Cem Flores
Neste texto queremos apresentar para o debate entre os camaradas do Cem Flores e nossos companheiros leitores a primeira parte de uma análise da conjuntura brasileira atual que busque se realizar de forma científica – utilizando, portanto, a teoria marxista – e a partir do ponto de vista da classe operária em sua luta por libertar-se da opressão capitalista.
Achamos que para sermos bem sucedidos nessa empreitada, devemos buscar
unir as cinco características fundamentais abaixo enunciadas:
1) sempre buscar um maior
domínio da teoria marxista, almejando conseguir contribuir para o seu
desenvolvimento. Ou seja, tornar o estudo do marxismo um elemento indissociável
da atividade militante, comunista e revolucionária;
2) participar das lutas e da
vida cotidiana da classe operária, para compreender melhor a realidade da luta
de classes do ponto de vista dos dominados e oprimidos pelo capital;
3) buscar um amplo e
detalhado conhecimento da realidade a ser analisada, em suas várias dimensões,
abrangendo o cipoal de fatos díspares e por vezes contraditórios que preenchem
o seu dia-a-dia;
4) criticar sem tréguas as
teorias e análises burguesas/revisionistas/reformistas que predominam na
sociedade atual, que constituem sua ideologia dominante e seu “senso comum”, que
servem à manutenção da ordem burguesa, “justificando” a exploração das classes dominadas;
5) a partir dos itens acima,
elaborar uma análise geral da conjuntura, marxista e proletária, que permita
explicar seus determinantes mais profundos, expor suas contradições e analisar
suas tendências principais. A partir dessa explicação mais geral, analisar os
fatos cotidianos e definir a correta linha de atuação da organização e dos seus
militantes nas frentes concretas.
Nos é claro que ainda não somos capazes de cumprir plenamente, todos os
requisitos acima para a realização da necessária análise comunista da
conjuntura econômica, social e política do Brasil. Mas eles servem de guia para
nossa atuação, autocrítica e aprofundamento da análise. Quão distante ainda
estamos desses objetivos, e quão retificadas portanto devem ser as teses abaixo,
são temas aos quais conclamamos os camaradas e leitores a avaliar e debater
conosco.
A tese geral que queremos
apresentar para a análise da conjuntura brasileira nesse último quinquênio
(aproximadamente) é a de que todos os
eventos econômicos, políticos e sociais no país têm como determinante em
última instância a crise do capital no Brasil.
Essa formulação não é idêntica a dizer que, em última instância, o
aspecto econômico, a infraestrutura, é o determinante. Ou ainda, a afirmar que
a luta de classes é o motor da história. Ambas as proposições constituem verdades
gerais, em alto grau de abstração, para todas as sociedades de classes.
Trata-se aqui de buscar precisar, ainda que de forma geral, que, em
nossa opinião, o determinante em última instância dos eventos da conjuntura
brasileira nos últimos cinco anos é o fato do capitalismo no Brasil estar em
crise. Ou seja, nesse período recente, as condições para a acumulação de
capital no país foram criando e intensificando contradições insuperáveis, que reduziram
suas taxas de lucro, sua competitividade, e terminaram por constituir obstáculo
à própria continuidade dessa acumulação. É nessa situação em que estamos até
hoje, ao fim do primeiro trimestre de 2017.
Na nossa visão, portanto, é a
partir dessa crise que devem se iniciar as análises concretas das
diversas medidas de política econômica adotadas pelos governos Dilma 1 e 2 e Temer;
das grandes manifestações de rua de junho de 2013; do processo de impeachment,
com as manifestações de 2015 e 2016 e as reorganizações de fluidas maiorias
parlamentares; dos desenvolvimentos da operação Lava Jato e seus impactos na
representação política burguesa; da ofensiva da burguesia e do papel das
camadas médias; e das greves operárias e de trabalhadores e de manifestações
como ocupações de escolas etc.
Dizemos que é a partir da crise do capital no Brasil atual que se devem
iniciar as análises concretas dos eventos da conjuntura, pois esses são
repletos de casualidades, de eventos contingentes e de fatos muitas vezes contraditórios
entre si. É a própria história que é assim, o campo de batalha da luta de
classes, no qual as determinações últimas se impõem, se estabelecem, por meio
de infinitos “acertos” e “erros”. Cabe, portanto, buscar compreender essa
articulação entre os fenômenos, por vezes contraditórios entre si, suas causas
e apresentar uma explicação provisória para isso com base na teoria científica
e na posição de classe.
Cabe, agora, detalhar essa tese geral avançando algumas proposições, que
se constituem em teses específicas:
1) A atual crise do capital no
Brasil tem como um importante determinante a crise do imperialismo,
especialmente seus efeitos na redefinição da divisão internacional do trabalho.
Por um lado, a crise do imperialismo reduz o dinamismo da acumulação de
capitais no mundo todo e acirra a concorrência entre esses capitais. Por outro,
causou o estouro da “bolha” (fim do superciclo) de commodities, atingindo diretamente a acumulação e lucratividade dos
setores capitalistas mais dinâmicos do país, como o agronegócio e a indústria
extrativa mineral, ambas para exportação;
2) Internamente, o miniciclo de
expansão capitalista no Brasil (2005-2010) foi o suficiente para agravar as
contradições da acumulação de capital no país ao extremo. Um exemplo é o
crescimento do mercado de crédito, cuja expansão constitui importante alavanca
para a reprodução ampliada do capital, mas que, na ausência de dinamismo na
acumulação produtiva, acaba por gerar “bolhas” de consumo via sobre-endividamento
das empresas e das pessoas. Outro exemplo foi a expansão do capital fictício na
bolsa de valores nesse período até seu colapso em 2008, quando atingiu auge
ainda não superado. A crise do capital deve ser entendida, portanto, como a
tentativa forçada de recolocar as condições propícias para a acumulação e
lucratividade do capital, com o aumento da exploração sobre o proletariado e
demais classes dominadas;
3) Considerando que as medidas de política econômica no capitalismo são
definidas pelos interesses do capital, de suas frações dominantes, as medidas de política econômica adotadas
no período no Brasil, seja por Dilma ou por Temer (e antes por Lula, FHC,
Itamar, Collor etc.), sempre visaram favorecer a acumulação de capitais e, de
acordo com essa premissa fundamental, oscilaram entre medidas para “empurrar
para frente” e medidas de ajuste recessivo;
4) Essa necessidade de ajuste de políticas às novas necessidades do
capital e a incapacidade da gestão anterior de realizá-las – não obstante a
tentativa desesperada de Dilma de fazê-lo – levou à troca do gestor das
políticas do capital, também conhecido por Presidente da República, ou seja, o
processo de impeachment;
5) Na conjuntura pós-impeachment, as políticas econômicas de ajuste
recessivo, iniciadas por Dilma em 2015, se radicalizam (cortes de gasto
público, de crédito etc.) e incluem as propostas de reformas constitucionais (teto
dos gastos, previdenciária, trabalhista). As
políticas econômicas adotadas desde 2015, já com a recessão instalada, têm o
objetivo claro de agravar a recessão, para que essa possa cumprir seu papel de
recolocar as condições de acumulação e a taxa de lucro, mediante o aumento
significativo do desemprego e a precarização dos postos de trabalho restantes,
a redução dos salários, o aumento da intensidade do trabalho etc.;
6) No ambiente de crise se agrava a contradição entre, por um lado, a
ideologia jurídica burguesa (respeito às leis, igualdade, justiça etc.) e os
seus “operadores” no aparelho repressivo de Estado (Poder Judiciário do juizado
de 1ª instância ao STF, Ministério Público e Polícia Federal) e, por outro, a
prática cotidiana dos negócios da burguesia, no Brasil e no mundo: corrupção,
fraude, suborno, carteis etc. A operação
Lava Jato, inicialmente fato contingente na conjuntura política, passa a
definir programa próprio, detalhado e sequencial, de atingir a atual
representação política da burguesia e substituí-la por uma nova, “ficha limpa”
(sic!), buscando legitimar a dominação capitalista;
7) A partir de 2015, as crises econômica e política, somadas à
ideologia jurídica burguesa, manifestaram-se em palavras de ordem de “Fora
Dilma” e de apoio à Lava Jato e contra a corrupção, levando o setor majoritário das camadas médias a posições cada vez mais
à direita, incluindo apoio explícito à intervenção militar, a candidaturas de
extrema-direita, e à redução de direitos constitucionais em favor do “combate à
corrupção”;
8) O cenário atual da luta de
classes no Brasil, portanto, é de ofensiva em todas as frentes da burguesia
contra o proletariado e as demais classes dominadas: econômica, política,
social e repressiva. Além dos efeitos da recessão capitalista e da ofensiva
política burguesa se incluem nessa ofensiva contra as condições de vida e de
luta das classes dominadas, o sucateamento dos serviços públicos (educação,
saúde, saneamento, abastecimento, transportes) e o reforço do aparelho
repressivo de estado, com maior articulação entre suas diferentes esferas
(judiciário e polícias, órgãos federais e estaduais etc.);
9) O proletariado enfrenta essa
ofensiva burguesa em condições muito desfavoráveis, fortemente atingido pelo
desemprego, pela redução de salários e pela deterioração de suas condições de
vida; com baixo nível de organização para a luta sindical; e sem sua
organização política, isto é, sem posição própria na luta de classes. A esmagadora maioria das centrais sindicais, dos sindicatos e dos
chamados “movimentos populares” assume posições reformistas/revisionistas, de
conciliação de classes e de união nacional, quando não posições abertamente
burguesas na luta de classes. Decorrente dessas posições, sua atuação concreta
vai da defesa do governo Dilma (MTST: embora criticando sua política de
conciliação de classes e/ou seus “erros”!?), dos elogios aos militares (MST), dos
acordos com empresas para efetivar demissão de trabalhadores, até todos os
tipos de negociatas e conchavos institucionais;
10) Todos os pontos acima demonstram a absoluta necessidade de reconstruir no Brasil a posição proletária, comunista e revolucionária. Essa é a tarefa prioritária de todos os militantes na atual conjuntura da luta de classes da classe operária no Brasil.
10) Todos os pontos acima demonstram a absoluta necessidade de reconstruir no Brasil a posição proletária, comunista e revolucionária. Essa é a tarefa prioritária de todos os militantes na atual conjuntura da luta de classes da classe operária no Brasil.
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