O blog Cem Flores publicou recentemente um outro texto de Tom Thomas que atualizou a análise de algumas questões apresentadas no livro de 2015. Essa postagem pode ser acessada aqui.
Consideramos que a análise de Tom Thomas é importante contribuição para entender a crise geral do imperialismo hoje e seus efeitos políticos e ideológicos. Contribui principalmente na análise do reformismo atual, trecho em destaque na crítica de Antonio Barata, que publicaremos posteriormente.
O artigo apresenta também uma importante proposta de construção de "um novo movimento comunista", último capítulo do livro.
A reconstrução do instrumento de luta da classe operária passará, necessariamente, pela compreensão dos problemas da crise que se abateu sobre o movimento comunista no mundo e é essa a intenção do Cem Flores com a presente publicação.
Boa leitura!
* * *
Para
um novo projeto comunista
(2015 Situação & Perspectivas)
Tom Thomas
Breve olhar sobre o passado
Segundo Marx e Engels, as burguesias de outrora
temiam muito “um espectro que assola a Europa: o espectro do comunismo”. Hoje
ainda, elas têm e dão do comunismo uma imagem tanto mais diabólica e espectral
quanto é certo que elas acreditaram que o comunismo as aniquilaria, e que a
crise bem poderia fazê-lo sair da letargia.
Estas condições desfavoráveis não residiam
somente no isolamento face a forças burguesas nacionais e internacionais ainda
extremamente vivazes e poderosas. Não eram devidas apenas a uma consciência
mais ou menos errada das situações, das necessidades e das possibilidades que
daí decorriam. Eram sobretudo devidas ao facto de se tratar de países em que a
produtividade do trabalho era ainda muito fraca, em que portanto uma quantidade
importante do trabalho obrigatório, industrial e agrícola, era ainda
necessário. Isto é, em que a imensa maioria da população, proletários e
camponeses pobres, não podiam dispor do tempo livre necessário para que
pudessem, por uma luta de classes adequada, apropriar-se das condições
materiais e intelectuais da produção e do exercício coletivo do poder.
Apropriação que é o fundamento de uma sociedade comunista.
Marx e Engels tinham aliás lucidamente previsto
que em tais condições de penúria seria difícil, para não dizer impossível, sair
do “velho lamaçal” que é a dominação do trabalho obrigatório, repulsivo,
alienante sobre o povo (2). Mas, contrariamente ao que dizem certos teóricos,
não é por estas primeiras tentativas serem muito difíceis que se justificava
renunciar a elas, isso seria trair os interesses mais imediatos dos povos em
luta (como a paz, o pão, a terra, a repartição das riquezas, os novos poderes,
etc.). Aliás, essas revoluções foram não só heroicas, mas obtiveram resultados
consideráveis antes de fracassarem completamente na busca de um processo em direção
ao comunismo. “Seria muito cómodo fazer a história universal se só nos
empenhássemos na luta na condição de ter hipóteses infalivelmente favoráveis”(3).
Na URSS e na China não se assistiu ao fracasso
do comunismo – ele nunca ali existiu, longe disso – mas à interrupção e ao
fracasso de um processo revolucionário (na base do desenvolvimento duma burguesia
de Estado) antes que este processo pudesse sequer começar a abolir as relações
sociais capitalistas (nomeadamente a divisão político-social entre poderes
intelectuais e executantes que a Revolução Cultural chinesa tentou, mais ou
menos confusamente, atacar). Que a burguesia – por meio de todos os seus
ideólogos, intensamente mobilizados, ocupando todos os meios de informação –
não tenha deixado de explorar as taras e os crimes do chamado “socialismo real”
estaliniano para o confundir com o comunismo, isso era de esperar. Mas como o
planeta está hoje sob o jugo de Estados totalitários e criminosos, de máfias
político-financeiras ao lado das quais um Al Capone é um pequeno amador, seria
caso para dizer que o mundo está pejado de regimes “comunistas”.
“A anatomia do homem é a chave da anatomia do
macaco”(4). Não é tanto o passado que explica o presente, mas o presente que
explica o passado; são os desenvolvimentos modernos do capitalismo que permitem
compreender as situações anteriores. Em particular, é em vista da diminuição
drástica, do esgotamento da quantidade de trabalho social necessário para a
produção de uma massa enorme de produtos, os mais diversos e os mais eficientes
(embora em boa parte supérfluos ou mesmo nocivos do ponto de vista do
desenvolvimento humano), que se pode compreender como as revoluções do século XX
estavam longe de poder beneficiar-se dessa situação de “abundância” (clarificarei
mais adiante) necessária ao comunismo. Essas revoluções tiveram pois que
começar por criá-la, inventando um processo de desenvolvimento das forças
produtivas compatível (e essa foi a grande dificuldade) com o crescimento do
poder político e social dos proletários, mantidos necessariamente, enquanto
tais, nas circunstâncias próprias do “reino da necessidade”(5).
Na primeira metade do século XX, esta situação
em que dominava ainda a extensão do trabalho obrigatório (6) era também a
situação, mesmo se em menor medida, dos países com as forças produtivas então
mais desenvolvidas. Assim, as circunstâncias só podiam gerar um movimento
proletário que pode ser caracterizado hoje como globalmente e majoritariamente
“reformista”.
Das bases do reformismo entre os proletários
O reformismo é uma tendência que sempre existiu
entre os proletários (e, claro, nas diversas frações da burguesia chamadas
“republicanas” ou “de esquerda”). A sua característica geral consiste em
orientar e limitar as lutas à obtenção de melhorias materiais – o “nível de
vida”, segundo a expressão geral, como se a este não dissesse respeito também a
riqueza das atividades e das necessidades. Melhorias na relação salarial que
têm de estar limitadas pela reprodução dessa relação, isto é, pela continuação
da valorização do capital — sendo este “crescimento” (a valorização do capital)
a condição daquelas melhorias. Por outras palavras, essas melhorias são
limitadas não só quantitativamente (a parte do produto que vai para o capital
cresce necessariamente mais, com a acumulação, do que a parte que vai para os
proletários), mas também qualitativamente: se o consumo se eleva é em grande
parte para responder a necessidades alienadas geradas e estimuladas pelo
capitalismo. E, ao mesmo tempo, há uma profunda deterioração das necessidades
imateriais, sendo o trabalho proletário esvaziado de toda a qualidade, tornando-se
também ele cada vez mais alienado e repulsivo com o progresso da maquinaria.
Uma tal orientação reformista retira aos
proletários qualquer poder autónomo. Ela não muda em nada o movimento histórico
pelo qual todo o poder social é monopolizado pelo capital e pelo seu Estado.
Pelo contrário. E uma consequência disso está no fato de ser auto-mantida pelos
proletários submetidos ao reformismo a ideia de que a sua sorte depende daquele
poder do capital — para cuja reprodução e crescimento eles teriam portanto
interesse em contribuir (7). Isso leva-os assim a apoiar “o seu” capital, a
desejar o seu crescimento máximo, esperando ou exigindo apenas beneficiar-se
dele também, e não que sejam só os outros (patrões, financeiros, estrangeiros,
etc.) a terem esse direito. Exigência que encarregam paradoxalmente o Estado
capitalista de realizar (paradoxo que releva evidentemente do fetichismo do Estado,
de que falarei adiante).
Por isso, impregnados e dominados por esta
ideologia reformista, os proletários, na sua maioria, confiam as suas
reivindicações a aparelhos sindicais e políticos que se afirmam como os seus
representantes oficiais e exclusivos junto do patronato e do Estado,
encarregados de negociar uma relação salarial mais equitativa! Estes mediadores
transformaram-se progressivamente ao longo da história em quase-aparelhos de
Estado, aparelhos de profissionais dotados pelo Estado de importantes meios
materiais, de lugares e sinecuras largamente pagos. Desempenham então um papel
essencial para circunscrever as lutas proletárias aos limites do respeito pelas
condições de reprodução (ou seja, de valorização) do capital, bem como para
organizar e estimular a dominação do reformismo sobre os proletários. Papel que
sempre teve uma importância particular nos períodos em que as lutas assumiam um
sentido revolucionário, ou ameaçavam fazê-lo. Foi então que sindicatos e
partidos reformistas (isto é, “a esquerda”) se revelaram à luz do dia como um
trunfo ao serviço da burguesia pela sua influência junto do povo. Exemplos não
faltam. Por exemplo, em França: 1936, 1945-48, 1968; na Alemanha: 1918-20. Do
mesmo modo que apoiaram em graus diversos o colonialismo, o imperialismo, e
mesmo as guerras que daí decorriam(8).
Lenine dizia que uma reforma pode, claro,
eventualmente, trazer uma melhoria para o povo (hoje, mais frequentemente, é o
inverso), mas ao mesmo tempo ela “é uma concessão feita pelas classes
dirigentes para deter, enfraquecer ou abafar a luta revolucionária, para
dividir a força e a energia, para obscurecer a consciência das classes
revolucionárias, etc.”(9).
Mas a maioria dos proletários ignora o segundo
lado deste duplo carácter da reforma enquanto a burguesia for capaz de lhes
fazer concessões. Dum modo mais geral, enquanto não encararem a possibilidade
da abolição da sua condição, os proletários só podem procurar melhorá-la. Fato
que os empurra espontaneamente para o reformismo, como ideologia e como objetivo
exclusivo das suas lutas, enquanto o capitalismo pode, ou parece poder,
fornecer essa melhoria (10). Eles aderiram a essa via particularmente no século
XX nos países imperialistas, dado que efetivamente — não falando que duas
guerras mundiais, inúmeras exações e massacres coloniais, greves quebradas com
as maiores brutalidades policiais e judiciárias foram também alguns outros
efeitos – o capitalismo pôde aumentar significativamente o “nível de vida”
material dos proletários. A sua pauperização não era notada, uma vez que ela
era então, geralmente, só relativa ao crescimento do capital (à parte da
riqueza que se acumulava nesse pólo)(11).
Este é um fenómeno transitório na história do
capitalismo e próprio dos países capitalistas mais desenvolvidos, e cuja
explicação merece ser recordada. Para ser breve, pode-se resumir em duas causas
principais:
- Importantes
desenvolvimentos do maquinismo e da produtividade. Estes permitiram o
crescimento da mais-valia (mv) extraída sob a forma dita relativa. Sem
repetir aqui a análise desta forma (12), lembremos um resultado dos
aumentos da produtividade que estão na base desse crescimento: eles
permitem aumentar, durante um certo tempo, tanto o nível de consumo das
massas (em resultado da baixa do valor das mercadorias induzida por esses
mesmos aumentos de produtividade), como a massa da mais-valia, e portanto
os lucros (em resultado duma produção mais massiva, com menos custos de
produção e que pode ser escoada).
- Expansão duma exploração selvagem dos povos dominados pelos
imperialismos, bem como dos seus recursos em matérias primas e agrícolas.
O que constituiu, e constitui sempre, uma fonte importante de crescimento
da mais-valia nos países imperialistas desde a época da colonização.
Crescimento de que os proletários desses países recebem migalhas. O que
levou Engels a dizer: “Os operários ingleses comem alegremente a sua parte
daquilo que rende o monopólio da Inglaterra sobre o mercado mundial e no
domínio colonial.” (13)
Veremos adiante em que se tornam hoje, na época
do capitalismo senil, estes dois fundamentos (14) materiais, objetivos, da
dominação do reformismo sobre os proletários. Dominação que não é tanto o
resultado de uma “tampa” que tivesse sido colocada do exterior pelos
propagandistas e organizações do reformismo sobre um proletariado
revolucionário fervente, mas que é antes a manifestação dessas manifestações
particulares de que aqueles se serviram para exercer e ampliar a sua influência.
Muitos conseguiram, frequentemente, taxar de “traição” as distâncias abissais
entre os discursos e os atos deles. Mas se, até hoje, apesar das inúmeras
experiências que tiveram dessas “traições”, os povos duma forma geral — com exceção
de uma minoria — apoiaram, seguiram, reelegeram os dirigentes reformistas, é
porque no fundo estavam impregnados dessa ideologia, esperando sempre que
chegasse ao poder uma “verdadeira esquerda” que aplicasse com sucesso, sem
“trair”, as suas promessas ilusórias. Não era, assim, essa ideologia burguesa o
que refutavam, mas aqueles que a “traíam” necessariamente porque ela era
inaplicável, utópica.
Deste modo, os movimentos proletários do século
XX desenvolveram-se entre estes dois pólos: nos países com forças produtivas
pouco desenvolvidas, com fraca produtividade, como a Rússia e a China, a
“penúria” foi uma causa objetiva essencial do fracasso do processo
revolucionário que aí se iniciou. Nos países mais desenvolvidos, a “abundância”
material foi um fator para que a burguesia pudesse estimular o reformismo que
era a ideologia espontaneamente dominante entre a maioria dos proletários (15).
O interesse em lembrar estas circunstâncias
históricas específicas é o de compreender que outras circunstâncias produzirão
outros efeitos. Ora justamente a crise atual revela que entramos na época do
declínio inelutável e inultrapassável desses fundamentos materiais da dominação
do velho reformismo sobre os proletários. A dominação da ideologia burguesa
subsiste evidentemente na base dos fetichismos decorrentes das relações de
produção e de troca próprias do capitalismo, mas ela assume agora
principalmente formas “extremistas” neo-fascistas, desesperadas e mórbidas (e
não a forma “democrática” do reformismo tradicional), de que falarei.
Declínio e desaparecimento das bases materiais
do reformismo social-democrata
A situação atual revela à luz do dia a amplitude
de um fenómeno iniciado nos anos 70 na Europa (e outros lugares): a degradação,
até ao desaparecimento, da situação que alimentava e estimulava o tradicional
reformismo social-democrata (16). Com efeito, a sua análise mostra (17) que a
crise atual não é apenas uma crise clássica de sobre-acumulação de capital
correlativa a um subconsumo das massas, mas que a sua característica mais
significativa reside num esgotamento estrutural dos ganhos de
produtividade Por outras palavras, um esgotamento do aumento da extração
de mais-valia na sua forma relativa, a única que permite prosseguir — de forma
que não seja pontual e efémera — a acumulação do capital (ou seja, do
crescimento) da época moderna (produção de massa altamente mecanizada, exigindo
um consumo em aumento constante). Esgotamento esse inultrapassável porque os ganhos
de produtividade anteriores acabaram por baixar a quantidade de trabalho
produtor de mais-valia empregue pelo capital, portanto o valor das mercadorias
que mede essa quantidade, a tal ponto que o movimento de valorização desse
valor (a produção de mais-valia) — que é própria existência do capital —
estagna e mesmo regride (movimento de desvalorização). Para valor evanescente,
valorização evanescente. Ou seja, como é que o capitalista em geral poderia
aumentar a produtividade e a extração de uma maior quantidade de mais-valia
relativa, quando isso exige um imenso investimento para melhorar uma maquinaria
já altamente sofisticada, ao mesmo tempo que a poupança de mão-de-obra produtora
de mais-valia que ele, capitalista, poderia assim fazer seria pequena, dado que
esta mão-de-obra já pouco conta relativamente nos custos de produção (na ordem
dos 10% para as grandes empresas)?
Portanto o capitalista não investirá, ou
investirá menos (18), apesar de os Bancos o inundarem de créditos quase
gratuitos e de os Estados o fartarem de subvenções, baixas de encargos sociais
e de impostos, etc. Não se consegue obrigar a beber um burro que não tem sede!
Não se consegue obrigar a investir um capitalista que, com isso, não espera
aumentar os seus lucros! Acaba o crescimento!
Relembrada esta situação (a senilidade do
capitalismo), voltemos à questão que nos importa agora: as bases objetivas do
reformismo social-democrata.
A primeira das duas bases que sublinhámos atrás,
o crescimento da mais-valia extraída na forma relativa, isto é, obtida pelos
ganhos da produtividade geral, está em quebra irremediável como se acaba de
dizer.
A segunda, que era concomitante desta, a
mundialização imperialista, enfraqueceu também. Os negócios tornam-se mais
difíceis nos países ditos “emergentes” (tais como os BRICS(19) apresentados
como exemplos de crescimento na prosa mediática), porque também eles são
atingidos pela crise. Só para pegar no exemplo da China, tão elogiada e
classificada como segunda economia mundial, não se trata apenas de as suas
exportações, nas quais se apoiava o seu crescimento, depararem com as políticas
de austeridade generalizadas (para os povos). Trata-se, também aí, do
esgotamento dos ganhos de produtividade, tanto mais que o capital se debate com
uma resistência acrescida dos proletários. Na China, já em 2010, “a
produtividade geral dos fatores apresentava mesmo tendência para diminuir cerca
de 0,5% por ano” (20). Como por todo o mundo, na China o crescimento aparente
assenta cada vez mais no recurso ultra-maciço ao crédito: a dívida acumulada
atingiu 220% do PIB no fim de 2013 contra 130% cinco anos antes. Daí, uma massa
de capital fictício que se acumula em bolhas.
Não é pois da mundialização que o capital
mundializado pode esperar o regresso de um crescimento mesmo molengão. Observemos
também que, desde o fim do sistema colonial, os imperialismos têm de partilhar
o saque com as cliques burguesas e militares predatórias que tomaram o poder
político nas antigas colónias e que se apropriam de uma parte, que elas esperam
sempre aumentar (cf. o exemplo célebre dos dois “choques” petrolíferos
dos anos 70), das rendas mineiras e da mais-valia obtida da exploração das
populações pelas multinacionais industriais e do agroalimentar.
Para contrabalançar o esgotamento dos ganhos de
produtividade, os capitalistas têm de aumentar ainda mais a extração da
mais-valia na sua forma absoluta. É isso que os vemos fazer dia a dia com a
ajuda ativa de todos os Estados: alongamento do horário de trabalho (semanal e
ao longo da vida); aumento da sua intensidade, nomeadamente com a sua “flexibilização”;
diminuição dos salários diretos e indiretos (prestações sociais) (21); aumento
dos impostos e taxas sobre o povo (e, ao contrário, diminuição dos encargos
pagos pelos patrões); etc. (22)
Ora, uma tal política, hoje posta em prática
mundialmente e sistematicamente, não pode originar crescimento porque reduz de
forma evidente o consumo (23). Aliás, as receitas e as economias que ela
pretende fornecer aos Estados para pagarem as dívidas são, além da sua
improvável realização, completamente irrisórias em vista dos montantes
faraónicos dessas dívidas.
A solução parece então, para muitos, estar numa
política (dita keynesiana) de relançamento do crescimento através de uma subida
dos salários e dos investimentos do Estado (como as grandes obras de infraestruturas,
construção de casas, energia verde, etc.). Mas não é no momento em que o
processo de valorização do capital está doente, e mesmo em pane, que uma subida
dos salários é possível, tal como não é possível que Estados hiper-endividados
aumentem as suas despesas.
O futuro dos proletários e dos povos no
capitalismo é a degradação em todos os planos da suas condições de trabalho e
de vida. Muita gente já vive esta realidade, e os demais teme lá chegar. Mas o
que é importante para a resposta a dar ao problema é compreender que estes são
fenómenos absolutamente inerentes à realidade do capitalismo contemporâneo.
Compreender, portanto, que a possibilidade de uma escolha reformista já não
existe, porque já não existem os seus fundamentos materiais. A menos que se
chame reforma, como fazem os ideólogos do capital, às degradações em curso:
reformas reacionárias (no sentido próprio do termo: voltar para atrás). O
movimento reformista tradicional (“a esquerda”) está condenado a sofrer
fracassos garantidos na sua pretensão de melhorar a sorte das camadas
populares. Veremos a seguir as consequências, mas apontemos desde já esta:
todos aqueles, nomeadamente os defensores dos extremismos estatais (portanto
burgueses) tipo FN ou PG em França, que pretendem estabelecer um “bom
capitalismo”, ao serviço do todo que seria a Nação, ou melhor ainda, do
“humano” em geral, não passam de charlatães, de vendilhões. O único futuro
“humano” para os proletários está neste fato: ao mesmo tempo que desaparecem, —
e definitivamente, nesta época da senilidade do capital — as bases materiais do
reformismo de esquerda, amadurecem as do comunismo. O que é uma grande novidade
histórica.
Amadurecimento das bases materiais do comunismo
no capitalismo contemporâneo
O comunismo não é uma sociedade ideal inventada
ao pormenor por alguns pensadores mais ou menos inspirados. A evolução
histórica do capitalismo faz surgir a sua bárbara senilidade. E isto sucede no
próprio momento em que ele desenvolveu a um máximo, que já não pode
ultrapassar, as forças produtivas. Esta situação que o mergulha numa crise
crónica catastrófica contém simultaneamente os meios materiais para construir
toda uma outra sociedade (isto é, outras relações sociais), uma comunidade de
indivíduos com necessidades, faculdades e atividades elevadas, qualitativamente
ricas.
Este conteúdo, a riqueza qualitativa, deve ser
explicitado antes de examinar a existência dos meios para a atingir — sem os
quais só se poderiam fazer construções no vazio, sonhar com utopias. Lembremos
brevemente o que é a verdadeira riqueza para os homens (verdadeira, ou seja,
adequada à sua natureza, que é o seu autodesenvolvimento através do seu
trabalho ou atividades). O seu primeiro fundamento é a abundância de tempo
disponível para que possam desenvolver as suas faculdades e atividades
criativas no maior número de direções possíveis, tanto ‘horizontalmente’
(diversidade de atividades) como ‘verticalmente’ (aperfeiçoamento).
Um trabalho rico é evidentemente o oposto de um
trabalho obrigatório, repulsivo. Não imposto como uma obrigação, mas expressão
de uma necessidade interior (24), de uma vontade livre. Ele é portanto
em si mesmo a satisfação de uma necessidade criativa pessoal, e não, como no
capitalismo, um trabalho qualquer cujo produto é indiferente, uma vez que se
trata apenas de ganhar dinheiro para satisfazer uma necessidade exterior a esse
trabalho.
O trabalho rico é, assim, não apenas diretamente,
prazer na sua execução, prazer de pôr à prova e desenvolver as habilitações
próprias, os conhecimentos e outras faculdades através do esforço, da vontade,
da tenacidade que isso implica; mas é-o também porque o seu resultado satisfaz
e desenvolve, pelas suas qualidades (utilidade, beleza, novidade, prazer que proporciona,
etc.), as necessidades elevadas de outros homens. De modo que esse trabalho
satisfaz igualmente essa necessidade que o indivíduo tem de relações sociais
feitas, não de concorrência, mas de emulação, de enriquecimento recíproco das
necessidades, dos prazeres e das capacidades de cada um. Tanto assim é que o
indivíduo só se constrói com e pelos outros, na medida em que a elevação
qualitativa das necessidades, das faculdades e das atividades de cada um
depende do nível das dos outros, no maior número possível (25), através das
trocas recíprocas.
A construção dos homens por eles mesmos foi
sempre social, evidentemente. E cada vez mais à medida da elevação das
necessidades, da diversificação dos produtos e da complexificação das técnicas,
das ciências e dos processos de produção e de troca. Mas social segundo características
historicamente específicas de divisão do trabalho e de apropriação. No que
respeita ao modo de produção capitalista, o “trabalhador coletivo” (termo que
designa a coletivização massiva dos processos de produção) é marcado
nomeadamente por profundas divisões do trabalho entre capitalistas “ativos”
(dirigentes e “poderes intelectuais da produção”) e proletários, Estados e
povos, centros imperialistas e povos dominados. Neste “trabalhador coletivo” a
colaboração imposta, como dominação de uns sobre os outros. Essa dominação
assenta, e organiza-se, sobre o desapossamento dos proletários, quer do domínio
do seu trabalho como do seu produto.
O processo da revolução comunista é o da
abolição destas divisões do trabalho que determinam quais são os que possuem,
os que dominam e os que se apropriam em detrimento dos outros. A associação
será assim o resultado e simultaneamente o meio de apropriação por todos das
condições da produção e da vida social. Esse domínio permitirá então que as
relações dos indivíduos com a natureza estejam adequados ao facto de a ela
pertencerem e não poderem portanto construírem-se arruinando-a a ela. A busca
da verdadeira riqueza nada tem a ver com um consumo sempre crescente de tudo e
mais alguma coisa, uma simples acumulação de coisas em quantidade. Uma tal
associação de indivíduos, detentores em conjunto das suas condições de vida e
unidos para se desenvolverem pelo interesse comum do seu enriquecimento
recíproco, será pois uma verdadeira comunidade de indivíduos livres, e não uma
simples coletivização e cooperação impostas, dado que o interesse de cada um
será o de todos, para que todos possam desenvolver livremente e ao máximo as
suas faculdades e atividades (26).
Como se vê, estas características gerais do
comunismo não saem da imaginação, mas do que é a natureza humana — autoconstrução
através do trabalho — e da constatação das potencialidades presentes no
capitalismo, permitindo fundar o desenvolvimento de indivíduos de uma essência
nova, cujo conteúdo essencial acaba de ser traçado.
Voltemos então ao nosso assunto: as
potencialidades, os meios materiais existentes que podem servir de ponto de
partida a um processo em direção ao comunismo e até à sua conclusão. Os
principais são os seguintes:
- Redução drástica da quantidade de trabalho obrigatório usado na
produção, considerável “abundância” potencial de tempo livre.
- Ou seja, redução do valor de troca, portanto possibilidade de
suprimir as suas formas concretas como preço, moeda, dinheiro, etc. A finalidade
do trabalho pode tornar-se a produção dos valores de uso e a satisfação de
necessidades qualitativamente elevadas.
- Coletivização e internacionalização dos processos de produção e das
trocas (mas feitas segundo as divisões imperialistas do trabalho). Donde a
universalidade dos conhecimentos, das ciências, das necessidades. Por todo
o lado, a acumulação dos saberes e técnicas elaborados pelas gerações
passadas é, cada vez mais, o fator essencial da produção, como que um
“intelecto geral”, um “cérebro social” universal (usurpado, claro, pelo
capital e seus “funcionários”, como os que detêm os “poderes intelectuais
da produção”).
- Uma massa crescente de proletários, em todo o mundo, estão sujeitos
a condições de existência cada vez mais difíceis, cada vez mais letais à
medida do agravamento (inelutável) das dificuldades do capital, na sua
idade senil, em se valorizar e se acumular.
Estas circunstâncias atuais, muito brevemente
lembradas, são meios bem reais de um processo que conduz ao comunismo. Não tal
qual hoje existem, mas na condição de serem transformados para servir esse fim.
Tarefa que exige prosseguir o processo revolucionário depois da revolução
política.
Retomemos por exemplo a questão do tempo livre.
Como já foi dito, é o desenvolvimento do capitalismo que gera uma diminuição
considerável do tempo de trabalho. Um ativo trabalhava umas 3.000 horas por ano
em 1870 em França ou na Inglaterra. Um século mais tarde trabalhava metade! E
esta tendência foi a mesma por todo o lado à medida da expansão mundial do
capitalismo moderno. A questão não está em constatar a que ponto a maquinaria
substituiu o trabalho, e sobretudo o trabalho proletário. Todas as estatísticas
o demonstram amplamente. A questão está no fato de o capital fazer do tempo de
não-trabalho assim desenvolvido não seja tempo livre, tempo utilizável para
enriquecimento das capacidades, possibilidades, necessidades, atividades dos
trabalhadores. Pelo contrário, reduz massivamente os proletários à miséria física,
intelectual, social e moral do desemprego, ou então absorve em seu proveito
esse tempo de não-trabalho por meio de ócios absolutamente alienantes.
Mas não é tudo. À medida do seu movimento
histórico de acumulação, o capital engendrou uma massa crescente de empregos em
funções comerciais, financeiras, estatais, mediáticas, etc., que, imediatamente
ou progressivamente consoante os casos, não terão condições de existir porque o
processo revolucionário em direção ao comunismo abolirá as relações sociais que
geraram a sua utilidade (as necessidades de dominação, de lucros, de
consumo, de usurpação, de dinheiro, de crédito, etc., próprias do modo de
produção capitalista). Isso permitirá não apenas que os milhões de pessoas
empregadas nesses sectores façam a sua parte do trabalho obrigatório que
subsista, diminuindo a parte que cabe aos outros; mas permitirá também — dado
que todas essas pessoas e os seus meios de trabalho são financiados pela
mais-valia produzida pelos operários — suprimir a quantidade do trabalho destes
(sobre-trabalho) que hoje a produz. Dois meios, portanto, de reduzir a
quantidade de trabalho obrigatório que subsistirá após a revolução política. E
outros ainda aparecerão desde que as condições da produção e da vida sejam
transformadas no curso deste processo (pense-se por exemplo nas relações entre
as despesas de saúde e o modo de produção capitalista).
Eis apenas algumas notas sobre a questão do
tempo livre. O que importa é tomar consciência do imenso potencial de tempo
livre que o capitalismo contemporâneo encerra. Não apenas pela partilha do
trabalho com os desempregados, mas ainda mais pelo desmantelamento do modo de
produção e de consumo capitalista, pela transformação radical das atividades e
das necessidades dos indivíduos, dos seus comportamentos, das relações entre
eles e com a natureza. Partilhar e mudar o trabalho é necessariamente um
processo único. (27)
Vê-se que nada disto pode ser posto em prática
no capitalismo. O tempo livre não é um fundamento, pronto e acabado, para o
comunismo. Apenas o é potencialmente, enquanto tempo (e é esta a novidade
histórica) que pode e deve ser conquistado e transformado pelo processo
revolucionário para abolir o trabalho e a condição de proletário, para a
apropriação por todos das condições materiais e intelectuais do seu autodesenvolvimento
(ou seja, da liberdade).
Potenciais também são os outros fundamentos
materiais do comunismo presentes no capitalismo contemporâneo acima evocados.
É assim com a tendência que o capitalismo gera
inexoravelmente para a baixa do valor de troca dos produtos, e que desemboca
hoje na sua crise crónica. Mas, apesar de tudo, esse valor mantém-se, mais ou
menos, através das convulsões violentas e catastróficas da crise: é essa a sua
função, e todos os meios são bons, mesmo as guerras mais destrutivas (28). Daí,
nomeadamente, a expansão faraónica do crédito (do capital financeiro) como
tentativa de perpetuar a acumulação do capital. Trata-se, claro, apenas da
valorização fictícia dum capital fictício, o que se traduz rapidamente e
regularmente em krachs cada vez mais retumbantes, que ocasionam um
agravamento da crise e da situação dos povos. Aqui também é preciso um processo
revolucionário para acabar com o valor de troca e as suas manifestações:
dinheiro, moeda, preço, etc. Isto é, acabar com as relações de apropriação
privada que induzem necessariamente a existência do valor mesmo quando a sua
substância, o trabalho social (abstrato), tende a esgotar-se (vimos que a crise
atual é a manifestação desta contradição, cujo antagonismo chegou ao ponto de
induzir meios de ação extremamente violentos que os funcionários do capital são
levados a tomar).
É assim com a mundialização. A
internacionalização do modo de produção capitalista suprimiu muitos dos
particularismos estreitos, limitados, conservadores, muitos dos confinamentos,
organizando a participação de milhares de milhões de indivíduos numa espécie de
“trabalhador coletivo” mundial que desenvolveu as forças produtivas a um nível
que permite encarar a possibilidade de um futuro sem trabalho compulsivo, como
se viu. Mas o capitalismo fê-lo destruindo a natureza e os homens ao ponto de
ameaçar pôr fim à humanidade. E também exacerbando uma divisão imperialista do
trabalho entre países dominados e países que concentram a posse dos principais
meios de produção — nomeadamente os meios científicos — e a propriedade financeira,
e, assim, também a apropriação das riquezas. Divisão mundial do trabalho que
redobra a divisão “vulgar” que o trabalho sempre gerou e desenvolveu entre “os
poderes intelectuais da produção [que] se desenvolvem apenas num dos lados
porque desaparecem em todos os outros lados. Aquilo que os trabalhadores
parcelares perdem concentra-se perante eles no capital. A divisão manufatureira
opõe-lhes os poderes intelectuais da produção como propriedade de outrem e como
poder que os domina”(29). Assim, se o capital desenvolveu um certo
universalismo — que, em si, não é necessariamente um empobrecimento, nem uma
uniformidade, na medida, e apenas na medida, em que se trata da
desmultiplicação dos conhecimentos, das atividades, das necessidades, do poder
dos homens sobre o seu próprio destino (a sua liberdade) — desenvolveu-o
contraditoriamente, com as mais extremas violências, destruições e
desapropriações. A mundialização capitalista é, portanto, apenas um fundamento
potencial de um processo em direção ao comunismo. O qual tem justamente por
tarefa quebrar estas divisões do trabalho organizadas pela apropriação das
riquezas materiais e intelectuais geradas nesta mundialização pela burguesia. O
que significa permitir a cada um apropriar-se do que lhe for necessário para
beneficiar e contribuir para um verdadeiro universalismo para todos, um
universalismo conseguido pelo enriquecimento recíproco das qualidades pessoais,
específicas, próprias de cada indivíduo.
Em resumo, pode afirmar-se que os principais
fundamentos materiais necessários ao sucesso de um processo revolucionário
comunista existem hoje no seio do capitalismo. Mas apenas potencialmente, e
como que escondidos pelo uso e as formas concretas que o capital lhes dá. É
preciso pois que sejam postos à luz e sobretudo transformados e desenvolvidos,
de outro modo, por aquele mesmo processo. Este é o objeto do processo
revolucionário, e é o que torna inelutável esta fase dita de transição entre a
revolução política e o comunismo. Só os proletários podem ser o sujeito desta
transformação para a levar até ao fim, até à abolição da condição de
proletário. Mas também para isso é precisa uma transformação: que eles se
tornem uma classe, ou seja unidos na vontade e na atividade de realizar o
potencial revolucionário, o devir libertador de todos estes fundamentos.
Hoje a análise da situação geral — que tem
certamente de concretizar-se pela análise das situações particulares — mostra a
necessidade e a possibilidade (30) dum tal processo. Esta possibilidade é uma
situação nova na história. Ela deverá portanto suscitar um movimento proletário
novo. Não já massivamente reformista como o antigo, mas massivamente empenhado
no processo para o comunismo. Movimento que está por criar.
Construir um novo movimento comunista
Eis uma tarefa que parece completamente utópica
quando se constata o estado de imensa fraqueza do movimento proletário e, um a
par do outro, dos comunistas desde há muito.
“Temos de cantar as revoluções de amanhã e não
as de ontem, às quais apenas devemos o respeito” (31). É isto que temos de
fazer também hoje, partindo da análise da situação específica do capitalismo
contemporâneo, em lugar de nos contentarmos de repetir incessantemente a
história das revoluções de ontem. Porque se efetivamente é devido o maior
respeito aos revolucionários do passado, as circunstâncias contemporâneas pouco
têm a ver com as da sua época em que as condições objetivas de um processo
revolucionário comunista estavam longe, muito longe de estar maduras.
Vimos, porém, que hoje estão maduras. A ponto de
vermos aparecer entre alguns intelectuais aqui e ali a ideia de que, sob
o efeito do desvanecimento do valor que referi anteriormente, o capital
acabaria de qualquer modo por desabar por si mesmo (32). Para alguns comunistas
(33) este desabar necessitaria, apesar de tudo, da intervenção de um ator, de
um sujeito revolucionário. Mas não o reconhecem senão na forma dum sujeito
mítico: proletários que não o seriam, ou seja que não lutariam a partir daquilo
que são mas a partir daquilo que já não são, como não-proletários. Porque,
segundo eles, enquanto proletários só poderiam ser agentes do capital,
reproduzindo-o sempre. O que representa apenas parte de uma realidade da qual
não veem o carácter contraditório, de modo que também não veem a revolução
comunista como um processo em que a abolição da condição de proletário é o fim
e não o começo.
Assim, para A. Jappe (34) “a superação do
capitalismo não pode consistir no triunfo dum sujeito criado pelo próprio
capitalismo”. Para que exista um sujeito revolucionário “deveria primeiro
dar-se uma revolução antropológica”. Por outras palavras, o proletário teria de
ser um homem novo antes mesmo do processo revolucionário que cria essa
transformação (transformação recíproca dos homens e das relações sociais). Mas
geralmente, segundo Jappe, o capitalismo não cria “as bases daquilo que o vai
substituir”, mas apenas misérias, devastações e ruínas. O que “forçará a
humanidade a desembaraçar-se dele”. Aqui está um curioso sujeito revolucionário
que em todo o caso aparece: a humanidade. Mas não nos podemos desembaraçar do
capitalismo sem ao mesmo tempo o substituir por um outro sistema social, que
não cai do céu, que tem de ter fundamentos materiais. Sobre isso ficamos sem
saber nada — o que é lógico para quem não vê no que existe nenhuma base objetiva
para substituir o capitalismo. Conclusão: nada existiria hoje para nos
“desembaraçarmos” do capitalismo, a não ser a “humanidade” que terá de dar um
salto no vazio! A revolução é “um salto no desconhecido”.
Dizer que o proletário é um agente do capital
quando procura melhorar a sua condição no quadro da relação salarial, uma vez
que permanece dentro dessa relação que ele reproduz e em que se reproduz, é
querer arrombar uma porta aberta por Marx há muito tempo. Ficar por aí, é
esquecer que se o proletário procura evidentemente melhorar a sua existência na
situação concreta em que está (e reside aí, como disse, a sua tendência espontânea
para o reformismo), defronta-se mais cedo ou mais tarde na história com o
carácter fundamentalmente antagónico da sua relação com o capital. A qual se
manifesta regularmente pela degradação e não pela melhoria esperada:
despojamento acrescido, desemprego, miséria, repressão brutal das lutas, papel
de carne para canhão são as mais frequentes respostas que dão os capitalistas
às necessidades que os proletários exprimem enquanto tais. Por isso, muitos
proletários, mesmo se não constituíam a maioria, foram levados, a partir das
lutas pelas suas necessidades imediatas, a elevar o nível da luta ao ponto de
quererem eliminar os capitalistas, tomando consciência pela experiência e pela
reflexão de que não estão apenas em concorrência com o capital pela partilha salários/lucros,
mas num antagonismo irredutível que os opõe a ponto de o capital na sua idade
senil tender a nem sequer os poder manter no seu estado de assalariados.
Jappe, e o movimento intelectual de que ele é um
rosto, têm razão na sua crítica ao antigo movimento operário reformista,
nomeadamente à sua fração dita comunista, dirigida pela 3.ª Internacional
estalinista. Esse movimento, com efeito, apenas considerava o proletário como
sujeito enquanto produtor dominado e explorado pelos proprietários dos meios de
produção. O futuro radioso que estes partidos ditos comunistas lhe prometiam,
segundo este modelo, consistia numa melhoria da sua condição material desde que
ele se sacrificasse de corpo e alma ao crescimento dum capitalismo de Estado
cuja dominação ele suportaria de fato (“os quadros decidem de tudo”, dizia
Estaline).
Estes intelectuais — e é por isso que falo deles
— têm o interesse de chamar a atenção para o fato de a finalidade da revolução
comunista ser a abolição do proletário, e portanto de se interrogarem sobre os
meios dessa abolição. Não ver nenhum desses meios no capitalismo é pretender
construir o processo comunista no vazio, fazer dele um ideal puramente teórico
e utópico. Mas ao menos isso obriga a lembrar que os meios materiais para fundar
esse processo que existem no capitalismo não são condições “já prontas” desde o
momento em que o proletariado tenha derrubado o Estado burguês e abolido a propriedade
privada jurídica e financeira nacionalizando os meios de produção e de troca
(contrariamente ao que Marx por vezes escreveu). Ora, esses meios que permitem
fundar o processo comunista existem, mas na condição de serem transformados.
Mas esses intelectuais não têm razão em separar
completamente a luta “económica” (a luta salarial em sentido amplo) da luta
pelo comunismo. A primeira sendo para eles inteiramente o fruto do proletário
enquanto tal, agente do capital, uma vez que o reproduz; a segunda, do
proletário que, não se sabe por qual metamorfose, já não seria proletário.
Porque evidentemente os proletários, como toda a
gente, partem das suas necessidades imediatas e estas são variáveis segundo as
épocas e as situações. Pode ser a paz, o pão, a partilha das riquezas, as
condições de trabalho, o fim do desemprego e muitas outras coisas. É quando
eles compreendem, em certas situações, que têm de se apoderar do poder para dar
satisfação a essas necessidades que eles se formam em classe pelo facto de se
unirem contra o Estado burguês. Enquanto classe, compreendem que podem e devem
ser uma força independente. Com esse força que até aí ignoravam, elevam então o
nível das necessidades que querem satisfazer e tomam consciência de que
satisfazê-las é tomar posse dos meios materiais, intelectuais, sociais das suas
vidas. Emerge assim, com a constituição dos proletários em classe, a
consciência da necessidade e da possibilidade duma outra sociedade que
satisfaça as necessidades radicais até aí enterradas porque eram consideradas
utópicas sob a dominação da ideologia burguesa que não cessa de tonitroar sob
todas as formas — incluindo universitários e supostos cientistas — o acrónimo
thatcheriano TINA, There Is No Alternative ao capitalismo. Ele é “a realidade”
e é pura ignorância, pura loucura tentar negá-la opondo-se às exigências de
valorização do capital (do “crescimento”).
Ora, o que é historicamente novo na situação
contemporânea, para lá das múltiplas diferenças de país para país, é que, se os
proletários continuam obrigados a lutar para assegurar a sua sobrevivência
diária contra “as usurpações do capital”, como dizia Marx, essa luta esbarra
com a impossibilidade do capital se reproduzir sem ter de aumentar
terrivelmente essas usurpações, sem degradar sempre mais a situação dos
proletários. A luta reformista tradicional, tanto nas suas formas como
nos seus objetivos, hoje o mais que pode fazer é travar um pouco, e
momentaneamente, o desenvolvimento dessa pressão, mas não de lhe inverter a
tendência. Na época contemporânea, a da senilidade do capital, de duas uma: ou
as lutas proletárias fracassam quase inevitavelmente se permanecerem no
velho terreno reformista dum crescimento da acumulação do capital acompanhado
duma “justa partilha” das riquezas; ou, providas da experiência e da
compreensão das causas desses fracassos, as lutas se elevam ao nível de uma
luta de classe revolucionária contra o estado, esse organizador armado da
existência e da acumulação do capital, cada vez mais despótico e violento na
época da sua senilidade.
Marx e Engels previram, desde 1848, no Manifesto
do partido Comunista, que o capital chegaria um dia a um estádio de
desenvolvimento histórico em que “a burguesia não pode já reinar porque ela é
incapaz de assegurar a existência do seu escravo no quadro da sua escravatura”,
incapaz de assegurar a existência do proletário no quadro da relação salarial
(das relações de produção capitalistas em geral). Eis efetivamente que isso
mesmo está em vias de acontecer. Eis o Estado definitivamente impotente para subjugar
a crise e o crescimento da miséria social, que ele tem pelo contrário de
promover e organizar. Os seus lugares cimeiros são ocupados por diversas frações
burguesas, cliques e máfias tão cínicas como parasitárias e corrompidas, dando
todos os dias o espetáculo insolente da sua corrida às prebendas mais gordas.
Mas também, por tudo isso, cada vez mais desconsideradas e vomitadas pelos
povos. Como se elas retomassem a frase atribuída a Luís XV: “Depois de mim, o
dilúvio”. No que lhes diz respeito, mais acertado seria: “comigo”.
Mas apesar deste descalabro, deste apodrecimento
do seu trono estatal, a burguesia ainda reina, e não hesita em recorrer mais
abertamente a meios ditatoriais. Isto, porque aqueles que ela esmaga estão em
completa desordem, a sua raiva e a sua cólera (deixemos de lado, por serem
insignificantes, os espíritos “indignados” ou “aterrados”) não têm saída, não
sendo capazes ainda de gerar a força organizada que permitiria transformá-las
em força, em classe capaz de acabar com aquele reino.
Os proletários, nos velhos países capitalistas
como a França, estão numa espécie de entreato.
Por um lado, na sua maioria, são
dominados ideologicamente pelos velhos fetichismos engendrados pelas relações
sociais em que se fundamenta o capitalismo. Não se trata de simples fantasmas —
esses fetichismos têm por base as aparências que tais relações assumem à
superfície. Aparências cujas raízes são ignoradas, mas que são, mesmo assim,
reais. Os intelectuais burgueses, eles próprios embebidos desses fetichismos,
tomam esses fenómenos aparentes por toda a realidade do capitalismo. Este real
truncado formaria segundo eles um sistema racional, respondendo nomeadamente a
“leis económicas” que eles conheceriam, e que não se poderiam infringir sem
consequências ruinosas para todos.
A propósito desses feiticismos, lembremos:
– O feiticismo da mercadoria, segundo o qual “a
economia” não seria política, não seria uma relação social de produção
historicamente específica, mas simples relações entre as coisas aparentes que
elas geram (mercadorias, capitais, preços, lucros, moeda, etc.). Simples relações
entre coisas e as suas quantidades, a economia poderia portanto ser gerida
cientificamente.
– O fetichismo do dinheiro (35), o cúmulo do fetichismo
como diz Marx, de acordo com o qual o dinheiro poderia criar riqueza como uma
pereira dá peras. É o que leva a criticar “a finança” não enquanto tal, mas
simplesmente pelos seus “excessos” que seriam prejudiciais ao crescimento. E
leva também a crer que, fornecendo dinheiro quase gratuitamente e em grandes
quantidades aos capitalistas (perdão, “às empresas”), estes poderiam relançar a
produção, o crescimento, quando não é o dinheiro que lhes falta mas a
possibilidade de o transformar em meios de produzir mais-valia.
– O fetichismo do Estado, segundo o qual ele
representaria o interesse geral comum a todos, e poderia portanto gerir a
economia de acordo com esse interesse, dado que ela seria relações entre
coisas.
Por outro lado, estes mesmos proletários têm
a experiência de que aquilo que os ligava ao reformismo, a melhoria do seu
nível de vida material, desaparece. Porque eles sofrem no dia-a-dia essa
realidade do capitalismo senil que consiste no fato de ele só poder sobreviver
por meio de uma degradação contínua das condições de existência dos
proletários. Toda a esperança — não já sequer de melhorar o nível de consumo,
mas mesmo de impedir a sua degradação, à maneira do velho movimento reformista
“de esquerda” — está votada ao fracasso (à parte possíveis sucessos localizados
e efémeros). Quando muito, os proletários só podem, por esse meio, abrandar
aquela degradação, obter por um momento o menos mau em vez do mau. E convém
incluir nesse menos mau o futuro próximo que não é tido em conta nas
consciências de hoje: um próximo crash mais destruidor que o de 2008,
desastres ecológicos acrescidos, subida dos extremismos burgueses, guerras,
etc.
A crise (o capitalismo senil) gera por todo o
lado uma instabilidade política e social crescente, recriminações, lutas de
classes, guerras civis. Mas, nomeadamente nos principais países europeus, a
maioria dos proletários encontra-se nesse entreato que acaba de ser evocado em
que reina a indecisão, a desordem, as frustrações que se traduzem por vezes,
aqui e ali, por bruscos acessos de cólera, tão violentos como efémeros,
revoltas sem saída. Entre muitos, a persistência dos fetichismos inerentes ao
capitalismo tende, com a crise, a empurrá-los para os extremismos burgueses
(36), como a FN [Frente Nacional] ou a FG [Frente de Esquerda] em França, ou
também os integrismos religiosos. A isto junta-se, como sempre nos períodos de
crises agudas, uma reação conservadora numa parte da população que se apega ao
passado de antes da crise, em que “se vivia melhor”. Este passado parece-lhe
melhor que o presente, e mais ainda que um futuro que surge confusamente cheio
de ameaças e de desordens assustadoras.
Pode admitir-se — persistindo estes fetichismos
assim ou assado, uma vez que são gerados pelas relações sociais capitalistas —
que os extremismos burgueses sejam a via escolhida pela maioria dos
proletários. Essa é uma possibilidade dramática. Mas estaríamos a negligenciar
os fatores que já permitem enfraquecer essa dominação ideológica, e que se
reforçam a par da crise. A qual crise ensina, pela experiência, que o Estado é
incapaz de impedir que ela se agrave, bem como impedir que se agravem as
condições de vida dos proletários, que ele tem pelo contrário de degradar para
manter a existência dessa sociedade fundada sobre a valorização do capital,
razão pela qual o Estado existe. A crise ensina muitas outras coisas ainda. De
modo que uma multiplicidade de fatos, ou antes de malfeitorias, trazem assim a
possibilidade de sapar a ideologia burguesa no movimento proletário. Foi este
género de situação, que torna o presente bem sombrio, que levou Marx a dizer em
1843: “Não se pode dizer que eu tenha em alta consideração o tempo presente, e
se apesar de tudo não desespero dele é porque a sua situação desesperada é
precisamente o que me enche de esperança”.(37)
A situação atual é pois particularmente confusa,
indecisa. A extrema fraqueza do movimento proletário é evidentemente também a
dos comunistas. As duas vão sempre a par. Os proletários conseguirão
constituir-se como classe unindo-se contra o Estado? Os comunistas saberão
contribuir para isso? Este é de qualquer modo o seu objetivo.
O primeiro passo que têm a dar, sendo hoje tão
pouco numerosos e tão dispersos, é unirem-se. Unirem-se significa também
delimitarem-se evitando essas duas escolhas bem conhecidas: o sectarismo e o oportunismo.
O que impõe unirem-se na base de uma análise comum da situação contemporânea, a
qual só pode ser feita, no estado de fraqueza de hoje, nos seus traços gerais
mais essenciais (mais tarde as análises e as propostas de ação serão afinadas,
juntamente com os debates, em função dos desenvolvimentos concretos, práticos
do movimento revolucionário). Esta primeira análise comum mínima pode e deve
compreender:
1.º As causas específicas da crise: esgotamento
dos ganhos de produtividade e do crescimento da extração de mais-valia na sua
forma relativa; declínio do valor.
2.º As consequências concretas que daí decorrem:
- No plano dos fatos objetivos: esgotamento definitivo do crescimento
capitalista. Para a sobrevivência do capitalismo, obrigação de um recurso
acentuado à extração de mais-valia na sua forma absoluta, a um agravamento
da destruição da natureza (38), à eliminação duma massa crescente de
proletários pela miséria, as doenças, as guerras.
- No plano da luta política, necessidade de uma oposição clara e
combativa aos extremismos burgueses de aparência radicalmente crítica do
capitalismo contemporâneo dito “liberal”, tipo FN ou FG (39); necessidade
de construção de uma organização independente dos partidários do comunismo
com vista a estimular e orientar a luta dos proletários visando a
destruição do Estado burguês, abrindo a via para uma abolição das classes
na base do aumento do tempo livre (“a abundância”) utilizado para abolir
as divisões sociais do trabalho capitalistas que originam essas classes,
ou seja generalizar o trabalho e as necessidades ricas para todos, o
domínio por todos das condições materiais, intelectuais e sociais da vida.
Este primeiro passo não será o da criação dum
partido comunista, o qual só pode emergir e constituir-se em relação dialética
com um movimento proletário decididamente anticapitalista. Mas é uma
preparação. É a atividade comunista possível na situação de grande fraqueza
como é hoje a dos comunistas, em transição entre um antigo movimento comunista
que degenerou por completo, e um novo movimento a criar aplicando nomeadamente
o princípio de construir o verdadeiro contra o falso, a nova organização
revolucionária contra a antiga reformista, a independência e a força do
proletariado contra a influência das ideologias e das organizações burguesas no
seu seio.
Neste estado atual de quase inexistência dos
comunistas, a sua associação só pode no imediato fixar um primeiro objetivo
modesto: fazer-se compreender pelos proletários, criar entre eles uma corrente
de opinião, por muito fraca que seja para começar, contra as falsas soluções
estatistas. Para isso precisam de edificar um sistema mediático (teórico e
propagandístico) que seja ao mesmo tempo utensílio de intervenção junto dos
proletários mais interessados em elevar o nível das lutas, e utensílio de unificação
e de progressão política da associação através de debates e de experiências.
Os temas para começar esse trabalho não faltam,
evidentemente. Por exemplo:
Combater a ideologia dos reformistas de esquerda
segundo a qual a crise poderia ser resolvida no capitalismo pela redução das
desigualdades — efetivamente faraónicas — dos rendimentos e dos patrimónios, o
que permitiria, dizem, relançar o consumo e através disso os investimentos.
Na mesma ordem de ideias, combater a ideia falsa
de que é “a finança” que, captando e retendo a riqueza na sua esfera, é a única
responsável pelo bloqueio do crescimento e do emprego. Ou ainda que o emprego
poderia ser preservado por “acordos de competitividade”, que não passam de
escroquerias.
Duma maneira geral, combater a ideia de que a
crise poderia ser ultrapassada por meio de uma degradação, terrível mas
momentânea, das condições de vida dos proletários e das outras camadas
populares, ou por meio do Estado que poderia promover um “bom capitalismo”,
verde, justo, patriota, nacionalista, consoante os casos, pondo “a finança”
debaixo da sua bota ao serviço de todos, do “interesse geral”.
Uma tal luta contra esta ideologia burguesa
enganadora e corruptora deve ser ao mesmo tempo acompanhada de propostas
positivas. É a partir das lutas imediatas, das preocupações e necessidades que
elas expressam, que é preciso combater as falsas soluções sustentadas por essa
ideologia, ao mesmo tempo que se torna necessário mostrar quais seriam as
respostas adequadas a tais necessidades, as suas condições de realização, que
são igualmente as da sua necessária transformação em necessidades ricas.
A crítica comunista não tem por objeto dar
lições do alto duma qualquer cátedra “marxista”, mas responder a necessidades
concretas tal como se exprimem espontaneamente nas lutas. Não diz que essas
necessidades devem ser rejeitadas por serem as necessidades do proletariado tal
como ele hoje existe nas suas relações com o capital, as condições do
quotidiano reificado e alienado atual. Diz a “verdadeira palavra” dessas lutas,
isto é, que elas são as vias, os meios e as condições para satisfazer essas
necessidades(40), o que implica um processo no curso do qual eles se
transformam, e portanto no curso do qual os objetivos das lutas se transformam.
Este assunto da transformação das necessidades no
curso das lutas para as satisfazer merece uma atenção. Ilustrêmo-lo com uns
exemplos:
Dum modo geral, a satisfação das necessidades
mínimas do proletariado para viver implica hoje que ele tome o poder. Mas que
significa isto? Se isso começa pela destruição do Estado burguês e da propriedade
privada jurídica e financeira das condições da produção, isso conduz desde logo
à necessidade de ter o “verdadeiro” poder, isto é o poder sobre todos os meios
(materiais, intelectuais, sociais), em todos os domínios (produção, gestão do
território, urbanismo, alojamento, educação, demografia, etc.) da construção da
vida — por outras palavras, à necessidade de abolir a condição proletária. Mais
particularmente, as reivindicações de uma melhor partilha das receitas e dos
patrimónios colocam-se em primeiro plano diante de desigualdades que
ultrapassam a imaginação (41). A questão não tem a ver com a urgência evidente
de abolir estas desigualdades, ou pelo menos de as reduzir muito drasticamente,
mas com o facto de o capitalismo atual não o poder fazer. A sua sobrevivência,
pelo contrário, exige imperativamente que baixe continuamente o “custo do
trabalho” e a pauperização de uma massa crescente de trabalhadores precarizados
e de desempregados. Torna-se então evidente que essa necessidade de igualizar a
riqueza exige a apropriação dos meios que a produzem: é assim a necessidade da
posse desses meios, isto é, da abolição das classes, das divisões do trabalho
em que assentam as classes, que surge por detrás da necessidade de igualdade.
Tratar corretamente, ou seja examinando-a até ao
fundo e sob todos os aspectos, esta questão da partilha das riquezas, da
equidade ou da igualdade dessa partilha, torna-se ainda mais importante quando
ela é exacerbada pela crise. É aliás uma reivindicação essencial do movimento
proletário desde as suas origens que o levou bastantes vezes a afrontar diretamente
a burguesia, primeiro no próprio seio das revoluções burguesas. Foi assim com a
luta dos “niveladores” na Inglaterra durante a guerra civil (1647-1649). Foi
assim com os “sans-culottes” igualitaristas durante a Revolução Francesa, como
os da secção do Jardin des Plantes que apresentou em 1793 à Convenção a
reivindicação “que o mesmo indivíduo só possa ter um máximo; que ninguém possa
ter mais terra que a necessária para um número determinados de charruas; que o
mesmo cidadão só possa ter uma oficina ou uma loja” (42). Babeuf prolonga a
reivindicação que, na sua obra famosa A Conspiração dos Iguais, propõe a
nacionalização da propriedade, que cada um trabalhe segundos os seus talentos,
e que os produtos de todos sejam postos em comum com vista a uma distribuição
igualitária. E a reivindicação prosseguirá e aperfeiçoar-se-á desde a Comuna de
Paris até à Revolução Cultural chinesa, que teve pelo menos o mérito de a
elevar até à questão radical da abolição da divisão capitalista do trabalho
entre “poderes intelectuais” e “executantes” dominados e desapossados.
Falando da “verdadeira palavra” dessas lutas,
Engels dizia já que por trás da luta pela igualdade estava a luta pela abolição
das classes dominadas e dominantes. E efetivamente, como vimos, a partilha das
riquezas foi muitas vezes uma reivindicação que conduziu uma parte mais ou
menos importante dos proletários a transformar as suas lutas por melhores
salários e condições de vida em lutas de classe contra classe. Todavia, mesmo
quando elas tomavam esse carácter revolucionário, continuavam a ser lutas da
época da dominação do trabalho obrigatório e repulsivo, em que, na melhor das
hipóteses, apenas se tratava de partilhar esse trabalho e os seus produtos —
“de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo o seu trabalho” — e
não da sua abolição, pelo menos não antes de uma fase de desenvolvimento das
forças produtivas.
Hoje, pelo contrário, o que é característico é o
esgotamento dessa quantidade de trabalho compulsivo, proletário. Aquele que
subsistir após a revolução política será partilhado, como se disse, tal como as
riquezas correspondentes às novas necessidades produzidas em abundância por uma
maquinaria ultra-aperfeiçoada (e que poderá sê-lo ainda mais dado que os ganhos
de produtividade já não serão travados pela ditadura das taxas de lucro). O
tempo livre, como referido atrás, será o meio da apropriação por todos das
condições da produção, ou seja, da abolição da condição de proletário. O mesmo
é dizer que hoje, por detrás da luta pela partilha, pela igualdade, existe de
modo imediato a luta pelo tempo livre como tempo de luta por essa abolição (o
que não acontecia no tempo de Engels).
Dito isto, chega-se a um outro exemplo de
transformação das necessidades e objetivos no curso das lutas: a questão da
luta por mais trabalho, pelo emprego a todo o custo. Essa transformação está em
que o “verdadeiro sentido” da necessidade espontânea de mais trabalho pode e
deve dar lugar, pelo contrário, à afirmação da necessidade de menos trabalho, e
de um outro trabalho, um trabalho rico. Nas lutas pelo emprego os comunistas
não se contentam em opor-se aos acordos ditos de competitividade, às falsas soluções
nacionalistas, protecionistas, xenófobas, estatistas, avançadas pelos
diversos extremismos burgueses. Eles mostram que o capitalismo hoje já não pode
fazer mais do que destruir empregos degradando os que subsistem e arruinando o
planeta. Mais ainda, mostram que esse “verdadeiro sentido” da luta pelo emprego,
única, formidável, magnífica perspectiva, e única solução para salvar a
humanidade, tornada absolutamente necessária e completamente possível pelo
próprio estado do capitalismo contemporâneo.
Para os comunistas, trata-se de partir das
necessidades imediatas, urgentes, dos proletários, mas apontando como tarefa —
através da confrontação da experiência e da teoria, da ligação do particular
com o geral, das aparências com a raízes — contribuir para que essas lutas
avancem no caminho que conduz à abolição do proletariado por ele mesmo.
Popularizar, fazer compreender, organizar a luta por esse objetivo, significa
romper com o velho movimento operário reformista. Significa retomar a
proposição de Marx, de há cento e cinquenta anos, que as novas circunstâncias
permitem e forçam portanto imperativamente a colocar na ordem do dia do
movimento proletário: “Em vez da palavra de ordem conservadora: um salário
justo para um dia de trabalho justo, [os proletários] devem inscrever nas suas
bandeiras a palavra de ordem revolucionária: abolição do salariato”.(43)
Claro que um tal objetivo comunista pode parecer
utópico no estado de terrível fraqueza do movimento proletário de hoje, perdido
nessa situação de entre-cá-e-lá em que precisa de abandonar os hábitos do
passado e inventar um novo caminho que ainda não é perceptível. Mas, ao invés,
é realista considerar que o capitalismo senil gera e gerará cada vez mais as
circunstâncias que permitirão sair desse entre-cá-e-lá, porque o agravamento da
sua crise levá-lo-á a tomar medidas que suscitarão movimentos de revolta sempre
mais intensas e massivas. Mas serão estas radicais? É este o problema a
resolver. De fato, a passagem dos proletários para posições e atividades revolucionárias
não se faz automaticamente sob o simples efeito de condições objetivas
favoráveis. É por isso que é preciso um partido comunista, e, para começar, a
unidade, a associação dos comunistas numa base elementar e uma forma flexível,
como foi esboçado atrás.
Porque não imediatamente um partido comunista no
modelo bolchevique do passado, perguntam alguns, considerando-o imutável.
Porque:
1.º Um partido que não tenha, nas condições atuais,
quase nenhuma ligação com as massas proletárias, no seu seio, não passaria de
um grupúsculo ridículo autoproclamado, uma impostura.
2.º Para que essa ligação exista, é preciso
também que exista no proletariado uma necessidade correspondente, uma
necessidade de ultrapassar as tradicionais lutas salariais e pelo emprego, de
procurar e construir uma real alternativa que permita sair dos recuos e das
derrotas do período atual, que rompa portanto com os partidos e sindicatos do
sistema burguês. Sem a emergência e a afirmação de tais necessidades, as
propostas comunistas só encontrariam indiferença e hostilidade. (44)
3.º Enfim, e para resumir, que partido? Os do
passado que conseguiram avançar pelo caminho do comunismo antes de fracassarem
não são necessariamente um modelo. A organização comunista deve responder a uma
situação que hoje não é a mesma de ontem — ela modifica-se segundo as
diferentes etapas do processo revolucionário ou esclerosa-se. Essa organização
não tem portanto nada de imutável, sejam quais forem as circunstâncias, nem nos
seus objetivos estratégicos e táticos, nem nas suas formas, nem nos meios que
ponha em marcha.
Não se discute aqui portanto a questão de criar
um partido porque ela não se coloca ainda. O que se coloca é preparar-lhe a
criação naquilo que dependa dos comunistas. Essa deveria ser a finalidade de
uma associação flexível dos comunistas que é preciso hoje criar. Ela deverá em
particular, para começar:
1.º Dotar-se dos meios — nomeadamente uma
revista teórica — para levar a cabo análises e debates de questões importantes
sobre as quais a unidade está por aperfeiçoar.
2.º Fornecer aos diferentes membros da
associação, mais ou menos dispersos e autónomos, uma base comum para as suas atividades.
3.º Organizar uma centralização das experiências
práticas a fim de delas tirar, em relação com a análise teórica e o seu
aperfeiçoamento, uma síntese que permita aperfeiçoar as atividades e a tática
da associação, alimentar o debate crítico, melhorar a ligação com os
proletários. Isto até ao momento em que os resultados obtidos sejam suficientemente
convincentes para se poder fundar um novo partido comunista segundo uma
doutrina, uma forma, objetivos determinados por todo o trabalho prévio.
Ao examinar as revoluções passadas, que acabaram
por fracassar, e depois a situação atual do capitalismo, vemos finalmente que
duas condições que Marx (45) colocava como conjuntamente necessárias ao sucesso
de um processo revolucionário comunista de abolição da condição de proletário
estão hoje reunidas, e não estavam antes. A saber:
1) O esgotamento da acumulação (do crescimento)
capitalista, que condena os proletários a enfrentar esse processo, ou a sofrer
uma descida aos infernos duma amplitude, duma violência destrutiva sem
precedentes.
2) A existência de condições materiais
indispensáveis ao seu sucesso.
Resta inventar e construir a força organizada
consciente “das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”
(46), o partido comunista adequado a esta época nova.
Paris, Outubro 2014
NOTAS
(1) “A revolução poderá vir
mais cedo do que possamos desejar. O cúmulo da infelicidade é quando os
revolucionários têm de se preocupar com o pão das pessoas”. Carta de Marx a Engels, 9 de Agosto de 1852.
(2) Cf. nota (1). Ou ainda: “O
desenvolvimento das forças produtivas é uma condição prática absolutamente
indispensável, porque, sem ela, será a penúria que se tornará geral e, com a
necessidade, é também a luta pelo necessário que recomeça e recair-se-ia no
mesmo velho lamaçal”. (IA, p. 33, nota 1). Para uma discussão crítica sobre o
processo revolucionário comunista nos países com forças produtivas insuficientemente
desenvolvidas, ver T. Thomas, K. Marx e a transição para o comunismo, ed. Albatroz, Paris, 2000.
(3) K. Marx, carta a Kugelmann
de 17 de Abril de 1871.
(4) K. Marx, Crítica da economia política,
ES, p. 169.
(5) Sobre a oposição entre
“reino da necessidade” e “reino da liberdade”, cf. K. Marx, III, 3, p. 198-199.
(6) “Aqui ainda o trabalho é a
coisa capital, o poder sobre os indivíduos, e enquanto esse poder existir
haverá também uma propriedade privada” (IA, p. 49). Portanto, haverá um
movimento proletário limitado por essa relação social, um movimento reformista
se ele aceitar esse limite e não se empenhar na via da sua abolição.
(7) A relação salarial
“habitua o trabalhador a ver a sua única possibilidade de salvação no
enriquecimento do seu senhor” (K. I, 3, p. 60). Habituação que é a penetração
da ideologia burguesa entre os trabalhadores: reformismo, nacionalismo,
corporativismo são alguns dos seus reflexos.
(8) O jornal Le Parisien de 26.04.14
titulava, a propósito duma sondagem, “Hollande é verdadeiramente de esquerda?”
Claro que sim! Tal como os seus predecessores de esquerda Mitterrand, Mollet,
Thorez, Blum, e todos os anteriores, por exemplo os coveiros da revolução de
1848, os Barbès, Ledru-Rollin, Louis Blanc, Raspail, etc.
(9) Obras completas, t. 12, p.
235
(10) Não se ignora que houve
no passado lutas revolucionárias e militantes comunistas notáveis. Trata-se de
saber por que razão permaneceram minoritários.
(11) O que Marx e Engels de
início não previam quando escreviam em 1848, no Manifesto do Partido Comunista: “O operário
moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce
sempre mais baixo, abaixo das próprias condições de vida da sua classe”. Ed.
Avante, p. 48.
(12) C. K. I, 2, p. 183-191.
(13) Carta de Engels a
Kautsky, 12 Setembro 1882, in Marx-Engels, Obras Escolhidas, T. 3, p. 511, ed. do
Progresso, Moscovo.
(14) Os dois estão ligados.
Mas não se pode, segundo uma interpretação dita “leninista”, destacar apenas o
segundo.
(15) Lenine previu aliás esta
situação dizendo que a revolução política seria bastante fácil nos países de
penúria, mas o processo para o comunismo muito difícil. E o inverso para os
países de abundância.
(16) Lembremos que o termo
social-democrata designa, para resumir, as organizações ditas de esquerda, tais
como, em França, o PG [Parti de Gauche], o PC e o PS e os seus satélites sindicais,
defensores de uma via pacífica legal e estatista para o “socialismo”.
(17) Cf. um resumo desta
análise em T. Thomas, A ascensão dos extremos, 190 teses sobre a situação atual (p. 11 a
17), Ed. Jubarte, 2013.
(18) Segundo um levantamento realizado pela renomada agência U. S. Standard & Poors entre as 200 mais importantes empresas em todo o mundo, as despesas de investimento caíram em 2013 em 1% e deve declinar ainda mais em 2014. A mesma agência indica (Les Echos, 07/10/2014) que nos EUA "dividendos e resgates de ações representam 95% dos lucros das empresas do S&P500" (índice das 500 maiores empresas listadas na Bolsa de Valores). Isso significa que eles reinvestem na melhor das hipóteses 5% desses lucros.
(19) Brasil, Rússia, Índia,
China, África do Sul.
(20) Problemas económicos n.º
3006, 01/11/2010.
(21) Segundo o INSEE
[Instituto Nacional de Estatística francês], o poder de compra das famílias em
França diminuiu de 0,7% em 2001, de 1,8% em 2012, de 0,9% em 2013. E trata-se
apenas de uma média que oculta o facto de os 5% mais ricos se terem tornado
mais ricos, e de, contrariamente, portanto, a quebra do poder de compra da
maioria ter sido muito mais forte do que essa média mostra.
(22) Ver por exemplo T.
Thomas, La Crise. Laquelle.? Et après?, p. 86-94. éd. Contradictions, Bruxelles, 2009
(23) Em termos marxistas, tal
política aumenta o sobre-trabalho dos trabalhadores ativos, que são em número
mais reduzido, não permitindo portanto que esse sobre-trabalho se converta em
mais-valia.
(24) “O reino da liberdade
começa apenas onde se cessa de trabalhar por necessidade imposta do exterior”.
K. I, 3, 198.
(25) “O livre desenvolvimento
da cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos”, Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista.
(26) Então o trabalho “não
será apenas um meio de vida, mas tornar-se-á a primeira necessidade vital”,
escrevia Marx na sua Crítica do programa de Gotha. Frase em que ele tinha em vista o
trabalho rico, contrariamente à que foi citada na nota 6.
(27) Cf. Partager le travail cést
changer le travail, T. Thomas, ed. Paris 1994.
(28) Apesar de senil, o
capital não se desmoronará por si mesmo. Não existe para a burguesia situação
sem saída, com exceção de um processo revolucionário comunista vitorioso capaz
de abolir as raízes da sua existência.
(29) O Capital, Livro I, Tomo 2, pág. 50.
(30) Cf. T. Thomas, Nécessité et possibilité du
communisme, ed. Jubarte, 2013.
(31) Gustave Lefrançais,
dirigente da Comuna de Paris, em Souvenir dʼun révolucionaire. ed. La
Fabrique. E também Lenine (O.c. T. 24, pág. 135): “O principal erro que os
revolucionários podem cometer é olhar para trás para as revoluções do passado”.
(32) Ver por exemplo uma
predição deste tipo no muito mediatizado J.Rifkin, em La Nouvelle Société du coût
marginal zéro, ed. Les liens qui libèrent.
(33) Como, por exemplo, M.
Postone, R. Kurz, A. Jappe, para citar alguns desses teóricos.
(34) A. Jappe, Crédit à mort,
ed. Lignes, 2011.
(35) Cf. Crise 1, p. 49-74,
Crise 2, capítulo 3.
(36) Não se trata já,
nomeadamente com os grupos neofascistas como a FN, de um reformismo clássico.
As bases ideológicas assentam nos mesmos fetichismos, mas neste caso levados ao
extremo numa espécie de integrismo, bárbaro como todos os integrismos. Cf. T.
Thomas, La montée
des extrêmes, de la crise économique à la crise politique, ed. Jubarte,
2013.
(37) Carta de Marx a Ruge, em
K. Marx, F. Engels, Correspondance, ES, I, 296.
(38) Só para citar uma nota de
ordem geral, a ONG Global Footprint Network calculou que o consumo da
humanidade ultrapassa hoje em 50% as reservas de recursos renováveis
(biocapacidade do planeta). Ou seja, seriam precisas 1,5 Terras para satisfazer
um tal consumo. Excesso que, segundo essa ONG, poderia atingir 200% em consumo
energético e alimentar considerando um crescimento demográfico moderado.
(39) No momento em que se vê
que o Estado é obrigado a organizar a degradação contínua da situação dos
proletários para assegurar, como é sua função intrínseca, a existência do modo
de produção capitalista; no próprio momento, portanto, em que se torna
possível, e mais que nunca necessário, combater com fatos evidentes todas as
formas da ideologia burguesa assentes no fetichismo do Estado, os partidos do
extremismo estatal, que são, cada um a seu modo, a FN e a FG, lançam uma
ofensiva de propostas para reforçar esse Estado, pretendendo que com eles à
cabeça ele estaria ao serviço da Nação, do povo, do “as pessoas primeiro”, e
outras patetices. Quer dizer, eles defendem a respeito do capitalismo e do seu
Estado uma espécie de terapia agressiva em lugar de acabar com eles de vez.
(40) “Teoricamente, [os
comunistas] têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma inteligência
clara das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário.”
(Marx, Engels, Manifesto do
Partido comunista). Gustave Lefrançais, (obra citada) havia de constatar a
propósito dos Communards de 1871 que “o saber, a compreensão, não
estiveram, sem dúvida, à mesma altura das suas outras qualidades”.
(41) A ONG Oxfam calculou que
em 2014 as 85 pessoas mais ricas do planeta possuíam tanto como os 3,5 mil
milhões mais pobres, isto é, 1,7 biliões de dólares. Ou que o 1% dos mais ricos
detém metade da riqueza mundial. Seja qual for o rigor destes cálculos,
diversas fontes confirmam que a disparidade é absolutamente escandalosa. Mas se
se distribuíssem os 1,7 biliões entre esses pobres daria 486 dólares a cada um!
Uma tal medida por si só não melhoraria a situação. E tal não se repetiria.
(42) Citado em A. Soboul,
Paysans, Sans-Culottes et Jacobins, Paris, 1966.
(43) KM, Salário, Preço e
Lucro, 1865.
(44) É por faltarem tais
condições que em França, como na Europa, todas as tentativas para construir uma
organização comunista sobre os supostos escombros do reformismo após Maio-Junho
1968 — conduzidos embora por muitos militantes devotados, conquistados para o
comunismo, ativos entre a classe operária — fracassaram.
(45) “Uma formação social
nunca desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que
ela possa conter, nunca novas e superiores relações de produção substituem
aquelas antes que as condições de existência material dessas relações tenham
eclodido no próprio seio da velha sociedade”. KM, Contribuição para a crítica
da economia política (prefácio), ES p. 5.
(46) KM, FE, Manifesto do
partido comunista.
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