Em março de 2012 publicamos neste blog Cem Flores
(http://cemflores.blogspot.com.br/2012/03/enquanto-isso-no-comite-central-da.html)
duas significativas fotos dos alegres convescotes de Dilma com mais de duas
dúzias de representantes selecionados da burguesia, os seus patrões, no Palácio
do Planalto. Em julho daquele ano, buscamos oferecer aos camaradas uma análise
detalhada do conjunto de medidas de política econômica que Dilma e o governo
petista haviam tomado para atender às determinações que a burguesia havia feito
no encontro de março
(http://cemflores.blogspot.com.br/2012/07/como-o-comite-central-da-burguesia.html).
Um ano e meio depois, as medidas que continuam a
ser tomadas pelo governo petista (benefícios tributários adicionais, ampliação
das desonerações fiscais, empréstimos de centenas de bilhões de reais a juros
reais negativos, um amplo e multibilionário programa de privatizações, etc.) já
fazem empalidecer o montante daquelas que denunciamos em 2012. Por certo aquele
texto sobre o Comitê Central da Burguesia e as ações do Estado brasileiro já
está por merecer uma atualização...
Pois bem. De lá para cá, a economia brasileira
estagnou, crescendo menos de 2% nos últimos três anos (e possivelmente em 2014
também); a indústria, em avançado processo de desindustrialização, ainda
permanece abaixo do nível pré-crise de 2008; a geração líquida de novos
empregos diminui a cada ano, caindo mais de 50% em 2013 contra 2011; a renda do
trabalho teve em 2013 o menor aumento real em quase uma década; as commodities
representam parcela cada vez maior das exportações brasileiras, superando os
dois terços; no ano passado a balança comercial teve o menor superávit desde
2000 e agora em janeiro houve déficit recorde; e o déficit externo do país
cresceu 50% em apenas um ano. Isso sem falar da alta inflação, principalmente
nos alimentos, que corrói o poder de compra; e nem dos juros escorchantes e do
elevado nível de endividamento que sufocam as classes dominadas.
A reação do governo petista e de Dilma, os
encarregados do momento da gestão do Estado burguês no Brasil, foi a de
redobrar a aposta e tomar cada vez mais medidas em prol do capital e de seus
lucros. Mas os modernos Shylocks, assim como o de Shakespeare, exigem sempre a
sua libra de carne dos seus devedores. Sua última imposição foi piamente
cumprida na peregrinação de Dilma à Meca do capital, o encontro anual do Fórum
Econômico Mundial em Davos, na Suíça dos banqueiros internacionais.
Diga-se de passagem, tarefa cumprida com gosto. No
caso, gosto do bacalhau, avidamente consumido numa escala em Portugal.
O que de Dilma esperavam os seus patrões foi
inteiramente cumprido por ela em Davos, na sexta-feira, dia 24 de janeiro.
Dilma iniciou seu discurso dizendo que a crise impõe às economias a
“recuperação da confiança nos negócios”. Daí se deduz a razão da presença dela
em Davos: mostrar-se digna da confiança dos industriais e financistas
presentes.
Dilma segue seu discurso fazendo sua profissão de
fé na manutenção da “solidez dos fundamentos macroeconômicos”, quer dizer, na
continuidade do chamado “tripé econômico” em vigor desde o segundo governo FHC.
Música para os ouvidos da burguesia!
Vale a pena, neste momento, citar a avaliação de um
grão-petista. André Singer, ex-porta-voz de Lula – que já afirmara que as
medidas de Dilma constituíam “um verdadeiro programa de classe” da burguesia
(http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/1207790-momento-de-decisao.shtml)
– afirma sobre a participação dela em Davos:
“[A]o subir pessoalmente a íngreme montanha de
Davos, Dilma paga mais um pedaço da longa penitência. Na meia hora que lhe
deram para se confessar, ela depositou no altar das finanças as oferendas de
praxe. Garantiu que busca o Graal do centro da meta inflacionária, deixou
entrever um superavit alto a ser anunciado em breve e chamou a flutuação
cambial de, nada menos, que a nossa primeira linha de defesa” (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2014/01/1402618-a-romaria-de-davos.shtml).
Ocorre que os Shylocks não se contentam com
discursos bonitos (também não foi o caso). Sabendo disso, e obediente, Dilma
passa a listar suas ações concretas, com o orgulho de aluna buscando aprovação
dos seus mestres:
“Temos, em parceria com o setor privado, um
programa de concessões em infraestrutura logística integrada, infraestrutura
energética, social, infraestrutura urbana, que envolve centenas de bilhões de
dólares” (negrito nosso). http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-sessao-plenaria-do-forum-economico-mundial-2014
E segue detalhando suas cinco privatizações de
rodovias, seis de aeroportos, oito portos privados, três de petróleo e gás, e
outros sete leilões de energia elétrica, tudo isso nos seus três primeiros anos
de governo. E prometendo que muito mais virá pela frente.
A conclusão do discurso não poderia ser mais
cristalina da subserviência ao capital:
“O Brasil é, hoje, uma das mais amplas fronteiras
de oportunidades de negócios. Nosso sucesso nos próximos anos estará associado
à parceria com os investidores do Brasil e de todo o mundo. Sempre recebemos
bem um investimento externo. Meu governo adotou medidas para facilitar ainda
mais essa relação. Aspectos da conjuntura recente não devem obscurecer essa
realidade.”
“Como eu disse até aqui, o Brasil mais que precisa
e mais que quer a parceria com o investimento privado nacional e externo. O
Brasil convida todos a ela” (negrito nosso). http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-sessao-plenaria-do-forum-economico-mundial-2014
Para concluir, só nos resta lembrar aos camaradas
que este discurso de Dilma, bem como sua prática, não são nada mais que a
reprodução do discurso e da prática de Lula que, por sua vez, se comportou na
Presidência da República como tantos outros: a serviço do capital. Para aqueles
que nos lembramos bem da infame “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula em 2002
(http://www.iisg.nl/collections/carta_ao_povo_brasileiro.pdf), também conhecida
como Carta aos Banqueiros, Dilma não poderia ter sido mais clara:
Dilma 2014: “Reiteramos nosso compromisso com a
qualidade institucional, em especial com o respeito aos contratos existentes,
juntamente com um ambiente econômico estável e atrativo aos investidores”.
Lula 2002: “Premissa dessa transição será
naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país”.
Dilma 2014: “Em breve, meu governo definirá a meta
de superávit primário para o ano, consistente com essa tendência de redução do
endividamento público”.
Lula 2002: “Vamos preservar o superávit primário o
quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a
confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”.
Enfim, nada de novo no front, pelo menos não para
os camaradas que buscam analisar a realidade concreta, partir do ponto de vista
e do compromisso com a luta da classe operária e demais classes dominadas,
combatendo sem tréguas o reformismo e o oportunismo.
Apenas fica cada vez mais evidente, de forma insofismável,
o fato de que o rei (ops, a rainha!) está nu.
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