quarta-feira, 26 de março de 2014

Sobre a Situação Atual da Luta de Classes na Venezuela



A luta de classes na Venezuela tem se acirrado desde a morte de Hugo Chávez, faz pouco mais de um ano. Em 2014, e especialmente desde meados de fevereiro, os enfrentamentos mudaram de patamar. As ruas do país, em especial as da capital, Caracas, têm testemunhado manifestações de apoiadores do governo bolivariano, assim como de seus opositores, apoiados pelo imperialismo ianque, pelo poder econômico e pela grande imprensa. As manifestações tornaram-se mais violentas na medida em que as contradições se agravam.

Frente às ameaças de mais um golpe de Estado para o retorno ao poder dos setores da burguesia ligados ao imperialismo norte-americano, os mesmos que comandaram o país até 1998 e promoveram o golpe de 2002, o proletariado e as demais classes exploradas na Venezuela devem barrar, na luta, nas ruas, usando os meios que forem necessários, essa ofensiva da reação. Essa experiência de luta, de defesa de suas conquistas concretas, de confronto com os setores mais reacionários das classes exploradoras, deve possibilitar ao proletariado e demais classes exploradas na Venezuela que reforcem a sua organização e combatividade e sigam na ofensiva na luta de classes, superando os atuais limites anti-imperialistas do governo bolivariano e construindo seu caminho para o socialismo.

O blog Cem Flores expressa sua solidariedade internacionalista ao proletariado venezuelano, às demais classes exploradas e aos comunistas daquele país, em sua luta contra a tentativa de golpe da burguesia venezuelana apoiada pelo imperialismo dos Estados Unidos.

O blog Cem Flores também apoia o governo bolivariano de Nicolás Maduro contra as tentativas de golpe de Estado, contra o retorno das classes dominantes ao poder que detiveram até 1998.

Dada a importância dos eventos que se desenrolam na Venezuela para a luta de classes em toda a América Latina, publicamos para o debate com os camaradas e com os leitores do blog uma contribuição recebida de um camarada.


Venezuela: derrotar a burguesia aliada ao imperialismo dos EUA e avançar na luta de classes!

Fabiano Toledo
24.03.2014

“Os comunistas lutam pelos interesses e objetivos imediatos da classe operária, mas, ao mesmo tempo, defendem e representam, no movimento atual, o futuro do movimento.
...
Mas em nenhum momento esse Partido [Comunista] se descuida de despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado, para que, na hora precisa, os operários alemães saibam converter as condições sociais e políticas, criadas pelo regime burguês, em outras tantas armas contra a burguesia, para que logo após terem sido destruídas as classes reacionárias da Alemanha possa ser travada a luta contra a própria burguesia”.
                                               Marx e Engels. Manifesto do Partido Comunista[1].


Doze anos após a tentativa, afinal efêmera, de golpe de Estado na Venezuela em abril de 2002[2], o imperialismo ianque, a burguesia venezuelana mais intimamente a ele ligada e os setores mais conservadores das camadas médias resolveram voltar à carga neste começo de 2014. Esses golpistas buscam se aproveitar da ausência do líder do processo bolivariano Hugo Chávez, morto em março do ano passado, e da conjuntura de crise econômica pela qual o país atravessa para tentar derrubar o governo de Nicolás Maduro e voltar ao status quo de antes de 1999.

Não que esses setores reacionários já não tivessem tentado isso antes. Além do golpe de abril de 2002, foram campanhas de imprensa, sabotagem empresarial, chantagens diversas, e todos os demais meios, na medida das possibilidades, que a burguesia venezuelana e o imperialismo americano efetivamente utilizaram nesses quinze anos de governo bolivariano.

Em todos esses momentos, a massa dos operários, dos demais trabalhadores e da população pobre do país alinhou-se decididamente com o governo bolivariano e rechaçou a reação. Torna-se necessário fazer isso novamente agora.

Para entendermos a mobilização atual da burguesia venezuelana e do imperialismo dos EUA, acho necessário voltar um pouco atrás. Em primeiro lugar, o governo Hugo Chávez representou uma alteração na apropriação dos rendimentos, em dólares, provenientes da exportação do petróleo. Ao invés de 100% desses recursos serem recebidos pela burguesia venezuelana e gastos com importações, consumo de luxo e fuga de capitais para Miami, parcela foi destinada aos programas sociais governamentais. Essa é uma das principais fontes do confronto, senão a fundamental, entre os governos bolivarianos e as classes dominantes da Venezuela, não apenas neste 2014, mas desde a posse de Hugo Chávez, em 1999.

Após a derrota dos golpistas de 2002, o processo bolivariano se fortalece e se aprofunda nas massas, beneficiando-se, também, da expressiva alta dos preços internacionais do petróleo que se iniciou naquele ano[3]. Esse cenário, somado ao boicote das eleições parlamentares de 2005 pelas “oposições”, colocou as classes dominantes na defensiva na luta de classes e com praticamente nenhuma representação política institucional, apenas alguns governos de províncias ou municípios.

Buscando reverter essa situação, e aproveitando a recessão causada pela crise do imperialismo[4], a oposição se apresenta unificada nas eleições parlamentares de 2010, quando obtém pouco mais de um terço dos assentos na Assembleia Nacional, retirando do PSUV a maioria qualificada de dois terços. Em seguida, nas eleições presidenciais de 2012, a oposição se apresenta novamente unificada, com Henrique Capriles – golpista de 2002 – perdendo para Chávez (55% a 44%). Com a morte de Chávez e a realização de novas eleições presidenciais em 2013, a vitória de Maduro contra Capriles apresentou resultado mais apertado (51% a 49%).

Com o agravamento da situação econômica na Venezuela desde 2013, o empresariado venezuelano retoma a velha tática das classes dominantes na busca por desestabilizar governos aos quais se opõem: o boicote ao abastecimento. Essa tática, notoriamente usada pela burguesia chilena contra o governo de Salvador Allende, ao provocar a falta de produtos de primeira necessidade, numa escassez que atinge as camadas mais pobres, torna-se então uma profecia autorrealizável: controlando as redes de varejo, inclusive alimentos, e parte significativa das empresas importadoras, a burguesia denuncia o governo pelos próprios problemas econômicos que ela agravou.

Por certo agravada pelo boicote da burguesia e pela ação do imperialismo, a crise econômica na Venezuela é fruto, por um lado, da forma como vem se recompondo a economia mundial a partir da crise do imperialismo de 2008 e, por outro, da maneira como se dá a inserção da Venezuela na economia mundial, sua dependência praticamente absoluta do petróleo.

Dependência essa que não parece ter se alterado de maneira minimamente significativa nesses quinze anos de governos bolivarianos. A economia venezuelana permanece, portanto, altamente instável, oscilando ao sabor dos preços internacionais do petróleo.

No presente momento, na ausência de elevação desses preços desde 2011 e da perspectiva de ligeira baixa neste ano, a economia estagnou, a dívida cresceu, as reservas caíram e os dólares minguaram. Um prato cheio para os especuladores. Hoje a moeda venezuelana é negociada no câmbio negro a preços dez vezes maiores que os oficiais. Isso, claro, resulta em inflação que ultrapassa 50% ao ano. Para completar um cenário econômico bastante desfavorável – especulação cambial desenfreada e alta inflação com problemas de abastecimento – o desemprego está aumentando.

Nesse cenário, a partir de meados de fevereiro, a burguesia e o imperialismo arregimentam os setores mais conservadores das camadas médias e saem às ruas, bradando contra a crise econômica que ajudaram a agravar, desejando sua plena liberdade de exploradores inteiramente de volta, apostando em uma instabilidade política para tentar justificar o “apoio popular” (sic!) ao golpe de Estado[5]. O apoio político e os dólares do imperialismo estão sendo canalizados na Venezuela pela própria Embaixada dos EUA no país, pela ONG National Endowment for Democracy, entre diversos outros meios.  

Um mês e meio depois, após confrontos violentos quase diários, alegados 400 feridos e 30 mortos (incluindo quatro membros da Guarda Nacional e vários apoiadores do governo bolivariano)[6], parece que a situação refluiu um pouco nesses últimos dias. No entanto, é nesse momento, quando a burguesia vê diminuídas as possibilidades de sua volta ao poder do Estado, que caem as suas máscaras “democráticas”. Para comprovar isso – sem ter que esperar os trinta ou mais anos de praxe para conhecer uma pequena parte dos documentos que comprovam as ações da CIA e do governo dos EUA na derrubadas de governos ao redor do mundo, em especial na América Latina – basta olhar com um pouco mais de detalhe a “oposição”.

Em primeiro lugar, um dos principais impulsionadores das manifestações é o movimento autointitulado “A Saída”, dirigido por Leopoldo López – também golpista de 2002 – e que tem na deputada Maria Corina Machado sua principal porta voz desde a prisão de López[7]. Claro que o próprio nome já fala por si. Mas tem mais. Longamente entrevistada para um programa da Globo News (logo de quem!), a deputada afirma claramente buscar todas as formas para viabilizar a queda de Maduro[8].

O mesmo programa ainda consegue a “façanha” de entrevistar Robert Alonso, cubano que se transferiu a Venezuela e, de lá para Miami. Ou seja, duas vezes gusano! Eis o que afirma, entre outras coisas, o “golpista de Miami”, o arregimentador de grupos paramilitares, nessa entrevista:

O que queremos fazer é capturá-lo [ao presidente Maduro], leva-lo à prisão, levá-lo ao tribunal e limpar a Venezuela não só de pessoas como Maduro. Queremos limpar a Venezuela de tudo aquilo que destruiu o país, de todos os militares cubanos, da corrupção, das drogas e começar um novo país[9].

O governo venezuelano tem reagido a essa ofensiva da burguesia e do imperialismo com firmeza, porém com moderação. Insistentemente, Maduro chama a população a se manifestar de forma pacífica e a não aceitar provocações. No plano institucional, interna e externamente, reafirma-se a todo o momento como governo legítimo, eleito, constitucional e democrático, o que, obviamente é. Esses parecem ser os limites do governo Maduro na conjuntura atual.

Esses pronunciamentos em favor da institucionalidade se somam ao sólido apoio que o governo bolivariano continua a manter nas Forças Armadas e na Guarda Nacional, o que dificulta sobremaneira o golpismo. Se isso é provavelmente fundamental para barrar o golpismo, é, também, insuficiente para avançar nas lutas e conquistas da classe operária e demais classes exploradas da Venezuela.

Na luta de classes que se trava no país, nos parece essencial que o proletariado, a massa pobre, os comunistas, os sindicatos, as organizações populares tomem a liderança da mobilização popular e derrotem a ofensiva da burguesia e do imperialismo na luta, nas ruas. Somente dessa maneira conseguirão, além de derrotar o golpismo, empurrar o governo para frente, para aprofundar o processo bolivariano, ampliando as conquistas populares e o protagonismo dos trabalhadores do país.

E é preciso, é indispensável, avançar. O governo bolivariano é, fundamentalmente, um governo anti-imperialista, possivelmente o mais avançado da América do Sul nesse aspecto, mas ainda nos marcos do capitalismo[10]. Somente uma maior organização autônoma da classe operária, liderando as demais classes dominadas e a população pobre do país, forjada na luta de classes contra a reação, a burguesia e o imperialismo, poderá seguir adiante, rumo à construção do socialismo.



[1] MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. (1848). Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007, pg. 68-69. Outra tradução em português está disponível na internet em http://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap4.htm.
[2] Sobre o golpe de Estado de abril de 2002 na Venezuela, ver o importante documentário irlandês A Revolução Não Será Televisionada, de 2003, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MTui69j4XvQ.
[3] Considerando as cotações médias anuais, o preço internacional do petróleo, que estava em US$ 24,3 por barril, em 2001, subiu sem parar até a crise de 2008, atingindo US$ 97. De 2003 a 2008 sempre foram registradas taxas anuais de crescimento de dois dígitos, chegando a mais de 40% em 2005. Essas informações são de base de dados do FMI, disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2013/02/weodata/index.aspx.
[4] O preço do petróleo caiu 36% em 2009 e só superou o valor de 2008 em 2011. O PIB da Venezuela caiu 3,2% em 2009 e 1,5% em 2010.
[5] Ver as denúncias do artigo A Solidariedade com a Venezuela Bolivariana é uma Exigência Revolucionária, de Miguel Urbano Rodrigues, de 6 de março, disponível em http://www.odiario.info/?p=3203.
[6] Ver as matérias da Folha de São Paulo Militares Ocupam Praça Oposicionista na Venezuela (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/156941-militares-ocupam-praca-oposicionista-na-venezuela.shtml), de 18 de março, sobre a morte do quarto militar da Guarda Nacional, e Venezuela Tem Mais Duas Mortes Ligadas a Protestos (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/03/1427819-venezuela-tem-mais-duas-mortes-relacionadas-a-protestos.shtml), de 20 de março, sobre a morte de funcionário da prefeitura que desmontava as barricadas oposicionistas.
[7] Ver a matéria A Oposição Fast-Food, na Carta Capital de 26 de fevereiro, disponível em http://www.cartacapital.com.br/revista/788/a-oposicao-fast-food-8603.html.
[9] Ver o vídeo referido na nota anterior, a partir de 12:30 minutos. Transcrito a partir das legendas do programa.
[10] Editorial da Tribuna Popular, jornal do Partido Comunista da Venezuela, de 27 de fevereiro, aponta compreensão similar do processo bolivariano, dos limites do governo e da necessidade da mobilização popular (http://prensapcv.wordpress.com/2014/02/27/editorial-tp-no-233-amplia-unidad-clasista-y-popular/).

4 comentários:

Anônimo disse...

Caros companheiros,
Gostaria de fazer um comentário breve sobre a participação do imperialismo americano nessa tentativa de golpe na Venezuela. Pode ser que em trinta anos, os EUA divulguem o que estão tramando agora. Mas para bons entendedores, os sinais públicos já devem bastar.
A primeira ameaça assumida do governo americano veio do Secretário de Estado John Kerry, que em meados de março ameaçou adotar "sanções" contra a Venezuela. Além disso, segundo ele, os EUA estão preparados para "se envolver de várias formas, com sanções ou de outra maneira" (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140313_venezuela_sancoes_eua_lk.shtml). Precisa ser mais explícito?
A mesma matéria da BBC afirma que o Senado americano já está discutindo projeto de lei para as sanções, além de destinar US$15 milhões para a oposição venezuelana.
E por falar em dinheiro, coisa que não falta ao imperialismo para financiar golpes de estado pelo mundo afora, o imperialismo já colocou também o FMI no jogo para financiar o pais, claro que assim que mudarem suas políticas... Para o FMI seria "bem vinda a oportunidade de discutir os desenvolvimentos econômicos e as prioridades de políticas com as autoridades venezuelanas ... o FMI está preparado para assistir o governo" (http://www.imf.org/external/np/tr/2014/tr032714.htm).
Quando se trata do imperialismo, caros camaradas, o buraco e bem mais embaixo. Como bem dizia o Che, não podemos confiar nem mesmo um tiquinho assim. Nada!

Anônimo disse...

Camaradas,

Li com atenção esse interessante artigo sobre a Venezuela que vocês publicaram. No documento, vocês analisaram diversos pontos relevantes da luta de classes no país: o imperialismo dos EUA, o golpismo da burguesia que sempre se beneficiou com exclusividade dos recursos do petróleo, a mudança de enfoque dos governos chavistas, aumentando a distribuição dessa renda aos mais pobres, o caráter anti-imperialista do governo, etc.

Ao mesmo tempo, vocês não deixaram de apontar seus limites: a ausência de mudanças significativas na estrutura econômica do pais, ainda exclusivamente vinculada ao petróleo, e a dependência que isso traz dos ciclos da economia internacional (que define a atual crise econômica do país) e o próprio caráter de classe do governo, que não é socialista, e sim busca confusamente seu caminho em uma política capitalista, integrada ao mercado internacional, porém anti-imperialista, anti-EUA.

No entanto, ainda assim, vocês definem apoio ao governo Maduro, contra o imperialismo e contra o golpismo da burguesia venezuelana. Eu acho essa postura acertada. Na verdade, não me parece haver outra opção ao analisarmos a situação concreta da luta de classes na Venezuela.

Gostaria, apenas, de ressaltar duas coisas.

Primeiro, o mais importante é perceber que a posição estratégica dos comunistas é a de buscar construir seu trabalho junto à massa proletária do pais, junto às demais classes dominadas e apresentar sua perspectiva socialista, de que a única solução definitiva é a derrubada do regime do capital.

Segundo: embora o apoio a Maduro, na situação atual seja indispensável, os comunistas não podem se iludir com ele, não podem entregar toda a ação necessária ao governo e ficar de espectadores, não podem deixar de fazer seu trabalho cotidiano, militante, dentro de sua própria perspectiva estratégica. É com essa organização e luta que os comunistas e o proletariado venezuelano podem barrar o golpe e fazer avançar a luta de classes no país.

Sobre os limites de Maduro, vou copiar em outro comentário suas mais recentes entrevista e artigo.

Saudações comunistas

Anônimo disse...

Primeiro, o artigo que Maduro publicou no New York Times, de acordo com a tradução do Resistir (http://resistir.info/venezuela/artigo_nyt_02abr14.html). Noto, antes de mais nada, que o Resistir trocou o título do texto. No original, o artigo chama-se "Venezuela: a call for peace", algo como "Venezuela: um chamado para a paz". No Resistir virou "Os 1% de privilegiados, com o apoio dos EUA, querem derrubar o governo legal". Cada um pode tirar suas próprias conclusões...

Obviamente, o texto em um dos principais jornais dos EUA, alinhado com o Partido Democrata, de Obama, é um aceno ao diálogo, à uma solução negociada com os EUA. Se, por um lado, a OEA, com a participação americana, não tem tido voz na questão venezuelana, sendo substituída pela Unasul, sem participação dos EUA, eis que agora os EUA são reintroduzidos na questão pelo próprio governo bolivariano.

"Agora é um momento para o diálogo e a diplomacia". "Também fizemos um apelo público ao presidente Barack Obama, exprimindo nosso desejo de intercambiar embaixadores novamente. Esperemos que a sua administração, tal como os elementos menos radicais da oposição interna na Venezuela, responde de maneira recíproca". (Maduro).

Eu avalio que esse aceno não terá resultados concretos e acho que os próprios bolivarianos também sabem disso. Pode ser uma tentativa de evitar que o governo ou o Congresso americanos imponham sanções ao país. O artigo me parece, assim, mais uma tentativa "diplomática", para não dizer que o governo não é moderado, democrático, seguidor das regras do jogo institucional.

E esse é o limite de Maduro que eu gostaria de destacar.

Se é certo e necessário denunciar o golpismo da burguesia do país e do imperialismo, apenas essa denúncia - de que se busca derrubar "ilegalmente" o "governo democraticamente eleito", "legal", "constitucional" - é insuficiente. Apenas denunciar ataques físicos, ataque a "instituições públicas", uso de "bombas molotov e pedras", "ações violentas" que causaram "milhares de milhões de dólares de prejuízos" é por peso demais em ilusões jurídicas (todos os termos entre aspas são do artigo de Maduro). Neste texto e no próximo, não há chamados aos trabalhadores, ao povo, para que saiam às ruas, para que defendam "seu" governo.

O chamado à paz (e a ação dos aparelhos repressivos de estado) podem até evitar o golpe, mas não farão avançar a consciência e a organização das massas. Claro que isso é o papel do Partido Comunista, não do governo bolivariano, mas não deixa de ser relevante notar esse limite em Maduro.

Anônimo disse...

O segundo texto é uma entrevista publicada na Folha de São Paulo (íntegra disponível em http://www.defesanet.com.br/al/noticia/14784/MADURO---Extrema-direita-provoca-o-caos-para-derrubar-o-governo/). Nessa entrevista, Maduro segue o roteiro de "defesa da democracia", do "governo constitucional", contra a "violência de rua", contra "o caos e a ingovernabilidade" (de novo, todos os termos entre aspas são de Maduro). Duas frases, no entanto, são muito significativas:

"Todos os países têm problemas, que surgem por uma conjuntura, por causas naturais, sociais ou por políticas equivocadas. E isso justifica a violência, derrubar governos legítimos e democráticos no mundo? Não".

"Para isso há democracia. Para que as pessoas saiam, digam o que querem, o que sentem, e para que os governantes façam o que têm que fazer para resolver os problemas".

Ressalto que tanto o artigo quanto a entrevista podem ser apenas o discurso "para fora" do governo Maduro, para ganhar aliados ou tentar paralisar inimigos. Essa atividade diplomática pode ser importante para a Venezuela. Não podemos ser esquerdistas e não considerar isso uma possibilidade.

Mesmo com essa ressalva, as frases parecem revelar outros aspectos importantes da política de Maduro e de sua forma de enfrentar a crise atual. De uma certa forma, a primeira frase parece vir de um governo acuado, isolado, sem capacidade de levar a luta de classes na Venezuela adiante. Já a segunda expõe uma visão burocrática, meramente institucional do processo bolivariano, igualando-o a qualquer governo em qualquer canto do mundo. Ao povo não cabe agir, ser protagonista, mas apenas pedir ao governo...

Devemos seguir acompanhando com atenção a evolução da luta de classes na Venezuela, discuti-la com todos os companheiros, e aprender as suas lições.