Cem Flores
Na semana passada, a classe operária e as demais classes dominadas foram
novamente golpeadas com duas notícias sobre a continuidade da crise no Brasil.
Na quinta, 30 de março, Temer sancionou o projeto aprovado na Câmara
dos Deputados tornando lei a terceirização irrestrita. Até a própria imprensa
burguesa teve que reconhecer que a nova lei não tem “salvaguarda para o trabalhador”[1].
Na sexta, dia 31, o IBGE divulgou que a taxa de desemprego até
fevereiro bateu novo recorde, chegando a 13,2%. Isso significa 13,5 milhões de
trabalhadores desempregados, sendo que 3,2 milhões perderam seus empregos apenas
nos últimos 12 meses. A única coisa que aumentou para mais de meio milhão de
trabalhadores foi a informalidade, os bicos, ou o número de “empregados
no setor privado sem carteira de trabalho assinada”, na “elegante”
(sic!) definição do IBGE[2].
Esses fatos da semana
passada confirmam que a conjuntura na qual o proletariado luta e resiste continua
sendo a conjuntura de crise do capital, que está provocando a maior recessão no
país em mais de um século, ainda longe de terminar, ao contrário do que diz a
propaganda do governo.
A crise do capital no país
integra a (é parte da) crise do imperialismo que se agravou em 2007/2008 e tem se
expandido desde seu foco inicial nos Estados Unidos, passando para a Europa
(que afundou numa segunda rodada de crise a partir de 2011) e atinge mais
recentemente a China, provocando desaceleração em suas taxas de crescimento
(acumulação de capital) e agravamento de suas contradições. A crise reduziu o
dinamismo da acumulação de capital no mundo e acirrou a concorrência entre os
capitais. Assim, tem provocado redefinições na divisão internacional do
trabalho. Um impacto direto dessa redefinição em curso foi o estouro da “bolha”
de commodities, que impacta
diretamente a acumulação e lucratividade dos setores capitalistas mais
dinâmicos do país, como o agronegócio e a indústria extrativa mineral, ambas
para exportação.
A eclosão da crise do capital no país contou com esses determinantes
externos e com a explosão das contradições internas. O PIB brasileiro já caiu 9%
desde o primeiro trimestre de 2014, enquanto a produção da indústria de
transformação está 22% abaixo do seu pico de meados de 2013 e o investimento
despencou quase 30%. Todos esses
indicadores mostram uma queda livre na acumulação de capital no Brasil nos
últimos dois anos e meio.
A expansão do crédito também foi levada ao limite, passando de menos de
30% do PIB para mais de 50% do PIB em uma década. Não obstante o crédito ser
uma das mais importantes alavancas para a expansão do capital, na ausência de
dinamismo da acumulação produtiva acaba por gerar “bolhas” de consumo via sobre
endividamento (58% das famílias estavam endividadas em março[3]).
Também foram levadas ao limite as políticas econômicas para favorecer a
lucratividade do capital. Foram meio trilhão de reais em empréstimos do BNDES à
burguesia com taxas de juros negativas e outro quase meio trilhão em
desonerações tributárias das mais variadas espécies. Tudo isso regado à criação
de capital fictício. A dívida pública já ultrapassa 70% do PIB e continua
crescendo aceleradamente.
A crise do capital deve ser
entendida, portanto, como a tentativa forçada de recolocar as condições
propícias para a acumulação e lucratividade do capital, com o aumento da
exploração sobre o proletariado e demais classes dominadas.
Os impactos dessa crise nas
condições de vida da classe operária e nas das demais classes dominadas têm
sido devastadores. Ao desemprego em nível recorde e crescente somam-se o aumento da
informalidade e da precarização e as quedas dos salários dos que permanecem
empregados. A deterioração dos serviços públicos – que já eram precários – é
inquestionável, seja na saúde, na educação ou nos transportes. As ditas
“reformas” em andamento no Congresso buscam constitucionalizar, portanto tornar
permanentes, os efeitos da atual ofensiva do capital contra as conquistas das
classes dominadas. O aparelho repressivo do Estado reforça sua opressão contra
a luta de classes, decretando ilegalidade de greves, reprimindo manifestações e
ampliando a violência da polícia contra a população pobre da periferia, entre
muitos outros etc.
A atual crise do capital no
Brasil, portanto, representa a ofensiva da burguesia na luta de classes contra
o proletariado. Ofensiva burguesa em todas as frentes.
A ofensiva econômica resulta
em aumento do exército industrial de reserva, em queda dos salários, em
crescimento da informalidade e da intensidade do trabalho dos que permanecem
empregados. Também se reflete na deterioração das condições de vida e de reprodução
dos operários. Em suma, aumento da exploração, tanto absoluta quanto relativa,
como forma de tentar recuperar a taxa de lucro afetada pela crise.
A ofensiva do capital, no
entanto, também é política, no sentido de parlamentar, institucional. Sua expressão mais direta
são as atuais “reformas” constitucionais em curso (também parte da ofensiva
econômica). O teto dos gastos
aprovado ao final do ano passado objetiva reduzir a destinação dos fundos
públicos para saúde e educação (com a mudança da regra de correção desses
gastos), ampliando o espaço para a acumulação privada nesses setores que,
obviamente, está fora do alcance das classes proletárias e torna-se, cada vez
mais, uma miragem para os estratos inferiores das camadas médias. O teto dos
gastos também imporá cortes no seguro-desemprego, nos poucos “benefícios
sociais” conquistados e nos salários dos funcionários públicos.
A “reforma” previdenciária
objetiva explicitamente aumentar o tempo de trabalho das classes dominadas (ou
seja, seu tempo de vida produtiva para o capital), sem mexer nas contribuições
previdenciárias dos patrões. A “reforma”
trabalhista, iniciada com a terceirização irrestrita, tem por finalidade
recuar ainda mais as conquistas dos trabalhadores, reduzindo seus salários (em
média, de 20% a 30%[4]),
permitindo o aumento da jornada de trabalho, a redução dos períodos de
descanso, entre outros. Mas também, ao mudar a legislação, busca dificultar o
acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho e suas eventuais decisões
contrárias aos patrões.
O outro sentido da ofensiva
política do capital é buscar canalizar toda a luta das classes dominadas para
as vias institucionais. Nesse aspecto, são unânimes na defesa do sistema capitalista
brasileiro tanto PT quanto PSDB, tanto PCdoB quanto PMDB e ainda o PSol, tanto
CUT quanto Fiesp. Abundam os exemplos do cretinismo parlamentar tão criticado
por Lênin e todos os comunistas.
Nos momentos em que essa esfera político-ideológica não dá conta de
segurar a luta de classes, a ofensiva capitalista assume seu caráter mais
explícito com o uso indiscriminado do seu aparelho repressivo, que tem se
aperfeiçoado nos últimos anos.
Também faz parte da atual conjuntura político-ideológica brasileira a Operação Lava Jato. Essa operação escolheu
como seu foco um aspecto da ampla, geral e irrestrita corrupção que governa
todo o sistema capitalista, as chamadas obras de infraestrutura (Petrobrás e
empreiteiras). A partir daí, tem trabalhado sistemática e metodicamente para
reciclar a representação política da burguesia (primeiro o PT e satélites, agora
o PMDB e, considerando a capa da Veja do último final de semana, também o
PSDB).
Com isso, a Lava Jato oferece às camadas médias sua satisfação
ideológica e política: justiceiros, polícia nas ruas, dezenas de presos
“importantes” (ex-ministros, ex-governadores, parlamentares, empresários). Seu
amplo apoio nas camadas médias permite sua autonomia relativa e a tentativa de
consolidação do avanço legal do sistema repressivo (uso de provas ilegais,
restrição a habeas-corpus, etc.). Ao final, a Lava Jato se propõe a cumprir a piedosa
tarefa de legitimação ideológica do capitalismo no Brasil: retira de cena boa
parte da representação política existente, substituindo-a por “fichas-limpas” (sic!)
e todos já podem viver felizes para sempre...
Em suma, na conjuntura
brasileira nesse último quinquênio (aproximadamente), todos os eventos
econômicos, políticos e sociais no país têm como determinante em última
instância a crise do capital no Brasil.
Nas condições dessa crise, o proletariado enfrenta a ofensiva burguesa
em condições muito desfavoráveis: fortemente atingido pelo desemprego, pela
redução de salários e pela deterioração de suas condições de vida; com baixo
nível de organização na luta sindical; e sem sua organização política, isto é, sem
posição própria na luta de classes.
A esmagadora maioria das centrais sindicais, dos sindicatos e dos
chamados “movimentos populares” assume posições reformistas/revisionistas, de
conciliação de classes e de união nacional, posições abertamente burguesas na
luta de classes. Decorrente dessas posições, a atuação concreta desses setores vai
da defesa do governo Dilma (MTST: embora criticando sua política de conciliação
de classes!?), dos elogios aos militares (MST[5]),
dos acordos com empresas para efetivar demissão de trabalhadores, até todos os
tipos de negociatas e conchavos institucionais.
Na situação atual do capitalismo no Brasil, conforme sumariamente
descrito acima, a classe operária
precisa se preparar para uma luta de classes radical e prolongada contra a burguesia
e seu sistema capitalista, organizando-se e retomando seu instrumento de luta,
o Partido Comunista; sua teoria científica, o marxismo-leninismo; e
reconstruindo no Brasil a posição proletária, comunista e revolucionária.
Essa é a tarefa prioritária de todos os militantes na atual conjuntura
da luta de classes da classe operária no Brasil.
[1] “Temer sanciona terceirização com três vetos, sem
salvaguarda para o trabalhador” foi a manchete de O Estado de São Paulo (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,temer-sanciona-terceirizacao-com-vetos,70001722268).
“Temer sanciona
lei de terceirização com pouca proteção a trabalhador” é a manchete da
Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/03/1871722-para-evitar-retaliacoes-temer-sanciona-proposta-que-regulamenta-a-terceirizacao.shtml).
[2]
Ver o comunicado do IBGE em http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=3401.
[3]
Conforme a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da
Confederação Nacional do Comércio (CNC), disponível em http://cnc.org.br/noticias/economia/percentual-de-familias-endividadas-aumenta-para-579-em-marco.
[4]
Conforme http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-impacto-da-terceirizacao-na-arrecadacao/.
Como diz essa matéria, trata-se de pura lógica capitalista: “... um dos
principais efeitos da terceirização é a redução dos salários dos empregados.
Isto se deve pelo fato de que, para valer a pena, o valor negociado entre as
empresas deve ser menor do que o valor que se pagaria para os empregados que
realizariam a mesma função”.
[5] Se alguém ainda duvidar, veja o depoimento indignado
do insuspeito dirigente petista Valter Pomar em http://www.correiodobrasil.com.br/desnecessaria-e-absurda-carta-ao-general/.
Um comentário:
http://www.nuovopci.it/eile/sp/cuatro_temas.html
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