária concordância genérica sobre esses pontos mínimos não nos basta. É necessário construir pacientemente a unidade teórica e prática possível. Aprofundá-la persistentemente no espírito de camaradagem e respeito que sempre pautou a relação entre os comunistas.

Ter clara a situação atual em que nos encontramos, na qual os princípios do marxismo foram abandonados e a posição comunista praticamente inexiste. Para isso, basear uma Iniciativa como a que tu propões na busca de uma autocrítica, teórica e prática, da nossa própria trajetória, dos problemas, desvios e deformações que se acumularam ao longo de várias décadas. Autocrítica que só se pode praticar a medida em que avançarmos no domínio da teoria marxista-leninista.

Será preciso reconstruir praticamente todo o caminho. A retomada da teoria implica limpar todo o entulho reformista e revisionista que se acumularam ao longo de décadas. Mas significa também aplicar o marxismo-leninismo às condições atuais, aos ensinamentos da derrocada das primeiras experiências de construção socialista, e à atual crise do imperialismo.

Também o Partido Comunista, instrumento da revolução proletária, da luta de libertação da classe operária e das demais classes dominadas, terá de ser reconstruído, indo de encontro tanto a todas as “teorias” burguesas atuais sobre sua desnecessidade e “superação” (sic!), quanto às experiências fossilizadas, autoritárias, sem democracia e debates internos, burocráticas que caracterizaram a trajetória da absoluta maioria dos partidos no mundo todo nas últimas décadas. Reconstruir o Partido Comunista no seio da classe operária, no fogo da luta de classes, é a expressão orgânica dessa nossa tarefa.

O predomínio das posições burguesas no seio da classe operária no Brasil

Para exemplificar com o caso que conhecemos melhor, podemos afirmar que há quase 40 anos (pelo menos) não temos no Brasil um Partido proletário, marxista-leninista, revolucionário, comunista. Com isso, a perspectiva de superação revolucionária do capitalismo foi, gradualmente, desaparecendo do cotidiano das lutas operárias e de parcela mais avançada da classe. A correlata perda de influência das posições e da organização comunistas nas massas proletárias deu lugar às posições e organizações reformistas e revisionistas, que atualmente controlam a quase totalidade do aparelho sindical e dos movimentos “populares”. No campo da teoria, uma teoria “marxiana” (sic!), “acadêmica”, busca apresentar-se no lugar do marxismo-leninismo, devidamente expurgada de qualquer conteúdo científico ou revolucionário.

Em primeiro lugar, essa trajetória se origina das próprias debilidades históricas do Partido Comunista. Sua base nas camadas médias urbanas gerou uma linha política oscilante, ora um aventureirismo revolucionário sem embasamento na sua prática, ora um explícito posicionamento a reboque da burguesia “nacional” (sic!). A isso se combina a insuficiência teórica, que dá lugar à penetração da ideologia burguesa no partido. Esse processo, e mais a atitude passiva diante da ditadura burguesa a partir de 1964, deu origem a fracionamentos sucessivos dos comunistas, em grande parte aderindo à luta armada a partir de concepções militaristas ou foquistas. As tentativas de reorganização a partir da chamada “abertura democrática”, a finais dos anos 1970, não geraram frutos duradouros. Desde então, só se conhecem no país pequenas tentativas, coletivos e organizações se reivindicando comunistas, ainda bastante limitadas.

Em segundo lugar, a essa fragilidade dos comunistas correspondeu o crescimento das posições burguesas no seio da classe operária e de suas organizações, assim como nos demais movimentos populares ou de camadas médias. A hegemonia dessas posições se consolida a partir dos anos 1990 e atinge seu ápice – ao mesmo tempo em que perde sua máscara – com a eleição do PT para a presidência da república com Lula, em 2002, e Dilma, em 2010.

Nesses últimos catorze anos restou cristalina a posição burguesa do PT e seus asseclas (PCdoB, CUT, MST, MTST, UNE, etc.), na defesa explícita de uma política de conciliação de classes, na qual “todos ganhariam” – ou, como disse o próprio Lula para os empresários: “Se tem uma coisa que nenhum empresário brasileiro pode se queixar nos meus seis anos de mandato é que nunca se ganhou tanto dinheiro como no meu governo[3]. Mais que isso, tanto os governos petistas, quanto os partidos que o apoiaram, as centrais e os demais, defenderam e defendem explicitamente a subordinação da classe operária e das demais camadas populares aos interesses da burguesia[4]. Apoiaram a ruptura da própria legislação trabalhista burguesa para permitir um programa de redução de salários, assinaram diversos manifestos conjuntos com as entidades patronais (Coalizão Capital-Trabalho!) em defesa da produção (!), entre muitos outros etc.

Em suma, para a absoluta maioria da classe operária e das demais classes dominadas no Brasil atual, a luta revolucionária pela derrubada do capitalismo não é uma perspectiva. Parecem restar-lhes como opções políticas apenas os caminhos institucionais, a canalização de suas reivindicações para os parlamentos, a mera escolha periódica de qual será o próximo governante a representar os interesses da burguesia.

A crise do imperialismo e a retomada das lutas proletárias

Neste momento da crise do sistema imperialista mundial, crise aberta em 2007/2008, revela-se em toda a sua amplitude o caráter parasitário e de decomposição do capitalismo. A exploração que o sistema burguês impõe à classe operária e demais classes dominadas se magnifica, agravando suas já precárias condições de vida. A tendência à guerra se confirma, tanto como instrumento de dominação imperialista quanto como forma de queima de capital. Renascem as ideologias latentes do racismo, da xenofobia, do fascismo.

Nessa já quase uma década, a crise do capital expõe às claras um sistema amarrado nas suas próprias contradições, insolúveis. A crescente superacumulação de capitais gera uma tendência incontrolável à centralização cada vez maior da propriedade e da produção em um número cada vez menor de gigantescas corporações transnacionais. A anarquia da produção capitalista e a concorrência entre os capitais impõem uma ofensiva burguesa em todas as frentes, econômica, ideológica, política, repressiva. A Lei Geral de Acumulação Capitalista mostra-se então em sua férrea necessidade, o desemprego e a miséria crescem velozmente.

Os países imperialistas mais antigos (EUA e, especialmente, os europeus e o Japão) parecem apenas ter trocado as recessões periódicas típicas por uma estagnação prolongada, sem nenhuma perspectiva perceptível de superação. Pelo contrário, crescem as condições/contradições para novas recessões. Em todos eles, a crise ensejou campo livre para os programas de “austeridade” e para as “reformas” anti-trabalho, expressões da ofensiva econômica, jurídica e ideológica da burguesia em busca da retomada de suas taxas de lucro. Busca reforçada pelos vários trilhões de dólares que os estados imperialistas têm gerado em capital fictício, até aqui com efeitos muito limitados. Os governos de direita e de “esquerda”, ao intercambiarem-se mutuamente, apenas confirmaram ser os comitês encarregados de administrar os negócios e os interesses da burguesia.

A China, ao incorporar-se de pleno direito ao grupo dos países imperialistas, compartilha o mesmo destino. As contradições da acumulação do capital e o peso da crise do imperialismo ditam o desempenho da economia chinesa. A desaceleração de suas taxas de crescimento expressa a superacumulação de capitais e a superprodução latente em setores como infraestrutura, tendência que também se reflete na enorme crise fiscal de suas províncias e municipalidades e na gestação de uma crise bancária. Por outro lado, o aumento significativo das lutas operárias, com a multiplicação de greves e ocupações de fábricas, aumentam os salários dos operários chineses e potencializam movimento de migração de fábricas intensivas em trabalho para outros países do sudeste asiático nos quais as pressões competitivas reduzem ainda mais os miseráveis salários dos operários.

Esses movimentos nos países imperialistas têm importantes impactos nos países dominados do sistema imperialista mundial, reconfigurando a divisão internacional do trabalho. Em geral, tendências para a redução dos preços das matérias-primas e commodities produzidas pelos países dominados, com a consequente redução das taxas de lucro e das taxas de crescimento desses setores mais dinâmicos. Com isso, crise de acumulação de capital, das finanças públicas, cambiais, a depender do caso. A América Latina hoje segue o caso europeu de alguns anos: a gestão do capitalismo é trocada. Onde a direita, assume a “esquerda” (Chile). Onde a “esquerda”, troca-se pela direita (Brasil). Com todo o cuidado de manter as consensuais políticas “sociais”, de “transferência de renda”, conforme as detalhadas orientações do Banco Mundial.

Além disso, no geral, a crise do capital reforça as tendências do imperialismo ao racismo, à xenofobia e ao fascismo, com os Trump, Le Pen, Bolsonaro e homólogos nos demais países recolhendo parte da insatisfação das camadas médias com a ameaça cada vez mais palpável de sua proletarização. Ao que se soma a tragédia dos milhões de refugiados das guerras imperialistas no Oriente Médio, morrendo aos milhares em travessias desesperadas no Mediterrâneo e nos campos de concentração no qual são confinados na Turquia e na Europa.

Essa situação implora que a chamemos com seu nome próprio: o capitalismo, o imperialismo é a barbárie! Não há qualquer alternativa para a classe operária nos marcos do regime burguês. A saída é a revolução socialista!

Mesmo nesse quadro, a resistência proletária na luta de classes resta bastante enfraquecida diante da ofensiva ideológica, política e repressiva do capital e na ausência de sua linha política própria e de seu instrumento de luta. Eppur si muove! Da crescente mobilização operária e greves na China, às greves gerais na Grécia, às ocupações de fábricas e escolas no Brasil, a classe operária no mundo todo resiste. Em uma conjuntura difícil, sem contar com seu principal instrumento de luta e sua teoria, resiste como pode. Mas, ainda assim, resiste.

São a essas massas proletárias que os comunistas devem se ligar cada vez mais estreitamente. Se ligar para aprender com elas na sua vida/luta cotidianas, nos seus locais de trabalho e de moradia. Se ligar para mostrar que para além da resistência cotidiana à exploração burguesa há outra, e única, saída. Mostrar que os proletários não têm nada a perder a não ser seus grilhões. Que eles têm um mundo a ganhar.

PROLETÁRIOS DO MUNDO INTEIRO, UNI-VOS!

Cem Flores, 23/08/2016.



[1]O Caminho É Para a Frente, Há que Retomá-lo”, de 02.06.2016, em http://cemflores.blogspot.com.br/2016/06/o-caminho-e-para-frente-ha-que-retoma.html.

[2]Convocatória para a reconstrução do partido revolucionário do proletariado. Ou para ler o Que Fazer? Homenagem aos 100 anos de sua publicação”, de setembro de 2002, em http://cemflores.org/index.php/2002/09/08/convocatoria-para-a-reconstrucao-do-partido-revolucionario-do-proletariado/#_ftn1.


[4] Unindo o anedótico ao oportunismo e ao cretinismo parlamentar mais deslavados, parlamentar do PCdoB acusada de receber propina de empresas por meio do presidente da Transpetro (estatal subsidiária da Petrobrás), defende que os recursos que recebeu foram lícitos e vinculados aos seus “mais de 30 anos de luta em apoio e soerguimento do setor naval” (http://vermelho.org.br/noticia/282368-1). Pois então agora os partidos oportunistas têm até mesmo divisão do trabalho, cada parlamentar escolhe a qual fração do capital vai servir!

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