domingo, 16 de abril de 2017

Teses Sobre a Crise do Capital e a Luta de Classes no Brasil

Cem Flores

Neste texto queremos apresentar para o debate entre os camaradas do Cem Flores e nossos companheiros leitores a primeira parte de uma análise da conjuntura brasileira atual que busque se realizar de forma científica – utilizando, portanto, a teoria marxista – e a partir do ponto de vista da classe operária em sua luta por libertar-se da opressão capitalista.

Achamos que para sermos bem sucedidos nessa empreitada, devemos buscar unir as cinco características fundamentais abaixo enunciadas:

1) sempre buscar um maior domínio da teoria marxista, almejando conseguir contribuir para o seu desenvolvimento. Ou seja, tornar o estudo do marxismo um elemento indissociável da atividade militante, comunista e revolucionária;

2) participar das lutas e da vida cotidiana da classe operária, para compreender melhor a realidade da luta de classes do ponto de vista dos dominados e oprimidos pelo capital;

3) buscar um amplo e detalhado conhecimento da realidade a ser analisada, em suas várias dimensões, abrangendo o cipoal de fatos díspares e por vezes contraditórios que preenchem o seu dia-a-dia;

4) criticar sem tréguas as teorias e análises burguesas/revisionistas/reformistas que predominam na sociedade atual, que constituem sua ideologia dominante e seu “senso comum”, que servem à manutenção da ordem burguesa, “justificando” a exploração das classes dominadas;

5) a partir dos itens acima, elaborar uma análise geral da conjuntura, marxista e proletária, que permita explicar seus determinantes mais profundos, expor suas contradições e analisar suas tendências principais. A partir dessa explicação mais geral, analisar os fatos cotidianos e definir a correta linha de atuação da organização e dos seus militantes nas frentes concretas.

Nos é claro que ainda não somos capazes de cumprir plenamente, todos os requisitos acima para a realização da necessária análise comunista da conjuntura econômica, social e política do Brasil. Mas eles servem de guia para nossa atuação, autocrítica e aprofundamento da análise. Quão distante ainda estamos desses objetivos, e quão retificadas portanto devem ser as teses abaixo, são temas aos quais conclamamos os camaradas e leitores a avaliar e debater conosco.


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A tese geral que queremos apresentar para a análise da conjuntura brasileira nesse último quinquênio (aproximadamente) é a de que todos os eventos econômicos, políticos e sociais no país têm como determinante em última instância a crise do capital no Brasil.

Essa formulação não é idêntica a dizer que, em última instância, o aspecto econômico, a infraestrutura, é o determinante. Ou ainda, a afirmar que a luta de classes é o motor da história. Ambas as proposições constituem verdades gerais, em alto grau de abstração, para todas as sociedades de classes.

Trata-se aqui de buscar precisar, ainda que de forma geral, que, em nossa opinião, o determinante em última instância dos eventos da conjuntura brasileira nos últimos cinco anos é o fato do capitalismo no Brasil estar em crise. Ou seja, nesse período recente, as condições para a acumulação de capital no país foram criando e intensificando contradições insuperáveis, que reduziram suas taxas de lucro, sua competitividade, e terminaram por constituir obstáculo à própria continuidade dessa acumulação. É nessa situação em que estamos até hoje, ao fim do primeiro trimestre de 2017.

Na nossa visão, portanto, é a partir dessa crise que devem se iniciar as análises concretas das diversas medidas de política econômica adotadas pelos governos Dilma 1 e 2 e Temer; das grandes manifestações de rua de junho de 2013; do processo de impeachment, com as manifestações de 2015 e 2016 e as reorganizações de fluidas maiorias parlamentares; dos desenvolvimentos da operação Lava Jato e seus impactos na representação política burguesa; da ofensiva da burguesia e do papel das camadas médias; e das greves operárias e de trabalhadores e de manifestações como ocupações de escolas etc.  

Dizemos que é a partir da crise do capital no Brasil atual que se devem iniciar as análises concretas dos eventos da conjuntura, pois esses são repletos de casualidades, de eventos contingentes e de fatos muitas vezes contraditórios entre si. É a própria história que é assim, o campo de batalha da luta de classes, no qual as determinações últimas se impõem, se estabelecem, por meio de infinitos “acertos” e “erros”. Cabe, portanto, buscar compreender essa articulação entre os fenômenos, por vezes contraditórios entre si, suas causas e apresentar uma explicação provisória para isso com base na teoria científica e na posição de classe.

Cabe, agora, detalhar essa tese geral avançando algumas proposições, que se constituem em teses específicas:

1) A atual crise do capital no Brasil tem como um importante determinante a crise do imperialismo, especialmente seus efeitos na redefinição da divisão internacional do trabalho. Por um lado, a crise do imperialismo reduz o dinamismo da acumulação de capitais no mundo todo e acirra a concorrência entre esses capitais. Por outro, causou o estouro da “bolha” (fim do superciclo) de commodities, atingindo diretamente a acumulação e lucratividade dos setores capitalistas mais dinâmicos do país, como o agronegócio e a indústria extrativa mineral, ambas para exportação;

2) Internamente, o miniciclo de expansão capitalista no Brasil (2005-2010) foi o suficiente para agravar as contradições da acumulação de capital no país ao extremo. Um exemplo é o crescimento do mercado de crédito, cuja expansão constitui importante alavanca para a reprodução ampliada do capital, mas que, na ausência de dinamismo na acumulação produtiva, acaba por gerar “bolhas” de consumo via sobre-endividamento das empresas e das pessoas. Outro exemplo foi a expansão do capital fictício na bolsa de valores nesse período até seu colapso em 2008, quando atingiu auge ainda não superado. A crise do capital deve ser entendida, portanto, como a tentativa forçada de recolocar as condições propícias para a acumulação e lucratividade do capital, com o aumento da exploração sobre o proletariado e demais classes dominadas;

3) Considerando que as medidas de política econômica no capitalismo são definidas pelos interesses do capital, de suas frações dominantes, as medidas de política econômica adotadas no período no Brasil, seja por Dilma ou por Temer (e antes por Lula, FHC, Itamar, Collor etc.), sempre visaram favorecer a acumulação de capitais e, de acordo com essa premissa fundamental, oscilaram entre medidas para “empurrar para frente” e medidas de ajuste recessivo;

4) Essa necessidade de ajuste de políticas às novas necessidades do capital e a incapacidade da gestão anterior de realizá-las – não obstante a tentativa desesperada de Dilma de fazê-lo – levou à troca do gestor das políticas do capital, também conhecido por Presidente da República, ou seja, o processo de impeachment;

5) Na conjuntura pós-impeachment, as políticas econômicas de ajuste recessivo, iniciadas por Dilma em 2015, se radicalizam (cortes de gasto público, de crédito etc.) e incluem as propostas de reformas constitucionais (teto dos gastos, previdenciária, trabalhista). As políticas econômicas adotadas desde 2015, já com a recessão instalada, têm o objetivo claro de agravar a recessão, para que essa possa cumprir seu papel de recolocar as condições de acumulação e a taxa de lucro, mediante o aumento significativo do desemprego e a precarização dos postos de trabalho restantes, a redução dos salários, o aumento da intensidade do trabalho etc.;

6) No ambiente de crise se agrava a contradição entre, por um lado, a ideologia jurídica burguesa (respeito às leis, igualdade, justiça etc.) e os seus “operadores” no aparelho repressivo de Estado (Poder Judiciário do juizado de 1ª instância ao STF, Ministério Público e Polícia Federal) e, por outro, a prática cotidiana dos negócios da burguesia, no Brasil e no mundo: corrupção, fraude, suborno, carteis etc. A operação Lava Jato, inicialmente fato contingente na conjuntura política, passa a definir programa próprio, detalhado e sequencial, de atingir a atual representação política da burguesia e substituí-la por uma nova, “ficha limpa” (sic!), buscando legitimar a dominação capitalista;

7) A partir de 2015, as crises econômica e política, somadas à ideologia jurídica burguesa, manifestaram-se em palavras de ordem de “Fora Dilma” e de apoio à Lava Jato e contra a corrupção, levando o setor majoritário das camadas médias a posições cada vez mais à direita, incluindo apoio explícito à intervenção militar, a candidaturas de extrema-direita, e à redução de direitos constitucionais em favor do “combate à corrupção;

8) O cenário atual da luta de classes no Brasil, portanto, é de ofensiva em todas as frentes da burguesia contra o proletariado e as demais classes dominadas: econômica, política, social e repressiva. Além dos efeitos da recessão capitalista e da ofensiva política burguesa se incluem nessa ofensiva contra as condições de vida e de luta das classes dominadas, o sucateamento dos serviços públicos (educação, saúde, saneamento, abastecimento, transportes) e o reforço do aparelho repressivo de estado, com maior articulação entre suas diferentes esferas (judiciário e polícias, órgãos federais e estaduais etc.);

9) O proletariado enfrenta essa ofensiva burguesa em condições muito desfavoráveis, fortemente atingido pelo desemprego, pela redução de salários e pela deterioração de suas condições de vida; com baixo nível de organização para a luta sindical; e sem sua organização política, isto é, sem posição própria na luta de classes. A esmagadora maioria das centrais sindicais, dos sindicatos e dos chamados “movimentos populares” assume posições reformistas/revisionistas, de conciliação de classes e de união nacional, quando não posições abertamente burguesas na luta de classes. Decorrente dessas posições, sua atuação concreta vai da defesa do governo Dilma (MTST: embora criticando sua política de conciliação de classes e/ou seus “erros”!?), dos elogios aos militares (MST), dos acordos com empresas para efetivar demissão de trabalhadores, até todos os tipos de negociatas e conchavos institucionais;

10) Todos os pontos acima demonstram a absoluta necessidade de reconstruir no Brasil a posição proletária, comunista e revolucionária. Essa é a tarefa prioritária de todos os militantes na atual conjuntura da luta de classes da classe operária no Brasil.

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