James Petras
18/03/2017
Há uns
trinta anos atrás, um sagaz camponês colombiano me disse: “Quando ouço falar de acordos de paz, escuto o governo a amolar suas
facas”.
Introdução
Ultimamente
tem-se falado muito dos acordos de paz em todo o mundo. Em quase todas as
regiões ou países que sofrem de guerra ou invasão se menciona a possibilidade
de negociar "acordos de paz". Em muitos casos, estes vieram a ser
assinados e, todavia, não conseguiram acabar com os assassinatos e o caos
provocados pela parte beligerante apoiada pelos Estados Unidos.
Vamos
brevemente rever algumas dessas negociações do passado e do presente para
compreender a dinâmica dos "processos de paz" e os resultados
posteriores.
O processo
de paz
Atualmente
estão em curso diversas negociações supostamente concebidas para alcançar
acordos de paz. Entre elas podemos citar: as discussões na Ucrânia entre a
junta, com base em Kiev e apoiados pela OTAN e os EUA, e a liderança da região
do Donbas, localizado a leste do país, oposta ao golpe e à OTAN; na Síria, entre
a coalizão saudita-EUA-OTAN-terroristas armados e o governo sírio e seus
aliados russos, iranianos e o Hezbollah; na Palestina, entre o regime colonial
israelense respaldado pelos EUA e as forças para a independência palestina na
Cisjordânia e na Faixa de Gaza; e na Colômbia, entre o regime do presidente
Santos apoiado pelos EUA e as Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
Há outras
negociações de paz em curso que não receberam a atenção do público.
Resultados
dos acordos de paz do passado e do presente
Ao longo do
último quarto de século diferentes acordos de paz foram assinados, todos os
quais levaram à rendição tácita dos protagonistas anti-imperialistas armados e dos
movimentos populares de massas.
Na América
Central, os acordos assinados em El Salvador e na Guatemala levaram ao
desarmamento unilateral do movimento de resistência, à consolidação do controle
da economia pela oligarquia e ao crescimento e proliferação desenfreada de gangues
de narcotraficantes e dos esquadrões da morte patrocinados pelo governo. Como resultado,
houve uma escalada do terror doméstico. Os líderes da resistência obtiveram
votos, entraram para o parlamento como políticos e, no caso de El Salvador,
ocuparam altos cargos. As desigualdades permaneceram ou pioraram assim como os
assassinatos, que chegaram inclusive a ultrapassar os números do período
anterior ao acordo de paz. Um grande número de migrantes, muitas vezes refugiados
fugindo da violência de gangues armadas, entraram ilegalmente nos EUA. Este
país consolidou suas bases e suas operações militares na América Central,
enquanto a população continua a sofrer.
As
negociações entre israelenses e palestinos não produziu nenhum acordo de paz,
mas serviram para fornecer uma cortina de fumaça ao aumento da anexação de
terras palestinas para construir enclaves racistas "só para judeus",
assentamentos ilegais com mais de meio milhão de colonos judeus. Os EUA
apoiaram completamente a farsa do processo de paz, financiando os líderes-vassalos
corruptos dos palestinos e fornecendo apoio diplomático, militar e político
incondicional a Israel.
EUA-União
Soviética: o acordo de paz
Supunha-se
que os "acordos de paz" entre Reagan-Bush e Gorbachev iria acabar com
a Guerra Fria e alcançaria a paz global. Mas em vez disso, os EUA e a União
Europeia (UE) estabeleceram bases militares e regimes subservientes em toda a
Europa Oriental, no Báltico e nos Balcãs, saquearam recursos nacionais e se
apropriaram das economias desnacionalizados. As elites baseadas nos Estados
Unidos dominaram o regime vassalo de Boris Yeltsin e praticamente despojaram a
Rússia de seus recursos e riqueza. Em parceria com os oligarcas gangsteres, afundaram
sua economia.
O regime pós-soviético
de Yeltsin disputou eleições, promoveu a multiplicidade de partidos e presidiu
um país desolado, isolado e cada vez mais cercado; pelo menos, a eleição de
Vladimir Putin serviu para "descolonizar" o aparelho do Estado e reconstruir
parcialmente a economia e a sociedade.
As
negociações de paz da Ucrânia
Em 2014, um
golpe de Estado violento patrocinado pelos EUA juntou fascistas, oligarcas,
generais e simpatizantes da UE, que tomaram o controle de Kiev e da parte ocidental
da Ucrânia. As regiões orientais pró-democracia do Donbas e a península da
Crimeia organizaram a resistência ao regime golpista. Crimeia votou por
unanimidade a sua integração à Rússia. Os centros industriais do leste da
Ucrânia (Donbas) formaram milícias populares para resistir às forças armadas e aos
paramilitares neonazistas da junta apoiada pelos EUA Depois de anos de caos e
tendo atingido um impasse, se iniciou um "processo de negociação" que
não impediu que o regime em Kiev continuasse a atacar o Donbas. A
"tentativa de paz" converteu-se na base do "Acordo de
Minsk", negociado pela França, Rússia e Alemanha, em que o conselho de
Kiev procurou o desarmamento do movimento de resistência, a reocupação do
Donbas e da Crimeia e a eventual destruição da autonomia cultural, política,
económica e militar do leste da Ucrânia, de maioria étnica russa. Consequentemente,
o "Acordo de Minsk" tem sido pouco mais do que um plano fracassado
para alcançar a rendição.
Enquanto
isso, o saque maciço da economia da nação perpetrada pela junta de Kiev converteu
a Ucrânia em um Estado falido, em que 2,5 milhões de pessoas mudaram-se para a
Rússia e outras milhares emigraram para o ocidente para plantar batatas na Polônia
ou se juntar aos bordéis de Londres e Tel Aviv. À juventude desempregada
remanescente sobrou a única opção de vender os seus serviços para as tropas de
choque dos paramilitares fascistas de Kiev.
Colômbia: Acordo
de Paz ou cemitério?
Se
examinarmos suas encarnações passadas e a experiência presente, é prematuro comemorar
o "acordo de paz" das FARC colombiana e o presidente Santos.
Nas últimas
quatro décadas, os regimes oligárquicos colombianos, apoiados pelo exército,
esquadrões da morte e Washington têm chamado incontáveis "comitês de
paz", aberto negociações com as FARC e rompendo-as para reanimar as
guerras em larga escala, usando os "acordos de paz" como um pretexto
para dizimar e desmoralizar ativistas políticos.
Em 1984, em
que era presidente Belisario Betancur, foi assinado um acordo de paz com as
FARC conhecido como o "Acordo de Uribe", pelo qual milhares de
ativistas e simpatizantes das FARC foram desmobilizados, fundaram um partido
legal, a União Patriótica (UP), e entraram no jogo eleitoral. Nas eleições de
1986, candidatos da UP foram eleitos senadores, deputados, prefeitos e
vereadores e seu candidato presidencial ganhou mais de 20% do voto nacional.
Nos quatro anos seguintes, de 1986 a 1989, mais de 5.000 dirigentes,
funcionários eleitos e candidatos presidenciais da UP foram assassinados em uma
campanha nacional de terror. Dezenas de milhares de camponeses, trabalhadores do
petróleo e empregados nas plantações foram assassinados, torturados e levados
para o exílio. Os esquadrões paramilitares da morte e os exércitos privados dos
latifundiários, aliados com as Forças Armadas da Colômbia, assassinaram
milhares de dirigentes sindicais, jornalistas, trabalhadores e familiares. A
"estratégia paramilitar" do exército contra os não combatentes e
civis nas aldeias havia sido desenvolvido nos anos sessenta pelo general do exército
dos EUA William Yarborough, comandante do centro especial de guerra dos Estados
Unidos e criador das forças especiais conhecidas como "boinas verdes".
Cinco anos
após a sua criação, a União Patriótica havia desaparecido: seus membros
sobreviventes foram exilados ou passaram à clandestinidade.
Em 1990, o
recém-eleito presidente Cesar Gaviria proclamou o início de novas negociações
de paz com as FARC. Poucos meses após seu anúncio, o presidente ordenou o
bombardeio da "Casa Verde" onde os líderes das Farc e a equipe de
negociação estavam hospedados. Felizmente, eles conseguiram escapar antes do
ataque traiçoeiro.
O presidente
Andrés Pastrana (1998-2001) demandou novas negociações de paz com as FARC que
ocorreriam "em uma zona desmilitarizada." As discussões começaram na
região de selva de El Caguán em novembro de 1998. O presidente Pastrana tinha
negociado com as FARC e ativistas sociais numerosas promessas, concessões e
reformas, mas, ao mesmo tempo, tinha assinado um acordo de ajuda militar de
milhões de dólares por dez anos com o presidente Clinton, conhecido como
"Plano Colômbia". Esta prática de "dupla relação" culminou
com o início, por parte das Forças Armadas da Colômbia, de uma "política
de terra arrasada" contra as "zonas desmilitarizadas", já sob o
presidente recém-eleito Alvaro Uribe, relacionado com os esquadrões da morte.
Ao longo dos próximos oito anos, o presidente Uribe empurrou para o exílio
interno quase quatro milhões de camponeses colombianos. Graças ao financiamento
de centenas de bilhões de Washington, Uribe foi capaz de dobrar o volume das
forças armadas superando mais de 350.000 homens, ao mesmo tempo em que
incorporava membros de grupos de extermínio no exército. Além disso,
supervisionou a formação de novos grupos paramilitares. Até 2010, o número de
combatentes das Farc caiu de 18.000 para menos de 10.000, com centenas de
vítimas civis e milhões de pessoas que perderam suas casas.
Em 2010, o
ex-ministro da Defesa de Uribe, Juan Manuel Santos, foi eleito presidente. Em
2012, Santos começou um outro "processo de paz" com as FARC, que foi
finalmente assinado no final de 2016. Com o novo acordo negociado em Cuba,
centenas de oficiais implicados na tortura, assassinato e deslocamento forçado
dos camponeses receberiam imunidade enquanto que os guerrilheiros das FARC
teriam que enfrentar julgamento. O governo prometeu reforma agrária e o direito
de retorno para os camponeses deslocados e suas famílias. No entanto, quando os
camponeses voltaram para reclamar sua terra, foram expulsos ou mesmo mortos.
Os dirigentes
das FARC aceitaram a desmobilização e o desarmamento unilateral que teria que
ser realizado em junho de 2017. Os militares e seus aliados paramilitares conservariam
suas armas e obteriam o controle total sobre as zonas previamente liberadas
pelas FARC.
O presidente
Santos assegurou que o "acordo de paz" incluiria uma série de
decretos presidenciais para privatizar recursos minerais e de petróleo do país e
converter pequenas fazendas familiares em plantações de agro-exportação. Aos
camponeses rebeldes desmobilizados foram oferecidos lotes de terra árida e
marginal, sem receber apoio do governo ou financiamento para estradas,
ferramentas, sementes, fertilizantes, nem mesmo para construir escolas ou casas
necessárias para a transição. Embora alguns dos líderes das FARC ganharam
assentos no Congresso e a liberdade de concorrer às eleições sem ser assediado,
às bases jovens da guerrilha e aos camponeses não restaram muitas alternativas,
a não ser a de unir-se aos paramilitares ou gangues de narcotráfico.
Em resumo,
esta revisão histórica demonstra que os sucessivos presidentes e regimes
colombianos têm sistematicamente violado todos os acordos de paz, assassinado os
rebeldes signatários e mantido o controle da economia e da mão de obra pelas
elites. Antes da eleição atual, Santos presidiu a mais mortal década sendo
ministro da defesa sob Uribe.
Por sua
intermediação para garantir a paz dos cemitérios para dezenas de milhares de camponeses
e ativistas colombianos, o presidente Santos foi distinguido com o Prémio Nobel
da Paz.
Em Havana,
os líderes e negociadores das FARC receberam os elogios do presidente de Cuba,
Raul Castro, do presidente Obama, do presidente Maduro da Venezuela, e da grande
maioria dos "progressistas" e direitistas da América do Norte,
América do Sul e Europa.
A história
sangrenta da Colômbia, com matanças generalizadas de ativistas de direitos
humanos e líderes camponeses, continuou mesmo quando eles estavam assinando os
documentos que indicavam o Acordo de Paz. Durante o primeiro mês de 2017, os
esquadrões da morte ligados à oligarquia e ao exército assassinaram cinco
ativistas de direitos humanos. Em 2015, quando as FARC negociavam várias
cláusulas do acordo, mais de 120 camponeses e ativistas foram assassinados por
grupos paramilitares que continuavam atuando livremente em áreas controladas
pelo exército de Santos. A máquina de propaganda dos meios de comunicação de
massa continua repetindo a mentira de que "mais de 200.000 pessoas foram
mortas pela guerrilha e o exército", quando a grande maioria dos
assassinatos foram cometidos pelo governo e seus aliados, os esquadrões da
morte; uma calúnia que os líderes guerrilheiros não conseguiram desmontar. O
proeminente pesquisador jesuíta Javier Giraldo documentou completamente o fato
de que mais de três quartos destas mortes foram obra do exército e dos
paramilitares.
Nos pedem
que acreditemos que os regimes presidenciais que já mataram e continuam matando
mais de 150.000 trabalhadores, camponeses, líderes indígenas e profissionais da
Colômbia tornaram-se, de um dia para outro, amantes da justiça para alcançar a
paz. Nos primeiros três meses deste ano, ativistas defensores do acordo de paz
com as FARC continuam a ser o alvo e continuam a ser mortos por paramilitares
supostamente desmobilizados.
Líderes de
movimentos sociais denunciam um aumento na violência pelo exército e seus
aliados. Mesmo os monitores dos acordos de paz e do Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos admitem que a violência
estatal e paramilitar está a destruir qualquer estrutura pensada pelo Presidente
Santos para implementar as reformas. A medida que as FARC se retiram das
regiões sob controle popular, os camponeses que procuram se beneficiar da
reforma agrária são alvo dos exércitos privados. O regime de Santos está mais
interessado em proteger as apropriações massivas de terras dos grandes
consórcios de mineração.
Enquanto os
assassinatos de partidários das FARC e ativistas dos direitos humanos se
multiplicam, enquanto o Presidente Santos e Washington tentam tirar vantagem de
uma guerrilha desarmada e desmobilizada, o "acordo de paz histórico" se
converte em um grande engano projetado para expandir o poder imperial.
Conclusão:
Epitáfio para os acordos de paz
Uma e outra
vez, em todo o mundo, negociações e acordos de paz orquestradas pelo Império
tiveram um só objetivo: desarmar, desmobilizar, derrotar e desmoralizar os
combatentes da resistência e seus aliados.
Os
"acordos de paz", tal como o conhecemos, servem para se rearmar e
reagrupar as forças apoiadas pelos EUA após os contratempos táticos da luta de
guerrilha. O seu objetivo é dividir a oposição (a chamada "tática do
salame") e facilitar a conquista. A retórica de paz utilizada nestas
"negociações de paz" basicamente significa "desarmamento
unilateral" dos combatentes da resistência, a rendição do território e o
abandono de simpatizantes civis. As chamadas "zonas de guerra", que
contêm terras férteis e valiosas reservas minerais, são "pacificadas"
sendo absorvidas pelo regime "amante da paz". Isso contribui para os
seus programas de privatização e à promoção de saques pelo "estado
desenvolvimentista". Os acordos de paz negociados são supervisionados
pelas autoridades norte-americanas, que elogiam e apoiam os líderes rebeldes
quando assinam os acordos a serem implementadas pelos regimes vassalos do poder
imperial... Este último irá assegurar que não ocorra qualquer realinhamento em
política externa ou qualquer mudança estrutural socioeconômica.
Alguns
acordos de paz permitem que os antigos dirigentes guerrilheiros disputem e, em
alguns casos, ganhem eleições marginais, enquanto sua base de apoio é dizimada.
Na maioria
dos casos, durante o processo e especialmente após a assinatura do "acordo
de paz", as organizações e movimentos sociais e seus seguidores do
campesinato e da classe trabalhadora, assim como os ativistas pelos direitos
humanos, acabam sendo o alvo a abater pelo exército e esquadrões da morte
paramilitares que operam em conluio com as bases militares do governo.
Muitas
vezes, os aliados internacionais dos movimentos de resistência têm encorajado a
negociar acordos de paz para demonstrar aos EUA que são responsáveis, na
esperança de melhorar as relações diplomáticas e comerciais. Desnecessário
dizer que as "negociações responsáveis" simplesmente servem para
reforçar a determinação do poder imperial para pressionar por futuras
concessões e estimular agressões militares e novas conquistas.
Os
"acordos de paz" justos são baseados no desarmamento mútuo, o
reconhecimento da autonomia territorial e a autoridade da administração
insurgente local sobre as reformas agrárias acordadas, mantendo os direitos
sobre os recursos minerais e o controle da segurança público-militar.
Os acordos
de paz deveriam ser o primeiro passo de uma agenda política implementada
sob o controle do exército rebelde independente e monitores civis.
O resultado
desastroso do desarmamento unilateral é um produto da não implementação de uma
política externa e mudanças estruturais progressistas e independentes.
As
negociações de paz presentes e passadas, baseadas no reconhecimento da
soberania de um estado independente ligado a movimentos de massa, sempre terminaram
com os EUA quebrando os acordos. Os genuínos "acordos de paz" são
contrários ao objetivo imperial de conquistar através da mesa de negociações o
que não puderam ganhar com a guerra.
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