terça-feira, 3 de março de 2015

A Tática de Luta de Classe do Proletariado

Camaradas,

Publicamos abaixo, do artigo de Lênin “Karl Marx”, de 1914, o capítulo “A Tática de Luta de Classe do Proletariado”.

Esse texto se soma a outros já publicados no blog, como Sobre as Greves, com o objetivo de destacar a ofensiva da luta das massas exploradas no Brasil e a necessidade da resistência operária frente a sua exploração pela burguesia; e o recém publicado sobre a greve dos operários da Volks-Anchieta A Luta Operária Contra a Exploração Capitalista e o Sindicalismo de Parceria com o Capital e o Governo onde demonstramos que, a partir do exemplo da luta dos operários dessa montadora, existem

“duas posições distintas: a da direção sindical, de viabilizar a redução dos custos salariais e o aumento dos lucros dos patrões, apresentados como garantia do emprego, comprovando na prática, mais uma vez, o seu peleguismo; e a da classe operária, centrada na luta e enfrentamento da exploração.”

Nossa intenção com o conjunto desses textos é destacar a possibilidade e a necessidade do desenvolvimento da posição proletária na luta da classe operária, da resistência dos trabalhadores aos interesses do capital a partir de sua situação concreta, desenvolvimento que se dá, entre outras coisas, no aprofundamento da crítica à prática tanto dos pelegos quanto dos esquerdistas que tentam rebaixar a luta dos trabalhadores para o campo do reformismo, do cretinismo parlamentar, do dogmatismo.


Como afirmam Lenin e Marx,

(...) uma das principais lacunas do velho materialismo, era a de não saber compreender as condições nem apreciar o caráter revolucionário da atividade prática. (...) uma atenção especial às questões de tática de luta de classe do proletariado. (...)sem este aspecto, o da atividade prática, Marx considerava o materialismo, de fato, como incompleto, unilateral e sem vitalidade.

Cem Flores.


A Tática de Luta de Classe do Proletariado

Tendo, desde 1844-1845, descoberto uma das principais lacunas do velho materialismo, que era a de não saber compreender as condições nem apreciar o caráter revolucionário da atividade prática, Marx dedicou, durante toda a sua vida, paralelamente aos seus trabalhos teóricos, uma atenção especial às questões de tática de luta de classe do proletariado. Todas as obras de Marx fornecem a este respeito uma rica documentação, em particular sua correspondência com Engels, publicada em 1913, em quatro volumes. Esta documentação está ainda longe de ter sido inteiramente recolhida, classificada, estudada e aprofundada. Por isso, devemos limitar-nos, aqui, às observações mais gerais e breves, considerando, entretanto, que, sem este aspecto, o da atividade prática, Marx considerava o materialismo, de fato, como incompleto, unilateral e sem vitalidade. Marx determinava a tarefa essencial da tática do proletariado de modo rigorosamente baseado nas premissas de sua concepção materialista-dialética. Somente o estudo objetivo do conjunto das relações de toda as classes, sem exceção, de uma determinada sociedade, com o consequente conhecimento do grau objetivo do desenvolvimento desta sociedade e das relações dela com as outras, pode servir de base para uma tática justa da classe de vanguarda. Além disso, todas as classes e todos os países são considerados, não sob o seu aspecto estático, mas sob o aspecto dinâmico, isto é, não no estado de imobilidade, mas em movimento (movimento cujas leis derivam das condições econômicas de existência de cada classe). O movimento é, por seu lado, considerado, não somente do ponto de vista do passado, mas também do futuro, e não de acordo com a concepção vulgar dos "evolucionistas", que não percebem senão as lentas transformações, mas sim, dialeticamente:

"Em grandes épocas históricas, desta espécie, vinte anos equivalem a um dia, escrevia Marx e Engels, enquanto que podem aparecer dias que concentram em si vinte anos".

Em cada grau de desenvolvimento, em cada momento, deve a tática do proletariado ter em conta esta dialética objetivamente inevitável da história da humanidade: por um lado, utilizando e desenvolvendo a consciência, as forças e a capacidade de luta da classe de vanguarda, durante as épocas de marasmo político, isto é, de desenvolvimento pretensamente "pacífico", que avança a passo de tartaruga; e, por outro lado, orientando-se em todo esse trabalho preparatório, no sentido do "objetivo final" desta classe, tornando-a capaz de resolver praticamente as grandes tarefas que lhe estão reservadas, nas grandes jornadas que "concentram, em si, 20 anos". Duas dissertações de Marx são particularmente aqui aplicáveis. A primeira delas, em A Miséria da Filosofia, refere-se à luta econômica e às organizações econômicas do proletariado; a outra, no Manifesto do Partido Comunista, refere-se às tarefas políticas do proletariado.

A primeira está assim enunciada:

"A grande indústria concentra, num só lugar, uma massa de indivíduos desconhecidos uns dos outros. A concorrência os divide segundo os seus interesses, mas a existência do salário, este interesse comum que eles têm contra o seu patrão, os reúne num só pensamento de resistência — coalizão... As coalizões, embora isoladas, formam agrupamentos e, frente ao capital unido, a existência da associação torna-se mais necessária aos operários, do que a do próprio salário... Nesta luta — verdadeira guerra civil — agrupam-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários a uma inevitável batalha. Uma vez chegada a este ponto a associação adquire um caráter político"(1).

Temos aqui o programa e a tática da luta econômica do movimento sindical, por alguns decênios, por todo o longo período de preparação do proletariado "para a inevitável batalha". Convém ligar a esta, as numerosas indicações de Marx e Engels sobre o movimento operário inglês, que lhes serviu de exemplo, mostrando como a "prosperidade" industrial suscita nas classes dominantes as tentativas de "comprar o proletariado", de afastá-lo da luta. Mostra-nos, também, como o proletariado inglês se "aburguesa", como a "a nação mais burguesa de todas" (a nação inglesa) "parece querer, afinal, possuir, ao lado da burguesia, uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês"; como "a energia revolucionária" desaparece nesse proletariado; como será preciso um prazo mais ou menos longo, para que "os operários ingleses se desembaracem de sua aparente contaminação burguesa"; como "o clã dos cartistas" está fazendo falta ao movimento operário inglês; como os lideres operários ingleses se tornaram uma espécie de tipo intermediário "entre a burguesia radical e o operário"; como, finalmente, em virtude do monopólio da Inglaterra e na proporção em que este monopólio subsista, "o operário inglês não se agitará". A tática da luta econômica, ligada à marcha geral e à solução do movimento operário, é aqui examinada sob um ponto de vista admiravelmente amplo, universal, dialético e eminentemente revolucionário.

O Manifesto do Partido Comunista enunciou para a tática da luta política o princípio fundamental do marxismo:

"Eles (os comunistas) combatem pelos interesses e objetivos imediatos da classe operária, mas, na etapa atual, eles defendem e representam, ao mesmo tempo, o futuro do movimento"(2).

Baseado nisso, Marx prestigia em 1848, na Polônia, o partido da "Revolução Agrária", "isto é, o partido que fez, em 1846, a insurreição de Cracóvia"(3). Em 1848-49, Marx defende, na Alemanha, a Democracia Revolucionária Extrema e nunca se retratou do que então havia dito a respeito da tática. Considerava a burguesia alemã como um elemento "inclinado, desde o início, a trair o povo" (só a aliança com o campesinato, poderia permitir à burguesia atingir completamente os seus fins) "e a concluir compromissos com as cabeças coroadas da velha sociedade". Vejamos a análise final, feita por Marx, da situação de classe da burguesia alemã na época da revolução democrático-burguesa. Esta análise é, além disso, um exemplo da aplicação do materialismo que considera a sociedade em seu movimento e não apenas o aspecto do movimento voltado para o passado...

"Sem fé em si mesma, sem fé no povo; murmurando contra os grandes, tremendo diante dos pequenos... Tomada de medo diante da tempestade mundial; não manifestando energia em nenhuma direção, imitando sempre, em todos os sentidos... sem iniciativa... velha maldita, condenada pelos seus próprios interesses senis, a dirigir os primeiros elãs juvenis de um povo robusto..."(4).

Quase 20 anos depois, numa carta a Engels, Marx escrevia que a causa do fracasso da revolução de 1848 foi que a burguesia preferiu a paz na escravidão à sua única perspectiva de combater pela liberdade. Passado aquele período de revolução (1848-1849), Marx opôs-se à toda tentativa de brincar com a revolução (luta contra Schapper, Willich)(5), exigindo que se soubesse trabalhar, na nova época que, já preparava, sob uma "paz" aparente, novas revoluções. O seguinte trecho de Marx sobre a situação da Alemanha em 1856, época da mais negra reação, mostra com que espírito entendia que se devia realizar este trabalho:

"Tudo dependerá, na Alemanha, da possibilidade de defender a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra dos camponeses" (Correspondência entre K. Marx e F. Engels).

Enquanto não se completou, na Alemanha, a revolução democrático-burguesa, Marx fixou toda a sua atenção em matéria de tática do proletariado socialista, sobre o desenvolvimento da energia democrática do campesinato. Achava que a atitude de Lassalle era "objetivamente uma traição para com o movimento operário, em proveito da Prússia", justamente porque favorecia, entre outros, aos agrários e ao nacionalismo prussiano.

"Num país essencialmente agrícola como a Prússia, é uma baixeza (escrevia Engels, em 1855, no decorrer de uma troca de ideias com Marx, com relação a um projeto de declaração comum na imprensa) lutar, em nome do proletariado industrial, unicamente contra a burguesia, sem mesmo fazer alusão à exploração patriarcal e às marretadas que sofre o proletariado rural da grande nobreza feudal"(6).

No período de 1864 a 1870, quando chegava ao seu termo a época da revolução democrático-burguesa na Alemanha, quando as classes de exploradores da Prússia e da Áustria disputavam os meios de realizar essa revolução, de cima para baixo, Marx não se limitava a condenar Lassalle pelo seu namoro com Bismarck, mas criticava também Liebknecht que se desviava numa "austrofilia" e defendia o particularismo; Marx preconizava uma tática revolucionária que combatesse tanto Bismarck como os austrófilos, uma tática que não se adaptasse ao "vencedor" — Junker Prussiano — mas que recomeçasse, imediatamente, a luta revolucionária contra esse, exatamente no terreno criado pelas vitórias militares da Prússia. Na célebre mensagem inaugural da Internacional, em 9 de setembro de 1870, Marx alertava o proletariado francês contra uma insurreição prematura, mas, quando sobreveio, (1871), Marx saudou com alegria a iniciativa revolucionária das massas "que iniciam o assalto ao céu"(7).

A derrota do movimento revolucionário, nesta situação, como em inúmeras outras, foi, segundo o materialismo dialético de Marx, dos males o menor, do ponto de vista da tendência geral e das finalidades da luta proletária. Seria bem pior se se desse o abandono das posições ocupadas, a capitulação sem combate; uma tal capitulação teria desmoralizado o proletariado, teria minado a sua combatividade. Embora justificando plenamente o emprego dos meios legais de luta, nos períodos de marasmo político e de dominação da legalidade burguesa, Marx condenou, com muito vigor, em 1877-78, após a promulgação da lei de exceção contra os socialistas, a "frase revolucionária" de um Most. Criticou, com o máximo de energia, o oportunismo que se tinha apossado, momentaneamente, do partido social-democrata oficial, que não soube dar suficientes provas de coragem, tenacidade e de espírito revolucionário e de se mostrar capaz, em resposta à lei de exceção, de passar à luta ilegal.
_____________________________
(1) K. Marx, "Misére de la Philosophie", Ed. Giard, Paris, 1922, págs. 216-217.

(2) "Manifesto Comunista", Edições Horizonte — Rio.

(3) Idem.

(4) A Nova Gazeta, Renana, 1848. Ver Literarischer Nachlass, tomo III pág. 213.

(5) Karl Schapper (1812-1870). Revolucionário alemão. Emigrado, membro da 'Liga dos Justos'. Preso e julgado em Paris, em 1839, após uma provocação da I Société des Saisons. Fundou com Marx, Engels e Willich, a 'Liga dos Comunistas'. Por ocasião da cisão da Liga, tomou o partido de Willich, mas, mais tarde, reconheceu o seu erro.
A. Willich (1810-1878). Oficial prussiano combatente da revolução de 1848. Dirigiu a minoria na 'Liga dos Comunistas'. Segundo Marx, que então dirigia a maioria, era Willich inclinado a frases revolucion4rias e 'brincava' com a Constituição e a Revolução, não sem comprometer, ao mesmo tempo, a uma e a outra e à causa a que ambas serviam".

(6) Correspondência K. Marx-F. Engels, tomo VIII, págs. 140-141.

(7) K. Marx, "Lettres à Kugelmann" (1863-1874). Ed. Sociales Internacionales. Paris, 1930.

V. I. Lênin.

Do artigo: Karl Marx, de 1914.

Um comentário:

Benjamim disse...

Saudações camaradas, gostaria de utilizar este espaço para acrescentar algumas palavras ao debate.
É notável e animadora a luta que a classe operária, e trabalhadora no geral, vem tocando crescentemente, ainda que de forma descentralizada e não orgânica, no Brasil (para não irmos muito longe). E são compreensíveis essas condições tão adversas para o fortalecimento da luta revolucionária, tendo em vista a ausência de uma organização desse tipo e de massas.
Indo além, a habitual ofensiva ideológica exercida pela classe dominante, através de todos os seus aparelhos, deve necessariamente incluir o papel fundamental que o “aparelho sindical” está cumprindo nessa conjuntura. Pretendendo exatamente fazer com que o proletariado exerça “o abandono das posições ocupadas, a capitulação sem combate”.
Esse texto do camarada Lenin expressa uma demarcação firme de posição, uma demonstração das posições firmes de Marx no que diz respeito às lutas da classe operária, das classes dominadas, que nunca esperaram ou pediram permissão a ninguém para travarem sua luta. Esses e outros aspectos foram tratados no texto referido “A Luta Operária Contra a Exploração Capitalista e o Sindicalismo de Parceria com o Capital e o Governo”, e de fato, encaixou-se bem esse último à sequência.
Nesse viés, compartilho esta notícia veiculada no site do Estadão no dia 5 de março, http://economia.estadao.com.br/blogs/joao-villaverde/o-manifesto-da-industria/, e que apenas confirma a imediata necessidade que tem os trabalhadores da posição proletária na luta de classes, na elaboração de sua tática, sem a qual não há perspectivas de vitórias irrevogáveis. O recente manifesto, ao qual prefiro chamar carinhosamente de “Manifesto da pelegada pelos patrões”, é uma derivação da política que eles vêm tentando impor à luta da classe operária e que vem sendo temperada e preparada durante todo esse último período de luta de classes.
Como resultado disso, vemos sindicatos sem perspectivas de luta, sem obedecerem à vontade da massa, tentando ensinar (forçar) os trabalhadores a se ajoelharem e rastejarem à sombra dos patrões, como eles já fazem há muito tempo. Babam algumas palavras de pseudo defesa dos nossos direitos enquanto seguem o tom do discurso dos patrões. O problema não é a exploração capitalista, a produção que visa o lucro, a produção que visa apenas produção de mais-valia, o problema é viabilizar essa exploração, para que se lucre cada vez mais, à custa dos trabalhadores. Disso os pelegos gostam, pois mesmo que “desconfortavelmente” entre seus patrões e as celas do cavalo, ainda têm seus lugares especiais e não precisam andar com as próprias pernas.
Contudo, a luta contra a exploração é ininterrupta, cotidiana e em todos os âmbitos da luta de classes, e isso que nos permite sempre analisar a perspectiva revolucionária, do seu ponto de vista, e contribuir aonde for possível.